Queda do Paraíso
Aconteceu de forma inesperada. O Paraíso entrou
em decadência depois de 1563/64, até então fora dos lugares mais importantes da
Ribeira Grande. Se não mesmo o mais importante. E, no entanto, desconhece-se
quase tudo sobre ele. Como era o Paraíso? Para saber algo mais, tirando o que a
arqueologia possa dar, talvez só recorrendo a um diálogo entre as narrativas de
Gaspar Frutuoso, a geologia e a dinâmica sedimentar do Paraíso. Qual o impacto da
ribeira Grande nas margens da ribeira do Paraíso? Por onde começar? Talvez por tentar
imaginar aquela Cova do Paraíso sem a ponte dos Oito Arcos, sem a ponte da Cova
do Milho e sem a ponte do Paraíso.[1]
E que tal ir ainda mais longe na imaginação? Leitor atento e crítico, bem informado,
conhecendo cada palmo da nossa Ribeira Grande, ao ler este texto que saiu hoje (dia 10 de Dezembro) no
jornal, sem conhecer as notas do texto que o jornal por falta de espaço não
publica, o meu amigo e engenheiro Albano ao sugerir a linha de pesquisa que
abaixo transcrevo coincide exactamente com a minha linha de pesquisa: ‘Acho que deves imaginar toda aquela área sem
os paredões existentes e sem os contrafortes das pontes. Era uma vasta área
muito aberta. Há em toda aquela área muito aterro, desde a Rua da Ribeira de
Baixo até ao mar. Penso que o próprio jardim só foi possível pelo paredão. Aconselho-te
a estudar uma planta da zona com as curvas de nível. A concentração das curvas
e as actuais irregularidades permitem-te fazeres uma ideia do terreno antes das
construções, dos aterros e das ruas. A morfologia muda pela intervenção humana
mas é possível ter uma ideia. Abraço.’[2] Em
1963, Ventura Rodrigues Pereira, dizia que a Cova ficava a dezassete metros
abaixo do nível da Praça do Município e ocupava 6000 metros quadrados.[3]
Seria assim antes de 1563/64? Não.
Qual é a
geologia e a dinâmica sedimentar do Paraíso? À procura de respostas científicas a essas perguntas, como tenho por
hábito fazê-lo, pedi ajuda ao Professor Doutor Rui Coutinho: ‘Tens de imaginar a dinâmica antes e acima da ponte do largo do Teatro.
Existem curvas na ribeira que poderão indicar o porquê da forma actual. É certo
que a margem direita (do lado dos antigos WC) é rocha firme e mais resistente,
facto que leva a água a chocar com a rocha e deslocar-se para a esquerda. O
local das casas [margem esquerda do Bairro da Cova do Milho] pode ter um solo menos rochoso e,
eventualmente, ter depósitos da própria ribeira. Isto é mera especulação porque
com o coberto vegetal existente é difícil ver.’[4] E da ponte dos Oito Arcos para baixo até à
foz? Areão? ‘Deviam ser sedimentos
transportados pela ribeira. Quando o caudal era elevado, era tudo à mistura.
