Bairro do Curral
A rua Direita tomou-se de amores pelo seu litoral. Há vistas da baía.
Há pormenores das Poças, de Santo André, do Castelo, do Miradouro de Santa
Luzia e do Monte Verde. No entanto, do Bairro do Curral há apenas a fotografia
da visita do Ministro de um Ministério que acabaria por autorizar o seu
desmantelamento. Porquê? Ali à beira-mar, o Curral era uma nódoa a eliminar.[1]
Curral era nome que rebaixava. Só a Igreja também o tratava
por Vila Nova. Chamar a um rapaz (ainda no tempo em que me criei) de rapaz do
Curral era o maior insulto que se poderia receber (ou dar). Aquele bairro, colado
às traseiras da rua das Espigas, era olhado com desconfiança até pela (remediada)
rua das Espigas. Só há duas ou três festas do Espírito Santo é que o que hoje
resta do Curral integrou a Irmandade do Espírito Santo da rua das Espigas. Por isso, não me surpreende
que surdisse ali um profundo rancor: ‘A
gente vivia na Ribeira Grande, mas era na Ribeira Grande da pobreza, a Ribeira
Grande da fartura, dos ricos era lá em cima, na rua Direita, a terra dos
Casacas.’[2]
Isso disse-me (e a quem mais o quis ouvir) há vinte ou mais anos o Ti
Mariano Moniz Frade, um homem dali do
Curral que, se fosse vivo tinha feito em Junho último cento e onze anos de
idade. Com a Cova do Milho, vizinha do lado da
ribeira, talvez tenha sido o mais desgraçado dos bairros da Ribeira Grande. E, no entanto, foi ali e na rua
das Espigas que, a partir de certa e determinada altura, se concentraram os
pescadores do centro litoral da Ribeira Grande. Aí varavam os seus barcos até (provavelmente)
terem sido forçados a transferi-los para Santa Iria. Apesar de tentativas para
se construir por ali um varadouro ou mesmo um porto. O Bairro era um lugar de saída,
raramente de entrada. E a oportunidade de sair chegou na década de sessenta,
com o fim dos Bairros
do Curral (fim parcial) e da Cova de Milho (total). Famílias mudaram-se para as
ruas próximas. Algumas emigraram.[3] Em
Junho de 1968, a Câmara referia-se já ao antigo Bairro do Curral.[4] No seu auge, terá tido mais de três dezenas de
casebres (em 1875 tinha 36) e terá sido povoado por quase duas centenas de
moradores (em 1962 tinha c. de 166).[5] Hoje, restam
doze casas (modernizadas) e uma vintena de pessoas. Além de Manuel Baboso, o único dali que seguiu a tradição
familiar da pesca, mais nenhum outro filho dos pescadores ou vendilhões daquele
tempo, hoje assimilados no tecido social da Cidade, seguiu as pisadas dos pais.
Os antigos quintais transformaram-se em parque
de estacionamento, o tosco largo de outrora é hoje o Largo East Providence e a instável arriba jaz sob a Via Litoral (que
avança a passo de caracol).[6]
De
onde virá esse nome de Curral? Do Curral Municipal de
quinhentos?[7] Há uma
acta de 1578 que se lhe refere, porém, não indica o seu exacto local. Que se
conheça, a primeira referência explícita ao Bairro do Curral só aparece três
séculos depois: no Rol Quaresmal de 1885.[8]
Será que esse Curral de 1578 foi construído após a catástrofe de 1563? E ali à beira-mar e na foz da ribeira,
um dos locais mais castigados? Mais tarde teria sido abandonado, sendo aí que os
mais pobres do litoral, devido a pressões demográficas, por não terem sítio para
onde ir, aproveitaram aquele espaço deixado vago que mais ninguém queria
aproveitar? Daí o nome de Curral ou de Vila Nova, como é identificado o Bairro?[9] Curral
por se situar no lugar do antigo Curral. Vila por ser um novo espaço habitado
da Vila. Ou esse nome virá ainda do aspecto pobre e degradado (daí repelente) do
bairro? Não sei. Só a arqueologia ou novos documentos (escritos ou imagens) poderia
(talvez) lançar alguma luz.
