A Ribeira Grande: um ensaio a propósito do seu espaço
1. O espaço: filho de
vulcões
Segundo o geólogo Victor Hugo Forjaz, a
microplaca dos Açores está dividida em uma estrutura geológica chamada MAR (Middle Atlantic Ridge: em português poder-se-á traduzir por:
Cordilheira Central Atlântica). Trata-se na realidade de uma gigantesca e
complexa falha geológica. Vinda do pólo norte desce em direcção ao pólo sul passando
pelo meio do oceano Atlântico, onde atravessa a Islândia e passa por entre a
ilha das Flores, no grupo ocidental, e a ilha do Faial, no grupo central.
Na sua maioria, as ilhas dos Açores – nove no
seu conjunto, dividem-se em três grupos -, formaram-se naquela estrutura
geológica. Santa Maria, a mais oriental e a sul de todas as restantes oito, terá
sido a primeira a surgir do fundo oceânico. Tal terá ocorrido, calculam os
geólogos, há 15 milhões de anos.
Em termos geológicos, a ilha de São Miguel
começou por ser duas ilhas. A nascente, a ilha de Nordeste, a poente a ilha das
Sete Cidades, no meio, onde mais tarde surgiria a Ribeira Grande, apenas o mar.
Há 0,2 milhões de anos ter-se-á formado então a parte central: a parte da
Ribeira Grande. O primeiro sinal de terra veio com o vulcão das Freiras, hoje
visível no chamado pico das Feiras. A planície em degraus onde se encontra
implantada a cidade da Ribeira Grande – sofreu um abatimento na ordem dos
duzentos metros, tendo, todavia, este efeito de degrau sido dissimulado em
parte pelas ocorrências de 1563.
2. Primeiros seres
vivos
Os primeiros seres vivos destas bandas,
podemos sobre isso pôr a mão no fogo, não foram de certeza os humanos, terão
sido peixes e aves. Entre outros, é bem possível que tenham sido os cagarros
que aqui chegam todos os meses de Março vindos dos mares do sul do Atlântico e para
lá regressam em
Setembro. Seguidos das crias em Outubro. Dizem os
entendidos que para as costas da Namíbia e da República da África do Sul e do
Brasil. Os milhafres, ou Queimados, como aqui os chamam, andariam por aqui
também. Todavia, há quem entenda, não sei se com ou sem razão, que não haveriam
por aqui Açores nem Milhafres e que o cronista de quinhentos – Gaspar Frutuoso
-, terá confundido a terra de naturalidade do primeiro capitão do donatário com
imaginados Açores.
Do mar Mediterrâneo os atuns passam pelo
arquipélago todos os anos e as enguias das ribeiras da ilha vão desovar ao mar
dos Sargaços.
3. Primeiros humanos:
do segundo quartel de quatrocentos a 1474
Apesar de não ser improvável que os primeiros
humanos a pisar o solo da ilha tenham aqui chegado, tanto quanto se sabe, ainda
no segundo quartel do século XV, é ponto assente dizer-se que chegaram por
aquela altura.
Os primeiros que vieram arrotear a ilha,
segundo o cronista Gaspar Frutuoso, terão primeiro escolhido a costa sul para
se fixarem, deslocando-se de leste para oeste, da Povoação para Vila Franca do
Campo, e só depois terão ido desbravar a costa norte. Dada a fertilidade do
solo e a abundância de água na área que baptizariam de Ribeira Grande, os
povoadores ter-se-ão fixado nesta planície da parte central norte da ilha.
Portanto, entre o segundo quartel de
quatrocentos e o ano de 1474, ano em que o segundo capitão do donatário das
ilhas de São Miguel e de Santa Maria, João Soares de Albergaria, por doença da
esposa, e talvez por reconhecer que não conseguia desenvolver só com as suas
forças a ilha de São Miguel, vendeu, alcançando a bênção expressa da donatária,
o seu cargo na de São Miguel a Rui Gonçalves da Câmara.
Embora antes de 1474 o local já fosse
aproveitado, a partir de 1474, com a vinda de Rui Gonçalves da Câmara, os
irmãos e grande número de criadagem para a ilha deu-se o grande impulso de
desenvolvimento da ilha e da Ribeira Grande.