Areão, coisas mais grosseiras e mais finas.’[5] E
pedi também ao Engenheiro Albano
Furtado, outro a quem recorro. Este, indo ao mesmo assunto, acrescenta-lhe todavia
pormenores: ‘Devido à
força centrífuga e à maior velocidade da água no lado exterior da curva, os
materiais são projectados tanto mais para fora quanto maior a sua
granulometria e densidade, erodindo mais o seu exterior, enquanto
que na curva interior se depositam materiais mais leves como as areias. O leito
é mais fundo no lado exterior e mais raso no interior.’[6]
Guiado
por essas respostas, e fazendo-me acompanhar pelas narrativas da peste de
1526/7 e da cheia de 1563/64, vou tentar fazer uma ideia do que foi a Cova
sedimentar do Paraíso.[7]
Apesar da falta de provas, que seriam cruciais, ainda assim, é possível chegar
a uns breves vislumbres do que foi o Paraíso. Razoavelmente credíveis. Sem
invenções, claro. A palavra a Frutuoso. Com ela, recuo ao período de
1526/1527. Como Vila, a Vila da Ribeira Grande ainda mal engatinhava. Nem fizera
vinte anos de vida independente de Vila Franca do Campo. Entretanto, duas obras
estruturantes ganhavam corpo: a via de acesso ao porto de Santa Iria e a (primeira)
ponte do Paraíso (de pedra e cal). É então por aí que se declara um terrível foco
da peste. Cuja primeira manifestação, ocorre no Paraíso. E na margem esquerda
da ribeira no Lugar do Paraíso. Que qual lume pegando em palha seca, pegou num
instante à margem direita. E daí foi à Vila inteira. Onde teria Frutuoso obtido
a informação que nos dá? Só viria a fixar residência na Ribeira Grande quatro
décadas depois. Não se esqueçam disso. Nem de que haveria ainda aí gente viva que
se lembrava da peste. Naturalmente, não teriam uma memória oral tipo fotocópia
do que se passara em 1526/7, mas uma memória trabalhada (e corroída) pelos imprevistos
do tempo. E pela biologia humana. No entanto, Frutuoso só registaria esses
relatos na década de oitenta. Ou registara-os primeiro em notas? Quem sabe?
Fosse como fosse, conta-nos assim o sucedido: ‘ (…) deu [a peste] na vila da Ribeira Grande, na era de mil e quinhentos e vinte e seis,
levando-a um João Afonso, por alcunha o Cabreiro, que morava sobre uma alagoa funda que fazia a ribeira que corta a vila,
chamada o Paraíso, da banda do ponente (…).’ Seria essa alagoa uma espécie de laguna
litoral que entrava dentro da ribeira Grande? Uma com alguma semelhança à que existiu
na baía de Santa Cruz que deu o nome de Lagoa à Lagoa? Ou a uma do tipo do Paul
da Praia da Vitória? Em qualquer destes dois cenários, um mais plausível do que
outro, para ter havido uma lagoa, esclarece Rui Coutinho: ‘Era necessário que o leito tivesse alguma
impermeabilização, isto é, sedimentos mais finos (siltes [limos] e argilas).’[8] E,
atiro agora eu, provavelmente teria sido abastecida simultaneamente pela água
da ribeira e pela do mar. Assim, a margem esquerda (poente) já então seria nesse
aspecto diferente da de hoje. Aquela lagoa seria o habitat de uma certa vida animal e vegetal. Talvez borbulhante. A
rapaziada de certeza daria lá os seus mergulhos do costume. E apanhar-se-ia lá peixe.
Peixe do mar. E os nossos ‘iroses.’
De onde veio a peste e como se propagou?
Veio da ao tempo Vila de Ponta Delgada numa manta infectada: ‘e logo aquela noite deu o mal em uma negra sua que dormiu na manta, a
qual enterrou ele sem ninguém o saber (…).’ Continuo com Frutuoso:
‘e a noite seguinte do outro dia se foi a jogar com um Martim de Leão,
correeiro, a casa de um João Gonçalves [Ferreira] Fidalgo, por alcunha chamado da Serra de Água, porque tinha uma serra
de água junto de sua casa.’ Quanto ao local dessa serra de água, noutra
passagem, repare-se, Frutuoso diz que o Fidalgo (após sobreviver a dois azares na
sua vida) viera ‘morar abaixo à vila [depois
de 1508? Ou antes?], em umas boas casas
que comprou sobre a ribeira [sendo possível, que já lá existissem por
alturas da elevação a Vila], junto da ponte, onde mandou fazer um
engenho de serra d´água, como os da ilha da Madeira.’[9]
Uma serra de água sobre a ribeira (Grande) e junto à ponte. Qual ponte? A de antes
de 1525? Na margem direita ou na esquerda?[10]
Além
dessa serra de água de que nos fala Frutuoso, por alturas da peste, e ainda antes
de 1563/64, Frutuoso também fala de dois engenhos de pastel (construídos na Ribeira Grande após os dois que se
haviam construído na costa Sul): ‘se fizeram dois engenhos na vila da Ribeira
Grande, um de Diogo de Morim e de Fernão Correia, que foi o primeiro, e outro
de Jorge Gonçalves Cavaleiro e de outros companheiros (…).’[11] Onde?
