Resgate da ribeira Grande – XIII
A ribeira fez a Ribeira Grande. Ela é a nossa
alma e coração. Foi ‘a ribeira Grande que pôs nome à Vila.’[1] Conta a tradição que o poeta
João Albino Peixoto (1803 -1891) –
justamente apelidado de Cisne da ribeira
-, ia inspirar-se numa
gruta da ribeira.[2]
Se no passado criou riqueza (na Ribeira Grande e na Ilha) espera-se que no
presente crie (aqui e na Ilha) qualidade de vida. Quantas Cidades haverá nos Açores (ou fora dos Açores) que
têm dentro de si três ribeiras, uma levada de moinhos, dois areais (e meio) e
um porto (abandonado)?[3]
Além do mais, será uma perda de tempo (e de recursos) tentar resgatar o Monte
Verde sem resgatar a ribeira Grande.[4] Não
será tarefa fácil: há cheias, há descargas (ilegais) e há (ainda) falta de
civismo. Desde que a Ribeira Grande voltou costas à sua ribeira, a situação foi
de mal a pior. Para (tentar) alterar a situação, há que criar um plano
urbanístico (com sensibilidade paisagística) da foz à Mãe de Água (sem esquecer
que a Cidade da Ribeira Grande é central na Ilha). Tudo isso valerá bem pouco, caso
não se tenha em conta os ensinamentos da história da ribeira e não se cumpra com
zelo (e sem favores) o que a ciência e a lei estabelecem (refiro-me ao plano de
Prevenção de Inundações de 2016, a ser, em 2024, alvo de cabimentação, suponho).[5] Com
uma dupla missão dupla: monitorização das águas e acção pedagógica. Sobretudo
investir nas escolas. Claro, sem que o civismo varra para longe a (muita) ‘bandalheira’ ambiental, nada se
conseguirá.
Para
entrar com o pé certo no resgate da ribeira, impõe-se uma pergunta: por que
razão os povoadores escolheram aquele preciso troço da ribeira para o assentamento
inicial do Lugar da Ribeira Grande?[6] A
exemplo do que aconteceu (por este mundo fora) em outros locais povoados por
portugueses, a proximidade de uma ribeira de caudal abundante e perene (como era
aquela) foi (terá sido) factor decisivo na escolha. Acresce ainda a essa
vantagem, outras não menos importantes: o local dominava uma extensa e ubérrima
planície, era abrigado dos ventos predominantes de Verão e de Inverno e ficava
à beira-mar.[7]
A costa e o mar forneciam abundantes quantidades de peixe, de mariscos e de sal.
Pelo mar seguia ou chegava o que a terra carecia. Será errado pensar que ao mar
do Monte Verde - por ficar no Norte e não no Sul -, não chegavam e partiam
embarcações.[8]
Pela vivência anterior que traziam os povoadores das suas terras de origem, era
ali o local ideal. Nele (pois) ergueram residências, moinhos de água e serras
de água. E o Lugar da Ribeira Grande, estendendo-se até à foz da ribeira (feito
Vila em 1507) foi crescendo sem percalços (conhecidos). Mesmo a peste de 1526/7,
que obrigou os moradores a abandonar a Vila durante mais de um ano, não
provocou mudanças (sensíveis) no tecido urbano e social da urbe. Tudo iria (porém) mudar (de forma radical) no
Inverno de 1563.
Recorrendo
a Frutuoso, vou abreviar o que interessa.[9] Dá-se
o caso que de finais de Junho a princípios de Julho, a terra viveu momentos de
absoluto terror. Os vulcões do Fogo e o do pico do Sapateiro entraram em plena actividade.
Os abalos sísmicos destruíram casas. Arruinaram parcialmente a igreja da
Estrela. O convento de Jesus (que caiu) teve de ser evacuado. Foram arrancadas
árvores. Deslocadas pedras. O peso da cinza do vulcão (sobretudo do Fogo)
desabou telhados. O leito da ribeira viu-se (subitamente) ocupado por todos
aqueles materiais. Enquanto isso, as pessoas fugiram para bem longe das suas
casas. Passado o susto, outro bem maior
estava ainda por vir. Regressados às suas casas, refeitos do susto, no
Inverno, a chuva intensa só por um triz não destruiu a Vila inteira. Como? O
arco da ponte da Praça tapado por troncos, pedras e lamas, fez dique. O nível
da água subiu. A água (arrastando pedras, troncos e lama) transbordou das
margens. Duas ruas principais e uma menos principal (no dizer de Frutuoso) foram
engolidas pela fúria das águas. Calcula-se que mais de duzentas casas tenham
sido (então) destruídas. Os quatro ou cinco moinhos e a serra de água
desapareceram por completo. A costa junto à foz, com a pedra-pomes e o areão
arrastados pela fúria das águas, ‘cresceu
mar dentro.’[10]
Mudando a face da Ribeira Grande.
