A Casa da Freira do Arcano:
Diálogo com o arquitecto
Caindo em cheio em plenas Bodas de Prata da Cidade, fará algum sentido destacar neste número comemorativo do Boletim Municipal a Casa da Freira do Arcano. Supomos.
Agora que a autarquia em coro entendeu, com louvável aplauso, registe-se, candidatar o Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse à categoria de Tesouro Regional. Tanto mais que o Gabinete de Arquitectura de Lurdes Janeiro e de José Manuel Fernandes deu vida a um mais do que interessante projecto de arquitectura. Foi ainda por isso, mas não só, que resolvemos eleger o Arcano e a sua autora como obra a realçar no Dia Internacional dos Museus. Se tal ainda não bastasse, haveria que referir que o sonho em pôr de pé a Casa da Freira do Arcano já tem longas e espessas barbas.
Margarida, apenas Margarida, como se lê no seu termo de Baptismo, entrou neste Vale de Lágrimas no dia 23 de Fevereiro do ano de 1779, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, Cidade de Ribeira Grande, e dirigiu-se ao Vale das Sombras, aos seis de Maio de 1858. Na freguesia vizinha de Nossa Senhora da Estrela, na mesma Cidade. Havia completado, há pouco mais de dois meses, 79 anos de idade. Margarida Isabel Narcisa, assim a conheciam os que com ela privavam antes de tomar o véu preto de freira clarissa. E Madre Margarida Isabel do Apocalipse, ao professar em 1800 no Mosteiro do Santo Nome de Jesus.
Sem ferir a sua essência, o Arcano Místico, poderá assim resumir-se, consistirá numa série de quadros tridimensionais, que por vezes desenvolvem interessantes diálogos de significado profundo com o armário de três pisos onde foram dispostos. Os quadros são povoados por figurinhas, moldadas à mão pela autora, em vários tamanhos e em diversos materiais. Aludem a passagens canónicas do Velho e do Novo Testamento, fazendo mesmo eco a textos apócrifos, a toda uma panóplia vária de iconografia católica e a vivências do quotidiano vivido da autora. Os quadros difundem uma visão aceite, ou simplesmente tolerada, pela Igreja Católica Tridentina de Jesus Cristo, dos seus progenitores e da Igreja a que este deu origem.
Apoiado em dados históricos, cumprindo regras de conservação apertadas, mas necessárias, tentando exprimir algum bom gosto nas soluções arquitectónicas e de apresentação das exposições, propõe-se um modelo simples e leve de Museu. Nesta estrutura, que se pretende auto-suficiente (venda de artesanato aí produzido e produto de ingressos), prosseguir-se-ão objectivos tais como: Exposição permanente em torno do Arcano; exposições temporárias, roteiro urbano de locais da vida da autora, oficina e núcleo de estudos sete e oitocentistas. A exposição permanente, cujo núcleo central será o Arcano Místico, deverá salientar os seguintes pontos: a biografia da autora e da obra; a sua vida naquela casa concreta em particular; o contexto histórico local em que a autora se moveu do nascimento à morte.
Como unha e carne da exposição central, a abertura de um espaço oficinal fomentaria não só a transmissão de saberes técnicos como proporcionaria uma fonte segura de rendimentos. Como planetas do mesmo sistema central, cujo Sol, passe a metáfora, é o Arcano, pretende-se com a organização de exposições temporárias, além do tratamento pluritemático que o Arcano exige, evitar a rotina que a perda de novidade, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente provocará.
Não percamos de vista o facto de o Arcano ser tanto um objecto estético como catequético, devendo tal circunstância ou natureza última ou primeira, como queiramos entendê-la, vir sempre expressa na exposição. Para além da casa em si mesma, à qual o Arcano deverá regressar, do Arcano em si mesmo, e do altar de São João Evangelista, que continuará na igreja de Nossa Senhora da Estrela, não dispomos de muito material. Na realidade, e para nosso desgosto, dispomos de pouco mais de um punhado de material gráfico e iconográfico. Não vale a pena tapar o sol com uma peneira, sente-se um peso despropositado, esmagador até, de elementos bidimensionais, o que tornará logo à partida a exposição menos atractiva. O Arquivo Municipal dispõe dos registos do Testamento, do Codicilo e do Rol, que constituem elementos autobiográficos por excelência. Junte-se a estes, as escrituras das casas, a documentação referente à aquisição e conserto do altar de São João Evangelista, a troca epistolar com a autarquia. Para atenuar o carácter bidimensional da exposição, é forçoso recorrer-se, após celebração de convénio com a entidade proprietária, a artefactos exumados nas terras do antigo Mosteiro de Jesus. Mas ainda assim, não será o suficiente, aconselha-se pois que se promova um entendimento legal de mútuo interesse entre a autarquia e descendentes do irmão daquela brilhante criadora. Do sucesso destes entendimento dependerá em larga medida o êxito da Casa da Freira do Arcano.[1]
[1]Para ter uma visão mais aprofundada deste assunto, consulte-se Mário Moura, A Casa da Freira do Arcano. Diálogo com o arquitecto, Universidade Nova, 2000
Diálogo com o arquitecto
Caindo em cheio em plenas Bodas de Prata da Cidade, fará algum sentido destacar neste número comemorativo do Boletim Municipal a Casa da Freira do Arcano. Supomos.