A esse propósito, em 2006, por mero acaso, uma máquina escavadora, a trabalhar no
flanco da margem direita da ribeira Grande, a uns poucos metros abaixo da ponte
dos Oito Arcos, pôs a descoberto uma mó (muito provavelmente) de moinho de
pastel. Encontra-se hoje à guarda do Museu Municipal da Ribeira Grande.
Estariam esses moinhos de pastel implantados na margem direita da ribeira? Ou
na da esquerda?
Se o relato de Frutuoso da peste
de 1526/7 nos ajudou a reconstituir um todo nada o aspecto do Paraíso, como atrás
se disse, com as breves referências à lagoa, à casa do cabreiro e à serra de
água, a sua descrição da catástrofe de 1563/64 vem acrescentar outros todos
nadas mais. No caso, mais generosos. Por este relato e por outros relatos em outras
passagens da sua obra, confirma-se a existência de edifícios até à foz da
ribeira. E de casas ao longo da ribeira. No entanto, não nos esclarecem se as
casas ao longo da ribeira iam até à foz e se havia construções em ambas as
margens da ribeira Grande. Menos de quatro décadas após o surto de peste,
abateu-se novo flagelo. Flagelo que, ao contrário do da peste, mudaria
radicalmente a face da Ribeira Grande e daquele lugar do Paraíso em particular.
De novo a palavra a Frutuoso. Repito-o
(porque é importante não esquecê-lo), Frutuoso fixou residência na Ribeira
Grande a 15 de Agosto de 1565. A curta distância da catástrofe. No caso de
1563/64, terá não só visto o resultado da catástrofe, como terá falado com quem
viveu a catástrofe. Dando origem a uma narrativa recheada de pormenores, não ainda
a que precisávamos para completar a imagem do Paraíso. Escreveu ele: ‘(…) destruiu
quase meia vila e levou mais de duzentas casas, as mais delas sobradadas e das
melhores que havia, por estarem ao longo da ribeira, onde os mais dos homens
folgavam de edificar e morar.’ Resumindo: até essa altura, as melhores
casas, os moinhos de
água e as serras de água, distribuíam-se ao longo das margens
da ribeira Grande (apesar de Frutuoso não ser claro a esse respeito, estou em
crer que, em ambas as margens da ribeira).
Noutro ponto da narrativa, volta ao assunto: ‘e a vila da Ribeira Grande (…) com suas casas altas de sobrado, e seus
jardins e pomares de diversas árvores fruteiras, e moinhos ao longo da ribeira,
que faziam a vila mui fresca e bem servida.’[12] Porquê ali? Porque havia aí água em
abundância. Porque o mar ficava pertíssimo. É até possível que uma dessas ruas
principais destruídas (ou seriam duas?) terminasse junto ao mar. Além disso, a
Câmara e tudo o que ao tempo era importante, praça, Misericórdia, igreja, ficava
ali ou muito perto dali. Mais ainda. As pontes. Que melhor sítio haveria na
Ribeira Grande para ter uma casa? Ou um engenho. E moinhos. Moinhos que eram
monopólio do todo-poderoso Capitão do Donatário. Tão poderoso que mandara (e
conseguira) quebrar as atafonas de Ponta Delgada. Para obrigar os de Ponta
Delgada a virem moer aos seus moinhos da Ribeira Grande.
O
que se alterou no Paraíso depois de 1563/64? Tudo. Mas vamos por partes. Desgraçadamente,
moinhos e casas haviam sido construídos (inadvertidamente) sobre uma linha de água.