E agora? A terra ganha medo à ribeira.[11] Os
donos das principais casas da Vila que
haviam sido construídas ao longo da ribeira fogem a sete pés dali.
Reinstalam-se nas suas lavouras. Outros abandonam a Vila. Os moinhos são
transferidos para o interior da terra. Para locais mais seguros. Nasce a levada
(a que hoje desagua no Monte Verde). Nasce uma nova via (ou ganha uma nova vida
uma antiga via): a rua Direita.
Orientada de Nascente a Poente.[12] Para
evitar (ou minimizar) novas catástrofes, constroem muros em pontos sensíveis da
ribeira e plantam árvores ao longo das suas margens. Nas ruas atingidas pela
enxurrada, por cima dos entulhos, constroem novas habitações.[13]
Uma terra sem memória, cai nos erros
do passado? No
século XVIII, em local um poucochinho
mais seguro, mas com a água da ribeira que vai para a levada dos seus moinhos, o
Conde da Ribeira Grande edifica a sua fábrica de panos. Ali, mas já no século
XIX, impelidos pelo aumento demográfico da Ilha, são levantados novos moinhos. E na ribeira? Ou porque os do Conde não
chegassem para as ‘encomendas’ ou
porque houve quem considerasse ser um bom investimento construir mais moinhos, surgem
(após três séculos) novamente moinhos nas margens da ribeira Grande (quase da sua
foz à Magarça). A resposta levaria menos
de um século a chegar: a ribeira voltou a pregar um valente susto à terra. Não
passou (felizmente) de um beliscão (diga-se): a cheia de 1919 levou alguns moinhos
e avariou outros.[14]
Chegados à década de sessenta do
século XX, a ribeira começa a dar os primeiros sinais de declínio. É por aí que os moinhos começam a
fechar portas uns atrás dos outros. Devido aos surtos de emigração. E à
importação da farinha. A pecuária ia substituindo a agricultura. Aos olhos da autarquia,
a ribeira é (então) considerada tão importante como o litoral marinho (Poças e
Areal/Monte Verde). A vereação de António Augusto da Mota Moniz (hoje injustamente
esquecida) investe (de igual para igual) nas Poças (mar) e na Cova do Milho
(ribeira). Aproveitando a saída dos últimos moradores do bairro da Cova do
Milho, transforma o local em Parque Infantil, jardim relvado e florido (há mesmo
quem sugira que se construa ali uma piscina fluvial).[15]É um sucesso
estrondoso. E imediato. Parangonas nos jornais. Postais ilustrados. Enxames de
forasteiros.[16]
As festas da Vila passam a ter ali um dos seus melhores palcos.[17] Mal
as obras do Parque Infantil se concluem, António Augusto volta-se para as
Poças. Que sofre uma mudança profunda.[18]
Aquela (excelente) vereação e as seguintes (que lhe seguem a peugada), investem
forte nas Poças (em 71/1972 nasce a piscina).[19] Pretendem
(mesmo) avançar com a Avenida Litoral (sonho que já vinha pelo menos da década
de trinta).[20]
Em suma, enquanto a ideia de mudança do litoral vai fazendo caminho, a ribeira
é (praticamente) votada ao abandono.[21] O
Parque Infantil, construído entre a ponte da Praça e a ponte dos Oito Arcos, acabara
por ser um lindo oásis no deserto (da ribeira). Da ponte dos Oito Arcos à foz
da ribeira, mesmo ali ao lado, o panorama continuaria ‘terceiro-mundista’ por mais quatro décadas.[22]
No Verão de 1984, vi a ribeira (onde ‘tomara banho’ e pescara ‘irós’ com engodo de caracol) com os
olhos da experiência que trouxera de fora. Durante três meses, prolongando-se
pelos anos seguintes, foi estudado (no terreno e no arquivo) o ciclo dos
cereais ao moinho.[23] Em
1986, já no âmbito do projecto de Museu de Comunidade, é divulgado o que então já se havia recolhido.[24] Enquanto
a pesquisa avançava, foram surgindo perguntas: que fazer aos moinhos inactivos?
