Avançar para o conteúdo principal

Um dia no Três Pastorinhos







Um dia no Três Pastorinhos

Em Maio, no dia 28, fui no Três Pastorinhos ao cabeço da Ferraria, que fica a dezassete - dezoito milhas do porto de Rabo de Peixe.[1] Objectivo: sentir a vida a bordo de um barco de pesca de Rabo de Peixe. O Três Pastorinhos, propriedade dos mestres - arrais de pesca -, António Penacho, Baiboia e Mário Sebastião, Marinho, é uma das embarcações construídas de raiz nos Açores a partir de 2006.[2] Rabo de Peixe, com mais embarcações, cerca de cem, e com mais pescadores, é, ao que me dizem, pessoas e documentos, o maior porto de pesca dos Açores,[3] O seu molhe Norte, inaugurado em 2004, o seu molhe Sul, de 2014, as suas casas de aprestes, de 2006, a lota, da década de setenta, a diversa maquinaria de apoio, faz dele o melhor (e o maior) dos portos construídos nos Açores nesse período. Nos Açores, o esforço foi gigantesco. Pequenos (e mesquinhos) ancoradouros transformaram-se em portos e a (até então) pobre e antiquada frota piscatória passou a ser uma das mais modernas da Europa (do Sul).[4] Esse investimento (orçado em muitos milhares de euros) nas embarcações e nos ancoradouros, a que se deve juntar a oferta de cursos de pesca, mercê do apoio da União Europeia, pretendeu mudar a face da pesca açoriana.

O Três Pastorinhos, construído nesse clima renovador, saiu da oficina do calafate Gabriel Costa, oficina instalada no bairro do Barreiro, em Rabo de Peixe. É um barco de 12,5 metros por 3,70. Baptizado, foi lançado à água em 2007.[5] Cumpre os requisitos legais (equipamentos e arrais de pesca) para pescar além das doze milhas. Com um motor Hyundai de 230 cavalos. Anda a uma velocidade que varia entre os 7 e os 7,5 nós. Dispõe de sonda. E de GPS. Tem uma tripulação de doze companheiros: Leonardo Rebelo (pesca e mergulha); Manuel Vieira (pesca e mergulha. É primo segundo dos irmãos Miguel e António Penacho Baiboia); Ricardo Cabral (filho), Ricardo Cabral (pai) e Christopher Cabral (respectivamente, cunhado e sobrinhos de António Penacho Baiboia. António casou com uma irmã de Ricardo Cabral); Ricardo, pai e filho, pescam, Christopher serve isca (no final quis pescar e trocou com o primo Alexandre); Gualberto Tiago; António Penacho Baiboia (não largou o leme); Patrício Flor e Nelson Flor (irmão e primo. Ambos primos de Miguel e de António Penacho); Mário Sebastião (Marinho, cunhado de Miguel); Alexandre Penacho (filho de António, sobrinho de Miguel e primo de Ricardo e de Christopher).[6] Só Leonardo Rebelo e Gualberto Tiago, à primeira vista, não são familiares dos restantes. Somente um dos doze, mora no Rosário, os outros onze residem no Caranguejo, no Barreiro e no Biscoito. Fora o pai de António e de Miguel, que não ia ao mar mas trabalhava na lota, todos os pais dos outros iam ao mar. Tirando os donos do barco, já cinquentões, o António será um ano mais novo do que o Marinho, excepto Christopher, que tem dezanove anos, as idades andam entre os quarenta e os vinte e poucos anos. Alguns dos filhos (deles) querem vir para o mar. Outros, nem por isso. Alguns pais, poucos, chegam a desaconselhar os filhos a seguirem-lhes as pisadas. No entanto, a maioria segue os pais. Nem todos os que seguem os pais (porém) vão nos barcos dos pais. Gostam de música, desde a dos anos oitenta à actual. Frequentam cafés. Vão à praia, às festas, adoram futebol. Todos têm Cédula Marítima. Frequentaram cursos onde aprenderam Português, Matemática, Marinharia, Navegação, Técnicas de Pesca (parte teórica e prática).[7] O Ricardo Cabral (filho) fala Inglês. Recebem à semana. Formam um grupo de trabalho que vai para o mar ‘há anos. É uma boa equipa.’[8]

