Queimem, Queimem os comunistas!!!
Foram 14 meses que pareceram 14 anos. Éramos dez no dia dez
de Junho de 1974. No verão de 1975, já passávamos de uma centena. E se não havia tantas raparigas como rapazes, havia mais de uma dúzia delas. Que faziam o que os rapazes faziam. Houve estatutos. Teor copiado aqui e além, batidos na máquina portátil do meu pai (por mim) em noitadas no sótão, e aprovados em Assembleia-Gerais, sem qualquer aprovação oficial. Em tempos de ruptura, era isso que contava. Por isso, não existiu. Segundo os puristas?
Queimaram-nos em fogueira pública, actas, estatutos, o arquivo todo, pouco ou nada chegou aos jornais, ainda assim, o que se passou naqueles 14 meses sobreviveu na nossa memória.
De memória, com os buracos do desgaste da memória, conto a história. Foi nascendo,
mal nasceu o 25 de Abril, a ideia. Até que se decidiu, no dia 10 de Junho, passar do eu
ao nós, e convidar outros nove. Lembra-se de ter ido num dia de sol, depois de almoçar
carne assada com batata, ao jardim e lançar a rede ao Luís Teixeira, ao Guilherme
Rocha; ao Duarte Maré; ao José Alberto Ventura; ao Rui Abadesso; ao João Gamboa;
ao Ricardo Peixoto. Já não se lembra dos outros dois. Mas lembra-se que todos
aceitaram. Nem se lembrava em que dia calhou, mas foi ao google e viu que foi numa
segunda-feira. A primeira reunião foi na rua, na do Botelho, no lado de fora do lar
Feminino, a escassos metros da sua casa.
Poucos meses passados, a memória é difusa, lembra-se apenas que não chovia nem fazia
frio, que, terminada uma reunião na sala da Liga Católica, ao descer a escadaria da
Matriz, aproveitando o ardor, lançou rede a um grupo de raparigas: ‘vocês querem pôr
em prática o que pregou o padre Costa Freitas?’ A rede apanhou, entre outras, a Gaby e
a Lusa.
Apesar do seu nome soar a organismos bélicos da NATO, o CADAR, Centro de Apoio
ao Desporto Arte e Recreio, foi a maior associação de jovens que a Ribeira Grande
alguma vez conhecera.
Eram tanto admiradores do Círculo de Amigos como críticos do seu putativo elitismo.
Quiseram seguir-lhes as peugadas, porém, abrindo-se a mais de todos. Sobretudo aos da
sua idade. As suas ideias eram libertárias: os cargos de chefia rodavam semanalmente.
Todos foram presidente e todos foram contínuos.
Lançaram mãos à cultura e ao desporto. Atiraram-se resolutos ao
desporto, promovendo tudo o que os seus sonhos sonharam: provas de atletismo,
torneios de futebol, festivais de natação, campeonatos de pingue-pongue, de cartas, de
xadrez.
Na cultura, explodiram-se de ideais reinventando o seu apertado horizonte cultural:
festividades natalícias, com presépio público e presépio do Senhor Prior feito tão
revolucionário que prescindiram de Menino Jesus, emissões de rádio, festivais de
música de bandas, animação no verão, sala de leitura de imprensa. Eram vistos todos os
jornais de esquerda: do Avante, por diante.
Chorou quando soube do seu destino. Longe.
Não se arrepende de nada e agradece os dias de brasa.
Unia-lhes o fresco amor telúrico à terra. Achavam que podiam fazer a Ribeira Grande
num só dia acabando por faze-la todos os dias. Foi cadinho de cidadania. Juntou o lado
lunar e solar da cidadania.
Onde estarão hoje, 40 anos depois, estes dez, mais aquela centena? Estão aqui mesmo
fazendo de nós melhores do que o tempo incerto da nossa ingratidão daqui porque ‘não
há machado que corte a raiz ao pensamento/Porque é livre como o vento (...).’
Mário Moura
13 de Março de 2014
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