Um dia no Três Pastorinhos
Em Maio,
no dia 28, fui no Três Pastorinhos ao
cabeço da Ferraria, que fica a dezassete - dezoito milhas do porto de Rabo
de Peixe.[1]
Objectivo: sentir a vida a bordo de um barco de pesca de Rabo de Peixe. O Três
Pastorinhos, propriedade dos mestres - arrais de pesca -, António Penacho, Baiboia e Mário Sebastião, Marinho, é uma das embarcações construídas
de raiz nos Açores a partir de 2006.[2] Rabo
de Peixe, com mais embarcações, cerca de cem, e com mais pescadores, é, ao que me
dizem, pessoas e documentos, o maior porto de pesca dos Açores,[3] O seu
molhe Norte, inaugurado em 2004, o seu molhe Sul, de 2014, as suas casas de
aprestes, de 2006, a lota, da década de setenta, a diversa maquinaria de apoio,
faz dele o melhor (e o maior) dos portos construídos nos Açores nesse período. Nos
Açores, o esforço foi gigantesco. Pequenos (e mesquinhos) ancoradouros
transformaram-se em portos e a (até então) pobre e antiquada frota piscatória
passou a ser uma das mais modernas da Europa (do Sul).[4] Esse
investimento (orçado em muitos milhares de euros) nas embarcações e nos
ancoradouros, a que se deve juntar a oferta de cursos de pesca, mercê do apoio
da União Europeia, pretendeu mudar a face da pesca açoriana.
O Três Pastorinhos, construído nesse clima
renovador, saiu da oficina do calafate Gabriel Costa, oficina instalada no bairro
do Barreiro, em Rabo de Peixe. É um barco de 12,5 metros por 3,70. Baptizado, foi
lançado à água em 2007.[5] Cumpre
os requisitos legais (equipamentos e arrais de pesca) para pescar além das doze
milhas. Com um motor Hyundai de 230
cavalos. Anda a uma velocidade que varia entre os 7 e os 7,5 nós. Dispõe de sonda.
E de GPS. Tem uma tripulação de doze companheiros:
Leonardo Rebelo (pesca e mergulha); Manuel Vieira (pesca e mergulha. É primo segundo
dos irmãos Miguel e António Penacho Baiboia);
Ricardo Cabral (filho), Ricardo Cabral (pai) e Christopher Cabral (respectivamente,
cunhado e sobrinhos de António Penacho Baiboia.
António casou com uma irmã de Ricardo Cabral); Ricardo, pai e filho, pescam,
Christopher serve isca (no final quis pescar e trocou com o primo Alexandre);
Gualberto Tiago; António Penacho Baiboia
(não largou o leme); Patrício Flor e Nelson Flor (irmão e primo. Ambos primos
de Miguel e de António Penacho); Mário Sebastião (Marinho, cunhado de Miguel); Alexandre Penacho (filho de António,
sobrinho de Miguel e primo de Ricardo e de Christopher).[6] Só
Leonardo Rebelo e Gualberto Tiago, à primeira vista, não são familiares dos
restantes. Somente um dos doze, mora no Rosário, os outros onze residem no
Caranguejo, no Barreiro e no Biscoito. Fora o pai de António e de Miguel, que não
ia ao mar mas trabalhava na lota, todos os pais dos outros iam ao mar. Tirando
os donos do barco, já cinquentões, o António será um ano mais novo do que o
Marinho, excepto Christopher, que tem dezanove anos, as idades andam entre os
quarenta e os vinte e poucos anos. Alguns dos filhos (deles) querem vir para o
mar. Outros, nem por isso. Alguns pais, poucos, chegam a desaconselhar os
filhos a seguirem-lhes as pisadas. No entanto, a maioria segue os pais. Nem
todos os que seguem os pais (porém) vão nos barcos dos pais. Gostam de música,
desde a dos anos oitenta à actual. Frequentam cafés. Vão à praia, às festas,
adoram futebol. Todos têm Cédula Marítima. Frequentaram cursos onde aprenderam Português,
Matemática, Marinharia, Navegação, Técnicas de Pesca (parte teórica e prática).[7] O
Ricardo Cabral (filho) fala Inglês. Recebem à semana. Formam um grupo de
trabalho que vai para o mar ‘há anos. É
uma boa equipa.’[8]
Há duas semanas,