Há duas semanas, andavam no Sul ao atum. Fundeado (então) no porto de Vila Franca, o Três Pastorinhos era um dos dez barcos de Rabo de Peixe surtos naquele porto. Outros vinte, estavam em Ponta Delgada. Outros dois ou três, na Ilha Graciosa.[9] À noite, iam ao chicharro (isca do atum). De dia, iam ao atum. A 30 milhas fora da Ilha. Sem folgas. Havendo baixado o preço do atum, não compensava, deixaram de ir ao atum. Levaram (então) o barco de Vila Franca para Rabo de Peixe. Até Outubro/Novembro, o mar do Norte será o seu mar. Aqui, vão de segunda a quinta ao mar e descansam de sexta a domingo em terra. Saem do porto pelas seis da madrugada – reportando-me à viagem que testemunhei -, e regressam (dependendo da sorte da pescaria) a meio da tarde. Têm ido para o cabeço da Ferraria (lado poente da Ilha) mas também vão ao cabeço da Maia (lado Nascente). Por ora, ao cabeço da Maia tem ido o Lucrécia, o barco gémeo do Três Pastorinhos, propriedade de José Amaral Vieira e de António Vieira. Distinguem-se apenas pela cor: enquanto um é azul e branco, o outro, é vermelho e branco. [10] O Lucrécia foi reconstruído depois de 2007 nas oficinas do calafate Pedro Máscara. Também no Barreiro. A ideia é: se, porventura, num daqueles cabeços, o peixe escassear e no outro abundar, vão os dois pescar para o cabeço que ‘estiver a dar.’ Há acordo (de boca) entre os dois. Um ‘trato a meias: junta-se tudo e divide-se tudo a meias.

Com estes doze ‘companheiros,’ andei no Três Pastorinhos das 6 às 16. Levantei-me às três da madrugada. Vesti-me (roupa quente e confortável). Tomei o pequeno-almoço (ajantarado). Preparei três (enormes) sanduíches, de pão integral, três peças de fruta (diferentes) e litro e meio de água. Às 4:40 saí de casa. Às 4:47 estacionei o carro no largo da lota. Entrei no Café do Porto. Perguntei pelo Marinho. Às 5:30 está aqui. Pedi um café e um copo de água (da torneira). Num ecrã gigante passava um filme. A que os dois ou três fregueses, eu incluído, não ligavam pevide. Alguém lamentou não ir haver Domingo festa do Santinho (patrono dos pescadores). Um dos dois, que no barco descobri ser o António Penacho, Baiboia, discordou do outro, que, também no barco, descobri ser o Leonardo Rebelo. Para António, havendo procissão há festa. Para Leonardo, não.[11] Pelo meio da conversa, compraram cigarros e tomaram café. O interior do Café abafava. António foi sentar-se no lado de fora da porta. Sentei-me ao lado. Corria uma aragem fresca. O mar vai estar bom? Como ontem. A conversa derivou para a festa do Santinho. Fazem isso bem em Vila Franca e noutros lados, só aqui é que é assim. Lamentou-se. Nisto, chega o Marinho. Com o capuz enfiado pela cabeça. Queixando-se (sem pieguices) da coluna (ou de uma hérnia discal lombar). Entrou no Café. Comprou cigarros. Um refrigerante. Meia dúzia de rebuçados. Tomou café. Saímos. Eu e ele. A pé, passámos pelo edifício da lota, descemos ao porto. Enquanto nos dirigíamos ao Três Pastorinhos, atracado à doca do farolim verde, puxei pela conversa. Antes do Três Pastorinhos, tivera o Roqueira, um barco de 9 metros com motor de 210 cavalos. Vendera-o em Rabo de Peixe. Saíra há pouco para a pesca. Tem 53 anos. Começou a trabalhar com o pai e os irmãos aos 12/13 anos. Os irmãos estão ‘embarcados’ em Toronto. Ele próprio trabalhou quatro anos em Boston na construção. O filho mais velho trabalha no mar noutro barco. Como conheci o Marinho? Em Março, numa das primeiras conversas com José Vieira Sopapo, cruzei-me com ele na rua do Pires. Envergava uma camisola do Sporting. Atirei: Viva o Sporting! Isso antes de o Sporting vencer o campeonato e conquistar a Taça. Na Segunda-feira, a seguir à conquista épica da Taça, disse-lhe: qualquer dia vou contigo à pesca. Se quiseres, podes vir já amanhã. Vou na quarta! Está aqui no Café (do Porto) às 5. Se não trouxeres comida, não morres de fome. Comes da gente. Saía do porto um barco. No Três Pastorinhos, terminavam os preparativos para a saída. Um nadinha antes das 6, saltei para o Três Pastorinhos. Surpresa. ‘Vens connosco?!’ Era o Miguel Penacho Baiboia. Conhecera-o (como Alexandre Miguel) quando escrevi sobre o porto de Santa Iria.[12] Ao fundo, à ré, apesar da escassa luz, reconheci sem custo os que vira no Café do Porto.

