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Resgate da ribeira Grande – XIII







Resgate da ribeira Grande – XIII

A ribeira fez a Ribeira Grande. Ela é a nossa alma e coração. Foi a ribeira Grande que pôs nome à Vila.[1] Conta a tradição que o poeta João Albino Peixoto (1803 -1891) – justamente apelidado de Cisne da ribeira -, ia inspirar-se numa gruta da ribeira.[2] Se no passado criou riqueza (na Ribeira Grande e na Ilha) espera-se que no presente crie (aqui e na Ilha) qualidade de vida. Quantas Cidades haverá nos Açores (ou fora dos Açores) que têm dentro de si três ribeiras, uma levada de moinhos, dois areais (e meio) e um porto (abandonado)?[3] Além do mais, será uma perda de tempo (e de recursos) tentar resgatar o Monte Verde sem resgatar a ribeira Grande.[4] Não será tarefa fácil: há cheias, há descargas (ilegais) e há (ainda) falta de civismo. Desde que a Ribeira Grande voltou costas à sua ribeira, a situação foi de mal a pior. Para (tentar) alterar a situação, há que criar um plano urbanístico (com sensibilidade paisagística) da foz à Mãe de Água (sem esquecer que a Cidade da Ribeira Grande é central na Ilha). Tudo isso valerá bem pouco, caso não se tenha em conta os ensinamentos da história da ribeira e não se cumpra com zelo (e sem favores) o que a ciência e a lei estabelecem (refiro-me ao plano de Prevenção de Inundações de 2016, a ser, em 2024, alvo de cabimentação, suponho).[5] Com uma dupla missão dupla: monitorização das águas e acção pedagógica. Sobretudo investir nas escolas. Claro, sem que o civismo varra para longe a (muita) ‘bandalheira’ ambiental, nada se conseguirá.

Para entrar com o pé certo no resgate da ribeira, impõe-se uma pergunta: por que razão os povoadores escolheram aquele preciso troço da ribeira para o assentamento inicial do Lugar da Ribeira Grande?[6] A exemplo do que aconteceu (por este mundo fora) em outros locais povoados por portugueses, a proximidade de uma ribeira de caudal abundante e perene (como era aquela) foi (terá sido) factor decisivo na escolha. Acresce ainda a essa vantagem, outras não menos importantes: o local dominava uma extensa e ubérrima planície, era abrigado dos ventos predominantes de Verão e de Inverno e ficava à beira-mar.[7] A costa e o mar forneciam abundantes quantidades de peixe, de mariscos e de sal. Pelo mar seguia ou chegava o que a terra carecia. Será errado pensar que ao mar do Monte Verde - por ficar no Norte e não no Sul -, não chegavam e partiam embarcações.[8] Pela vivência anterior que traziam os povoadores das suas terras de origem, era ali o local ideal. Nele (pois) ergueram residências, moinhos de água e serras de água. E o Lugar da Ribeira Grande, estendendo-se até à foz da ribeira (feito Vila em 1507) foi crescendo sem percalços (conhecidos). Mesmo a peste de 1526/7, que obrigou os moradores a abandonar a Vila durante mais de um ano, não provocou mudanças (sensíveis) no tecido urbano e social da urbe. Tudo iria (porém) mudar (de forma radical) no Inverno de 1563.

Recorrendo a Frutuoso, vou abreviar o que interessa.[9] Dá-se o caso que de finais de Junho a princípios de Julho, a terra viveu momentos de absoluto terror. Os vulcões do Fogo e o do pico do Sapateiro entraram em plena actividade. Os abalos sísmicos destruíram casas. Arruinaram parcialmente a igreja da Estrela. O convento de Jesus (que caiu) teve de ser evacuado. Foram arrancadas árvores. Deslocadas pedras. O peso da cinza do vulcão (sobretudo do Fogo) desabou telhados. O leito da ribeira viu-se (subitamente) ocupado por todos aqueles materiais. Enquanto isso, as pessoas fugiram para bem longe das suas casas. Passado o susto, outro bem maior estava ainda por vir. Regressados às suas casas, refeitos do susto, no Inverno, a chuva intensa só por um triz não destruiu a Vila inteira. Como? O arco da ponte da Praça tapado por troncos, pedras e lamas, fez dique. O nível da água subiu. A água (arrastando pedras, troncos e lama) transbordou das margens. Duas ruas principais e uma menos principal (no dizer de Frutuoso) foram engolidas pela fúria das águas. Calcula-se que mais de duzentas casas tenham sido (então) destruídas. Os quatro ou cinco moinhos e a serra de água desapareceram por completo. A costa junto à foz, com a pedra-pomes e o areão arrastados pela fúria das águas, ‘cresceu mar dentro.’[10] Mudando a face da Ribeira Grande.

