Caranguejo
Fora de Rabo de Peixe, todos são rapexins. Em Rabo de Peixe, uns são Homens do Mar outros são Homens da Terra.[1] Para os da Terra, rapexins são os Homens do Mar. Eles são rapeichenses. Mundos separados. E opostos. Que se ignoram. Desprezando-se. Guerreando-se.[2] Hoje, além de uns restinhos que ainda restam, restam ‘estórias’ desses tempos.[3] À luz baça da distância, que suaviza, umas são agridoces outras hilariantes. Posto este arengado inicial, que terá o surf e o bodyboard (fulcro deste e dos trabalhos anteriores) a ver com isso? Tem, porque vou aqui (essencialmente) tratar dos filhos dos Homens do Mar de Rabo de Peixe (sobretudo do Caranguejo e do Barreiro) que se iniciaram nessas modalidades.[4]
E, todavia,
o nome da Terra vem do Mar. Acerca dele, Gaspar Frutuoso dá-nos
a escolher entre duas origens. Uma primeira, derivaria do aspecto de uma rocha
costeira dali: ‘(…) Por estar situado em
uma ponta de terra e penedia, que sai ao mar, parecendo rabo de peixe (…).’
Uma segunda, viria de um gigantesco peixe que dera à costa: ‘ porque se achou ali no princípio, junto do
mar, um peixe muito grande, sem se poder saber que peixe fosse, se era baleia
ou de outro nome, e pelos mouros, que naquele tempo ali guardavam gado, foi
dependurado o rabo dele em um pau e dali a dias perguntando a um de donde
vinha, respondeu que do rabo de peixe.’[5] E rapexim?[6]
Terá começado por ser um vulgar tratamento dos moradores de Rabo do Peixe? Que adquiriria
um sentido depreciativo? Foi assim? Não sei. Ainda que rapexim possa ter vindo de fora, a hipótese de ter sido inventado pelos Homens da Terra é
plausível. Era uma forma deles se demarcarem
dos Homens do Mar. Do outro. Chamar
alguém de rapexim, seria chamá-lo de pedinte. De manhoso. Ou algo que o valesse.
Uma comunidade segregada? Era então a
regra (não a excepção) em toda a ilha (e além dela). É mesmo (dizem-nos os cientistas
sociais) uma tendência muito humana das
comunidades humanas. Dos animais em geral. Como
terá acontecido isso? Há indícios, não certezas. Uns míticos outros com alguma
base histórica, que apontam (porventura) para uma origem (mítica ou real,
insisto) étnica e religiosa dos moradores do Caranguejo e da Cova da Moura. Mouros!
Pior: Muçulmanos![7]
Frutuoso fala de guardadores de gado Mouros. Que numa versão, teriam sido os que
deram o nome de Rabo de Peixe. Há outros indícios na toponímia local: a canada
da Meca e a Cova da Moura. E há casos (estórias). Uma dessas ‘estórias’ foi contada a Manuel Falcão
Estrela ‘por uma pessoa mais velha, junto
ao pau da luz, defronte da canada da Faveca.’[8] A
forma arrastada (e, em certas ocasiões, gritada) do falar do Caranguejo poderá (eventualmente,
interrogo-me com cautela) ser outro vestígio?[9] Uma
comunidade fechada por força das circunstâncias? Porque a pesca exigia proximidade
constante ao mar. E disponibilidade absoluta. Não havia horários. Mesmo que
quisessem sair normalmente, não poderiam. Porquê? Simples: os Homens do Mar barravam-lhes
o acesso à Terra. O Barracão do Peixe (construído no século XIX ou já no XX)
era uma fronteira que fora construída (de propósito) no limite (máximo) Norte do
Caranguejo e no limite (máximo) Sul dos Homens da Terra. Por ali também ficavam
o Posto da Guarda e a Lota. Eram espaços inevitáveis. Isso porque a Terra
carecia dos produtos do mar e o Mar carecia dos produtos da Terra. Porém, era
uma fronteira vigiada. A entrada principal do Barracão era feita pelo lado da
Terra. Os do mar entravam por trás. Claro, os vendilhões de peixe circulavam
pelas ruas da Terra. E bastava. Isolamento (supostamente) que poderá ter favorecido
a manutenção daquela maneira (gritada e arrastada) de um mouro falar português?