Sobre um terreno constituído à base de sedimentos depositados ao longo dos anos
pela ribeira. No Inverno de 63/64, a chuva intensa quase destruiu a Vila. O
arco da ponte do Paraíso, cujo tabuleiro não deveria exceder os seis metros de
largura, obstruído por troncos, pedras e lamas, fez dique. A água, arrastando
pedras, troncos e lama, galgou as margens. Inundou a praça do Município. Que
era desnivelada para o lado da margem direita. A ribeira foi a maior culpada da
destruição daquele Paraíso. A água arrastando tudo à sua frente caiu na Cova do
Paraíso vinda de todos os lados. O mar, de forma indirecta, também contribui
para a mudança do aspecto do Paraíso. O recuo da linha de costa deveu-se ao que
a ribeira arrastou e foi depositando na foz e mar dentro.
Conclusões
possíveis? A
lagoa/laguna terá sido varrida do mapa. O mar recuara. Mais tarde o mar terá
recuperado (em parte ou na sua totalidade?) o espaço da costa que havia perdido.
Perdeu uma ou duas ruas. A Cova ficou entalada entre duas altas barreiras: a da
rua do Saco a poente e a da rua das Espigas a nascente. O que deu àquela Cova um
certo ar de Canyon. Uma das duas ruas principais destruídas referidas
por Frutuoso, ficava ao longo da ribeira. Muito possivelmente na margem
direita. A segunda rua principal, ou até a tal menos principal referida por
Frutuoso, talvez ficasse também aí. Possivelmente, na margem esquerda. Se, em
1515, diz-nos ainda Frutuoso, não haveria mais do que duas casas na banda
poente (esquerda), com a expansão demográfica da Vila, que parece ter ocorrido
de forma rápida, seria pouco provável que não houvesse casas e moinhos naquela
banda em 1563/4. Não esquecer que, em 1525, pelo menos, já lá morava o cabreiro
que trouxe a peste de Ponta Delgada. Insisto. Ainda que Frutuoso não o tenha
dito de forma clara, não quero crer que só existissem casas e moinhos numa só margem.
Que acontece em 1563/64 aos
moradores mais honrados junto à ribeira? ‘(…) Os homens honrados, não
podendo reedificar suas casas, nem sanear estas quebras e perdas, como cada um
melhor pôde, se arredaram os mais para fora da Vila, perto das suas lavranças.’[13]
O que aconteceu às ruas junto da ribeira? A da margem direita ou desapareceu por
completo ou ficou a tal ponto danificada, fazendo com que os seus antigos
moradores não voltassem a pôr lá os pés. Pelo que diz Frutuoso e pelo
entendimento da dinâmica da água naquele local, o maior impacto da cheia terá
sido na margem direita. Como terá sido essa rua da margem direita? Seguiria um
modelo de implantação urbanística semelhante ou próximo do que se vê na actual
rua do Saco e ruas seguintes até à foz?[14] Arruamento
que contorna a margem e a foz da ribeira? É possível. Porém, certezas, certezas,
só com provas. E as habitações e os demais edifícios da margem esquerda? A
cheia terá causado menos destruição nessa margem esquerda? Talvez. Provocou
outro tipo de estragos? Talvez. A área da margem direita diminuiu e da esquerda
aumentou? O lado oposto ao do que sofre o maior impacto, é aquele onde são depositadas
maiores quantidades de sedimentos. Terá sido assim?