E agora? A terra ganha medo à ribeira.[11] Os donos das principais casas da Vila que haviam sido construídas ao longo da ribeira fogem a sete pés dali. Reinstalam-se nas suas lavouras. Outros abandonam a Vila. Os moinhos são transferidos para o interior da terra. Para locais mais seguros. Nasce a levada (a que hoje desagua no Monte Verde). Nasce uma nova via (ou ganha uma nova vida uma antiga via): a rua Direita. Orientada de Nascente a Poente.[12] Para evitar (ou minimizar) novas catástrofes, constroem muros em pontos sensíveis da ribeira e plantam árvores ao longo das suas margens. Nas ruas atingidas pela enxurrada, por cima dos entulhos, constroem novas habitações.[13]

Uma terra sem memória, cai nos erros do passado? No século XVIII, em local um poucochinho mais seguro, mas com a água da ribeira que vai para a levada dos seus moinhos, o Conde da Ribeira Grande edifica a sua fábrica de panos. Ali, mas já no século XIX, impelidos pelo aumento demográfico da Ilha, são levantados novos moinhos. E na ribeira? Ou porque os do Conde não chegassem para as ‘encomendas’ ou porque houve quem considerasse ser um bom investimento construir mais moinhos, surgem (após três séculos) novamente moinhos nas margens da ribeira Grande (quase da sua foz à Magarça). A resposta levaria menos de um século a chegar: a ribeira voltou a pregar um valente susto à terra. Não passou (felizmente) de um beliscão (diga-se): a cheia de 1919 levou alguns moinhos e avariou outros.[14]

Chegados à década de sessenta do século XX, a ribeira começa a dar os primeiros sinais de declínio. É por aí que os moinhos começam a fechar portas uns atrás dos outros. Devido aos surtos de emigração. E à importação da farinha. A pecuária ia substituindo a agricultura. Aos olhos da autarquia, a ribeira é (então) considerada tão importante como o litoral marinho (Poças e Areal/Monte Verde). A vereação de António Augusto da Mota Moniz (hoje injustamente esquecida) investe (de igual para igual) nas Poças (mar) e na Cova do Milho (ribeira). Aproveitando a saída dos últimos moradores do bairro da Cova do Milho, transforma o local em Parque Infantil, jardim relvado e florido (há mesmo quem sugira que se construa ali uma piscina fluvial).[15]É um sucesso estrondoso. E imediato. Parangonas nos jornais. Postais ilustrados. Enxames de forasteiros.[16] As festas da Vila passam a ter ali um dos seus melhores palcos.[17] Mal as obras do Parque Infantil se concluem, António Augusto volta-se para as Poças. Que sofre uma mudança profunda.[18] Aquela (excelente) vereação e as seguintes (que lhe seguem a peugada), investem forte nas Poças (em 71/1972 nasce a piscina).[19] Pretendem (mesmo) avançar com a Avenida Litoral (sonho que já vinha pelo menos da década de trinta).[20] Em suma, enquanto a ideia de mudança do litoral vai fazendo caminho, a ribeira é (praticamente) votada ao abandono.[21] O Parque Infantil, construído entre a ponte da Praça e a ponte dos Oito Arcos, acabara por ser um lindo oásis no deserto (da ribeira). Da ponte dos Oito Arcos à foz da ribeira, mesmo ali ao lado, o panorama continuaria ‘terceiro-mundista’ por mais quatro décadas.[22]