Agora que a autarquia em coro entendeu, com louvável aplauso, registe-se, candidatar o Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse à categoria de Tesouro Regional. Tanto mais que o Gabinete de Arquitectura de Lurdes Janeiro e de José Manuel Fernandes deu vida a um mais do que interessante projecto de arquitectura. Foi ainda por isso, mas não só, que resolvemos eleger o Arcano e a sua autora como obra a realçar no Dia Internacional dos Museus. Se tal ainda não bastasse, haveria que referir que o sonho em pôr de pé a Casa da Freira do Arcano já tem longas e espessas barbas.
Margarida, apenas Margarida, como se lê no seu termo de Baptismo, entrou neste Vale de Lágrimas no dia 23 de Fevereiro do ano de 1779, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, Cidade de Ribeira Grande, e dirigiu-se ao Vale das Sombras, aos seis de Maio de 1858. Na freguesia vizinha de Nossa Senhora da Estrela, na mesma Cidade. Havia completado, há pouco mais de dois meses, 79 anos de idade. Margarida Isabel Narcisa, assim a conheciam os que com ela privavam antes de tomar o véu preto de freira clarissa. E Madre Margarida Isabel do Apocalipse, ao professar em 1800 no Mosteiro do Santo Nome de Jesus.
Sem ferir a sua essência, o Arcano Místico, poderá assim resumir-se, consistirá numa série de quadros tridimensionais, que por vezes desenvolvem interessantes diálogos de significado profundo com o armário de três pisos onde foram dispostos. Os quadros são povoados por figurinhas, moldadas à mão pela autora, em vários tamanhos e em diversos materiais. Aludem a passagens canónicas do Velho e do Novo Testamento, fazendo mesmo eco a textos apócrifos, a toda uma panóplia vária de iconografia católica e a vivências do quotidiano vivido da autora. Os quadros difundem uma visão aceite, ou simplesmente tolerada, pela Igreja Católica Tridentina de Jesus Cristo, dos seus progenitores e da Igreja a que este deu origem.
Apoiado em dados históricos, cumprindo regras de conservação apertadas, mas necessárias, tentando exprimir algum bom gosto nas soluções arquitectónicas e de apresentação das exposições, propõe-se um modelo simples e leve de Museu. Nesta estrutura, que se pretende auto-suficiente (venda de artesanato aí produzido e produto de ingressos), prosseguir-se-ão objectivos tais como: Exposição permanente em torno do Arcano; exposições temporárias, roteiro urbano de locais da vida da autora, oficina e núcleo de estudos sete e oitocentistas. A exposição permanente, cujo núcleo central será o Arcano Místico, deverá salientar os seguintes pontos: a biografia da autora e da obra; a sua vida naquela casa concreta em particular; o contexto histórico local em que a autora se moveu do nascimento à morte.
Como unha e carne da exposição central, a abertura de um espaço oficinal fomentaria não só a transmissão de saberes técnicos como proporcionaria uma fonte segura de rendimentos. Como planetas do mesmo sistema central, cujo Sol, passe a metáfora, é o Arcano, pretende-se com a organização de exposições temporárias, além do tratamento pluritemático que o Arcano exige, evitar a rotina que a perda de novidade, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente provocará.
Não percamos de vista o facto de o Arcano ser tanto um objecto estético como catequético, devendo tal circunstância ou natureza última ou primeira, como queiramos entendê-la, vir sempre expressa na exposição. Para além da casa em si mesma, à qual o Arcano deverá regressar, do Arcano em si mesmo, e do altar de São João Evangelista, que continuará na igreja de Nossa Senhora da Estrela, não dispomos de muito material. Na realidade, e para nosso desgosto, dispomos de pouco mais de um punhado de material gráfico e iconográfico. Não vale a pena tapar o sol com uma peneira, sente-se um peso despropositado, esmagador até, de elementos bidimensionais, o que tornará logo à partida a exposição menos atractiva. O Arquivo Municipal dispõe dos registos do Testamento, do Codicilo e do Rol, que constituem elementos autobiográficos por excelência. Junte-se a estes, as escrituras das casas, a documentação referente à aquisição e conserto do altar de São João Evangelista, a troca epistolar com a autarquia. Para atenuar o carácter bidimensional da exposição, é forçoso recorrer-se, após celebração de convénio com a entidade proprietária, a artefactos exumados nas terras do antigo Mosteiro de Jesus. Mas ainda assim, não será o suficiente, aconselha-se pois que se promova um entendimento legal de mútuo interesse entre a autarquia e descendentes do irmão daquela brilhante criadora. Do sucesso destes entendimento dependerá em larga medida o êxito da Casa da Freira do Arcano.[1]
[1]Para ter uma visão mais aprofundada deste assunto, consulte-se Mário Moura, A Casa da Freira do Arcano. Diálogo com o arquitecto, Universidade Nova, 2000
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