4. De 1474 a 1500´s
A chegada de novos povoadores oriundos da ilha
da Madeira terá promovido um crescimento acelerado da ilha de São Miguel. Um
quarto de século depois, em 1499, é feita a vila de Ponta Delgada. Oito anos
depois, em 1507 a
Ribeira Grande seria oficialmente elevada a vila. Há indícios plausíveis,
contudo, de que a Ribeira Grande possa ter começado a ser vila de facto ainda
antes de o ser por lei.[1]
Para o alcançar, teria de preencher determinados requisitos, como o de ter
população em quantidade e em qualidade.
5. De Vila ao primeiro
quartel de quinhentos
A partir de então, seja a partir da sua
reconhecida existência legal, ou da sua existência de facto, há que deixar o
assunto em aberto, a terra principiou a construir estruturas comunitárias. A
primeira estrutura comunitária, a par de uma ponte de madeira para transpor a
ribeira, salvo novas possíveis descobertas, terá sido a construção de uma
ermida dedicada a Nossa Senhora do Loreto. Este templo, erigido numa colina, no
local onde mais tarde a primeira igreja paroquial viria a ser erguida, foi
provido pelo rei, seguramente no tempo de D. Manuel, já que ele reuniu à coroa
a capitania, de um capelão.
A urbe foi crescendo ao longo da margem
direita, do nascente da ribeira Grande, como aconteceu, por exemplo, na vila do
Machico, na ilha Madeira, de modo perpendicular ao mar, em espaço de pequenas
colinas sobranceiras ao mar. A malha urbana de então seria uma malha
quadriculada apertada.
Há quem advogue a tese da inexistência de um
plano inicial formal de urbanização. Tendo a estar até certo ponto de acordo
com este ponto de vista, contudo, creio que, ainda assim, terá existido uma certa
ideia informal latente de urbanização. Digo-o pelo seguinte: a escolha do
espaço a nascente de uma ribeira e em zona de colina sobranceira ao mar, à
ribeira e à fértil planície que se estende a poente, só pode ter sido, em meu
entender, deliberada. Há quem diga que a escolha de um tipo de local destes é a
escolha preferida pelos portugueses, quer no rectângulo continental, quer nas
ilhas atlânticas ou até mesmo nas áreas ocupados pelos portugueses pelo mundo
fora. Há quem afirme mesmo que por isso mesmo se distingue facilmente à
primeira vista um povoado fundado por portugueses ou por espanhóis. Assim
sendo, seria estaríamos perante uma escolha latente, espontânea quase, ou de
cariz cultural, que, por esse motivo, dispensaria um plano formal. O desejo
instintivo de abrigo dos ventos predominantes de nordeste seria outra opção
consciente. O traçado das ruas, claro, seguiria os acidentes do relevo, mas a
implantação dos elementos construídos parece ter seguido critérios aceites:
estar virado para o lado soalheiro. Por exemplo. Por conseguinte, terá
obedecido a critérios, ainda que estes possam não estar formalmente expressos
em plano.
Terão as pessoas de qualidade e de substância
da terra adaptado algum edifício existente para a casa da Câmara? Não temos
notícia de haver sido mandado construir uma casa da Câmara de raiz. O primitivo
edifício municipal, pode bem ter estado perto do actual. A igreja Matriz, antes
ermida de Nossa Senhora do Loreto, agora dedicada a Nossa Senhora da Estrela, foi
construída ainda antes da confirmação oficial da elevação, o que consolida mais
a hipótese da elevação ou do funcionamento de facto como vila da Ribeira Grande
antes de 1507. Além da nova igreja, e já depois de 1507 na década de vinte da
centúria de quinhentos, surgem três estruturas fundamentais à vida de uma vila.
Duas destinadas a estabelecer contactos com o exterior: um porto, em Santa Iria , para
comunicar com as terras na ilha em redor da Ribeira Grande ou com o exterior da
ilha. Um porto de mar a norte, contudo, seria sempre o calcanhar de Aquiles da
terra. Não obstante esta limitação geográfica, a Ribeira Grande viria a
alcançar a sua dimensão e importância graças à fertilidade do solo e à
abundância de água potável. Segundo José Manuel Fernandes, é raro ou pouco
habitual encontrar um povoado com tamanha importância a norte das ilhas.