No Verão de 1984, vi a ribeira (onde ‘tomara banho’ e pescara ‘irós’ com engodo de caracol) com os olhos da experiência que trouxera de fora. Durante três meses, prolongando-se pelos anos seguintes, foi estudado (no terreno e no arquivo) o ciclo dos cereais ao moinho.[23] Em 1986, já no âmbito do projecto de Museu de Comunidade, é divulgado o que então já se havia recolhido.[24] Enquanto a pesquisa avançava, foram surgindo perguntas: que fazer aos moinhos inactivos? E aos caminhos e trilhos que deixaram de ser usados? Poderiam ser reconvertidos em residências? Em pequenas unidades comerciais? Poder-se-ia aproveitar alguns para produzir electricidade? Dever-se-iam construir pequenos passeios ao longo das margens?[25] A importância da ribeira ganha novo fôlego com a publicação da III Série do A Estrela Oriental, em Junho de 2000: deveria a Cidade da Ribeira Grande estar virada para o mar e para a ribeira?[26] Sim deveria, foi a resposta a que se chegou. Há a esse respeito um (muito lúcido e prático) artigo de Dezembro de 2002. É de Luís Noronha: ‘Percorrer um caminho ao longo da ribeira, que permitisse ir da sua foz até (pelo menos) à Mãe-d’água é um desafio que por agora não é possível na totalidade. É uma proposta que consideramos útil continuar a desenvolver.’[27] Dois anos e pico depois, em conversa com o arquitecto continental Pedro Machado Costa, a respeito das ligações da ribeira com a sua Cidade, ideia para a frente ideia para trás, reconheci faltar dar coerência/consistência ao que já existia e planear o que se desejava que viesse a existir. E (sendo isso tarefa de arquitecto) pedi-lhe opinião. A conversa produziria frutos em 2005. No âmbito do programa L’Atalante,[28] sendo não só já conhecida a intenção de construir a Via litoral como já houvesse um esboço de projecto, os arquitectos Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos propuseram a ‘conversão do leito e margens da ribeira, que passa pela renovação de todas as suas frentes; conferindo-lhe novamente estatuto de eixo de todo o centro da cidade. A intervenção parte da zona da foz, qualificando toda a área, e ligando-a à nova área de expansão da cidade, a Sul; junto a equipamentos públicos de importância.’[29] Valha a verdade, Luís Noronha já havia dito (por alto) outro tanto em 2002.[30]

Se Ricardo Silva (2005-2013) avançou (um pouco) da ribeira em direcção à foz, Alexandre Gaudêncio (2013-), pretende avançar da foz à ponte da Mãe d’ Água.[31] Em Julho de 2021, já em período de pré-campanha eleitoral para as autárquicas, onde estava em jogo a sua reeleição, pede ideias ao arquitecto Nuno Malato (que reside aqui na cidade): ‘a requalificação da ribeira que atravessa a cidade, nomeadamente os locais junto à nova frente mar, jardim Paraíso e antiga escola Gaspar Frutuoso.[32] Levantando a ponta ao véu, entre outras propostas, retiro a que faz para a área da antiga escola Gaspar Frutuoso (que passou em Junho último à posse da Câmara) diz-me ele (sentados a uma mesa do Manuel Flor) que se pretende criar ali, ‘uma área junto ao coração da terra, que central à Ilha, ‘um quarteirão da aprendizagem, onde há cultura, desporto, lazer….[33]Em finais de Julho de 2023, reeleito, Alexandre Gaudêncio reafirma a intenção: ‘Intervenção na Ribeira Grande deve abranger desde a foz até à zona da Mãe de Água, com a criação de zonas de fruição pública.[34] E em Julho de 2024? Falta cabimentar uma verba e adjudicar o projecto.[35]

 

Poço da Santa Paciência – Cidade da Ribeira Grande (continua)

