Vida
de José Vieira SOPAPO
Pergunta
por José Sebastião Vieira Frisado. Ninguém sabe. Por José Vieira. Ninguém sabe. Por José Vieira Sopapo. Já sabem.[1]
Na Ribeira Grande, o Ti Josué, um velho pescador do porto de Santo Iria, que
morreu neste mês de Maio, tratava-o por Vieirinha.
Ao descer ao bairro, levava uma só ideia: encontrar alguém que, falando da sua
vida, falasse da vida da geração mais velha do Caranguejo. Encontrei José
Vieira Sopapo. Tem setenta e nove
anos. Aos doze - noutra ocasião, corrigiu para treze -, foi para o mar.[2]
Aos setenta e seis, o coração obrigou-o
a deixar o mar. Posso falar com o senhor? Quando quiser. Estou sempre por aqui.
Aqui ou na rua ao lado. E assim foi durante semanas. Dessas conversas, e de
outros que se juntaram, saiu-me esta conversa.
Sábado de Aleluia. Pescadores em terra. Cafés
rente ao porto. Cheios. Carros às portas. Sol. Manhã de Verão. Olhando para o
mar, lancei-lhe um isco. O mar era uma lagoa. Não tiro da cabeça (nem escondo) que
quero perceber a vida das famílias dos miúdos dali que aprenderam surf e bodyboard. Mordendo no isco, José Vieira Sopapo diz: ‘em criança
brincava nas ondas às carreiras de barriga.’[3]
Onde brincavam? ‘No calhau.’ A que brincavam? ‘Ao pião. Ao
pateiro. À bola de pano a vólei.’ E
na água, além das carreiras de barriga? ‘Fazia-se barquinhos de madeira. Nadava-se. Mergulhava-se de cima da
pedra.’ Andavam no mar em cima de tábuas? ‘Não, isso foi os mais novos.
Iam roubar bocados de madeira ao Manuel Cesta [calafate]. Andavam assim na água.’ E os bidões de lata? ‘Isso era para fazer barquinhos. De bidões de
óleo. Rachavam ao meio. Era também os mais novos.’ Via os que vinham de fora com pranchas? ‘Via. Às vezes 10, 12 dentro
de água. Acabou para aí há uns cinco anos com o muro encostado à rocha. Boas
pessoas davam-se com a gente. Ainda há rapazes daqui que vão para o Bandejo [Monte
Verde]. Vão também ao mar [à pesca] durante a semana. Sábados e Domingos no
Verão vão para a Ribeira Grande todo o dia. Levam um saco com comida, vão de
manhã e voltam à noite.’[4]
Como
eram as casas aqui? Mesmo ao lado da sua, indicou com a cabeça: ‘Nesta
minha casa moraram três famílias. Famílias com 10/11/12 filhos. Tudo a viver na
mesma casinha. Isso ficou melhor com
o Bairro dos Pescadores [década de sessenta do século XX]. Pagava-se uma renda de 20$00 por mês. Era
dinheiro.’ Além disso, eram (e são ainda) casas pequenas: ‘Os quintais são pequenos. Ou não há quintal.’
Continua ‘a minha mulher estendia a
roupa a secar no calhau. Muitas estendiam na rua.’ Era na rua que as linhas
de pesca eram estendidas. Com casas pequenas,
a rua era a extensão natural da casa:’‘A
gente fazia muita vida na rua. Já não se vê 10, 15 pessoas das pessoas daqui,
aqui fora a jogar cartas ou a conversar.’ Com tempo bom, com as festas do
bairro, o ‘Santinho do Mar, as Despensas
e as Coroas,’ a vida fora de portas explodia. As festas continuam a fazer
transbordar as casas, fora disso, diz Sopapo, ‘agora está tudo metido dentro de casa.’[5]
Quem
é José Vieira Sopapo? Pescador. Nasceu ali há setenta e nove anos
no dia de São Sebastião. Daí ser José Sebastião. Casou com uma prima direita, que
lhe deu quatro filhos: três raparigas e um rapaz. Os filhos deram-lhe quinze
netos. Os netos deram-lhe dezasseis bisnetos. Cinco dos netos residem no Canada
e na América.[6] As
duas filhas e o filho, que ficaram na Ilha, moram perto.[7]
Filho, sobrinho, primo, amigo e neto de pescadores, eles próprios já netos de
avós pescadores, foi para o mar com doze anos (dias depois, corrigiu para treze
anos: ‘saí da escola com doze, aos treze
fui para o mar). Duvido. Pelos costumes do bairro, é provável que tenha ido
(ainda) antes dos doze/treze. Bem escondido no fundo do barco para o cabo do
mar não dar com ele. Afinal, era um dos ritos de passagem de miúdo a crescido. Não será por isso que repetiu a terceira classe? Perdeu
algum ano? ‘Fiz de novo a terceira classe.’