Excepto nas ilhas do grupo central do arquipélago dos Açores, em que o norte da
ilha do Pico funciona, dado a ilha do Faial ficar em frente, mais como o sul da
ilha do Faial do que o norte da ilha do Pico. Além de estar ainda abrigada dos
ventos de nordeste pela ilha de São Jorge. As três ilhas do chamado triângulo,
formam como que as margens de um lago salgado. E a ponte para unir a margem
direita à esquerda e ligar a Ribeira Grande às terras do poente e ao sul da
Ilha. Para cuidar dos necessitados, de pão e de saúde ou da salvação da alma,
enterros e missas pelas almas, logo em 1522, é Frutuoso quem nos diz, foi
criada uma Irmandade do Espírito Santo. Ainda no segundo quartel da centúria, a
vila viria a conhecer a fundação do mosteiro de freiras clarissas a sul da
Matriz.
6. Depois da destruição
ocorrida no verão e no inverno de 1563
O continuado crescimento, di-lo Frutuoso, foi
subitamente parado devido à grave crise sísmica e vulcânica do verão de 1563, a que se seguiu a
catastrófica enxurrada do inverno seguinte. O mosteiro de freiras clarissas
aberto havia pouco tempo ficou completamente arruinado, tendo de ser
abandonado. Os moinhos situados ao longo da margem da ribeira foram destruídos.
As casas principais construídas também ao longo da ribeira, espaço considerado
até então nobre e apetecível, havia água, são igualmente destruídas. Parte
substancial da terra, 200 casas, segundo Frutuoso, junto às margens, foi levada
pela força arrasadora das águas.
Deverá ter sido um choque tremendo, para
aqueles continentais e madeirenses ver uma ribeira habitualmente inofensiva,
uma fonte de riqueza para matar a sede a pessoas, animais, alimentar novidades
e mover moinhos e outros engenhos hidráulicos,
transformar-se em perigosa fonte de destruição.
Em consequência do choque, como estratégia
para o superar, e de o evitar no futuro, a reconstrução, a não ter existido um
plano inicial formal no momento inicial da urbanização, agora terá passado
forçosamente a haver um: o eixo urbano da vila afasta-se intencionalmente das
margens da ribeira. Agora vista como potencialmente perigosa. A implantação do
casario da urbe no eixo norte/sul ao longo das margens da ribeira é substituído
pelo eixo nascente/poente: ao longo da chamada rua direita. As principais casas
afastam-se das margens, surge provavelmente o embrião de vários solares que vão
pontuar por toda a centúria o novo traçado urbano da vila. Reconstruíram-se os
moinhos nas margens de uma vala artificial, a exemplo das levadas madeirenses –
certamente -, que futuramente (1699) iria servir de limite entre a paróquia da
Conceição e a da Estrela.
Data do período de reconstrução, em nosso
entender, não só o traçado urbano actual, portanto quinhentista, como também a
génese do estilo de construção das suas casas principais. Contudo, o que de
mais significativo da arte religiosa e civil a terra possui vem claramente do
século XVIII.
As linhas urbanas estavam traçadas em
quinhentos, na fase de reconstrução, o preenchimento foi sendo feito, no
entanto, nos séculos seguintes.
O século XVII marca um enorme crescimento ao
ponto de a Matriz, em 1699, dar lugar a duas freguesias: Matriz e Conceição. Já
em 1576 dera origem a outra: a do Apóstolo São Pedro.
O termo da vila ia então dos limites de Nossa
Senhora da Graça a nascente, que até a década de 20 do século XIX, continuaria
a pertencer a vila Franca do Campo, até às Calhetas de Rabo de Peixe, a poente.
Mas, nem sempre terá sido assim. Uma légua à volta do pelourinho, espaço dado
ao novo concelho por D. Manuel I, contas feitas, não vai além do espaço actual
ocupado pelas cinco freguesias da cidade.[2]
Data da reconstrução, em 1576, ainda bem a
quente, no rescaldo das intempéries, São Pedro foi elevada a freguesia, a
caminhada para a Ribeira Grande se posicionar em segundo lugar na ilha, a curta
distância de Ponta Delgada.