andavam no Sul ao atum. Fundeado (então) no porto de Vila Franca, o Três Pastorinhos era um dos dez barcos
de Rabo de Peixe surtos naquele porto. Outros vinte, estavam em Ponta Delgada. Outros
dois ou três, na Ilha Graciosa.[9] À
noite, iam ao chicharro (isca do atum). De dia, iam ao atum. A 30 milhas fora
da Ilha. Sem folgas. Havendo baixado o preço do atum, não compensava, deixaram
de ir ao atum. Levaram (então) o barco de Vila Franca para Rabo de Peixe. Até
Outubro/Novembro, o mar do Norte será o seu mar. Aqui, vão de segunda a quinta ao
mar e descansam de sexta a domingo em terra. Saem do porto pelas seis da
madrugada – reportando-me à viagem que testemunhei -, e regressam (dependendo
da sorte da pescaria) a meio da tarde. Têm ido para o cabeço da Ferraria (lado poente da Ilha) mas também vão ao cabeço da Maia (lado Nascente). Por ora,
ao cabeço da Maia tem ido o Lucrécia, o barco gémeo do Três Pastorinhos, propriedade de José
Amaral Vieira e de António Vieira. Distinguem-se apenas pela cor: enquanto um é
azul e branco, o outro, é vermelho e branco. [10] O Lucrécia foi reconstruído depois de
2007 nas oficinas do calafate Pedro Máscara.
Também no Barreiro. A ideia é: se, porventura, num daqueles cabeços, o peixe escassear e no outro
abundar, vão os dois pescar para o cabeço
que ‘estiver a dar.’ Há acordo (de
boca) entre os dois. Um ‘trato a meias:
junta-se tudo e divide-se tudo a meias.’
Com estes doze ‘companheiros,’
andei no Três Pastorinhos das 6 às 16. Levantei-me às três da
madrugada. Vesti-me (roupa quente e confortável). Tomei o pequeno-almoço
(ajantarado). Preparei três (enormes) sanduíches, de pão integral, três peças de
fruta (diferentes) e litro e meio de água. Às 4:40 saí de casa. Às 4:47
estacionei o carro no largo da lota. Entrei no Café do Porto. Perguntei pelo Marinho.
Às 5:30 está aqui. Pedi um café e um copo de água (da torneira). Num ecrã
gigante passava um filme. A que os dois ou três fregueses, eu incluído, não ligavam
pevide. Alguém lamentou não ir haver Domingo festa do Santinho (patrono dos
pescadores). Um dos dois, que no barco descobri ser o António Penacho, Baiboia, discordou do outro, que, também
no barco, descobri ser o Leonardo Rebelo. Para António, havendo procissão há
festa. Para Leonardo, não.[11] Pelo
meio da conversa, compraram cigarros e tomaram café. O interior do Café
abafava. António foi sentar-se no lado de fora da porta. Sentei-me ao lado. Corria
uma aragem fresca. O mar vai estar bom? Como ontem. A conversa derivou para a
festa do Santinho. Fazem isso bem em Vila Franca e noutros lados, só aqui é que
é assim. Lamentou-se. Nisto, chega o Marinho.
Com o capuz enfiado pela cabeça. Queixando-se (sem pieguices) da coluna (ou de
uma hérnia discal lombar). Entrou no Café. Comprou cigarros. Um refrigerante.
Meia dúzia de rebuçados. Tomou café. Saímos. Eu e ele. A pé, passámos pelo edifício
da lota, descemos ao porto. Enquanto nos dirigíamos ao Três Pastorinhos, atracado à doca do farolim verde, puxei pela conversa.
Antes do Três Pastorinhos, tivera o Roqueira, um barco de 9 metros com motor
de 210 cavalos. Vendera-o em Rabo de Peixe. Saíra há pouco para a pesca. Tem 53
anos. Começou a trabalhar com o pai e os irmãos aos 12/13 anos. Os irmãos estão
‘embarcados’ em Toronto. Ele próprio
trabalhou quatro anos em Boston na construção. O filho mais velho trabalha no
mar noutro barco. Como conheci o Marinho? Em Março, numa das
primeiras conversas com José Vieira Sopapo,
cruzei-me com ele na rua do Pires. Envergava
uma camisola do Sporting. Atirei: Viva o
Sporting! Isso antes de o Sporting vencer o campeonato e conquistar a Taça.