‘Saí com 12 anos. Estive da primeira à
4.ª classe na escola do Rosário com o professor Carlinhos, o professor Leonardo
e a professora Olívia. Tive 18 valores.’ [8]
O seu baptismo oficial deu-se num ‘barco
a remos e à vela,’ de cujo nome não se recorda.[9]
O 140. O barco do tio Sebastião Vieira. Irmão do pai. O tio que lhe valeu de
pai ainda antes de o pai morrer. O pai, de quem herdou o nome José, morreu do coração aos quarenta e seis
anos. Mas há anos que andava doente, ‘tinha
39 anos quando deixou de ir ao mar, bebia muito. Ainda pescava de caniço. Fui
várias vezes a pé para a Lagoa pescar com ele. A minha mãe deu por ele
estendido no lado de fora da porta do quintal. Estava no barco de meu tio a
pescar diante da Ribeira Grande.’[10]
Teve de ‘ir ao mar para ajudar a
sustentar a família.’ O irmão Manuel, mais velho uns oito anos, já lá
andava: ‘entregaram até casar o quinhão à
mãe.’ Enjoava no barco? ‘Primeiramente, ainda foram umas 4 a 5 vezes,
depois habituei-me. Era rapazinho.’ Como
se protegiam da chuva no barco? ‘Antigamente,
a roupa vinha da costura e a gente cobria com óleo de bacalhau e deixava secar.
Não entrava água. Agora compra-se ‘roupa feita.’ E do sol? ‘Barretes ou chapéu
de palha.’ O que faziam na ida e na
volta dos pesqueiros? ‘Ia-se dormindo
ou conversando. Para passar o tempo.’
E, em terra? ‘Preparava-se os
aparelhos para ir ao mar e descansava-se. Aos domingos e pelas festas a força
não ia ao mar.’
Tirando o tempo em que esteve na tropa, dois
meses e meio no Canadá e quinze dias na América, com mar bom, Sopapo sempre andou no mar. Após a
recruta tirada na Ilha, foi para Cabo Delgado, em Moçambique. Onde ainda se
encontrava em 1970.[11]
‘Casei em Setembro de 67, em Outubro fui
para a tropa. Em 68 fui para o Ultramar e cheguei da tropa em Setembro de 1970.
Quando fui para a tropa, a minha mulher estava grávida de seis meses desse que
passou agora aqui (Salvador).’[12]
De lá mandava aerogramas de cá recebia cartas: ‘levavam meses a chegar. Só soube do mau filhos mais de três meses
depois. Nasceu na Ribeira Grande. Na Assistência.’[13]
Ainda no Ultramar, através de carta do irmão
Manuel, foi-lhe proposto a ‘compra a
meias de um barco.’ Seria o Auxiliadora,
porém quando chegou cá, o barco era só do irmão Manuel. Mal regressou da guerra,
foi para o mar. Veio um tempo de noroeste muito forte. Quase virou o barco.
Barco pequenino. Fomos parar à Ribeira Quente: ‘Não morri na guerra, vou morrer no mar!’