PS: Notas de 6 de Agosto de 2024. Dois motivos ténues de esperança no resgate da ribeira que contrariam a asfixiante monocultura da vaca: 1 - Na Magarça – junto à ribeira Grande -, o casal Pedro e e Dina Pimentel tem uma plantação de 9 000 pés de café quase prontos a produzirem (cf. RTP/Açores, Açores Hoje, 23 de Julho de 2022 e Testemunho de Pedro Pimentel, 4 de Agosto de 2024); 2 - No lado da estrada da Lagoa do Fogo, Mário Feijoca tem abacateiros. 3 - Porém, numa nova visita (mais detalhada) que fiz às margens da ribeira Grande verifiquei - sobretudo num pequeno troço da ribeira da Tondela que se junta à ribeira Grande, a persistência (lamentável) de ligações ilegais de efluentes domésticos; 4 – Recolhi de várias fontes orais (credíveis) uma versão de dolo deliberado e planeado do domínio público numa faixa ribeirinha da foz da ribeira Seca (‘fulano – omito o nome que é do conhecimento público -, fez construir uma pequena casota para arrumar a burra. Isso enquanto tirava dali areia. E pagava para andarem pelas tabernas a dizer que aquilo era de fulano e de sicrano.’



[1] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Liv. IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p.207. Cf. BPARPD/PP/MEC/0026/00000/5, Traslados dos testamentos de Rui Vaz Gago, Jácome Dias Correia e de sua mulher Beatriz Rodrigues e Catarina Gomes Raposo, 1.º testamento 18-26 de Outubro de 1493, fls. 13 v. - 14 v. Assim o escreveu Gaspar Frutuoso na década de oitenta do século XVI. Antes de Frutuoso, no ano de 1493, já ela era identificada (em documentos oficiais) como sendo o Lugar da Ribeira Grande.

[2] Ezequiel Moreira da Silva e Albano Cordeiro foram outros poetas que louvaram a ribeira.

[3]Sem perder de vista as outras duas ribeiras da Cidade (Seca e Ribeirinha), de Santa Iria já tratei noutra ocasião, vou ocupar-me (aqui) da ribeira Grande.

[4] Não há ligação da Unidade de Execução do Monte Verde e a ribeira Grande. O Plano de Salvaguarda do Centro Histórico é pífio a este respeito. Porém, há diversos planos e legislação que diz respeito à ribeira Grande. Estarão coordenados? Por exemplo, qualquer construção a x distância da ribeira tem de pedir parecer vinculativo à (actual) Direcção do Ambiente e alterações climáticas. O PDM tem algo a dizer a esse respeito. Assim, em diálogo aberto com o plano da Unidade de Execução do Monte Verde, levando em consideração o POOC da Costa Norte de São Miguel, o (muito recente) Plano de Gestão de Riscos de Inundações da Região Autónoma dos Açores e o PDM da Ribeira Grande (já mais antigo), o projecto de resgate da ribeira Grande deverá propor soluções viáveis de salvaguarda e de aproveitamento da sua foz à Mãe de Água.

[5] Para dar resposta (capaz?) a uma série de enxurradas catastróficas ocorridas nos últimos tempos nas ribeiras dos Açores, a Secretaria Regional do Ambiente e das transformações climáticas, propõe soluções (será que vai passar e se passar será que vai ser posta em prática, conforme vem no Açoriano Oriental, 18 de Julho de 2024, p. 9: ‘Governo Regional pretende investir 18 ME na prevenção de inundações. Executivo criou um plano de gestão de riscos de inundações que prevê medidas para 15 bacias hidrográficas [quais em concreto?] e zonas costeiras problemáticas. (…) O plano definiu cinco bacias de risco de cheias e inundações fluviais, para as quais foi produzida cartografia de pormenor de risco, nomeadamente a ribeira Grande e a ribeira da Povoação, na ilha de São Miguel, a ribeira da Agualva e as ribeiras do Porto Judeu, na Ilha Terceira, e a ribeira Grande, na Ilha das Flores. (…) O objectivo é reduzir as potenciais consequências prejudiciais das inundações, para a saúde pública, para o ambiente, para o património cultural, para as infraestruturas, explicou o secretário regional do Ambiente e da Acção Climática, Alonso Miguel (…). O plano (…) agora apresentado aos deputados, que já esteve em discussão pública entre Outubro e Novembro (nem me apercebi disso) do ano passado, será discutido e votado em plenário antes de entrar em vigor.’ Será que tem em linha de conta as descargas? Rios Urbanos, ‘Rio Tejo - Lisboa, Oeiras e Almada, Episódio 8 de 12 Duração: 30 minutos, 22 de Novembro de 2023 – Na RTP/Açores 27 de Julho de 2024: Já depois de publicar este trabalho no jornal, como tem acontecido nos anteriores, um amigo (dos poucos que me lêem) mandou-me uma mensagem: vi um programa que te deve interessar. Como identificar a origem descargas poluentes para depois controlá-las. Oeiras com cinco ribeiras partilhadas por outros concelhos, em 2008, com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa encontrou uma solução: ‘Usámos um biomonitor (um censor biológico, musgos – briófitas -, com características de absorção de poluentes) que permite avaliar a qualidade de água. Espalhamos dez pontos em cada uma das cinco ribeiras. Saberíamos assim de quilómetro a quilómetro a qualidade da água. O musgo tem um efeito acumulador (o que permite detectar o que uma simples análise não detecta). Deixamos três meses. Aos fins-de-semana, durante as noites, feriados, ele apanha tudo. A partir daí, sabendo que há ali algo naquele espaço de um quilómetro, pudemos ter uma análise mais fina usando análises químicas, etc.’ Se Oeiras com cinco ribeiras, partilhadas por diversos concelhos, com uma população muito maior do que a da Ribeira Grande, ainda por cima com uma densidade habitacional enorme, situada na complexa área de Lisboa, conseguiu de 2008 até hoje, por que razão não pode a Ribeira Grande conseguir o mesmo? Basta querer.