Na Segunda-feira, a seguir à conquista épica da Taça, disse-lhe: qualquer dia
vou contigo à pesca. Se quiseres, podes vir já amanhã. Vou na quarta! Está aqui
no Café (do Porto) às 5. Se não trouxeres comida, não morres de fome. Comes da
gente. Saía do porto um barco. No Três
Pastorinhos, terminavam os preparativos para a saída. Um nadinha antes das
6, saltei para o Três Pastorinhos.
Surpresa. ‘Vens connosco?!’ Era o
Miguel Penacho Baiboia. Conhecera-o (como
Alexandre Miguel) quando escrevi sobre o porto de Santa Iria.[12] Ao
fundo, à ré, apesar da escassa luz, reconheci sem custo os que vira no Café do Porto.
Mestre António
Penacho Baiboia ao leme. O mar era
uma lagoa. Maré baixa. Barco rente à costa. Caía uma chuva miudinha. Chata. Não
estava previsto! Sobre a roupa, quase todos, traziam ‘alvarozes’ impermeáveis. Verdes. Eu e o Marinho de pé a olhar para a costa. Porto das Calhetas. Igreja de
Nossa Senhora da Boa Viagem. Os antigos vinham aqui de barco pela festa da Boa
Viagem. Disse-me. Fazia-se aqui como se faz em Vila Franca. Havia-me dito o
António Penacho. Ainda no café. 7: 13. O dia abrira. O sol espreitara. E
escondera-se. Chegámos à baía de Santo António. O barco parou. Motores a
trabalhar. Era ali que iam apanhar a sardinha. O isco vivo. A petinga. ‘É a parte mais difícil do dia.’ Segredou-me Miguel. No calhau, bem
perto do barco, via-se na perfeição, um calhauzeiro
às lapas. Peúgos nos pés. O
Leonardo Rebelo de fato de mergulho. O Manuel Vieira de calções. Água a 18
graus. Diz-me o Leonardo. Como sabem que há sardinha aqui? ‘A gente costuma encontrar aqui.’ Diz-me
o Marinho. ‘Os antigos descobriam pelas ganhoas e pela penugem que há na água e as
sardinhas comem.’ Continuou. ‘Hoje, a
gente usa a sonda também.’ Os que vão (e hoje foram) ao cabeço da Maia, no Lucrécia, disse-me mais tarde o Miguel, fazem o mesmo no areal de
Santa Bárbara. É proibido, porque é praia, e pode atrair ‘peixes ruins,’ mas à hora em que é, muito antes de banhistas e de
surfistas lá irem, não ‘estorva ninguém.’
No barco e dentro da água, procuram pela sardinha. De pé, do alto da proa, o
Alexandre e o primo Ricardo olham com olhos de milhafre. Na ré, a estibordo e a bombordo, todos olham fixamente.
Na água, os mergulhadores nadam às voltas. Vão ‘enxotar’ a sardinha para a rede. António (sempre) ao leme. Vai
manobrando. Aqui há: ‘lançam a rede à
água.’ As sardinhas fogem. Tenta-se de novo. Desta vez, não escapam. Baldes
e baldes de sardinha (miúda) vão enchendo a tina colocada no meio do barco. Isco
na tina, o Três Pastorinhos arranca
em direcção à Ferraria. Enquanto não se chega lá, come-se o que se trouxe em ‘coolers’ e mochilas. Que visse, só um
trouxe comida de garfo. O resto, trouxe pão e conduto. Fruta. Pepinos (várias
vezes ao longo do dia). Água. Só um ou dois bebeu refrigerantes (energéticos). Nada
de álcool. Ninguém lançou lixo à água. Os que estavam sentados perto de mim, ofereceram-me
comida. E sumos. Só comes isso? Faço dieta. Apanhei uma bactéria (estou a
recompor-me). Também eu. De propósito, comi pouco. Não receava o enjoo, que me
lembre, nunca enjoei, receava ‘dar-me vontade
de ir à casa de banho e não haver casa de banho no barco.’ A medo, comi (apenas)
o suficiente para não sentir fome. Intrigou-me (e ainda me intriga), ter só visto
(ao longo do dia) uns dois a urinarem ‘borda
fora.’ Claro, que também (com alguma ginástica) urinei encostado à parte
mais baixa da ‘amurada.’