Não tardou a tentar o Canada. Em 1971: ‘Trabalhei lá no esborralha [construção
civil] dois meses e meio. Fui cortado.’ Nesse
mesmo ano, ou no seguinte, o tio Sebastião teve melhor sorte: ‘lá ficou, lá fez toda a sua vida e lá
morreu.’ Era forte a tentação para sair: ‘só da minha família foram mais de vinte. E daqui foi muita gente.’ Pescadores? ‘Montes deles. Há mais de quinhentos pescadores de Rabo de Peixe na
América. No meu tempo para o bacalhau foram uns trinta ou quarenta. O meu filho
[José Salvador Cabral Vieira, Salvador,
57 anos. Já avô. Já foi submetido a uma operação ao coração. Não vai ao mar. Do
outro lado da rua, em silêncio. Mantinha uma distância de respeito antigo] já foi lá três vezes.’[14]
Fechada a porta do Canada, teve que fazer
pela vida em São Miguel. Casado e com filhos, ‘ao fim de três anos de vir do Ultramar,’ diz ele, ‘comprei a casa por 18 contos a Avelina do
Santo Cristo. Foi para o Canadá. Era viúva. O marido era pescador. Chamava-se
Augusto.’[15] Morara,
até então, na casa da sogra (que era tia). Para comprar a casa da viúva Avelina,
teve de pedir emprestado à Caixa da Misericórdia. Que pagou às prestações.[16]
Suaves. Entretanto, continuou a trabalhar no barco do tio. E manteve-se ainda a
trabalhar naquele barco por mais uns três anos já depois de o primo Augusto ter
comprado o barco ao tio Sebastião. Fazendo (certamente) contas à vida, decidiu
que chegara a hora de comprar o seu próprio barco. Havendo (inicialmente)
falhado o negócio a meias com o irmão, quando ainda estava no Ultramar, tendo o
tio emigrado (provavelmente) em 1978, trintão e pai de filhos, um deles, o Salvador,
já com 12 anos, compra em 1981 na Lagoa um
barco ‘com motor de oito cavalos, o Apolo 168.’ Porém, passado algum tempo (não me sabe precisar exactamente
quando) descobre que precisa de um barco novo: ‘andei ainda com ele [Barco velho] assim.’ Vende o velho (sem a respectiva licença) por cinquenta
contos para o Porto Formoso ao Manuel Baboso ou a algum dos Frades da Ribeira
Grande (não se lembra bem). Negócio que satisfaz o novo dono que ia ‘ao musgo e às lapas,’ e a Sopapo que precisava de um barco novo para
tentar ir a pesqueiros novos.[17]
Havendo despachado o barco velho, mandou fazer de raiz um barco novo.[18]
Em 1987, ‘o Leonardo em quatro semanas
fez-me um barco novo. Trabalhava nas garagens rente ao mar. Ao lado onde está
uma barraca. Custou-me 250 contos e o motor 380 contos.’[19] Com
os cinquenta contos do barco velho, foi de novo à banca: ‘levei dois anos e meio a pagar em prestações.’[20]
Não precisou de tirar nova licença (vendera o velho sem a licença), e manteve o
nome original: Apolo 168. Enquanto
isso, diz ele: ‘andei noutros barcos. No
barco do Caravela. No barco do Bexiga. Ao chicharro.’[21]
Se tudo lhe corresse bem, pensou, a vida ir-lhe-ia melhorar, nem que fosse ‘um pouco.’
Para poder ser mestre, teve de ir estudar: ‘para a carta de mestre.’ Teve ‘de ir de novo à escola.’ Aí aprendeu a
ler cartas e outras coisas de marinheiro.
Não foi fácil: ‘Eu ia perdendo. Fiz
mal três.’[22] Talvez
por ter um pouco de mais largueza, em 1983 ou 1984, vai à América visitar uma
irmã. Que tem (hoje) mais de 90 anos. São os únicos sobreviventes de seis
irmãos: dois rapazes e quatro raparigas. Só lá esteve quinze dias. O barco não
deveria ficar muito tempo em terra.