E aos caminhos e trilhos que deixaram de ser usados? Poderiam ser reconvertidos
em residências? Em pequenas unidades comerciais? Poder-se-ia aproveitar alguns para
produzir electricidade? Dever-se-iam construir pequenos passeios ao longo das
margens?[25]
A importância da ribeira ganha novo fôlego
com a publicação da III
Série do A Estrela Oriental, em
Junho de 2000:
deveria a Cidade da Ribeira Grande estar virada
para o mar e para a ribeira?[26] Sim
deveria, foi a resposta a que se chegou. Há a esse respeito um (muito lúcido e
prático) artigo de Dezembro de 2002. É de Luís Noronha: ‘Percorrer um caminho ao longo da ribeira, que permitisse ir da sua foz
até (pelo menos) à Mãe-d’água é um desafio que por agora não é possível na
totalidade. É uma proposta que consideramos útil continuar a desenvolver.’[27] Dois anos e pico depois, em conversa com
o arquitecto continental Pedro Machado Costa, a respeito das ligações da
ribeira com a sua Cidade, ideia para a frente ideia para trás, reconheci faltar
dar coerência/consistência ao que já existia e planear o que se desejava que
viesse a existir. E (sendo isso tarefa de arquitecto) pedi-lhe opinião. A
conversa produziria frutos em 2005. No âmbito do programa L’Atalante,[28] sendo não só já conhecida a intenção
de construir a Via litoral como já houvesse um esboço de projecto, os arquitectos Cristina Guedes e
Francisco Vieira de Campos propuseram a ‘conversão do leito e margens da ribeira, que passa pela renovação de
todas as suas frentes; conferindo-lhe novamente estatuto de eixo de todo o
centro da cidade. A intervenção parte da zona da foz, qualificando toda a área,
e ligando-a à nova área de expansão da cidade, a Sul; junto a equipamentos
públicos de importância.’[29]
Valha a verdade, Luís Noronha já havia dito (por alto) outro tanto em 2002.[30]
Se Ricardo Silva (2005-2013) avançou (um
pouco) da ribeira em direcção à foz, Alexandre Gaudêncio (2013-), pretende avançar
da foz à ponte da Mãe d’ Água.[31]
Em Julho de 2021, já em período de pré-campanha eleitoral para as autárquicas, onde
estava em jogo a sua reeleição, pede ideias ao arquitecto Nuno Malato (que
reside aqui na cidade): ‘a
requalificação da ribeira que atravessa a cidade, nomeadamente os locais junto
à nova frente mar, jardim Paraíso e antiga escola Gaspar Frutuoso.[32] Levantando a ponta ao véu, entre outras
propostas, retiro a que faz para a área da antiga escola Gaspar Frutuoso (que
passou em Junho último à posse da Câmara) diz-me ele (sentados a uma mesa do Manuel Flor) que se pretende criar ali, ‘uma área junto ao coração da terra, que
central à Ilha, ‘um quarteirão da aprendizagem, onde há cultura, desporto,
lazer….’[33]Em finais de Julho de 2023, reeleito,
Alexandre Gaudêncio reafirma a intenção:
‘Intervenção na Ribeira Grande deve abranger desde a foz
até à zona da Mãe de Água, com a criação de zonas de fruição pública.’[34]
E em Julho de 2024? Falta cabimentar uma verba e adjudicar o projecto.[35]
Poço da Santa Paciência – Cidade da Ribeira
Grande (continua)
PS: Notas
de 6 de Agosto de 2024. Dois motivos ténues de esperança no resgate da
ribeira que contrariam a asfixiante monocultura da vaca: 1 - Na Magarça – junto
à ribeira Grande -, o casal Pedro e e
Dina Pimentel tem uma plantação
de 9 000 pés de café quase prontos a produzirem (cf. RTP/Açores, Açores
Hoje, 23 de Julho de 2022 e Testemunho de Pedro Pimentel, 4 de Agosto de 2024); 2 - No lado da estrada da Lagoa do
Fogo, Mário Feijoca tem abacateiros. 3 - Porém, numa nova visita (mais
detalhada) que fiz às margens da ribeira Grande verifiquei - sobretudo num
pequeno troço da ribeira da Tondela que se junta à ribeira Grande, a
persistência (lamentável) de ligações ilegais de efluentes domésticos; 4 –
Recolhi de várias fontes orais (credíveis) uma versão de dolo deliberado e
planeado do domínio público numa faixa ribeirinha da foz da ribeira Seca
(‘fulano – omito o nome que é do conhecimento público -, fez construir uma
pequena casota para arrumar a burra. Isso enquanto tirava dali areia. E pagava
para andarem pelas tabernas a dizer que aquilo era de fulano e de sicrano.’