De
barriga (quanto baste) cheia, alguns (sobretudo os mais novos) foram ‘passar pelas brasas (metidos num espaço existente
debaixo da proa).’ Outros, preferiram conversar. ‘Aquilo ali são redes ilegais. Estão a matar o peixe todo. Ninguém
fiscaliza isso!’ Na ida e na volta, contei três ou quatro redes daquelas: ‘lançam de noite e recolhem de noite.’[13]A
propósito da ermida de João Bom, falámos das romarias. O Leonardo e o Miguel
vão no rancho de Rabo de Peixe. Eu ia nos ranchos da Matriz e da Conceição. Publiquei
(mesmo) um trabalho sobre essas experiências. Trocámos episódios. O ressonar é
o pior inimigo do romeiro. E as bexigas
nos pés. Acrescentou o Leonardo. Mostrando marcas delas no seu calcanhar. Um
estalido, uma voz, ‘o Brilhante’ da
Estação Costeira, de vez em quando, lia boletins acerca do estado do mar.[14]
Ninguém prestava atenção. O tempo era o que se via. Não era preciso estar
atento.
Dobrámos
a ponta da Ajuda da Bretanha. A mais a poente que se avista da Ribeira Grande.
Vento de sudoeste. A ondulação faz o barco baloiçar. ‘Se te sentires aflito, estira-te ali (um espaço coberto à proa), e passa.’ Aconselhou-me o Marinho. ‘Dou-me bem no mar.’ Respondi. Às
9.40 a poita é lançada à água. O Três Pastorinhos chegara ao mar da Sabrina, no cabeço da Ferraria. Sentei-me sobre a tampa metálica que dá acesso
aos beliches. Daí podia, sem atrapalhar ninguém, pensei, e bem, seguir toda a
actividade no interior do barco. Ao redor do barco, cada um ocupa o seu lugar. A
partir de agora e nas próximas duas horas, Chrys vai ser o nome mais badalado no barco. Serve (um a um) o
isco no camaroeiro. Para atrair mais e mais peixe, lança à água o que sobrou. Pescam
à linha.[15]
Usam dedeiras. Munidos de anzóis n.º 8 e seda 0,70, o peixe a 18/19 braças (c.
25 metros) de profundidade, não tarda a ‘ferrar.’
Surgem gaivotas. Famintas. Umas duas, três ou quatro, prendem-se aos anzóis.
Libertam-nas com as ‘pescadeiras.’ Às
9:43, Leonardo Rebelo faz a primeira captura do dia: uma bicuda. Uma baleia! O peixe não parava de ‘ferrar.’ O Miguel pesca o primeiro lírio
segundos depois da primeira bicuda. Iça-o no ganha-pão. A puxeira
ajuda. Seguem-se mais e mais lírios. Enormes. Uma fartura deles. ‘Esse peixe é o que vale mais. Vende-se a
mais de 26 euros na lota. Oxalá a gente apanhe bastantes. Ontem foi uma miséria.’
Pelo ‘trabalhar’ dele no anzol,
explicou-me o Miguel, ‘a gente sabe se o
peixe é grande ou não e a qualidade, se é bicuda, serra, lírio.’
10: 19. O
peixe não dá descanso ao ganha-pão. ‘Ui, tantos lírios, serras, bicudas. Deste
sorte! Tens de vir com a gente mais
vezes!’ Fumam enquanto pescam. Dizem piadas uns aos outros. Riem-se. Atendem
o telefone. Coisas urgentes. Sem nunca quebrar o ritmo do trabalho.[16] Estava
a ser testemunha de um trabalho de equipa e peras. Disciplinada. Cada vez entrava
mais peixe: ‘puxavam-nos às braçadas.’
