Avançar para o conteúdo principal

Um Nobel na Maia: Daniel de Sá

Um conto de fadas ou de fados?...
Se as fadas existissem, talvez há um pouco mais de um século alguma se tivesse condoído de um esforçado carroceiro que, duramente, trabalhava para sustentar a família que lhe ia crescendo ano sim ano não. Ela poderia tê-lo feito enriquecer de um momento para o outro. E o novo rico passaria a andar de landó e viveria feliz num palácio doirado.
Os fados costumam levar muito mais tempo a cumprir-se. Eugénio de Mello cansou-se da pobreza, e partiu sem saber bem para onde. Prometiam-lhe a abundância para si e para os seus. Que já eram tantos que lhe recusavam a entrada dos cinco filhos. Deus facilitara-lhe ligeiramente a vida, chamando para Si um dos pequenos. Mas ainda assim Eugénio teve de fingir que um deles fazia parte de uma família amiga, que o declarou como seu na chegada a um mundo dito novo mas que tinha leis estranhas. Eram os Estados Unidos da América, uma pátria feita por emigrantes. Que só começou a enriquecer quando, no século XIX, uns milhões de alemães, de irlandeses e de judeus a procuraram como se todos eles buscassem a Terra Prometida. Levaram-lhe o rigor da organização, a força do trabalho, a poupada administração das finanças.
Os fados foram compondo a sua obra. Eugénio trabalhou nos caminhos-de-ferro, o seu filho Frank, o primeiro dos vários que ainda haveriam de nascer na América, foi plantador e vendedor de árvores de Natal. O seu neto James, ou Jim, como ele assina, licenciou-se em Paleontologia quando aquele em que se cumpriria o conto que poderia ser de fadas já havia nascido: Craig, que em criança gostava mais dos grandes espaços livres e de passeios de bicicleta do que da monotonia do estudo. Mas foi por esses caminhos que começou a formar-se o espírito do cientista. Que, durante anos, trabalhou com amigos sábios e tão curiosos como ele até uma descoberta que lhe valeria o prémio Nobel aos quarenta e seis anos de idade. Com a simplicidade própria da verdadeira sabedoria, Craig Mello diz que esse longo e árduo trabalho foi explicado por algumas estações de televisão americanas em uns segundos apenas…
Foi então que a fama estranhamente lhe despertou o desejo de conhecer a humilde terra de que provinha uma parte da sua linhagem. Acompanhado pelo pai, a mãe, a mulher, as duas filhas, um irmão e uma sobrinha, cumpriu-o no dia nove de Julho. Teve uma recepção entusiástica nessa que é um pouco a sua terra, a Maia. Acolhido no belo Solar de Lalém com a música do Belaurora, não recusou o convite de se juntar ao grupo, tentando marcar o ritmo. Depois peregrinou pelas ruas onde o bisavô viveu, e comoveu-se olhando as casas em que Eugénio de Mello morou, a pia do seu baptismo e as imagens e os altares perante os quais terá rezado. Mas, antes de entrar na igreja, sentara-se nas escadas do adro, tal como o resto da comitiva, que incluía o Presidente do Governo Regional dos Açores e sua Mulher, para assistir a uma inesperada exibição de uma marcha de São João. A Junta de Freguesia saudou-o como era devido e merecido, e declarou pai e filho, simbolicamente, cidadãos honorários da Maia. Os descendentes de Eugénio de Melo e de Maria da Glória, sua bisavó, ofereceram-lhe um jantar em que tanto parecia estarem a ser homenageados aqueles como o Nobel e a sua cativante família. Parte da ementa fora escolhida pelo próprio Dr. Jim Mello, que se lembrava do fervedouro que a avó fazia e dos chicharros que fritava ou assava. Era meia-noite, hora dos momentos mágicos, quando se despediram.
Craig voltou à pátria onde nasceu. Continuará a partilhar a sua sabedoria com os alunos e a dividir o seu tempo com a investigação científica. E o pai, que foi director assistente do Museu Smithsonian, em Nova Iorque, não deixará de cultivar, como Frank de Mello, as árvores que vende pelo Natal. Daniel de Sá julho 2009

Comentários

Mensagens populares deste blogue

História do Surf na Ribeira Grande: Clubes (Parte IV)

Clubes (Parte IV) Clubes? ‘ Os treinadores fizeram pressão para que se criasse uma verdadeira associação de clubes .’ [1] É assim que o recorda, quase uma década depois, Luís Silva Melo, Presidente da Comissão Instaladora e o primeiro Presidente da AASB. [2] Porquê? O sucesso (mediático e desportivo) das provas nacionais e internacionais (em Santa Bárbara e no Monte Verde, devido à visão de Rodrigo Herédia) havia atraído (como nunca) novos candidatos ao desporto das ondas (e à sua filosofia de vida), no entanto, desde o fecho da USBA, ficara (quase) tudo (muito) parado (em termos de competições oficiais). O que terá desencadeado o movimento da mudança? Uma conversa (fortuita?) na praia. Segundo essa versão, David Prescott, comentador de provas de nível nacional e internacional, há pouco fixado na ilha, ainda em finais do ano de 2013 ou já em inícios do ano de 2014, chegando-se a um grupo ‘ de mães ’ (mais propriamente de pais e mães) que (regularmente) acompanhavam os treinos do

Moinhos da Ribeira Grande

“Mãn d’água [1] ” Moleiros revoltados na Ribeira Grande [2] Na edição do jornal de 29 de Outubro de 1997, ao alto da primeira página, junto ao título do jornal, em letras gordas, remetendo o leitor para a página 6, a jornalista referia que: « Os moleiros cansados de esperar e ouvir promessas da Câmara da Ribeira Grande e do Governo Regional, avançaram ontem sozinhos e por conta própria para a recuperação da “ mãe d’água” de onde parte a água para os moinhos.» Deixando pairar no ar a ameaça de que, assim sendo « após a construção, os moleiros prometem vedar com blocos e cimento o acesso da água aos bombeiros voluntários, lavradores e matadouro da Ribeira Grande, que utilizam a água da levada dos moinhos da Condessa.» [3] Passou, entretanto, um mês e dezanove dias, sobre a enxurrada de 10 de Setembro que destruiu a “Mãn”, e os moleiros sem água - a sua energia gratuita -, recorriam a moinhos eléctricos e a um de água na Ribeirinha: « O meu filho[Armindo Vitória] agora [24-10-1997] só ven

Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos.

Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos. Pretende-se, com o museu do Arcano, tal como com o dos moinhos, a arqueologia, a azulejaria, as artes e ofícios, essencialmente, continuar a implementar o Museu da Ribeira Grande - desde 1986 já existe parte aberta ao público na Casa da Cultura -, uma estrutura patrimonial que estude, conserve e explique à comunidade e com a comunidade o espaço e o tempo no concelho da Ribeira Grande, desde a sua formação e evolução geológica, passando pelas suas vertentes histórica, antropológica, sociológica, ou seja nas suas múltiplas vertentes interdisciplinares, desde então até ao presente. Madre Margarida Isabel do Apocalipse foi freira clarissa desde 1800, saindo do convento em 1832 quando os conventos foram extintos nas ilhas. Nasceu em 1779 na freguesia da Conceição e faleceu em 1858 na da Matriz, na Cidade de Ribeira Grande. Pertencia às principais famílias da vila sendo aparentada às mais importan