Pescou em diversos locais, chegou a
aventurar-se a Santa Maria e às Formigas.[23]
Onde quer que houvesse peixe à volta da Ilha, lá ia. Perto da costa e de casa,
a ‘250 braças de profundidade, mesmo aqui fora [c.300 metros]. Goraz, Alfacim, Boca negra. Cherne.’ Saía
de Rabo de Peixe às 7, 7/30 e às 3.30 já trazia peixe para terra. O peixe melhor para venda (diz-me) ‘é o do Nordeste: Rocaz, congro, pargo
moreia.’ Nem sempre iam a casa dormir. Quando ‘a gente ia pescar para a Maia, ficava a dormir lá ao relento. Debaixo
do barco. Uma semana. Vendia lá o peixe.’ O mesmo sucedendo quando ia
pescar para o Porto Formoso, Ponta Delgada, Mosteiros, Água de Pau, Ribeira
Quente, Vila Franca. ‘Ia na segunda e
voltava na sexta.’ Vinha a casa dormir quando ia ‘para a Ribeira Grande [Santa Iria]. A gente vinha a pé para casa. E
voltava.’ Havia quem fizesse o mesmo quando pescavam para a Lagoa. Hoje,
com meios de transporte próprios, a relação de Rabo de Peixe com a ilha é outra:
‘Os barcos daqui que estão em Vila
Franca, Lagoa e Ponta Delgada ficam lá. Vão ao chicharro. São de boca aberta.
Os pescadores é que regressam a casa. Quase tudo é pescado lá.’
A ida ao sul da ilha ou a outras ilhas, leva
(levou) os pescadores de Rabo de Peixe a entrar (por vezes) em conflito (umas
vezes, apenas resmungos, outras, um pouco mais do que isso) com pescadores desses
lugares. Acham que os ‘rapechins’ estão
a invadir os seus ‘territórios.’ Que são
agressivos na pesca. Por isso, nem sempre foram recebidos de braços abertos: ‘Em Água de Pau e em Vila Franca queriam correr com a gente. Sabiam que a
gente era muito despachada.’ E mesmo na Lagoa: ‘Foi a mulher de um que nos defendeu. Vocês ficam em casa a dormir, não
vão à pesca e não querem deixar trabalhar quem quer trabalhar! Foi remédio
santo. Um deles até ficou muito amigo de meu tio Sebastião.’ Domingos
Andrade, Minguinhas, de cinquenta e
poucos anos, chegou-se (em outra ocasião) à conversa: ‘Na Terceira a gente gosta da Praia. É mais sossegado. Em São Mateus é
gente ruim. Vocês querem apanhar tudo de uma vez só.’[24]
Na rebusca por peixe, onde quer que haja
peixe, Sopapo frequentou pesqueiros (alguns)
bem longe da costa da Ilha: ‘Cheguei a ir
fora da Ferraria. Ao banco D. João de Castro. 53/54 Milhas fora da Ferraria.
Num barco de boca aberta. 9 / 7 Horas de viagem. Às Formigas. 54 Milhas.’ E
foi a ‘Santa Maria. Num barco com motor
de 120 cavalos. Fazia 8 – 9 – 10 milhas à hora.’ Com barcos maiores equipados
com motores mais potentes, foi possível ir ainda mais longe:[25]
‘Agora, há muitos pescadores daqui na
Graciosa. Na Terceira. São Jorge. Deixam o barco lá e vão a casa de avião.’[26]
Como
aprendiam a pescar? ‘Vendo
os mais velhos.’ Hoje, já não chega: ‘Depois
dos 17 anos é obrigatório tirar a cédula. Até lá, ainda podes ir com
autorização. Depois, se fores sem carta, se és apanhado pagas uma multa de 600
euros. Tens que ter o 9.º ano e
frequentar um curso. Para carta de mestre, tens de ir de novo à escola.’[27]
Explica Sopapo. Como viam se estava bom tempo para ir ao mar? Ainda Sopapo ‘[apontando para as nuvens] Com cerros a gente não ia. Às vezes a gente estava no mar. Hoje o
telemóvel diz tudo.’ Numa outra ocasião, Leonardo Vieira Rebelo, de
sessenta e alguns anos, foi pescador no mar e calafate em terra e trabalhou na
Lota umas três décadas, disse-me que também ‘viam pelo zoar do mar.’[28] No Norte, volto a Sopapo, ‘os três piores mares
era os de oeste, noroeste e Norte.’ O de
‘nordeste é bom.’ No Sul, ‘para a
cidade, [Ponta Delgada] o pior é de
sueste e de les-sueste.’ Como se
orientavam no mar? ‘Maqueava as
marcas da terra: alacárias, casas, igrejas.’ Quando estava ‘cerrado,
usava-se a agulha.’ Quem descobria pesqueiros
dizia aos outros? Minguinhas: ‘Não durava muito o segredo.’