Mestre António Penacho Baiboia ao leme. O mar era uma lagoa. Maré baixa. Barco rente à costa. Caía uma chuva miudinha. Chata. Não estava previsto! Sobre a roupa, quase todos, traziam ‘alvarozes’ impermeáveis. Verdes. Eu e o Marinho de pé a olhar para a costa. Porto das Calhetas. Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. Os antigos vinham aqui de barco pela festa da Boa Viagem. Disse-me. Fazia-se aqui como se faz em Vila Franca. Havia-me dito o António Penacho. Ainda no café. 7: 13. O dia abrira. O sol espreitara. E escondera-se. Chegámos à baía de Santo António. O barco parou. Motores a trabalhar. Era ali que iam apanhar a sardinha. O isco vivo. A petinga. ‘É a parte mais difícil do dia.’ Segredou-me Miguel. No calhau, bem perto do barco, via-se na perfeição, um calhauzeiro às lapas. Peúgos nos pés. O Leonardo Rebelo de fato de mergulho. O Manuel Vieira de calções. Água a 18 graus. Diz-me o Leonardo. Como sabem que há sardinha aqui? ‘A gente costuma encontrar aqui.’ Diz-me o Marinho. ‘Os antigos descobriam pelas ganhoas e pela penugem que há na água e as sardinhas comem.’ Continuou. ‘Hoje, a gente usa a sonda também.’ Os que vão (e hoje foram) ao cabeço da Maia, no Lucrécia, disse-me mais tarde o Miguel, fazem o mesmo no areal de Santa Bárbara. É proibido, porque é praia, e pode atrair ‘peixes ruins,’ mas à hora em que é, muito antes de banhistas e de surfistas lá irem, não ‘estorva ninguém.’ No barco e dentro da água, procuram pela sardinha. De pé, do alto da proa, o Alexandre e o primo Ricardo olham com olhos de milhafre. Na ré, a estibordo e a bombordo, todos olham fixamente. Na água, os mergulhadores nadam às voltas. Vão ‘enxotar’ a sardinha para a rede. António (sempre) ao leme. Vai manobrando. Aqui há: ‘lançam a rede à água.’ As sardinhas fogem. Tenta-se de novo. Desta vez, não escapam. Baldes e baldes de sardinha (miúda) vão enchendo a tina colocada no meio do barco. Isco na tina, o Três Pastorinhos arranca em direcção à Ferraria. Enquanto não se chega lá, come-se o que se trouxe em ‘coolers’ e mochilas. Que visse, só um trouxe comida de garfo. O resto, trouxe pão e conduto. Fruta. Pepinos (várias vezes ao longo do dia). Água. Só um ou dois bebeu refrigerantes (energéticos). Nada de álcool. Ninguém lançou lixo à água. Os que estavam sentados perto de mim, ofereceram-me comida. E sumos. Só comes isso? Faço dieta. Apanhei uma bactéria (estou a recompor-me). Também eu. De propósito, comi pouco. Não receava o enjoo, que me lembre, nunca enjoei, receava ‘dar-me vontade de ir à casa de banho e não haver casa de banho no barco.’ A medo, comi (apenas) o suficiente para não sentir fome. Intrigou-me (e ainda me intriga), ter só visto (ao longo do dia) uns dois a urinarem ‘borda fora.’ Claro, que também (com alguma ginástica) urinei encostado à parte mais baixa da ‘amurada.

