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Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos.

Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos.

Pretende-se, com o museu do Arcano, tal como com o dos moinhos, a arqueologia, a azulejaria, as artes e ofícios, essencialmente, continuar a implementar o Museu da Ribeira Grande - desde 1986 já existe parte aberta ao público na Casa da Cultura -, uma estrutura patrimonial que estude, conserve e explique à comunidade e com a comunidade o espaço e o tempo no concelho da Ribeira Grande, desde a sua formação e evolução geológica, passando pelas suas vertentes histórica, antropológica, sociológica, ou seja nas suas múltiplas vertentes interdisciplinares, desde então até ao presente.
Madre Margarida Isabel do Apocalipse foi freira clarissa desde 1800, saindo do convento em 1832 quando os conventos foram extintos nas ilhas. Nasceu em 1779 na freguesia da Conceição e faleceu em 1858 na da Matriz, na Cidade de Ribeira Grande.
Pertencia às principais famílias da vila sendo aparentada às mais importantes da ilha. Por exemplo, o seu tio Caetano e o seu irmão Teodoro, ou mais tarde o cunhado daquele último, entre outros, ocupariam todos os cargos considerados importantes da então vila, desde a vereação às associações locais.
Se começou a fazer o Arcano, ainda no convento ou já exclaustrada, não o sabemos. Contudo, após uma década de construção quase febril, dedicou o resto da sua energia a tentar instituir a festa de São João Evangelista, tal como no século XVIII, mas num contexto mais favorável, o havia feito com êxito Madre Teresa da Anunciada com o Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Considerava-se ‘Cristã Velha’ (identidade não despicienda na altura); sofria de doença benigna mas crónica, chegando mesmo a sair temporariamente do convento para procurar, em vão, alívio e cura para as suas maleitas. A sua doença obrigava-a a estar retida de cama, por longos períodos. Tal facto deve ter algo a ver com a escolha da sua arte. Para além de receber rendas em trigo. Tinha pois tempo e material para a sua obra. E talento.
As freiras, segundo um testemunho de um inglês que visitou o mosteiro à volta de 1813, eram cultas, conhecendo mais do que uma língua, faziam trabalhos manuais diversos e eram exímias cantoras.[1] Madre Margarida fazia o grosso das figuras do Arcano (segredo na altura) recorrendo a uma substância constituída à base de farinha de arroz e outros ingredientes.[2]
Será este trabalho exemplificativo da teoria, ou tão simplesmente pressentimento/intuição de que a arte dita popular não vive estanque, antes pelo contrário dialoga e interage com a denominada arte erudita?[3] Neste caso uma ingénua arte freirática.
Luís Bernardo Leite de Ataíde, muito embora perfilhe a ideia de separação, de uma certa separação, na prática parece encarar o Arcano de outro modo. De paradigma de arte popular, evolui para uma apreciação que terá pontos de contacto com a visão sugerida na nota bibliográfica 4.[4] A musealização da arte precisa de respostas; assim, esta linha de reflexão sobre esta temática, afigura-se-me promissora e relevante.

Que é o Arcano Místico?

É ela própria quem o diz no seu testamento e codicilo de 1857: “Tenho como meu um móvel a que chamam - Arcano Místico, ou outro melhor nome que se lhe dê, contém os mistérios mais importantes do Velho e do Novo Testamento que compreende as três leis que o Senhor Deus deu ao mundo para que por figuras melhor pudéssemos entender o dever e a escolha que devemos fazer da lei da graça que por graça nos foi dada.” - Foram estas mais ou menos as palavras da freira.[5]
O que disse dela em 1897 o cónego Sena Freitas que lá esteve aos 9 anos (C. 1848 / 9): O móvel no andar superior representava a antiga lei, no antigo povo judaico, do mosaísmo que descia na sucessão das gerações ao primeiro andar o que simbolizava a dos séculos da lei da graça cujo início foi o Presépio de Belém.[6]
Matematicamente o Arcano é um móvel de 2x2x2 m contendo em três prateleiras cerca de noventa quadros modelados.
Em termos museológicos. Encontra-se actualmente numa mais que exígua sala do coro alto da Igreja Matriz, sendo pertença da Confraria do Santíssimo desde 1858. Graças a um micro-clima, mantém-se, apesar de tudo, em razoável mas preocupante estado de conservação. Por razões museológicas, por pressão de certa intelectualidade, pela própria igreja, ele deve sair do coro alto e regressar à casa onde foi feito e se manteve até 1870. Para tal, necessário se torna recuperar a casa e recuperar o móvel e tornar ambos objectos mais úteis. É a obra mais visitada na cidade e entre as obras expostas no interior mais visitadas na ilha.

Mário Fernando Oliveira Moura
Ribeira Grande 12 de Novembro de 2003
[1][Thomas Ashe] History of the Azores,or the Western Islands,London, Sherwood, Neely, and Jones, Paternoster Row,1813
[2] Ainda decorre, com o auxílio do laboratório e de uma artista, a identificação e reconstituição daquele material.
[3] Maria de Lourdes Lima dos Santos, Qestionamento à volta de três noções ( a grande cultura, a cultura popular, a cultura de massas ) texto 13 .
[4]Luís Bernardo Leite de Ataíde , Organização de museus em Ponta Delgada, “Revista Michaelense,” Ponta Delgada, nº3, Set. 1921, p.1253-1254. Entre outros trabalhos.
[5] AMRG, Registo de testamentos, liv.13, fl.178-191
[6]José Joaquim de Sena Freitas, Um presépio , “O Norte”, Ribeira Grande, [s.n.], nº 89, 23 Jan. 1897, p. [1] .

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