Não sei. Depois, o peso decisivo da economia da Terra em desfavor da do Mar. À
vinha do tempo de Frutuoso e ao trigo cultivado nas ubérrimas terras do Pico da
Pedra e das Calhetas, que só haviam entrado na Ribeira Grande depois de 1507, a
partir de meados do século XVIII, acrescentou-se a fantástica fonte de riqueza da
cultura da laranja. Exigiam um domínio de saberes distintos: uma coisa eram as
artes do Mar (peixe de fundo, de superfície, mariscos) outra as artes da Terra
(quintas, vinhas e terras). E uma forma diferente de encarar aquelas
actividades: enquanto o Homem do Mar arriscava continuamente a sua vida no mar,
o Homem da Terra, não. Tudo isso cavou um fosso entre as duas comunidades. Daí
a distância social e cultural entre o Caranguejo e a Terra? As artes nobres da
Terra contra as artes pobres do Mar?
De
onde virá o nome Caranguejo? Também não sei. Mas, talvez (talvez) possa
chegar a uma (qualquer) resposta (mais ou menos) razoável por vias travessas: ‘O caranguejo era usado como isco e engodo e
era apanhado à noite com a ajuda de lanternas.’ Disse-me o Sr. Manuel Maiato
(mais adiante transcrevo o seu depoimento completo). E em dias de mar grosso, ‘o caranguejo fugia do mar em terra.’ Disse-me
o Sr. José Vieira, um pescador (conversa que transcrevo mais adiante). E daí? Atiro
barro à parede? Para os Homens da Terra, existiriam paralelismos (evidentes) entre
o comportamento do caranguejo (crustáceo) e o dos Homens do Mar. Um aviso: uma verdade empírica que,
para eles, bem como para o senso comum de então, seria um verdade científica incontestável.
Evidente. Onde existiriam esses paralelismos? A começar, crustáceos e humanos
partilhavam o mesmo habitat: a rocha. O caranguejo movimentava-se aos magotes
por cima das rochas. O mesmo sucedia aos apanhadores de isco. Os homens
dependiam dos caranguejos (isco e engodo). O caranguejo reproduz-se em grande
número. O mesmo acontecia aos Homens do Mar. Virá daí o nome Caranguejo? Infelizmente, não há provas. Nada de
espantar. Numa sociedade em que a oralidade dominava, outra coisa não seria de
esperar. Seja qual for a origem do nome Caranguejo, dizer que alguém é (ou era)
do Caranguejo (isso é certo) nunca foi elogio. Muito pelo contrário. Carregava um peso negativo.
Qualquer coisa como pouco ou nada civilizado.[10]
Para quem
conheça mal Rabo de Peixe, o bairro do Caranguejo vai da praça (do barracão) ao
mar. Ora, se alguma vez foi assim, hoje já não.[11] São três
bairros: o do Caranguejo (propriamente
dito) que vai (indo de Sul/Norte) da praça ao mar, terminando (a Nascente) na Foto Torres; o do Barreiro – ou bairro Novo -, que vai da Foto Torres ao Campo de jogos das crianças (a Nascente); e o do Biscoito, que vai do campo de jogos das
crianças à Fábrica da Cofaco (a Nascente.[12] O Caranguejo (em si mesmo) é formado por
três ruas principais (mais travessas) perpendiculares (no sentido Norte/Sul) à
rua de Nossa Senhora de Fátima (outrora rua da Ribeira Grande): a Rua do Pires
(do Coreto para baixo); rua da Cruz (a do meio); e a rua Dr. Galvão de Carvalho
(antiga rua dos Leitões) (do Café do José Carlos para baixo. Foram sendo
construídos em épocas distintas: enquanto o Caranguejo virá (poderá vir) dos
primórdios do povoamento, o Barreiro é da década de sessenta do século XX e o do
Biscoito do pós 25 de Abril de 1974. Havia
só pescadores naquelas três ruas e travessas? Consultando o Rol de
Confessados de 1915-17, a resposta é (nestes três anos) não.[13] Nos 73 agregados da rua do Pires, havia 29
pescadores para 15 camponeses; na da Cruz, em 70 agregados, 37 pescadores para
16 camponeses; e na dos Leitões (actual rua Dr. Galvão de Carvalho), em 73
agregados, 15 pescadores para 25 camponeses. O Caranguejo ocuparia toda a área daquelas três ruas e suas travessas?
