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Do princípio ao fim


O CADAR do princípio ao seu fim


 Centro Associativo de Desporto Arte e Recreio (CADAR). Nove jovens, de idades compreendidas entre os 16 e os 20 anos,  abraçaram a ideia de um outro da mesma idade. Aconteceu no feriado nacional do dia 10 de Junho de 1974. Que calhou numa segunda-feira (de acordo com o Correio dos Açores, 9 de Junho, 1974). Um dia cheio de sol. Instalados na banqueta de pedra do edifício que (então) albergava o Lar Feminino Jacinto Ferreira Cabido, na rua do Botelho, a dois passos da sua residência e  a curta distância dos restante nove. Do facto, não saiu notícia em nenhum dos jornais de Ponta Delgada, únicos na Ilha, nem abriu noticiários radiofónicos, da estação em Ponta Delgada. O que um deles então registou num diário que mantinha, mais tarde as chamas de uma nefasta fogueira varreram,  restou a sua memória. Muito difusa. Terminaria de forma abrupta e violenta14 meses e nove dias depois, na terça-feira,  dia 19 de Agosto de 1975. Uma  (de certo modo) certidão dessa morte, vem nas páginas 1 e 4 do Correio dos Açores do dia 21 de Agosto. Estava nas Caldeiras acampado, regressara dos Estados Unidos a 14 (conforme passaporte), para onde fora a 7 de Março. Sangrei. Ainda sangro. Assim como alguns dos meus companheiros (a maioria quis esquecer , eu, não): 


‘[Na Ribeira Grande] Cerca das 21 horas de anteontem [19 de Agosto] numerosas pessoas juntaram-se no Largo do Jardim, à residência do conhecido e destacado militante do Partido Comunista Português, Senhor Doutor Manuel Barbosa, que, nesta ocasião já teria vindo para Ponta Delgada, a fim de tomar, mais tarde o avião para Santa Maria. O grupo popular concentrou-se, em seguida, em frente do CADAR, com o intuito de esvaziar dali todo o recheio, visto o consenso público afirmar ser aquele centro associativo de índole comunista. A P.S.P. conseguiu demover os populares da sua intenção, salientando que no andar de cima fica a Biblioteca Pública e ao lado uma secção do Arquivo da Câmara Municipal. Finalmente, os manifestantes foram à Esplanada Peixoto, trazendo três indivíduos, ao que parece, militantes do P.C.P., os quais foram entregues à P.S.P. que por sua vez, e segundo se diz, os colocou à guarda das Forças Armadas. Ainda os manifestantes tentaram descobrir o paradeiro de outros elementos simpatizantes do Partido Comunista, mas não o conseguiram. Não se registou nenhum ferimento, havendo apenas o lançamento de fogo a roupas de indivíduos conhecidos pelas suas simpatias ao P.C.P. e que estavam acampados nas Caldeiras da Ribeira Grande. Os manifestantes, em número reduzido, foram àquele local mas não encontraram ninguém trazendo, então, roupas que, junto ao Jardim Público foram incendiadas.’[1]


A Comissão  Administrativa da Câmara Municipal de Ribeira Grande tomaria posse no Domingo dia 16 de Junho pelas 16 horas. O Presidente foi o Dr. Sampaio Rodrigues. Neste mesmo Domingo, o Ideal, último classificado da I Divisão Distrital, disputou com o Operário, primeiro classificado da II Divisão, a permanência na I Divisão. A Cimeira Nixon/Spínola realizar-se-ia nas Lages, na ilha Terceira (C.A, 20 de Junho de 1974).

A 1 de Maio, como relata o correspondente na Ribeira Grande do jornal Correio dos Açores, em título na primeira página: ‘Manifestação cívica do 1.º de Maio.’ Nunca se havia visto nada de semelhante na vila. Escrito no dia 2, diz: ‘Ontem efectuou-se, nesta vila, uma manifestação cívica para solenizar o 1.º de Maio.’ ‘Os manifestantes concentraram-se no largo do Hospital por volta das 10 horas. Na sua maioria eram estudantes e a eles juntaram-se mais pessoas, principalmente jovens. Ao longo do percurso foram dadas vivas e cantou-se o Hino Nacional. Empunhavam diversos dísticos e bandeiras nacionais. O cortejo dirigiu-se, através da Rua Direita, para os Paços do Concelho, tendo discursado no Largo fronteiriço, o Sr. Dr. Manuel Barbosa, destacado e entusiasta componente da Comissão Democrática Provisória do distrito. Vibrantemente aplaudido pela multidão, que então, Já se tinha formado, o orador aludiu à importância do acontecimento que estava a desenrolar-se, bem como o significado do movimento das Forças Armadas, para depois, referir-se aos pontos básicos da doutrina democrática e as suas reivindicações. No final, aplausos demorados e exuberantes se fizeram ouvir de igual modo, vivas à Junta de Salvação Nacional, ao General Spínola e à Democracia. Ao longo da manifestação notou-se sempre muita dignidade e alto civismo, o que atesta a intenção patriótica que presidiu a este acto, comemorativo do Dia do Trabalho, mundialmente celebrado no primeiro de Maio.’ Participei e todos os meus amigos. Senti-me como se estivesse a desafiar a terra. E a mim próprio. Entretanto, aparecera o MAPA e as primeiras reacções contrárias.

 

A primeira referência (de raspão) ao CADAR, na altura ainda era só CPA, Comissão Pró-Associativa, vem no Correio dos Açores de Sábado, dia 29 de Junho de 1974. É do  correspondente na Ribeira Grande (Padre Edmundo Pacheco) a nota datada de 28. Rezava assim: ‘Por iniciativa de um grupo de estudantes desta vila, vão realizar-se, nesta quadra, as Verbenas de São Pedro, havendo, hoje, gincana de motorizadas, pelas 16 horas, e, amanhã, pela mesma hora, gincana de carroças de mão. No dia 7 de Julho, haverá torneio de futebol entre as selecções da Vila Franca do Campo e da Ribeira Grande. No dia 13, pelas 16 horas, ‘water-pollo’ e, no dia seguinte, pelas 12 horas ‘rally Paper.’ Em todos os fins-de-semana (ao todo seis) estará aberto, a partir das 21 horas, o ‘retiro académico’, com dancing, abrilhantado pelo conjunto ‘O Átomo’. Felicitando os jovens que realizam, este ano, as Verbenas de São Pedro, desejamos o melhor êxito na concretização do seu programa.’ E, mais à frente, saltando a referência às Cavalhadas, o autor dá-nos o estado lastimável do tempo das últimas semanas: ‘Desde há dias que o tempo vem apresentando mau cariz, com chuviscos, vento e frio. Uma altura destas há a impressão de estarmos em pleno Fevereiro.’ 




[1]Correio dos Açores, 21 de Agosto de 1975

 

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