De barriga (quanto baste) cheia, alguns (sobretudo os mais novos) foram ‘passar pelas brasas (metidos num espaço existente debaixo da proa).’ Outros, preferiram conversar. ‘Aquilo ali são redes ilegais. Estão a matar o peixe todo. Ninguém fiscaliza isso!’ Na ida e na volta, contei três ou quatro redes daquelas: ‘lançam de noite e recolhem de noite.’[13]A propósito da ermida de João Bom, falámos das romarias. O Leonardo e o Miguel vão no rancho de Rabo de Peixe. Eu ia nos ranchos da Matriz e da Conceição. Publiquei (mesmo) um trabalho sobre essas experiências. Trocámos episódios. O ressonar é o pior inimigo do romeiro. E as bexigas nos pés. Acrescentou o Leonardo. Mostrando marcas delas no seu calcanhar. Um estalido, uma voz, ‘o Brilhante’ da Estação Costeira, de vez em quando, lia boletins acerca do estado do mar.[14] Ninguém prestava atenção. O tempo era o que se via. Não era preciso estar atento.

Dobrámos a ponta da Ajuda da Bretanha. A mais a poente que se avista da Ribeira Grande. Vento de sudoeste. A ondulação faz o barco baloiçar. ‘Se te sentires aflito, estira-te ali (um espaço coberto à proa), e passa.’ Aconselhou-me o Marinho. ‘Dou-me bem no mar.’ Respondi. Às 9.40 a poita é lançada à água. O Três Pastorinhos chegara ao mar da Sabrina, no cabeço da Ferraria. Sentei-me sobre a tampa metálica que dá acesso aos beliches. Daí podia, sem atrapalhar ninguém, pensei, e bem, seguir toda a actividade no interior do barco. Ao redor do barco, cada um ocupa o seu lugar. A partir de agora e nas próximas duas horas, Chrys vai ser o nome mais badalado no barco. Serve (um a um) o isco no camaroeiro. Para atrair mais e mais peixe, lança à água o que sobrou. Pescam à linha.[15] Usam dedeiras. Munidos de anzóis n.º 8 e seda 0,70, o peixe a 18/19 braças (c. 25 metros) de profundidade, não tarda a ‘ferrar.’ Surgem gaivotas. Famintas. Umas duas, três ou quatro, prendem-se aos anzóis. Libertam-nas com as ‘pescadeiras.’ Às 9:43, Leonardo Rebelo faz a primeira captura do dia: uma bicuda. Uma baleia! O peixe não parava de ‘ferrar.’ O Miguel pesca o primeiro lírio segundos depois da primeira bicuda. Iça-o no ganha-pão. A puxeira ajuda. Seguem-se mais e mais lírios. Enormes. Uma fartura deles. ‘Esse peixe é o que vale mais. Vende-se a mais de 26 euros na lota. Oxalá a gente apanhe bastantes. Ontem foi uma miséria.’ Pelo ‘trabalhar’ dele no anzol, explicou-me o Miguel, ‘a gente sabe se o peixe é grande ou não e a qualidade, se é bicuda, serra, lírio.’