Cheias as caixas pequenas, o peixe passava para uma caixa grande. Onde era conservado
em gelo. Lavavam (de imediato) as caixas pequenas com água salgada. Entrava uma
bicuda (presa pela puxeira) e
matavam-na batendo-lhe na cabeça. ‘Cuidado
com os dentes. Já fui levar pontos por causa de uma.’ Respirava-se ‘adrenalina’! Suando, despem a roupa mais
quente. Atiram-na para um espaço coberto da proa. Ficam em camisa de mangas
curtas. O sol apertava. Não há toldo. Só no verão. Fora o Chris, todos protegem
a cabeça. O Miguel tirou da mochila o protector solar. Não pões? Reforcei a
minha dose. Já tive problemas com o sol. E eu também, disse-nos outro.
Após duas
longas horas (ou mais) de boa pescaria, içou-se a poita. Quis-se tentar a sorte noutro ponto do cabeço: no mar dos Lourenços. Deu pouco resultado. Não tardou que
regressássemos ao mar da Sabrina:
mais um ou outro peixe, mas nada como de início. ‘O peixe dali estava de barriga cheia de sardinha. Já não ligava.’ Não mordia. Coisa que me
disse o Miguel. O mar continuava (um pouco) mexido. Um todo nada menos. Pouco
passava de uma hora da tarde. Decidiram regressar. Antes, porém, íamos parar na
baía de Santo António. Se desse, ficávamos por ali. Se não desse, voltávamos para
casa. Barco de volta à baía de Santo António, nova corrida às coolers e às mochilas. Mais pão e
conduto. Refrigerantes. Água. Fruta. Pepinos. Matada (ou enganada) a fome, uns passaram pelas brasas, outros, preferiram
ir conversando. De tudo um pouco se conversou. Chegados de novo à baía de Santo
António, linhas para dentro de água. Pouco resultado deu.
14: 39. Sol a pique. Vamos para casa.
Voltei à proa. Já lá estava o Ricardo Cabral (filho). Benfiquista. Começamos por
falar em futebol. Num instante, a conversa passou para a vida do mar. O Ricardo
(vinte e poucos anos) viveu sete anos com os pais em Toronto. Lá havia nascido
o irmão Christopher. Andou seis meses a pescar nas traineiras do tio em New
Bedford. Fala algum inglês (primeiro aprendido em Toronto, depois, aperfeiçoado
na Ilha). Fez o nono ano (já cá). Tem um curso de pesca. ‘Trabalhei primeiro nas garagens. Um dia, meu pai, disse-me, vais para o
mar. Vomitei meses seguidos! Na América cheguei a vomitar os comprimidos para o
enjoo que a minha tia me deu. Tenho dois irmãos mais novos que não querem vir
para o mar. Eu gosto. Perguntas à maioria dos miúdos de Rabo de Peixe se querem
vir para o mar e a maioria quer vir. Mas é duro. Ao atum. Eu chego a casa, a
minha mulher está a dormir, quando me levanto, ela já foi trabalhar. Mas gosto
do mar. Dá adrenalina.’
Pouco antes das 16 horas. O porto está cada vez mais próximo.
Descemos da proa ao convés. Toda a gente (menos o António, que se mantinha ao
leme) limpava (com água salgada) o barco. Ao fim de semana, é lavado com água
doce. A sardinha que não foi usada, foi atirada ao mar. Tudo limpo. Arrumado. Amanhã à hora do costume. Alguém avisou.
O Miguel, responsável pelo Diário de
Bordo, mantinha-se atento. Tem de o entregar na lota. Nele vem registado o tipo
de peixe capturado. E a quantidade. A sua falta dá multa. Mostrou-me o do dia
anterior.[17]
O peixe vai ser descarregado e guardado na câmara frigorífica da Lota de Rabo
de Peixe. E amanhã é levado à lota de Ponta Delgada onde será leiloado às 5 da
manhã. Na nossa lota só se leiloa a lula. O Três
Pastorinhos entra no porto. Pouco passava das 16. Deixou (primeiro) uns quantos
no cais de onde havíamos saído de madrugada e rumou (sem demora) com os
restantes ao cais Norte (o inaugurado em 2004). Lá aguardava-nos uma carrinha. O Senhor gostou de ver o meu pai pescar?