 

[6] Não conhecendo texto escrito ou tradição oral que me possa ajudar a responder à pergunta, respondo (com cautela e caldos de galinha) como respondi em trabalho anterior. Moura, Mário, Ribeira Grande: Nascimento de uma Vila, Biografia, Volume I, 2021.

[7] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Liv. IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p. 192. Havia escrito ventos predominantes de Nordeste, a isso, Paulo Sousa corrigiu-me (hoje, dia 30 de Julho de 2024) para ventos predominantes de Nor-Noroeste. Contudo, fui perguntar a Pedro Cordeiro, que tem carta de patrão, e me disse: ‘De verão os predominantes são de Nordeste. E a Ribeira Grande está parcialmente protegida pela ponta do Cintrão. De Inverno são os de sudoeste e a Ribeira Grande está protegida pela Ilha.’ Testemunho de Pedro Paulo Pereira Cordeiro, 1 de Agosto de 2024.

[8] Não há provas, há probabilidades: assim se fazia no Sul e assim se fazia (e faz) em muitos pontos da costa atlântica de Portugal continental. Assim, escolheram aquelas margens da ribeira Grande junto ao primeiro Salto depois da foz (no ponto da ribeira do Paraíso, depois Cova do Milho).

[9] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Liv. IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p. 192.

[10] Em 1919, aconteceu algo (não tão grave) mas ainda aproximado (que dá para perceber os impactos das cheias no areal): [Ezequiel Moreira da Silva?], A catástrofe de sábado, Ecos do Norte, 16 de Agosto de 1916, p. 1: ‘O areal está cheio de destroços de toda a espécie: enormes madeiros, ramos de árvores, madeiramentos de casas e restos de mobílias. Foi tal a quantidade de terra, pedra, areia e pedra desagregada do próprio leito da ribeira e suas margens, que depositada na embocadura da mesma, junto do areal, fez recuar o leito das ondas até uma grande distância do antigo litoral.’

[11] Que deixa de ser o local favorito dos senhores da terra.

[12] É o eixo principal de entrada e de saída da Vila.

[13]Prova disso, vem em narrativas posteriores. Segundo os relatos (contemporâneos) de João de Sousa Freire e de Frei Agostinho de Monte Alverne, a cheia de 1667 pôs a descoberto fundações de pontes e de casas. APISP, Cópia do Primeiro e Segundo Livro do Tombo da Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da Vila da Ribeira Grande, O vigário João de Sousa Freire, Lembrança do dilúvio que houve nesta Vila o ano de 1667, 23 de Janeiro de 1668, fls. 14-15 v.;  Monte Alverne, Frei Agostinho de, Crónica da Província de São João Evangelista e Ilhas dos Açores, ICPD, Volume II, 1961, p. 334. Talvez pelo facto de não ter havido posteriormente crises da dimensão da de 1563, ou pelo facto de a terra se ter (entretanto) precavido, o facto é que as (muitas) cheias subsequentes (a de 1667, de 1840’s, de 1919 e aí por diante) não causaram danos iguais aos de 1563/4.