[1] Frutuoso,
Gaspar, Saudades da Terra, Liv. IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p.207. Cf.
BPARPD/PP/MEC/0026/00000/5, Traslados dos testamentos de Rui Vaz Gago, Jácome
Dias Correia e de sua mulher Beatriz Rodrigues e Catarina Gomes Raposo, 1.º
testamento 18-26 de Outubro de 1493, fls. 13 v. - 14 v. Assim o escreveu Gaspar
Frutuoso na década de oitenta do século XVI. Antes de Frutuoso, no ano de 1493,
já ela era identificada (em documentos oficiais) como sendo o Lugar da Ribeira
Grande.
[2] Ezequiel Moreira
da Silva e Albano Cordeiro foram outros poetas que louvaram a ribeira.
[3]Sem perder de
vista as outras duas ribeiras da Cidade (Seca e Ribeirinha), de Santa Iria já
tratei noutra ocasião, vou ocupar-me (aqui) da ribeira Grande.
[4] Não há ligação
da Unidade de Execução do Monte Verde e a ribeira Grande. O Plano de
Salvaguarda do Centro Histórico é pífio a este respeito. Porém, há diversos
planos e legislação que diz respeito à ribeira Grande. Estarão coordenados? Por
exemplo, qualquer construção a x distância da ribeira tem de pedir parecer
vinculativo à (actual) Direcção do Ambiente e alterações climáticas. O PDM tem
algo a dizer a esse respeito. Assim, em diálogo aberto com o plano da Unidade de Execução do Monte Verde, levando
em consideração o POOC da Costa Norte de São Miguel, o (muito recente) Plano de
Gestão de Riscos de Inundações da Região Autónoma dos Açores e o PDM da Ribeira
Grande (já mais antigo), o projecto de resgate da ribeira Grande deverá propor
soluções viáveis de salvaguarda e de aproveitamento da sua foz à Mãe de Água.
[5] Para dar
resposta (capaz?) a uma série de enxurradas catastróficas ocorridas nos últimos
tempos nas ribeiras dos Açores, a Secretaria Regional do Ambiente e das
transformações climáticas, propõe soluções (será que vai passar e se passar
será que vai ser posta em prática, conforme vem no Açoriano Oriental, 18 de
Julho de 2024, p. 9: ‘Governo Regional pretende investir 18 ME na prevenção de
inundações. Executivo criou um plano de gestão de riscos de inundações que
prevê medidas para 15 bacias hidrográficas [quais em concreto?] e zonas
costeiras problemáticas. (…) O plano definiu cinco bacias de risco de cheias e
inundações fluviais, para as quais foi produzida cartografia de pormenor de risco,
nomeadamente a ribeira Grande e a ribeira da Povoação, na ilha de São Miguel, a
ribeira da Agualva e as ribeiras do Porto Judeu, na Ilha Terceira, e a ribeira
Grande, na Ilha das Flores. (…) O objectivo é reduzir as potenciais
consequências prejudiciais das inundações, para a saúde pública, para o
ambiente, para o património cultural, para as infraestruturas, explicou o
secretário regional do Ambiente e da Acção Climática, Alonso Miguel (…). O
plano (…) agora apresentado aos deputados, que já esteve em discussão pública
entre Outubro e Novembro (nem me apercebi disso) do ano passado, será discutido
e votado em plenário antes de entrar em vigor.’ Será que tem em linha de conta
as descargas? Rios Urbanos, ‘Rio Tejo - Lisboa, Oeiras e Almada, Episódio 8 de 12 Duração: 30 minutos, 22 de Novembro de 2023
– Na RTP/Açores 27 de Julho de 2024: Já depois de publicar este trabalho no
jornal, como tem acontecido nos anteriores, um amigo (dos poucos que me lêem)
mandou-me uma mensagem: vi um programa que te deve interessar. Como identificar
a origem descargas poluentes para depois controlá-las. Oeiras com cinco
ribeiras partilhadas por outros concelhos, em 2008, com a Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa encontrou uma solução: ‘Usámos um biomonitor (um censor biológico, musgos – briófitas -, com