Também não. Da relação entre camponeses e pescadores, atrás referida,
presume-se que o fosse só a partir de determinado ponto daquelas ruas. No ponto
mais próximo do porto e da rocha? Possivelmente, por ser importante esta
proximidade. Hoje, em termos
demográficos, que lugar ocupam os três bairros do litoral (Caranguejo,
Barreiro e Biscoito)? Dizem-nos os censos de 2011, que a maioria da população
de Rabo de Peixe vivia naqueles três bairros. Em ‘1032 alojamentos,’
viviam ‘935 famílias clássicas, num total
de 4.679 residentes. Homens 2431 (1605 adultos e 826 com menos de 18 anos) –
2248 mulheres (1455 adultas e 793 com menos de 18 anos).’ E que ‘95% das famílias ali
residentes’ garantiam
‘a subsistência em actividades ligadas ao
mar.’ ‘Na pesca, trabalham
aproximadamente 1200 pessoas (verificando-se aumento em relação a 2001).’ [14]
Como é Rabo de Peixe na memória
de quem lá vive?
Fui falar com o Sr. Manuel Maiato. Nasceu há 85 anos, a dois passos do porto, na
rua do Pires.[15]
É um dos (poucos) que (então) saíram do Caranguejo. Teve uma vida profissional
de muito sucesso. Entre outros cargos que desempenhou, foi vereador na Câmara
da Ribeira Grande e Presidente da Junta de Rabo de Peixe. O pai era pescador.
Não tinha barco seu, fazia parte de uma campanha. Iam pelas ruas, batendo às
portas, ‘pro porto,’ já sabiam que
era trabalho. O caranguejo era usado como isco e engodo e era apanhado à noite
com a ajuda de lanternas. Assim encandeava o caranguejo. Será daí que vem o nome do bairro do Caranguejo? Não sei. Nunca
ouvi qualquer explicação a esse respeito. Dizer
que alguém era do Caranguejo não era
um elogio? Não, não era. Os da terra tratavam os do mar de forma superior.
Não havia mistura. Eu fui o segundo ou o terceiro a casar cá em cima. Havia uma
separação completa entre os Homens do Mar e os da Terra. Aos poucos, abriram-se
brechas.[16]
E a versão de um homem da terra? Fui conversar com o Sr. José
Maria do Amaral. Tem 84 anos, trabalhou com meu pai no Registo Civil da Ribeira
Grande: ‘frequentei no Continente um
seminário das Missões. Mas, no final do 2.º ano, vim de férias e não regressei.’
Começou a ir na romaria aos 9 anos. O pai era o mestre. Depois, foi mestre. Pescadores? Diferentes dos homens da
terra. Em quê? ‘Na maneira de falar diferente. Arrastado. Falavam alto. Muito. Hábito
do mar. Termos diferentes.’ Tais
como? ‘Puxa para riba.’ O falar
de Rabo de Peixe, como fora de Rabo de Peixe se dizia generalizando?[17] ‘Sim.’ Os cá de cima, não falavam assim? ‘Não. Distinguiam-se.’ Não seria para se
diferenciarem? Digo eu. Continuou: ‘Trabalham
de modo geral à noite e dormem de dia. Percebem um bocadinho do tempo.[18] Viviam lá em baixo. A campanha a isso
obrigava. Não havia telemóveis. Quando iam para o mar, era bom que residissem
por perto. Iam de porta em porta avisar.[19]
Os homens da terra eram diferentes. Achavam-se superiores. Olhavam de cima para
os do Caranguejo.’ Isso ia ao ponto de ‘ao
pé da Praça, um Senhor Leonel e outro de apelido Faúlha, fazerem por impedir os
pescadores de subirem e os da terra de descerem. Hoje já não é assim, Alguns
pescadores, ainda que poucos, trocaram a vida do mar pelo do campo.’ Iam nos romeiros? ‘A maioria era do Caranguejo e dali de baixo.’[20] E as procissões? ‘Vão lá baixo a de Nossa Senhora do Rosário, a do Sr. Dos Passos - há um
Passo lá em baixo, a de S. Pedro Gonçalves.’[21]
E o que diz disso alguém que
nasceu e vive no Caranguejo?
José Vieira, 79 anos, é pescador desde criança. Como era costume. Mora na rua
do Porto, uma rua secundária. Duas casas abaixo do Café do porto. É só
atravessar a rua e já se está na Lota. Antes das obras, o mar chegava à sua
porta, e quando estava muito bravo, passava da sua porta. Aquilo ali era terreiro.