10: 19. O peixe não dá descanso ao ganha-pão. ‘Ui, tantos lírios, serras, bicudas. Deste sorte! Tens de vir com a gente mais vezes!’ Fumam enquanto pescam. Dizem piadas uns aos outros. Riem-se. Atendem o telefone. Coisas urgentes. Sem nunca quebrar o ritmo do trabalho.[16] Estava a ser testemunha de um trabalho de equipa e peras. Disciplinada. Cada vez entrava mais peixe: ‘puxavam-nos às braçadas.’ Cheias as caixas pequenas, o peixe passava para uma caixa grande. Onde era conservado em gelo. Lavavam (de imediato) as caixas pequenas com água salgada. Entrava uma bicuda (presa pela puxeira) e matavam-na batendo-lhe na cabeça. ‘Cuidado com os dentes. Já fui levar pontos por causa de uma.’ Respirava-se ‘adrenalina’! Suando, despem a roupa mais quente. Atiram-na para um espaço coberto da proa. Ficam em camisa de mangas curtas. O sol apertava. Não há toldo. Só no verão. Fora o Chris, todos protegem a cabeça. O Miguel tirou da mochila o protector solar. Não pões? Reforcei a minha dose. Já tive problemas com o sol. E eu também, disse-nos outro.

Após duas longas horas (ou mais) de boa pescaria, içou-se a poita. Quis-se tentar a sorte noutro ponto do cabeço: no mar dos Lourenços. Deu pouco resultado. Não tardou que regressássemos ao mar da Sabrina: mais um ou outro peixe, mas nada como de início. ‘O peixe dali estava de barriga cheia de sardinha. Já não ligava.’ Não mordia. Coisa que me disse o Miguel. O mar continuava (um pouco) mexido. Um todo nada menos. Pouco passava de uma hora da tarde. Decidiram regressar. Antes, porém, íamos parar na baía de Santo António. Se desse, ficávamos por ali. Se não desse, voltávamos para casa. Barco de volta à baía de Santo António, nova corrida às coolers e às mochilas. Mais pão e conduto. Refrigerantes. Água. Fruta. Pepinos. Matada (ou enganada) a fome, uns passaram pelas brasas, outros, preferiram ir conversando. De tudo um pouco se conversou. Chegados de novo à baía de Santo António, linhas para dentro de água. Pouco resultado deu.

14: 39. Sol a pique. Vamos para casa. Voltei à proa. Já lá estava o Ricardo Cabral (filho). Benfiquista. Começamos por falar em futebol. Num instante, a conversa passou para a vida do mar. O Ricardo (vinte e poucos anos) viveu sete anos com os pais em Toronto. Lá havia nascido o irmão Christopher. Andou seis meses a pescar nas traineiras do tio em New Bedford. Fala algum inglês (primeiro aprendido em Toronto, depois, aperfeiçoado na Ilha). Fez o nono ano (já cá). Tem um curso de pesca. ‘Trabalhei primeiro nas garagens. Um dia, meu pai, disse-me, vais para o mar. Vomitei meses seguidos! Na América cheguei a vomitar os comprimidos para o enjoo que a minha tia me deu. Tenho dois irmãos mais novos que não querem vir para o mar. Eu gosto. Perguntas à maioria dos miúdos de Rabo de Peixe se querem vir para o mar e a maioria quer vir. Mas é duro. Ao atum. Eu chego a casa, a minha mulher está a dormir, quando me levanto, ela já foi trabalhar. Mas gosto do mar. Dá adrenalina.