Esses
mares, imprevisíveis, ruins, causaram acidentes que ninguém esquece. Alguns
fatais: ‘Três morreram nas Calhetas. Estavam a recolher as redes e o mar pegou
no barco. E seis nos Fenais [da Ajuda].
Foi também com uma rede. Quem estava ao leme, encandeado pela luz, não viu a
ponta e o barco entrou pelo calhau da Cabra dentro. Pai, filho e genro. Ti Rezendes, Jacinto, Bela Aurora. Os três mais
velhos desapareceram. Os três mais novos foram encontrados no calhau.’ Nesse
último, Sopapo, já regressara do Ultramar:
‘Era já pai dos dois mais velhos. Isso foi há mais de 50 anos. Em 72, 73.’[29]
Outros episódios, acabaram em bem. O que envolveu Sopapo e Salvador, é um
deles. Sentado no outro lado da rua, José Sebastião Vieira Salvador (não há parentesco entre ele e Sopapo). Um pouco mais novo do que Sopapo. É reformado.[30]
Na ocasião, cada um pescava no seu barco. Havia um terceiro barco por perto. Dia
claro. Mar chão. Conta Salvador: ‘Um tubarão furou o barco no sítio do motor.’
‘A gente estava a puxar uma moreia e o
tubarão pegou na moreia. A moreia é como uma cobra. Deu luta. O tubarão quis-se
livrar dela. Se não fosse eu, tinham morrido sete. Foi um tal tirar água. O barco foi rebocado para dentro por dois
barcos.’ Sopapo entra na conversa: ‘O
mar estava morto. E eu [recorda]
viro-me para meu tio. Aquele barco vai virar. Como é que vai virar? Vai, vai
virar. Meu tio, para me calar, deu-me com a mão. Isso aconteceu há mais de quarenta anos.’[31]
No
barco trabalha a campanha e o dono/mestre: ‘Pescadores, os companheiros, e o mestre que pode ser dono
ou não do barco. São 6,7,8 ou 3, conforme a embarcação. Antigamente chegavam a
ir 15/16 aos chicharros.’[32] As campanhas eram rivais? ‘Ninguém gosta de ter menos sorte na apanha.