[14] Já no início do século XX, José Cordeiro (a encomenda da Câmara da Ribeira Grande) montou a central hidroeléctrica do Salto do Cabrito. Na década de vinte, a Câmara de Ponta Delgada montou na Fajã do Araújo a sua central hidroeléctrica. Esta última teria impacto na produção dos moinhos.

[15] AMRG, Vereação de 24 de Junho de 1964, fls. 126 v-127: ‘Urbanização da Cova do Milho e Parque Infantil (…);’ Ministro das Obras Públicas Chegou ontem a São Miguel, Jornal Açores, Ponta Delgada, 3 de Julho de 1965, p. 1, 3: ‘Aí o senhor ministro apeou-se e encaminhou-se com as entidades concelhias para o Parque Infantil, antiga Cova do Milho. O ilustre membro do Governo ficou muito surpreendido e satisfeito com a grande transformação daquele aprazível lugar que percorreu vindo a sair junto aos Paços do Concelho;’ AMRG, Sessão de 28 de Setembro de 1966, fls. 44 v. 45: Construção de uma piscina no Parque Infantil: Câmara responde favoravelmente às sugestões saídas no Correio dos Açores, 27 de Setembro de 1966 e Diário dos Açores, 24 de Setembro de 1966.Nada de estranho, pois a rapaziada usava os poços como piscinas.

[16] Mais a montante na ribeira, em Trás-os-Mosteiros é substituída uma velha e decrépita ponte de madeira (que sucedera a uma rudimentar passagem a pé posto) por uma ponte de pedra e cal.

[17] Ainda que mais visto da ponte do que frequentado, o local torna-se central.

[18] AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1967; AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1968; AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1969; AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1970; AMRG, Documentos de despesa, Obras de conservação e aproveitamento do material das praias de banho do Concelho, 31 de Dezembro de 1971; AMRG, Sessão de 26 de Abril de 1967, fls. 127-127 v. ‘(fl.127) Sítio das Poças – Por proposta do vereador (fl. 127 v.) senhor José Ferreira Cabido, a Câmara deliberou por unanimidade, solicitar ao Senhor Capitão do porto de Ponta Delgada, a autorização necessária para serem dinamitados alguns rochedos existentes no sítio das Poças que serve aos banhos de mar públicos desta Vila;’ AMRG, Sessão de 14 de Maio de 1969, fls. 178 v.-179: ‘(fl.178v.) Valorização Litoral da Vila. A Câmara, ao apresentar um estudo apresentado pelo Senhor arquitecto Luís Cunha do Porto, verificou que o referido estudo não satisfaz plenamente ao fim que a Câmara deseja realizar, isto é, a valorização litoral da Vila, no seu aspecto urbano paisagístico sem que haja preocupação em se manter zonas residenciais, porquanto esta Vila não se sofrerá evolução assinalável futura no concernente a edificações de grande porte já porque fracos são os rendimentos económicos da população, já porque é cada vez maior o (fl. 179) êxodo emigratório e ainda porque a Vila se situa a pouca distância da cidade de Ponta Delgada, que, pela sua maior importância, lhe enfraquece a vida económica-social, prejudicando-lhe consequentemente a expansão. Depois de discutido largamente o assunto, a Câmara deliberou por unanimidade significar ao referido arquitecto, a necessidade de este apresentar um novo estudo que valorize o litoral da Vila remetendo-o com a possível brevidade.’

[19]AMRG, acta 28 de Junho de 1972, fl. 78 v.

[20] A ideia da avenida vem pelo menos da década de trinta: Correio dos Açores, Ponta Delgada, 20 de Junho de 1935, p.2: ‘Inclui este plano uma avenida marginal, que partindo do Largo de Santo André vai até à esplanada do antigo Castelo (…).’ O Conde de Caminha toca no assunto em 1949 e a Câmara retoma em 1960: ACMRG, Vereação de 8 de Junho de 1960, fls. 192 v. Daí por diante – apesar de longos intervalos -, o sonho nunca morreu.