O pai foi pescador. O avô foi pescador. E o pai dele. Começou por um barco a
remos. À vela. Iam até aos Mosteiros. À Maia. Quando o mar estava ‘ruim’ no
Norte, iam pescar ao Sul. Levavam o barco num camião. ‘Andei com o meu tio no mar. Em 1985 comprei um barco. O Apolo 168. Com
motor de oito cavalos.’Conhece muito bem os pescadores da Ribeirinha e da
Ribeira Grande. E os da Ilha. E conhece de uma ponta à outra a Ribeira Grande. Porque é que isso aqui se chama Caranguejo?
‘No tempo do meu avô era já assim.’ O
caranguejo vinha aqui? ‘No tempo do meu
pai e já do meu, antes das obras aqui, quando o mar estava ruim o caranguejo
subia cá para cima. Fugia do mar.’ Vocês
davam-se bem com os lá de cima? ‘Era pancadaria!’ ‘Não deixavam a gente ir lá
para cima. Os lá de cima também não vinham cá para baixo.’ Mas vocês andavam juntos na escola: ‘O professor separava a gente.’ E na igreja? ‘Era também separado.’ E no
futebol e no voleibol? ‘Pancadaria.’ Porquê? ‘Não sei. Era
a gente e os lavradores.’[22]
E o que diz disso um pescador de quarenta
anos que nasceu lá mas já não vive lá? Alexandre Miguel, de 43 anos, tem barco, pai pescador, avô e
sempre para trás: De Abril/Maio a
Setembro pesca no Norte. No resto, está no porto de Vila Franca. Tem um casal
de gémeas. Jogam no Vitória. Ele próprio joga nos Veteranos do Vitória. Estudou
na Básica Integrada. Na Escola Profissional da Ribeira Grande.’ A malta nova adere à pesca? ‘70%. Felizmente. Não o
meu filho. Hoje, a pesca está muito diferente. Muita hora de trabalho. Não há
horários. De dia, de noite. Tudo depende das várias artes.’ Artes?
‘Atum, palancra, lula. Troley. Rede.’
Pedindo-me desculpa por abreviar conversa, disse: ‘Vou
ter de ir embora: vou fazer o almoço para as minhas filhas. Que estão na Escola
Profissional.’[23]
Quem diria! A
mentalidade do antigo pescador, graças à escola (sobretudo a Escola
Profissional da Ribeira Grande) tem mudado comportamentos. O porto é o maior
dos Açores. A comunidade piscatória é a maior dos Açores. Os mais esclarecidos,
apostam na valorização do preço do pescado, na apanha do sargaço, e no turismo
de pesca.[24]
A Terra
deve muito ao Mar. Até o nome. A água que bebia (salobra) vinha de um poço da
beira-mar. A equipa de futebol é mais conhecida por clube dos Pescadores. Se o
(fabuloso) apoio que Rabo de Peixe conseguiu se destinou (essencialmente) aos do
Mar, por tabela, beneficiou também os da Terra. Ironicamente,
foi a série Rabo de Peixe (de 2023) que ao ficcionar o episódio real (e
dramático) da cocaína de 2001, contribuiu para trazer visitantes (locais e
estrangeiros, sobretudo no Verão) ao Caranguejo. O que, porventura, terá ajudado
a criar (alguns) dos 71 alojamentos locais e a mantê-los lotados.[25]
A estátua do pescador,
inaugurada em 2004 marca o aperto de mãos das duas comunidades de Rabo de
Peixe. Gesto de gratidão. E de reconciliação.[26] Vendo
de perto, bem de perto, restam dúvidas: será que aquele aperto de mãos
simbólico foi um sonho tornado realidade logo ali? Ou apenas um primeiro passo
para que o sonho se venha a cumprir? Nem todos em Rabo de Peixe (e fora de Rabo
de Peixe) terão visto assim o gesto. Ou ligado a ele. O preconceito é nódoa que
não sai de um pé para a mão. Será que a cerca sanitária imposta exclusivamente
à área a Norte da Praça (Caranguejo, Barreiro e Biscoito) partiu exclusivamente
de dados da ciência ou trouxe consigo algum preconceito?[27]
Falta
criar o Museu (multipolar) da Terra e do Mar, onde, de forma científica, se explicaria
a vida e a história do Homem do Mar e da Terra.[28]
PS:
Trilhando o bom caminho, no
dia 7 do corrente, na 8.ª edição do Prémio Cinco Estrelas Regiões, Rabo de
Peixe foi premiado com um ícone na categoria vilas e aldeias. Parabéns!