Pouco antes das 16 horas. O porto está cada vez mais próximo. Descemos da proa ao convés. Toda a gente (menos o António, que se mantinha ao leme) limpava (com água salgada) o barco. Ao fim de semana, é lavado com água doce. A sardinha que não foi usada, foi atirada ao mar. Tudo limpo. Arrumado. Amanhã à hora do costume. Alguém avisou. O Miguel, responsável pelo Diário de Bordo, mantinha-se atento. Tem de o entregar na lota. Nele vem registado o tipo de peixe capturado. E a quantidade. A sua falta dá multa. Mostrou-me o do dia anterior.[17] O peixe vai ser descarregado e guardado na câmara frigorífica da Lota de Rabo de Peixe. E amanhã é levado à lota de Ponta Delgada onde será leiloado às 5 da manhã. Na nossa lota só se leiloa a lula. O Três Pastorinhos entra no porto. Pouco passava das 16. Deixou (primeiro) uns quantos no cais de onde havíamos saído de madrugada e rumou (sem demora) com os restantes ao cais Norte (o inaugurado em 2004). Lá aguardava-nos uma carrinha. O Senhor gostou de ver o meu pai pescar? Era o filho do Miguel. Um moço alto e magro. Gostei e muito. Nisto, vem mestre António Penacho Baiboia na minha direcção com uma ‘senhora’ bicuda: é para ti. Tira a espinha. Disse. Agradeci. Despedi-me. Cheguei a casa, governei a bicuda, tomei banho, meti-me na cama. Acordei às 7 de quinta-feira. A esta hora, o Três Pastorinhos andará na sardinha. Pensei.

Doca, Vila de Rabo de Peixe (Concelho da Ribeira Grande)

PS: Semanas depois da saída no jornal, alguém perguntou-me: ‘estavam a ser sinceros ou fizeram-se à fotografia?’ Naturalmente foi sinceridade e pose, como em tudo na vida, porém, longe de ser teatro. Foi uma delicadeza genuína. Pensei. E penso. 



[1] Depois da minha viagem, em conversa com Luís Rodrigues, no caso de o barco não ter licença para transportar turistas, teria de obter licença na Capitania. Não sabia. O Luís Rodrigues, Miguel Penacho e Mário Sebastião são os meus principais informantes.

[2] Só o Leonardo Andrade construiu mais de 20, segundo José Vieira Sopapo.

[3] Luís Rodrigues, 4 de Junho de 2025: ‘É difícil chegar-se a números certos, por várias razões. Só talvez a Direcção Regional possa gter números mais fiáveis. Ruben Faria fala de perto de 100 embarcações. Liberato Fernandes em mais de metade de 171. Nenhum me adianta um número de pescadores. Fazendo uma média entre 7 e 14 companheiros por barco = c. 700? Depois, entre estes, pode haver os que só têm autorização mas não cédula.

[4] Testemunho de Luís Rodrigues, 3 de Junho de 2025.

[5] Segundo o Alexandre Miguel Penacho Baiboia, dia 1 de Junho, 2025: Já depois disso, sofreu algumas remodelações. Não me soube precisar quais ao certo. Falei com o Marinho, hoje, dia 2 de Junho de 2025. Foi alvo de melhorias substanciais. Feitas a expensas dos donos. Remodelação do convés. Criação de beliches. Motor. Sistema eléctrico. O trabalho de calafate pertenceu ao Mestre Manuel. Os trabalhos foram feitos no porto.

[6] Pela ordem em que se distribuem pelo barco no acto da pesca (a partir da ré, indo de estibordo para bombordo).

[7] Testemunho de Luís Rodrigues, 3 de Junho de 2025: Segundo o RIM (Regulamento de Inscrição Marítima). Que conhece actualizações.

[8] Testemunho de José Horácio Vieira, 31 de Maio de 2025. E segundo o experimente José Horácio Vieira, primo segundo de António e de Miguel, a quem falei disso.

[9] Testemunho de Ruben Farias, Abril de 2025.

[10] O Lucrécia é pintado de vermelho e branco e o Três Pastorinhos de azul e branco.

[11] Testemunho de Leonardo, 2 de Junho de 2025. Afinal, fez-se a procissão e enfeitaram-se os caminhos. Só não houve arraial. Para o ano, vão tentar melhorar.