Até já houve guerras.’ Diz Minguinhas. Quinhões? ‘Dois quinhões
para o barco, eram três se o dono fosse para o mar, para o mestre, e o resto
era dividido pela campanha. Depende das artes. O do chicharro é que dá mais
quinhões para o dono.’ Ajudava ter
filhos machos? Sopapo: ‘Vinham mais quinhões. Ia o pai, levava
quatro, cinco filhos. Alguns não iam com o pai. Não gostavam.’ As mulheres vão à pesca? Minguinhas: ‘Aqui (na Ribeira Grande) só
conheço a mulher e as duas filhas do Manuel Baboso. Aqui em Rabo de Peixe nunca
foram. Na Terceira – São Mateus -, em terra elas aprontam os anzóis.’ Nisto,
passaram por nós duas mulheres com tabuleiros. Minguinhas: ‘vão armar os
anzóis em casa.’ Ainda não fizera sessenta anos, quando Sopapo vendeu o seu barco para Santa
Maria ou Flores. Foi trabalhar no do filho Salvador, o ‘Cláudio e Filipa.’ O filho vendeu o barco e comprou a traineira Mestre Vieira.’ Sopapo e os dois genros faziam
parte da ‘companha.’ Era a melhor ‘companha de Rabo de Peixe.’[33]
Trabalhou com o filho Salvador ainda ‘uns
15 -16 anos.’ Depois esteve ‘5 a seis
anos, no Santa Cruz, barco do genro Pedro Andrade. O 247.’[34]
Que ‘morreu do coração em Abril.’ Há
três anos, o ‘coração’ de Sopapo condenou-o a ficar em terra. Se a
pesca fosse um emprego, com mais de sessenta anos de mar, Sopapo estaria a
gozar a reforma numa ilha das Caraíbas. Não sendo o caso, a reforma pouco mais lhe
dá para sair do Caranguejo. Vê futuro
para a pesca? ‘Só com barcos grandes,
rente há costa não há peixe.’ Diz Sopapo.
A estátua do pescador, homenagem em bronze que louvei, só ficará completa
quando for o pescador a lucrar com o peixe que pesca. Digo eu.
À
minha primeira neta, neta de pescadores do Caranguejo
[1] Esse ali é o Pateta. Manuel Rebelo Andrade, de oitenta e quatro anos, apoiado
numa bengala, aproximou-se. O pescador mais velho é o Henrique da Palmira. Está internado no Hospital. Tem
noventa e quatro ou noventa e cinco. Disse Pateta.
[2] Nota de 21 de
Maio de 2025. Nesse dia, continuando a conversa, agora sobre a companha,
espontaneamente, falou em 13 anos.
[3] Surpreendido? Nada. Nadinha. Amigos
dele da Ribeira Grande da idade dele ou mais velhos, fizeram-no nas Poças. E
fora das Poças, na Maia, nos Mosteiros, na Ribeira Quente, em Vila Franca. A
bem dizer, na ilha que (já) conheço. E, sem que o saiba ainda, ainda assim,
creio poder lançar o isco do (muito) provavelmente
(também) fora da Ilha.
[4] Ainda não
confirmei a existência desses que praticam surf e bodyboard.
[5] ‘Os mais novos não respeitam os mais velhos como antigamente. À sexta à
noite vêm de cima para droga no porto.’
[6] Nota de 21 de
Maio de 2021: Hoje ‘todo babado de orgulho’ apresentou-me um neto que veio às
festas e está num AL das Calhetas. Vive em Montreal. E já tem filhos.
[7] Morreu-lhe
um bisneto aqui, o ano passado. Há dias, faleceu-lhe um genro.
[8] Testemunho de
José Vieira, 22 de Maio de 2025.
[9] Inicialmente havia
dito que fora no Nossa Senhora da Luz e misturara os números, o primo em
segundo grau, José Horácio Vieira, em 11 de Maio de 2025, corrigiu: ‘Era o 17. Tenho a certeza. Era do meu tio
Sebastião Vieira. Eu sou primo do José Sopapo, meu pai comprou a ele e eu
comprei a meu pai Augusto Vieira. Depois comprei o Condessa dos Mares, a José
Mirodo, irmão de Sebastião Vieira, tios de meu pai.’
[10] Testemunho de
José Vieira, 22 de Maio de 2025.
[11] Na guerra fez amizades. Que resistem. Com gente da
Terra, que já conhecia da escola, com gente da Ribeira Grande e da Ilha. Ou de
fora. Na vida do mar na ilha, fez outras tantas. Sólidas. Sobretudo na costa
Norte. No porto de Santa Iria, porto de salvação dos pescadores de Rabo de
Peixe, com o José Elias, os Pretos, os Frades. Alguns, casaram com mulheres de
Rabo de Peixe ou da Ribeira Grande. Conhecia bem os pescadores das Calhetas,
ali mesmo ao lado: o António Grilo e o Palanca, que eram de Rabo de Peixe mas
que haviam casado nas Calhetas. Conhecia o João Feleja, da Maia, o Leonel, o
Eugénio, o Américo, o António Couvinha, do Porto Formoso. Os Fangulhas dos
Fenais da Ajuda. No fundo, conheceu todos os pescadores da costa Norte e Sul da
Ilha.