[21] Passa a ser tratada como se fosse o fundo dos nossos quintais, onde (longe dos olhares de quem nos visita) se amontoa (ao deus dará) tudo o que não queremos que seja visto.

[22] Fora dali, continuou-se por mais algum tempo a ir à Mãe d’Água de passeio com a família. Os mais jovens iam tomar banho nos Poços. Ou iam à pesca das enguias. Havia (e ainda há, apesar de menos, o hábito de visitar nas Caldeiras a represa e a central hidroelectrica. Ou encher garrafões de água das Lombadas. Mas não passou disso. Da ponte da Praça para montante, foram feitas pequenas intervenções (públicas e privadas) porém todas (ou quase todas) desligadas e de forma muito casuística. Numa visita feita hoje à ribeira, dia 22 de Julho de 2024, agrupei a ribeira (para melhor a estudar) em 5 espaços. Da foz à nascente: 1. Da foz à ponte dos Oito Arcos; 2 – Da ponte dos Oito Arcos à Ponte da Praça; 3 – Da ponta da Praça à ponte Nova: Foram feitos muros em 1970’s e 1980-90; uma ponte construída em 2009; 4 – Da ponte Nova à ponte de Trás-os-Mosteiros: Escola Preparatória Gaspar Frutuoso (1970’s); Escola Secundária (1970-80), ponte que liga as duas escolas (2000’s); ponte de Trás-os-Mosteiros (1960’s?); 5 – Ponte de Trás-os-Mosteiros à Mãe de Água – Arco das Freiras (século - XVIII); ponte da Mãe de Água (2022). 1980’s  Thomas Kettlebaum etc ..).

[23] Obtendo apoio municipal, consegui rodear-me de uma equipa formada por jovens liceais.

[24] Publico dois trabalhos sobre a ribeira, os moinhos e o cultivo dos cereais. É montada uma exposição permanente e a musealização do moinho João Pascoal I (no Parque Infantil). Em 1997 e 1999. Pouco depois, nasce a Ecoteca da Ribeira Grande e os Amigos dos Açores (com sede na Ribeira Grande), que a partir de 1999 elaboram roteiros. Percurso pedestre do salto do cabrito, Caldeiras da Ribeira Grande: Pico Vermelho; Percurso da Energia, das Caldeiras da Ribeira Grande à central da Fajã do Redondo.

[25] Ora, mesmo sem qualquer plano, hoje (2024) já há mais de meia dúzia de privados que reconverteram (ou estão em vias de o fazer) alguns moinhos (da Mãe de Água à Foz e ao longo da levada). Não ficando atrás dos privados, o poder autárquico transformou quatro moinhos em espaços de interpretação museológica. E, aproveitando os caminhos antigos, oferece dois trilhos (um dos quais – por divergências com o poder Regional -, ainda não concluído).

[26] A razão primeira do jornal vem bem expressa no ponto 2: ‘A Estrela Oriental’ procurará dar voz a uma cidade em desenvolvimento, participando activamente – pela informação, pela análise, pela divulgação, pela crítica e por outros modos de observar a realidade – na vida social, política, económica e cultural da Ribeira Grande, sem esquecer a sua história nem deixar de tentar intervir nas intenções ou acções que possam contribuir para um seu futuro melhor.’ Através de entrevistas, de artigos ou de notas promove-se a ideia de um retorno à ribeira.

[27] Professor de profissão, enraizado à terra por laços familiares, profissionais e culturais, Luís conhece e defende a Ribeira Grande (de forma esclarecida e corajosa) como poucos (aqui) o faziam (ou fazem)Noronha, Luís, Via Marginal ao longo da ribeira, Estrela Oriental, Ribeira Grande, n.º 19, Dezembro de 2002, p. 5. Sugerira-lhe o tema, a que o jornal (do qual eu era Director) deu o título de ‘Via Marginal ao longo da ribeira.’ Merecemos, a cidade merece, a recuperação das margens da ribeira, de modo a usufruirmos da sua beleza. É imperdoável que se permita que esta se transforme num vazadouro, ou num esgoto a céu aberto…

[28] Autor (entre outros) do projecto da Biblioteca da Universidade dos Açores, bem como da minha Livraria (e Café) que não foi para a frente porque a minha ex levantou voo.