características de absorção de poluentes) que permite avaliar a qualidade de
água. Espalhamos dez pontos em cada uma das cinco ribeiras. Saberíamos assim de
quilómetro a quilómetro a qualidade da água. O musgo tem um efeito acumulador
(o que permite detectar o que uma simples análise não detecta). Deixamos três
meses. Aos fins-de-semana, durante as noites, feriados, ele apanha tudo. A
partir daí, sabendo que há ali algo naquele espaço de um quilómetro, pudemos
ter uma análise mais fina usando análises químicas, etc.’ Se Oeiras com
cinco ribeiras, partilhadas por diversos concelhos, com uma população muito
maior do que a da Ribeira Grande, ainda por cima com uma densidade habitacional
enorme, situada na complexa área de Lisboa, conseguiu de 2008 até hoje, por que
razão não pode a Ribeira Grande conseguir o mesmo? Basta querer.
[6] Não conhecendo
texto escrito ou tradição oral que me possa ajudar a responder à pergunta,
respondo (com cautela e caldos de galinha) como respondi em trabalho anterior. Moura,
Mário, Ribeira Grande: Nascimento de uma
Vila, Biografia, Volume I, 2021.
[7] Frutuoso,
Gaspar, Saudades da Terra, Liv. IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p. 192. Havia
escrito ventos predominantes de Nordeste, a isso, Paulo Sousa corrigiu-me
(hoje, dia 30 de Julho de 2024) para ventos predominantes de Nor-Noroeste. Contudo,
fui perguntar a Pedro Cordeiro, que tem carta de patrão, e me disse: ‘De verão
os predominantes são de Nordeste. E a Ribeira Grande está parcialmente protegida
pela ponta do Cintrão. De Inverno são os de sudoeste e a Ribeira Grande está
protegida pela Ilha.’ Testemunho de Pedro Paulo Pereira Cordeiro, 1 de Agosto
de 2024.
[8] Não há provas,
há probabilidades: assim se fazia no Sul e assim se fazia (e faz) em muitos
pontos da costa atlântica de Portugal continental. Assim, escolheram aquelas
margens da ribeira Grande junto ao primeiro Salto depois da foz (no ponto da
ribeira do Paraíso, depois Cova do Milho).
[9] Frutuoso,
Gaspar, Saudades da Terra, Liv. IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p. 192.
[10] Em 1919,
aconteceu algo (não tão grave) mas ainda aproximado (que dá para perceber os
impactos das cheias no areal): [Ezequiel Moreira da Silva?], A catástrofe de
sábado, Ecos do Norte, 16 de Agosto de 1916, p. 1: ‘O areal está cheio de destroços de toda a espécie: enormes madeiros,
ramos de árvores, madeiramentos de casas e restos de mobílias. Foi tal a
quantidade de terra, pedra, areia e pedra desagregada do próprio leito da
ribeira e suas margens, que depositada na embocadura da mesma, junto do areal, fez
recuar o leito das ondas até uma grande distância do antigo litoral.’
[11] Que deixa de ser o local favorito dos senhores da terra.
[12] É o eixo principal de entrada e de saída da Vila.
[13]Prova disso, vem
em narrativas posteriores. Segundo os relatos (contemporâneos) de João de Sousa
Freire e de Frei Agostinho de Monte Alverne, a cheia de 1667 pôs a descoberto
fundações de pontes e de casas. APISP, Cópia do Primeiro e Segundo Livro do
Tombo da Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da Vila da Ribeira Grande, O
vigário João de Sousa Freire, Lembrança do dilúvio que houve nesta Vila o ano
de 1667, 23 de Janeiro de 1668, fls. 14-15 v.;
Monte Alverne, Frei Agostinho de, Crónica
da Província de São João Evangelista e Ilhas dos Açores, ICPD, Volume II,
1961, p. 334. Talvez pelo facto de não ter havido posteriormente crises da
dimensão da de 1563, ou pelo facto de a terra se ter (entretanto) precavido, o
facto é que as (muitas) cheias subsequentes (a de 1667, de 1840’s, de 1919 e aí
por diante) não causaram danos iguais aos de 1563/4.