Era o filho do Miguel. Um moço alto e magro. Gostei e muito. Nisto, vem mestre António
Penacho Baiboia na minha direcção com
uma ‘senhora’ bicuda: é para ti. Tira a espinha. Disse. Agradeci. Despedi-me. Cheguei a casa, governei a bicuda, tomei banho, meti-me
na cama. Acordei às 7 de quinta-feira. A esta hora, o Três Pastorinhos andará na sardinha. Pensei.
Doca,
Vila de Rabo de Peixe (Concelho da Ribeira Grande)
PS:
Semanas depois da saída no jornal, alguém perguntou-me: ‘estavam a ser sinceros ou fizeram-se à fotografia?’ Naturalmente foi
sinceridade e pose, como em tudo na vida, porém, longe de ser teatro. Foi uma
delicadeza genuína. Pensei. E penso.
[1] Depois da minha
viagem, em conversa com Luís Rodrigues, no caso de o barco não ter licença para
transportar turistas, teria de obter licença na Capitania. Não sabia. O Luís
Rodrigues, Miguel Penacho e Mário Sebastião são os meus principais informantes.
[2] Só o Leonardo Andrade construiu mais de 20, segundo José Vieira Sopapo.
[3] Luís Rodrigues,
4 de Junho de 2025: ‘É difícil chegar-se a números certos, por várias razões.
Só talvez a Direcção Regional possa gter números mais fiáveis. Ruben Faria fala
de perto de 100 embarcações. Liberato Fernandes em mais de metade de 171. Nenhum
me adianta um número de pescadores. Fazendo uma média entre 7 e 14 companheiros
por barco = c. 700? Depois, entre estes, pode haver os que só têm autorização
mas não cédula.
[4] Testemunho de Luís Rodrigues, 3 de Junho de 2025.
[5] Segundo o
Alexandre Miguel Penacho Baiboia, dia 1 de Junho, 2025: Já depois disso, sofreu
algumas remodelações. Não me soube precisar quais ao certo. Falei com o
Marinho, hoje, dia 2 de Junho de 2025. Foi alvo de melhorias substanciais.
Feitas a expensas dos donos. Remodelação do convés. Criação de beliches. Motor.
Sistema eléctrico. O trabalho de calafate pertenceu ao Mestre Manuel. Os
trabalhos foram feitos no porto.
[6] Pela
ordem em que se distribuem pelo barco no acto da pesca (a partir da ré, indo de
estibordo para bombordo).
[7] Testemunho de Luís Rodrigues, 3 de Junho de 2025:
Segundo o RIM (Regulamento de Inscrição Marítima). Que conhece actualizações.
[8] Testemunho de
José Horácio Vieira, 31 de Maio de 2025. E segundo o experimente José Horácio
Vieira, primo segundo de António e de Miguel, a quem falei disso.
[9] Testemunho de
Ruben Farias, Abril de 2025.
[10] O Lucrécia é pintado de vermelho e branco e o Três Pastorinhos de azul e branco.
[11] Testemunho de Leonardo, 2 de Junho de 2025. Afinal, fez-se a procissão e enfeitaram-se os caminhos. Só não houve arraial. Para o ano, vão tentar melhorar.
[12] Na altura, foi
um dos meus informadores. Voltara a falar com ele em Março. Dera-me dicas
preciosas sobre com quem falar no bairro para perceber a vida do bairro.
[13] Não sei se tomei
bem nota.
[14] Testemunho de
Luís Rodrigues, 2 de Junho de Junho de 2025. A ideia da criação da Estação
Costeira surgiu em 2003-2004. Esteve ligada à Cooperativa Porto de Abrigo. Em
2023 foi retirada e passou à alçada da Escola do Mar. Rodrigues, Luís, Mayday, Açoriano Oriental, 20 de
Fevereiro de 2023.
[15] O
Miguel também experimentou (fugazmente) a cana.
[16] Tarefas inicialmente difíceis de executar, mas, pela muita prática, tornadas fáceis.
[17] Trata-se de um formulário
impresso (uma folha onde consta o nome das espécies, etc...).
Comentários