Apesar de haver mais três vilas na ilha, Água
de Pau, Lagoa e Nordeste, vem de então o exercício efectivo do poder concelhio
daquelas três urbes na ilha sobre as outras três vilas: a jurisdição da ilha
ficaria dividida na segunda metade de seiscentos entre aqueles três concelhos.
A ouvidoria da Ribeira Grande ia de João Bom às Furnas chegando a incluir Água
de Pau. No que toca à cobrança de impostos a área da Ribeira Grande seguia de
um modo geral a área da ouvidoria. Pelo que entrava nos espaços dos concelhos
de Ponta Delgada e de Vila Franca do Campo.
Esta partilha complementar de poder entre
estes três pólos de poder local, raiz da força económica e política da ilha de
São Miguel sobre as demais, só viria a ser substituída, com reconhecida perda
de força de duas das três partes da ilha, criou-se uma dependência, no decurso
da actual autonomia, com a dependência de dois destes pólos ao terceiro, Ponta
Delgada, pela uma partilha de governo entre outros três pólos, dois dos quais
fora da ilha: Ponta Delgada, Angra e Horta.
7. Século XVIII: o que aí se fez então hoje se
vê ainda por aqui
No decurso do século XVIII, a vila
rejuvenesceu o seu tecido construído: político e religioso. Nos vértices do seu
triângulo do poder constituído pela Câmara, Matriz e Misericórdia, tendo no
interior a sua praça do pelourinho e a da Misericórdia, tanto quanto se conhece:
remodelou e ampliou o edifício dos paços do concelho, construiu a sua escadaria
de aparato, o arco e a torre, nos moldes em que hoje vemos, regularizou o piso
e se calhar também todo o espaço – terá derrubado edifícios para dar amplitude
à praça?- a praça do pelourinho fronteiro à Câmara e a praça contígua à igreja
do Espírito Santo – igreja da Misericórdia -, construiu quase de raiz a igreja
Matriz de Nossa Senhora da Estrela e edificou os Passos Quaresmais. Fora deste
triângulo, mas pontuando o espaço urbano da vila: remodelou a sul parte do
mosteiro de freiras clarissas, a poente, interveio substancialmente na igreja
de Nossa Senhora de Guadalupe e convento de São Francisco, ao longo da rua
Direita, entre a praça e o convento de frades, construiu de novo a da paroquial de Nossa Senhora da Conceição,
e, por esta altura, não há certeza, ou ainda no século anterior, ter-se-á
erguido o forte de Nossa Senhora da Estrela, junto às barrocas do mar.
Atente-se que o triângulo central, por seu
turno, ficaria no meio de um polígono formado por a ermida do Rosário, o forte
de Nossa Senhora da Estrela, o mosteiro de Jesus e o convento dos frades
franciscanos. A vila estava delimitada a nascente, limite máximo, pela ermida
do Rosário, ermida originariamente de uma irmandade de escravos, a poente, pelo
convento der frades franciscanos, a sul, pelo mosteiro de freiras clarissas e
junto ao mar, por um forte militar, tendo no meio o coração político,
administrativo e religioso da comunidade: Câmara, Misericórdia e igreja Matriz.
Porém, a partir da instalação da capitania
geral dos Açores em Angra, em 1766, que o poder dos municípios sofre um dos
seus primeiros rudes golpes. O despotismo iluminado de D. José I e do seu
ministro criou a figura do Juiz de Fora que passaria, a partir de então, a
superintender no governo das autarquias. Na realidade, por sistemático
absentismo daquele magistrado superior em muitos municípios, sobretudo, a sua
eficácia seria bem menor da que inicialmente se esperara.
8- Liberalismo: 1820
por diante
O termo da vila vê-se subitamente acrescentado
na década de vinte do século XIX pela adesão, eu diria quase natural, num mês
Vila Franca do Campo nomeava os oficiais pedâneos para aquelas freguesias do
seu termo, no outro, vemos já a vereação da Ribeira Grande a fazê-lo,[3]
das freguesia de Nossa Senhora da Graça e da do Espírito Santo. Relembre-se que
estas já estavam desde o século XVIII sob a jurisdição da Ouvidoria da Ribeira
Grande. O espaço concelhio actual consolidar-se-ia no último quartel de oitocentos,
com a inclusão dos Fenais da Ajuda.