[14] Já no início do
século XX, José Cordeiro (a encomenda da Câmara da Ribeira Grande) montou a
central hidroeléctrica do Salto do Cabrito. Na década de vinte, a Câmara de
Ponta Delgada montou na Fajã do Araújo a sua central hidroeléctrica. Esta
última teria impacto na produção dos moinhos.
[15] AMRG, Vereação
de 24 de Junho de 1964, fls. 126 v-127: ‘Urbanização
da Cova do Milho e Parque Infantil (…);’ Ministro das Obras Públicas Chegou
ontem a São Miguel, Jornal Açores, Ponta Delgada, 3 de Julho de 1965, p. 1, 3:
‘Aí o senhor ministro apeou-se e
encaminhou-se com as entidades concelhias para o Parque Infantil, antiga Cova
do Milho. O ilustre membro do Governo ficou muito surpreendido e satisfeito com
a grande transformação daquele aprazível lugar que percorreu vindo a sair junto
aos Paços do Concelho;’ AMRG,
Sessão de 28 de Setembro de 1966, fls. 44 v. 45: Construção de uma piscina no
Parque Infantil: Câmara responde favoravelmente às sugestões saídas no Correio dos Açores, 27 de Setembro de 1966 e
Diário dos Açores, 24 de
Setembro de 1966.Nada de estranho, pois a rapaziada usava os poços como
piscinas.
[16] Mais a montante na ribeira, em Trás-os-Mosteiros é substituída uma velha e decrépita ponte de madeira (que sucedera a uma rudimentar passagem a pé posto) por uma ponte de pedra e cal.
[17] Ainda que mais
visto da ponte do que frequentado, o local torna-se central.
[18] AMRG, Documentos
de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das praias de
banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1967; AMRG, Documentos de despesa, Obras
de conservação e aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31
de Dezembro de 1968; AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e
aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de
1969; AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do
material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1970; AMRG,
Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das
praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1971; AMRG, Sessão de 26 de Abril de 1967, fls. 127-127 v.
‘(fl.127) Sítio das Poças – Por proposta do vereador (fl. 127 v.) senhor José
Ferreira Cabido, a Câmara deliberou por unanimidade, solicitar ao Senhor
Capitão do porto de Ponta Delgada, a autorização necessária para serem
dinamitados alguns rochedos existentes no sítio das Poças que serve aos banhos
de mar públicos desta Vila;’ AMRG, Sessão de 14 de Maio de 1969, fls. 178
v.-179: ‘(fl.178v.) Valorização Litoral da Vila. A Câmara, ao apresentar um
estudo apresentado pelo Senhor arquitecto Luís Cunha do Porto, verificou que o
referido estudo não satisfaz plenamente ao fim que a Câmara deseja realizar,
isto é, a valorização litoral da Vila, no seu aspecto urbano paisagístico sem
que haja preocupação em se manter zonas residenciais, porquanto esta Vila não
se sofrerá evolução assinalável futura no concernente a edificações de grande
porte já porque fracos são os rendimentos económicos da população, já porque é
cada vez maior o (fl. 179) êxodo emigratório e ainda porque a Vila se situa a pouca distância da cidade
de Ponta Delgada, que, pela sua maior importância, lhe enfraquece a vida
económica-social, prejudicando-lhe consequentemente a expansão. Depois de
discutido largamente o assunto, a Câmara deliberou por unanimidade significar
ao referido arquitecto, a necessidade de este apresentar um novo estudo que
valorize o litoral da Vila remetendo-o com a possível brevidade.’
[19]AMRG, acta 28 de
Junho de 1972, fl. 78 v.