[12] Testemunho de
José Vieira, 21 de Maio de 2025.
[13] Testemunho de
José Vieira, 22 de Maio de 2025.
[14] Incluo nota de
21 de Maio de 2025. Salvador em conversa comigo hoje, disse-o.
[15] Testemunho de José Vieira Sopapo, 21
de Maio de 2025.
[16] Testemunho de José Vieira Sopapo, 22 de Maio
de 2025.
[17] Testemunho de
José Vieira Sopapo, 26 de Maio de 2025.
[18] Nota de 26 de Maio de 2025: Ainda não esclareci se fez a entrega do barco velho antes ou depois de encomendar o barco novo.
[19] Testemunho de
José Vieira, 21 e 22 de Maio de 2025.
[20] Testemunho de
José Vieira Sopapo, 22 de Maio de 2025.
[21] Testemunho de
José Vieira Sopapo, 22 de Maio de 2025.
[22]Testemunho de José Vieira, 14 de Abril de 2025.
[23] Testemunho de
José Horácio Vieira, 11 de Maio de 2025: ‘O
primeiro barco de Rabo de Peixe a ir ao banco D. João de Castro foi o meu. O
Nossa Senhora da Luz. Que era do meu tio Sebastião. Tio também do José Vieira
Sopapo. Somos primos. Podes perguntar isso a quem quiseres.’
[24] Testemunho de
Domingos Cabral Andrade, 3 e 10 de Maio de 2025. O Minguinhas é pai do Minguinhas,
outrora promessa de surf do professor
Luís Melo. Da leva de João Flor, outra promessa do surf. Minguinhas, deixou o
surf pela pesca. Tal como João Flor.
[25] No Sul: [Dr. José
Pereira Botelho], Cantigas Populares
oferecidas à Sociedade dos Amigos das Letras em São Miguel, 1854; No Norte:
Ataíde, Luís Bernardo Leite de, Os mares
do norte, Etnografia, arte e vida antiga nos Açores, volume III, Edição
Facsimile, 2011, pp. 318-330.
[26] É o que confirma Minguinhas: ‘Com o plotter e o
GPS a gente aventurou-se. Com barcos mais potentes. O governo ajudou. Agora a
gente vai a toda a parte.’
[27] Testemunho de José Vieira, 14 de Abril
de 2025.
[28] Testemunho de
Leonardo Vieira Rebelo, 9 de Maio de 2025: E ‘olhava-se para uma rocha das
Calhetas e uma outra pedra (que me indicou) junto ao porto e também se via se
estava bom ou não.’
[29] Testemunho de
José Vieira, 10 e 11 de Abril de 2025.
[30] Quem me informou
disso (que aconteceu com ele) andou no mar até aos trinta anos, depois foi
trabalhar para terra com o António Mineira.
[31] Testemunho de
José Vieira, 16 de Abril de 2025. O Leonardo Vieira Rebelo, noutra ocasião,
sabe que os três barcos saíram nos Mosteiros.
[32] Testemunho de
outro pescador, hoje, 9 de Maio de 2025: ‘Há
barcos daqui que levam 10/11. Nos palangueiros. São 10/11 no mar e 10/11 em
terra. Os de terra preparam os aparelhos para os do mar. Ganham menos. Nos outros barcos da Ilha, vão uns 3 – 4.’ E
mais: ‘Os pescadores de Rabo de Peixe são mais de 90% da Ilha.’ E barcos? ‘Uns oitenta.’
[33] O mau ambiente que se vivia fez com
que desistissem um a um. ‘Culpa do dono.’
Acusa Sopapo.
[34] Morreu em cima da mota. Ainda dera-lhe
tempo de ir levar a esposa ‘a rezar o
terço ao Espírito Santo.’
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