Se a capitania geral abriu o caminho ao maior controlo
dos municípios por parte do poder central, o liberalismo escancarou as portas
de par em par. Logo
a seguir à consolidação do regime liberal, ainda na década de trinta do século
XIX, criou-se o Governo Civil em Ponta Delgada com jurisdição sobre as Câmaras da
ilha de São Miguel e da vizinha de Santa Maria. Além da criação das
administrações do concelho, órgão acima da Câmara. As freguesias, com o cariz
que viria a adquirir um pouco mais tarde, começam então a destacar-se dos seus
aspectos somente religiosos de paróquia e passam a incluir aspectos de gestão
corrente civil. Já não são só e apenas termos da vila mas começam a adquirir
uma certa individualidade.
9. Terceiro quartel de
oitocentos
Data do terceiro quartel do século XIX o novo
impulso urbanístico na vila da Ribeira Grande.
Já em inícios da segunda metade do século,
tentou-se sem sucesso elevar a Ribeira Grande à categoria de cidade. A
tentativa frustrada talvez se deveu ao facto de Ponta Delgada se ter tornado
cabeça de um governo civil com jurisdição sobre as ilhas de São Miguel e de
Santa Maria e de a Horta ter sido já elevada àquela condição. Logo no alvor da
implantação do liberalismo nas ilhas, logo em 1832, portanto no desmantelar do
antigo regime pelos decretos de Mouzinho da Silveira, o mosteiro de Jesus foi
encerrado, o convento dos frades foi igualmente fechado e o seu edifício ainda
na década de trinta foi trocado com a Santa Casa para nele ser instalado o
hospital. O enquadramento da vila mudou com o encerramento daqueles dois
institutos religiosos e a passagem do Hospital da Misericórdia para a saída
poente da terra no local onde fora desde o século XVII o convento de frades
franciscanos. A Ribeira Grande dos três pólos: dos pólos das Freira, Frades e
centro da Câmara passou a existir somente dois: Câmara e Hospital. Entretanto,
a vila quisera ser cidade, fundara um jornal (Estrela Oriental) e uma
associação cívica que duraria até à década de quarenta do século XX: a
Recreativa.
Na segunda metade do século XIX, a vila
transferiu a praça concelhia, área de trocas comerciais, já sem o poder
político e administrativo de outrora, para junto do sopé do adro da igreja da
Matriz de Nossa Senhora da Estrela, espaço onde fora antes a casa de um ramo da
família Taveira, que chegara, no intervalo, a ser estância de madeiras, e fez
no primitivo lugar da praça um Jardim Público. Isto no início da década de
cinquenta do século XIX. A área junto ao mar foi preparada para banhos
públicos, as Caldeiras, a sul, a caminho da montanha e do monte Escuro,
continuaram como banhos termais públicos, fundou-se uma Corporação de
Bombeiros.
O tecido urbano foi amplamente tratado a
partir de então: construída a ponte dos oito arcos, rasgou-se todo o trajecto
da rua das Pedras, hoje Sousa e Silva, nome do engenheiro da ponte, até aos
novos mercados, entretanto inaugurados, abriu-se a avenida Luís de Camões e
pensou-se abrir o prolongamento do Estrela. Pensou-se igualmente uma ligação ao
porto de Santa Iria, ligações ao nascente do concelho e ao poente. Estava-se em
pleno período do fontismo.
Na década de sessenta do século XX, acabou-se com
o bairro da Cova do Milho e transferiu-se as suas gentes mais as do bairro do
Curral, a que se seguiu na de setenta, as gentes da rua do castelo voltadas
para o mar, para um novo bairro no chamado palheiro. Era o início da viragem da
Ribeira Grande para o mar. Melhorou-se substancialmente as Poças, área de
banhos de mar, construiu-se uma piscina, e com a demolição das casas das poças,
lado do mar, e aterro junto ao mar, pretendia-se dar início a um sonho de
inícios do século: a avenida marginal. Mas, só com a consolidação do poder
democrático e com a autonomia, passados quase quatro décadas isso viria a ser
uma realidade. Hoje estamos na fase da construção da via litoral.