[20] A ideia da
avenida vem pelo menos da década de trinta: Correio dos Açores, Ponta Delgada,
20 de Junho de 1935, p.2: ‘Inclui este
plano uma avenida marginal, que partindo do Largo de Santo André vai até à
esplanada do antigo Castelo (…).’ O Conde de Caminha toca no assunto em
1949 e a Câmara retoma em 1960: ACMRG,
Vereação de 8 de Junho de 1960, fls. 192 v. Daí por diante – apesar de longos
intervalos -, o sonho nunca morreu.
[21] Passa a ser tratada como se fosse o fundo dos nossos quintais, onde (longe dos olhares de quem nos visita) se amontoa (ao deus dará) tudo o que não queremos que seja visto.
[22] Fora dali,
continuou-se por mais algum tempo a ir à Mãe d’Água de passeio com a família.
Os mais jovens iam tomar banho nos Poços. Ou iam à pesca das enguias. Havia (e
ainda há, apesar de menos, o hábito de visitar nas Caldeiras a represa e a central
hidroelectrica. Ou encher garrafões de água das Lombadas. Mas não passou disso.
Da ponte da Praça para montante, foram feitas pequenas intervenções (públicas e
privadas) porém todas (ou quase todas) desligadas e de forma muito casuística. Numa
visita feita hoje à ribeira, dia 22 de Julho de 2024, agrupei a ribeira (para
melhor a estudar) em 5 espaços. Da foz à nascente: 1. Da foz à ponte dos Oito
Arcos; 2 – Da ponte dos Oito Arcos à Ponte da Praça; 3 – Da ponta da Praça à
ponte Nova: Foram feitos muros em 1970’s e 1980-90; uma ponte construída em
2009; 4 – Da ponte Nova à ponte de Trás-os-Mosteiros: Escola Preparatória
Gaspar Frutuoso (1970’s); Escola Secundária (1970-80), ponte que liga as duas
escolas (2000’s); ponte de Trás-os-Mosteiros (1960’s?); 5 – Ponte de
Trás-os-Mosteiros à Mãe de Água – Arco das Freiras (século - XVIII); ponte da
Mãe de Água (2022). 1980’s Thomas Kettlebaum
etc ..).
[23] Obtendo apoio
municipal, consegui rodear-me de uma equipa formada por jovens liceais.
[24] Publico dois
trabalhos sobre a ribeira, os moinhos e o cultivo dos cereais. É montada uma
exposição permanente e a musealização do moinho João Pascoal I (no Parque
Infantil). Em 1997 e 1999. Pouco depois, nasce a Ecoteca da Ribeira Grande e os
Amigos dos Açores (com sede na Ribeira Grande), que a partir de 1999 elaboram
roteiros. Percurso pedestre do salto do cabrito, Caldeiras da Ribeira Grande:
Pico Vermelho; Percurso da Energia, das Caldeiras da Ribeira Grande à central
da Fajã do Redondo.
[25] Ora, mesmo sem
qualquer plano, hoje (2024) já há mais de meia dúzia de privados que
reconverteram (ou estão em vias de o fazer) alguns moinhos (da Mãe de Água à
Foz e ao longo da levada). Não ficando atrás dos privados, o poder autárquico
transformou quatro moinhos em espaços de interpretação museológica. E,
aproveitando os caminhos antigos, oferece dois trilhos (um dos quais – por
divergências com o poder Regional -, ainda não concluído).
[26] A razão primeira
do jornal vem bem expressa no ponto 2: ‘A
Estrela Oriental’ procurará dar voz a uma cidade em desenvolvimento,
participando activamente – pela informação, pela análise, pela divulgação, pela
crítica e por outros modos de observar a realidade – na vida social, política,
económica e cultural da Ribeira Grande, sem esquecer a sua história nem deixar
de tentar intervir nas intenções ou acções que possam contribuir para um seu
futuro melhor.’ Através de entrevistas, de artigos ou de notas promove-se a
ideia de um retorno à ribeira.
[27] Professor
de profissão, enraizado à terra por laços familiares, profissionais e
culturais, Luís conhece e defende a Ribeira Grande (de forma esclarecida e
corajosa) como poucos (aqui) o faziam (ou fazem)Noronha, Luís, Via Marginal ao longo da ribeira, Estrela
Oriental, Ribeira Grande, n.º 19, Dezembro de 2002, p. 5. Sugerira-lhe o
tema, a que o jornal (do qual eu era Director) deu o título de ‘Via Marginal ao longo da ribeira.’ Merecemos, a cidade merece, a recuperação
das margens da ribeira, de modo a usufruirmos da sua beleza. É imperdoável que
se permita que esta se transforme num vazadouro, ou num esgoto a céu aberto…
[28] Autor (entre
outros) do projecto da Biblioteca da Universidade dos Açores, bem como da minha
Livraria (e Café) que não foi para a frente porque a minha ex levantou voo.