Caranguejo
(Vila de Rabo de Peixe – Concelho da Ribeira Grande)
[1]Açoriano
Oriental, Ponta Delgada, 23 de Outubro de 1852, p. 4: Para os de fora, haveria motivos para mete o Caranguejo e
a Terra no mesmo saco. Em Outubro de 1852, assunto largamente divulgado na
imprensa de então, a tripulação faminta do navio francês Caxa-Marim foi
espancada e roubada pelo Regedor e pelo seu secretário, no caso, o seu próprio
filho. Levados à justiça, foram condenados a penas pesadas. Resultado: a
reputação da freguesia saiu mal do episódio. Franco, Hugo, Quando a coca
era vendida em copos de imperial a 500 escudos, Expresso, 18 de Maio de 2019,
p.22; Mathew Bremner, The
Guardian, London, May 10th, 2019: E motivos bem recentes também: Em 2001, ainda
que o caso não dissesse apenas respeito a Rabo de Peixe (ao Caranguejo), o
episódio da cocaína não ajudou a melhorar a ancestral imagem negativa. A nível
nacional e internacional. Houve alguns indivíduos que se aproveitaram, porém,
Rabo de Peixe (no seu todo) pagou as favas. A partir de 2010, uma campanha
nacional e internacional por parte da comunidade de surf para salvar as
magníficas (e únicas) ondas da baía, viria a sair derrotada. Raquel
Albuquerque - Expresso de 09/10/2021: De tal maneira a má reputação se colou à terra, que, não obstante o
enorme investimento e esforço despendidos por várias entidades e indivíduos
(nacionais e internacionais) para contrariar (por diversas formas), que, em
2021, pessoas da terra entrevistadas pelo jornal Expresso de Lisboa ainda se
queixavam da fama. A terra ia além das desgraças. E estava bem melhor. Os de
fora só viam a parte má.
[2] Isso
sem considerar as prováveis excepções, que sempre as há.
[3] Para entrar com o pé direito nesse ambiente, é ficção com muita base real, parte documental, parte vivida pelo autor ou absorvida na memória da sua família, recomendo: Costa, António Pedro, O som dos búzios, 2022.
[4] Vivo há perto de
duas décadas nas Areias de Rabo de Peixe. E nasci e cresci na sede do Concelho
da Ribeira Grande, ao qual Rabo de Peixe pertence desde os primórdios. Antes de
mais, vou tentar atirar ao lixo ideias feitas acerca do que foi ou se pensa ter
sido o Caranguejo, o (mal afamado) bairro rapexim de Rabo de Peixe.
[5] Frutuoso,
Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV; Falando de baleias, havia (e há) mais
baleias no Norte da Ilha e aí (havia) mais ao largo de Rabo de Peixe. É o que
nos diz ainda Gaspar Frutuoso.
[6] Pintura de Domingos
Rebelo. De 1937, tem por título ‘Pescadores
de Rabo de Peixe.’
[7] Da Cova da Moura tratei quando tratei das Calhetas.
[8] Estrela, Manuel Falcão Viveiros, Almas deste e do outro mundo, 2000, (A Cova da Moura), pp. 113-119.
[9] Além de Gaspar
Frutuoso, veja-se: Costa, Francisco Carreiro da, Etnologia dos Açores, Volume I, Lagoa, 1989, pp. 364-371; Estrela,
Manuel Falcão Viveiros, Almas deste e do outro mundo, 2000, (A Cova da Moura),
pp. 113-119; Idem, O Chico e o Bai-Bai,
2000, (Os Pescadores; O falar) pp. 45-50.
[10] E que nome (porventura) dariam os Homens do Mar aos Homens da Terra? Será que dariam? É bem possível que (além da pancadaria) o tenham feito, seria uma forma de contra-atacarem, porém, tanto quanto pude apurar até agora, não há prova disso.
[11] Fui recentemente várias vezes lá. Conversei com pessoas. Entrei em tascas.
[12] Testemunho de
Manuel Andrade, final de Março de 2025.
[13] Igreja do Senhor
Bom Jesus (No coro amontoados): Róis de Confessados, Senhor Bom Jesus, Rabo de
Peixe, 1915-1917. Aconselha-se um estudo mais sistemático dos róis).
[14] Farias, Ruben, Hominis
Aqua. A comunidade piscatória de Rabo de Peixe, 2015, pp. 46-47.
Oficialmente, no último censo da população
Rabo de Peixe tem 8.801
habitantes.
[15] Nasceu
numa casa da rua do Pires (n.º 95?) de facto a 11 de Março de 1940 mas só foi
registado a 27 de Junho. Explicou-me que por complicações do parto. Que não
sendo resolvidas, anos mais tarde, levou a que a mãe (diz ele) tenha morrido de
problemas cardíacos. Tinha 60 anos.