[29]propuseram uma estratégia de recuperação e revitalização das margens da Ribeira Grande, junto à sua foz.’Que partia do seguinte pressuposto: ‘A Ribeira Grande é por si só o elemento gerador de toda a estrutura urbana da cidade homónima, definindo deste modo a hierarquia do núcleo urbano que cresceu em torno dela. (…).’ L’Atalante, Açoriano Oriental, 29 de Julho de 2005, p. 10.Costa, Pedro Machado, L’Atalante, em busca de uma ideia de arquitectura para os Açores, Ilhas: Açores, actualidade, cultura, política…, Ponta Delgada: MUU/Produção Cultura, N.º 17-18, [Antes de Janeiro de 2006 – N.º 19 e depois de Junho de 2005. Pretendia-se fazer sair o 17 em Junho, depois - para aproveitar a exposição depois de 9 de Outubro -, fundiu-se. Houve uma exposição na Academia das Artes pouco depois das autárquicas de 2005 a 9 de Outubro de 2005] [BPARPDL: REV Açores I/ 4; Ilhas Açores], pp. 4-10. ‘tendo em conta a futura renovação de toda a frente norte da cidade – em que se aplicam modelos de desenvolvimento típicos de cidade expostas a Sul -, Guedes e de Campos propõem um outro modelo.’

[30] Que previa a ligação ao passeio Atlântico. Infelizmente, com mudança de administração autárquica (em 2013), deixou-se cair o projecto. Em 2009, a Junta de Freguesia da Estrela (no troço da ponte da Praça à ponte Nova) deu outra cara à rua do Barracão Velho (hoje José Frazão de Medeiros) e fez construir uma pequena ponte que a liga à rua da ribeira. Uma nova Vereação, em 2006/7, dá início ao que (dantes) fora sugerido fazer no troço da foz à ponte dos Oito Arcos.

[31] Nuno (quanto ao que conheço) é autor do projecto do espaço da In-Wave Incubadora de Empresas e da remodelação do Chá Gorreana. O diálogo (em pleno crise do covid-19) com o arquitecto Nuno Malato (natural do Continente e fixado havia pouco na Ribeira Grande) - a quem tomara a iniciativa de me apresentar -, durante a fase final da escrita do Ribeira Grande: Nascimento de Uma Vila (lançado em Julho de 2021), provou ser crucial a respeito de convencer o poder político da necessidade de encarar de frente a ribeira. O caso decidiu-se com outras mais conversas com o Presidente Alexandre Gaudêncio.

[32] Um projecto do qual eu faço parte como consultor de História. https://www.cm-ribeiragrande.pt/camara-da-ribeira-grande-apresenta-projeto-para-requalificar-a-ribeira 1 de Julho de 2021. O Presidente (recandidato) havia pedido ideias ao arquitecto Nuno Malato (arquitecto residente na Cidade da Ribeira Grande). Que, em Junho, a Região passou para as mãos da Câmara. Cf. Correio dos Açores, 14 de Junho de 2024:

actividades e projectos ligados à educação, ensino e formação profissional, património, cultura e ciência, tempos livres, desporto e saúde (…).
Como contrapartida, “obriga-se a assegurar a disponibilização de um espaço edificado, para utilização, pelos serviços da Administração Pública Regional.

[33] Conversa com Nuno Malato, 23 de Julho de 2024.

[34] Açoriano Oriental, 27 de Junho de 2023. Em que ponto estamos? Levará o projecto em conta a história da ribeira? Sim, diz-me o seu autor. Está a avançar? Sim, mas não como seria desejável. Depois de o apresentar, como se fará para conciliar o PDM o POOC etc? E o controlo das cheias?

[35] Conversa em 23 de Julho de 2024 com Nuno Malato. Idem (em 24 de Julho) com a arquitecta responsável d autarquia.

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