[29] ‘propuseram
uma estratégia de recuperação e
revitalização das margens da Ribeira Grande, junto à sua foz.’Que partia do seguinte pressuposto: ‘A Ribeira Grande é por si só o elemento
gerador de toda a estrutura urbana da cidade homónima, definindo deste modo a
hierarquia do núcleo urbano que cresceu em torno dela. (…).’ L’Atalante,
Açoriano Oriental, 29 de Julho de 2005, p. 10.Costa, Pedro Machado, L’Atalante,
em busca de uma ideia de arquitectura para os Açores, Ilhas: Açores, actualidade, cultura, política…, Ponta Delgada:
MUU/Produção Cultura, N.º 17-18, [Antes de Janeiro de 2006 – N.º 19 e depois de
Junho de 2005. Pretendia-se fazer sair o 17 em Junho, depois - para aproveitar
a exposição depois de 9 de Outubro -, fundiu-se. Houve uma exposição na
Academia das Artes pouco depois das autárquicas de 2005 a 9 de Outubro de 2005]
[BPARPDL: REV Açores I/ 4; Ilhas Açores], pp. 4-10. ‘tendo em conta a futura renovação de toda a
frente norte da cidade – em que se aplicam modelos de desenvolvimento típicos
de cidade expostas a Sul -, Guedes e de Campos propõem um outro modelo.’
[30] Que previa a ligação ao passeio Atlântico. Infelizmente, com mudança de administração autárquica (em 2013), deixou-se cair o projecto. Em 2009, a Junta de Freguesia da Estrela (no troço da ponte da Praça à ponte Nova) deu outra cara à rua do Barracão Velho (hoje José Frazão de Medeiros) e fez construir uma pequena ponte que a liga à rua da ribeira. Uma nova Vereação, em 2006/7, dá início ao que (dantes) fora sugerido fazer no troço da foz à ponte dos Oito Arcos.
[31] Nuno (quanto ao que conheço) é autor
do projecto do espaço da In-Wave Incubadora de Empresas e da remodelação do Chá
Gorreana. O diálogo (em pleno crise do covid-19) com o arquitecto Nuno Malato
(natural do Continente e fixado havia pouco na Ribeira Grande) - a quem tomara
a iniciativa de me apresentar -, durante a fase final da escrita do Ribeira Grande: Nascimento de Uma Vila (lançado em Julho de 2021), provou ser
crucial a respeito de convencer o poder político da necessidade de encarar de
frente a ribeira. O caso decidiu-se com outras mais conversas com o Presidente
Alexandre Gaudêncio.
[32] Um projecto do
qual eu faço parte como consultor de História. https://www.cm-ribeiragrande.pt/camara-da-ribeira-grande-apresenta-projeto-para-requalificar-a-ribeira
1 de Julho de 2021. O Presidente (recandidato) havia pedido ideias ao
arquitecto Nuno Malato (arquitecto residente na Cidade da Ribeira Grande). Que,
em Junho, a Região passou para as mãos da Câmara. Cf. Correio dos Açores, 14 de
Junho de 2024:
‘actividades e
projectos ligados à educação, ensino e formação profissional, património,
cultura e ciência, tempos livres, desporto e saúde (…).
Como contrapartida, “obriga-se a assegurar a
disponibilização de um espaço edificado, para utilização, pelos serviços da
Administração Pública Regional.
[33] Conversa com Nuno Malato, 23 de Julho de 2024.
[34] Açoriano Oriental, 27 de Junho de
2023. Em que ponto estamos? Levará o projecto em conta a história da ribeira?
Sim, diz-me o seu autor. Está a avançar? Sim, mas não como seria desejável.
Depois de o apresentar, como se fará para conciliar o PDM o POOC etc? E o
controlo das cheias?
[35] Conversa em 23 de Julho de 2024 com Nuno Malato. Idem (em 24 de Julho) com a arquitecta responsável d autarquia.
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