Uma
coisa é certa. A destruição causada pela catástrofe de 1563/64 provocou
alterações de monta no tecido urbano da Ribeira Grande. O principal eixo urbano
que até então se orientava no sentido Sul/Norte (ao longo das margens da
ribeira Grande) deslocou-se a partir de então para um eixo Nascente/Poente, ao
longo da rua Direita (diferente da que vemos hoje). Não se conhecem pormenores,
mas alterou (por certo) o percurso e o leito da ribeira naquele preciso troço
do Paraíso. Forçou a uma relocalização de emergência dos moinhos de água. Até
1563/4, situados ao longo da ribeira, depois dessa data, distribuídos ao longo
de uma levada artificial construída para o efeito, a agora conhecida levada da
Condessa. Em suma, o Paraíso perdeu a partir daí a sua centralidade. E
importância. Ficou ali meio esquecido até surgir o Bairro da Cova do Milho?
Um bairro a quilómetros de distância da importância que gozara o Paraíso até
1563/4? A julgar pelo nível social e económico dos seus novos ocupantes? E pelo
tipo das suas habitações? Quando começa a ser Cova do Milho? Não se sabe. O que
se sabe é que a primeira referência à Cova do Milho aparece (tanto quanto se
sabe) pela primeira vez no rol Quaresmal de 1839. E que, em 1838, as casas que
faziam parte do bairro ainda faziam parte da rua do Saco. Desde quando?
UFC (União das Freguesias
Citadinas), Cidade da Ribeira Grande
[1] Ponte dos Oito
Arcos foi construída entre a década de oitenta e a de noventa do século XIX.
Ponte pequena do Cova do Milho: aquela ou outra, segundo se crê, que pode ter
existido ali mesmo – ou por ali -, desde o início do povoamento da Ribeira
Grande. A Ponte do Paraíso tal como hoje a vemos, são três pontes reunidas numa
única ponte. Uma primeira, de 1525, uma segunda de 1874 e uma última de 1956/7.
[2] Nota de 10 de Dezembro de 2025 (já depois da publicação deste texto no Correio
dos Açores de hoje, dia 10). Quanto a ir mais longe a tentar imaginar aquele
espaço, antes da ocupação humana e ao longo da ocupação humana, por duas razões
não me alonguei no texto do jornal: o jornal não publica as notas e já o havia
feito com maior detalhe em a Ribeira
Grande: Nascimento de uma Vila, publicada em 2021. Assim, deu um simples
lamiré na nota de rodapé que vem publicada no Blogue do Mário.
[3] Pereira, Ventura Rodrigues, A Ribeira Grande e a sua gente. Cova do Milho, Diário dos Açores, Ponta Delgada, 7 de Março de 1963, pp. 1, 3.
[4] Depoimento de
Rui Coutinho, 5 de Dezembro de 2025. Enquanto não chega a ajuda que pedi a
colegas especialistas, vou pôr a uso o que vi (fui vendo) em algumas das cheias
das décadas de sessenta por diante. Quando a minha curiosidade pediu respostas,
fui espreitar por debaixo das três pontes da ponte do Paraíso. Vi lá três
enormes arcos encostados uns aos outros. Dispostos em ângulos distintos. Que
explica o modo como a água se comporta por alturas de cheias. Fazem redemoinhar
a água. Água que arrasta consigo, pedras, areias, troncos. E, por via desses
redemoinhos, a água ganha força antes de se precipitar queda abaixo (a uns
cerca de dezassete metros de altura). Aí em baixo, uma concavidade à direita e
uma outra mais pequena à esquerda, imprimem ainda mais força ao movimento
rodopiante.[4]
Arremessando os elementos mais pesados contra a margem direita. Isso, abaixo da
ponte pequena. As ajudas dos colegas acabam de cair na caixa de correio.
Lendo-as, vi que, de certo modo, dão lastro científico às minhas observações
empíricas.
[5] Testemunho Rui
Coutinho, 5 de Dezembro de 2025.
[6] Depoimento
de Albano Moniz Furtado, 4 de Dezembro de 2025.
[7] E vou ter também presentes as narrativas da cheia de 1667, a de meados do século XIX e a de 1919, como forma de esclarecer ou confirmar as duas primeiras narrativas.
[8] Testemunho Rui
Coutinho, 5 de Dezembro de 2025.
[9] Frutuoso,
Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998, p.126.