[12] Na altura, foi um dos meus informadores. Voltara a falar com ele em Março. Dera-me dicas preciosas sobre com quem falar no bairro para perceber a vida do bairro.

[13] Não sei se tomei bem nota.

[14] Testemunho de Luís Rodrigues, 2 de Junho de Junho de 2025. A ideia da criação da Estação Costeira surgiu em 2003-2004. Esteve ligada à Cooperativa Porto de Abrigo. Em 2023 foi retirada e passou à alçada da Escola do Mar. Rodrigues, Luís, Mayday, Açoriano Oriental, 20 de Fevereiro de 2023.

[15] O Miguel também experimentou (fugazmente) a cana.

[16] Tarefas inicialmente difíceis de executar, mas, pela muita prática, tornadas fáceis.

[17] Trata-se de um formulário impresso (uma folha onde consta o nome das espécies, etc...).


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Moinhos da Ribeira Grande

“Mãn d’água [1] ” Moleiros revoltados na Ribeira Grande [2] Na edição do jornal de 29 de Outubro de 1997, ao alto da primeira página, junto ao título do jornal, em letras gordas, remetendo o leitor para a página 6, a jornalista referia que: « Os moleiros cansados de esperar e ouvir promessas da Câmara da Ribeira Grande e do Governo Regional, avançaram ontem sozinhos e por conta própria para a recuperação da “ mãe d’água” de onde parte a água para os moinhos.» Deixando pairar no ar a ameaça de que, assim sendo « após a construção, os moleiros prometem vedar com blocos e cimento o acesso da água aos bombeiros voluntários, lavradores e matadouro da Ribeira Grande, que utilizam a água da levada dos moinhos da Condessa.» [3] Passou, entretanto, um mês e dezanove dias, sobre a enxurrada de 10 de Setembro que destruiu a “Mãn”, e os moleiros sem água - a sua energia gratuita -, recorriam a moinhos eléctricos e a um de água na Ribeirinha: « O meu filho[Armindo Vitória] agora [24-10-1997] só ven...

Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos.

Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos. Pretende-se, com o museu do Arcano, tal como com o dos moinhos, a arqueologia, a azulejaria, as artes e ofícios, essencialmente, continuar a implementar o Museu da Ribeira Grande - desde 1986 já existe parte aberta ao público na Casa da Cultura -, uma estrutura patrimonial que estude, conserve e explique à comunidade e com a comunidade o espaço e o tempo no concelho da Ribeira Grande, desde a sua formação e evolução geológica, passando pelas suas vertentes histórica, antropológica, sociológica, ou seja nas suas múltiplas vertentes interdisciplinares, desde então até ao presente. Madre Margarida Isabel do Apocalipse foi freira clarissa desde 1800, saindo do convento em 1832 quando os conventos foram extintos nas ilhas. Nasceu em 1779 na freguesia da Conceição e faleceu em 1858 na da Matriz, na Cidade de Ribeira Grande. Pertencia às principais famílias da vila sendo aparentada às mais importan...

A Alvorada e o Império de São Pedro

  A Alvorada e o Império de São Pedro          Alvorada 1.ª metade do século XX   Alvorada 2007                Império de São Pedro:           Império de São Pedro:              Rabo de Peixe……………… Fenais da Ajuda   1. Alvorada ou Arvorada? Cavalhada ou Carvalhada ?   No primeiro documento conhecido que chama um nome à coisa, diz-se assim: ‘(…) cavalhada, vulgo, arvorada [sic] de Sam Pedro.’ (1875) No falar ouvido pelas ruas da sua terra de berço e área de influência, diz-se tudo ao dizer-se simplesmente: Arvorada ou Alvorada de São Pedro . Por ali, ouvem-se com a mesma facilidade com que se mete ar nos pulmões expressões como: Vais ver a Alvorada?   És o Rei da Alvorada? Vais na Alvorada? Quantos cavalos foram este ano na A...