10. 1981: a vila
tornada cidade
Seja por que prisma for que analisemos o
assunto, a nova cidade pouco ou nada beneficiou por parte da administração
regional com o facto de já não ser vila. Por parte da autarquia, ganhou novas
valias: data de então o início das novas valências culturais. Fundou-se uma
Casa de Cultura que também foi museu, e agora é museu, na sua sequência,
criou-se um Posto de Turismo, reergueu-se a Biblioteca Municipal e
reabilitou-se o Arquivo Municipal. Foram criadas novas associações culturais: a
Pontilha e a Rádio Nova Cidade. Iniciaram-se as emissões de rádio e, por um
curto período, reactivou-se um antigo título de jornal.
Antes do municipalismo democrático, fundara-se
um colégio de nível secundário, o segundo deste nível na Ribeira Grande, já que
no tempo dos padres Jesuítas estes haviam criado uma extensão do seu colégio de
Ponta Delgada na Ribeira Grande, uma escola primária, o Teatro, iniciativa de particulares,
vários clubes de futebol, um segundo clube social, reformulado a Recreativa em
outros moldes, abrira-se uma Escola Preparatória, na década de setenta, um
Posto Agrícola, uma delegação da Escola Industrial de Ponta Delgada, e pouco
mais. Não falando da fábrica do álcool em finais do século XIX, das da Chicória
e das do Chá, algumas ainda vindas do século XIX.
Só para o fim do século XX, se começou a fazer
novos edifícios e a rasgar novos arruamentos.
E já nos primeiros anos deste século, com a construção
da via circular a sul, e no verão deste ano de 2008, com a auto-estrada que
liga o aeroporto de João Paulo II à Ribeira Grande se rasgaram novas vias.
Até então, criaram-se novas urbanizações, uma
no chamado cabo da vila, unindo fisicamente as freguesias da Conceição à da
Ribeira Seca, o prolongamento do Estrela e outras a sul. Entretanto, a cidade
começara a virar-se decisivamente para o mar com a construção das piscinas, no
espaço das Poças, já tentadas na década de setenta, e, já neste ano com o
primeiro troço da Via Litoral e a remodelação do areal de Santa Bárbara. Existe
uma infra-estrutura regional já implantada, o IROA, e encontra-se em fase de
acabamento a Loja do Cidadão e o Arquivo da Presidência e em fase de projecto a
Centro Regional de Arte Moderna. Abriu-se o ensino superior à distância, a
universidade sénior e duas escolas profissionais. A Associação de Municípios
tem a sua sede na cidade da Ribeira Grande.
Enfim, a velha vila escondida e escondendo-se
do mar, já cidade, abre-se decididamente para o mar e tenta apanhar o futuro
aqui e agora.
Ribeira Grande
12.12. 2008
Mário Moura
[1]Graças
à pesquisa do Dr. Hermano Teodoro e, pouco depois, à da Dr. Fátima Galama
abriu-se esta hipótese. O Professor Doutor Joaquim Romero Magalhães, questionado
sobre esta possibilidade, durante o Congresso Comemorativo dos 500 anos da
elevação da Ribeira Grande a vila, deu conta de situações de facto de vila pelo
império colonial português antes das confirmações reais. Será o caso da Ribeira
Grande? Se Ponta Delgada foi elevada em 1499, não me parece que a Ribeira
Grande tenha esperado oito anos para avançar. Até porque Ponta Delgada foi
confirmada depois em 1507 (?).
[2] Segundo hipótese de Dr.ª
Margarida Sá Nogueira Lalanda e do Dr. Hermano Teodoro. Hipótese que concordo.
[3] Até ao momento, após
pesquisa levada a cabo em
Vila Franca do Campo pelo Dr. Augusto Correia, e por nós e
pela Dr.ª Ana Cristina Moscatel no Arquivo Municipal da Ribeira Grande, nada
foi encontrado que nos pudesse esclarecer as razões da passagem daquelas duas
freguesias do termo de Vila Franca do Campo para o termo da Ribeira Grande.
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