[10] Frutuoso, Gaspar,
Saudades da Terra, Livro IV: De
volta à passagem em que se ficou: ‘E logo na mesma noite deu a peste em dois
filhos do dito João Gonçalves. Tornando Martim de Leão para sua casa, na mesma
noite foram feridos de peste outros dois seus filhos, os quais todos quatro
morreram daquele mal; pelo que os moradores foram queimar a casa de João Afonso
Cabreiro. Dali se foi ateando tanto que dizem alguns que, de vinte do mês de
Fevereiro até o mês de Março, morreram na dita vila cento e setenta pessoas.
Outros dizem que foram feridas da peste noventa e quatro, das quais morreram
sessenta e três e escaparam trinta e uma.’ Para tentar combater a
propagação, que decidiram fazer as autoridades? ‘(…) Despejaram a vila por mandado do Capitão Rui Gonçalves, e ficou
Simão Lopes de Almeida, filho de Lopo das Cortes, por guarda-mor, o qual mandou
destelhar todas as casas, por causa dos maus ares.’
[11] Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, liv. 4, vol. 2,
p. 210.
[12] Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, liv.4, volume. 2, p. 105.
[13] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro
IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p. 191.
[14] Ao olhar para as ruas actuais da margem esquerda, que
vemos? E ao olhar para as actuais ruas
da margem direita, que vemos? Vemos que falta qualquer coisa às ruas da margem
direita. Como? Se o padrão urbanístico das ruas da esquerda fosse semelhante ao
das ruas da direita, falta às ruas da direita o que as da esquerda têm.[14]
O que hoje vemos nas ruas da direita, poderá ser o que sobreviveu à destruição
da rua original da margem direita. A rua completa, tendo por base a rua da
margem esquerda, lembra o padrão de um azulejo partido ao meio. Seguindo este
raciocínio, a parte que se encontra em falta, poderá ficar completa com o
padrão da metade completa. Agostinho
de Monte Alverne, Crónicas da Província
de São João Evangelista e Ilhas dos Açores, liv. 2, p. 334. Comparando plantas chegamos também a essa constatação. A comprová-lo, em
parte, a cheia de 1667 pôs a descoberto ‘(…) no fim da vila, junto ao mar (…) umas casas,
que naquele (1563/4) tempo tinha a ribeira, com sua represa, metidas todas
debaixo da terra.’ APISP, Cópia do Primeiro e Segundo
Livro do Tombo da Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da Vila da Ribeira
Grande, O vigário João de Sousa Freire, Lembrança do dilúvio que houve nesta
Vila o ano de 1667, 23 de Janeiro de 1668, fls. 14-15 v.: ‘Na Ribeira Grande
foram ao mar algumas casas totalmente mas de pouca consideração de que não sei
número certo, mas não morreu pessoa alguma de que eu tenha notícia
e na rua que do Corpo Santo vai para o mar com a redundação das
águas que (h)ouve na Praça de meia rua para o mar fez uma grota tão funda de
altura de uma boa lança pouco mais, ou menos com que arruinou todas as casas
que e uma e outra parte da dita rua havia das quais foram em parte
para o mar, e uma parte de um granel em que perderam 10 moios de trigo pouco
mais ou menos e nesta grota aparecerão edifícios antigos de casas, que
ali estavam soterradas, sinal de que em tempos de que não temos lembrança,
ouve semelhante ou maior cheia, que soterrou aquelas casas e edifícios dos
quais estão as paredes, e por tais ao nível com as que hoje estavam, em cima
quase como se a prumo os fizeram. (…).’
Que
estariam na margem direita. E a outra rua principal?
Talvez fosse a rua da Praça. Sousa Freire ao escrever sobre os estragos da
cheia de 1667, assim nos leva a admiti-lo. Diz que a água abriu uma grota na
rua da Praça (Corpo Santo) onde, a uma profundidade de mais de uma lança, se
viram ruínas de construções antigas.



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