[16] Ler: Ataíde,
Luís Bernardo Leite de, Etnografia, arte e vida antiga dos Açores, Volume III,
Edição Facsimilada, 1974, (A festa dos pescadores de Rabo de Peixe), pp. 318-330;
Teodoro, Hermano, Rabo de Peixe: Ciclo do Espírito Santo, Suplemento
patrocinado pela Junta de Freguesia de Rabo de Peixe, Estrela Oriental, Ribeira
Grande, Agosto de 2001. Testemunho de Manuel Estrela Maiato, 85 anos, 18 de
Março de 2025:‘Frequentavam, porém, a igreja, o Cinema, o futebol. E o Santinho do Mar? A imagem estava na
igreja. A procissão vinha ao porto. Os barcos formavam duas filas. Dava a volta
e regressava. Havia duas equipas rivais: os brancos (dos homens do mar) e os
vermelhos dos homens da terra.
[17]Estrela, Manuel, O Chico e o Bai-Bai, 2000, (O falar)
pp. 45-50.
[18] Ataíde,
Luís Bernardo Leite de, Etnografia, arte e vida antiga dos Açores, Volume III,
Edição Facsimilada, 1974, (Os mares do Norte), pp. 195-204.
[19] ‘Precisavam de
morar ali.
Traziam o peixe do porto em palancas
(Cesto grande de asas, carregado por dois homens). Para o Barracão. Era lá
vendido. Por eles próprios.’
[20] ‘Não iam por
devoção. Iam por promessas. Ou até para comerem melhor naquela semana.’ E as trincadeiras (castanholas)? ‘Ligadas às Despensas. Cada despensa tinha um
grupo. Ao longo do ano, o dono do barco, retirava um dado quinhão para comprar
o gueixo, boi e dividir a carne pela campanha. As castanholas (trincadeiras)
vinham cá cima.’
[21] Testemunho José
Maria do Amaral, 84 anos, 19 de Março de 2025: E no desporto? ‘No voleibol,
nos anos 50/60, conheci três grupos: Santana, Marítimos (pescadores – campo no
bairro Novo) e São Sebastião (no Cine São Sebastião). Vinham as equipas da
Maia, Ribeira Quente, de Vila Franca. Depois, veio o futebol: os Brancos
(pescadores).’
[22] Testemunho de
José Vieira, 80 anos, 5 de Abril de 2025
[23] Testemunho
Alexandre Miguel, 43 anos, 19 de Março de 2025.
[24] Ouvi isso numa
conversa com o Ruben Farias (do Clube Naval) e lendo uma entrevista de 2021 no
jornal Expresso (Raquel Albuquerque - Expresso de 09/10/2021).
[25] Porém, a esmagadora maioria situa-se na cintura chique das quintas e Santana, longe dos bairros piscatórios.
[26] Fora percorrido um longo caminho. O serviço militar de gente da Terra e do Mar, forçou laços de identidade. O mesmo se diz da emigração. Onde na década de noventa foi criado em Toronto o Grupo dos Amigos de Rabo de Peixe. Uma única equipa de futebol na década de oitenta. A Escola Profissional na de noventa. As despensas dos Homens da Terra que seguem a dos Homens do Mar. A elevação a Vila em 2004. Em 2005, o Círculo de Amigos que junta gente esclarecida com projectos para Rabo de Peixe. Em suma, alguns dos muitos passos que tem feito retirar Rabo de Peixe da letargia e do esquecimento.
[27] Nota de 12 de
Abril de 2025: A densidade populacional, o facto de as casas estarem muito
juntos, a mentalidade de alguns dos seus moradores, terá levado a isso.
‘Ninguém controla aquela gente’ Ouvia-se os de cá de cima. Há episódios (confirmados?)
de gente dali a sair da cerca por mar. Iam ao Porto Formoso. Lá apanhavam um
táxi e iam às compras. Ou de quem se escondesse nas carrinhas de distribuição
de peixe. Ou fosse pela rocha para os lados das Calhetas.
[28] Raquel Albuquerque - Expresso de 09/10/2021: Filipa
Teles, uma aluna da Escola Profissional da Ribeira Grande no seu trabalho de
fim de curso, sugeriu a criação de um Museu da Pesca de Rabo de Peixe, que
mostraria os tradicionais luleiros, chicharreiros e palangreiros. Insiste na
proposta em 2021.
Comentários