Explorando
uma fotografia aérea, o que ali me parece ter sido o Bairro (em termos
urbanísticos)?[10] Que
ocupava uma nesga de terra de aluvião junto
à boca Nascente da foz da ribeira Grande.[11] À
qual, com alguma frequência, o mar e a ribeira arrancam pedaços. Pelo que julgo
ver na referida imagem, o
bairro teve quatro núcleos habitacionais: um, encostado às barrocas Norte, já
demolido, outro, encostado ao lado Nascente da foz da ribeira, que ainda hoje
se mantém, e dois outros no centro (um dos quais, já demolido). Três ruelas
perpendiculares às barrocas do mar, uma viela paralela ao mar e um pequeno beco,
cruzavam-no.[12] Atrás das habitações (lado Sul)
ficavam os quintais. Principiava (sensivelmente) a Sul onde terminava a
Norte a rua das Espigas: na fonte (hoje seca) de água pública que traz a data
de 1896.[13]
A Sul, começava no limite Poente da Travessa da rua das Espigas: uma vereda de
terra batida (havia uma casa que quase a tapava) que por ali dava acesso aos quintais do Curral.[14] Ia-se lá também pelas margens da
ribeira. Ou a vau.
Sonhando
um dia ser Cidade, sonho que vinha de muito longe, a Ribeira Grande quis dar à
Vila cara de Cidade. Em 1949, D. Lopo de Sousa Coutinho, Conde de Caminha, publicou
num jornal da Ilha as suas (arrojadas) ideias urbanísticas para a Ribeira
Grande. Entre as quais, a Avenida Litoral. Ideia que já surgira (de forma
inorgânica) na década anterior, se não mesmo antes disso. Para que tal fosse
possível, seria necessário reformar aquele bairro.[15]
Em 1954, 1957 e 1959 a vereação volta-se para o Bairro do Curral. Ao ponto de,
em Outubro de 1955, o próprio Ministro das Obras Públicas Eduardo Arantes de
Oliveira ter visitado (em trabalho) o Curral.[16]
De início, a Câmara pretendia construir ali um bairro (renovado), porém, mudaria
de ideias. O novo bairro, seria construído não ali mas bem longe do centro, num
ermo junto às barrocas do mar, a caminho da Chã das Gatas.[17] O
Bairro de Santa Luzia. A mudança de local, terá tido tudo (ou algo) a ver com
uma proposta de Nereus Fernandes. Esse arquitecto, com data de Junho de 1960, entregou
à Câmara um (esboceto ou) pré-plano de Urbanismo, no qual (além de outras mais propostas)
propõe o traçado da futura Via Litoral.[18] Perante
isso, não conviria ter por ali um bairro para pobres. Convencida, a autarquia decidiu
acabar com o bairro. Compra casas para de seguida as demolir. Assim, em 1962, compra
três, em 1963, outra, em 1965 ainda outra e mais outra em 1966.[19] Numa
vereação posterior, já na década de setenta, mudando de ideias: por dificuldade
de alojamento, dizem-me, deixa de pé as casas do lado da rua de costas voltadas
para a ribeira. Limparia (porém) a
área dos quintais, hoje parque de
estacionamento.
Quis encontrar alguém
que me levasse ao interior do antigo Bairro do Curral, fui à Via Litoral. Era
Domingo. Havia ali à frente mais de uma centena de surfistas dentro de água.[20]
O Manuel Baboso olhava para eles. Meti
conversa. Fazias aquilo em novo? ‘Eu
vinha só com os pés, de barriga, lá de fora [aponta para a baixa Grande,
atrás do pontão actual das Poças] até
aqui dentro sempre em cima da onda. Esses aí [aponta para os surfistas] não fazem disso.’ E riu-se. Estava
acompanhado por Zilda, a mulher. A única pescadora da Ilha.[21]
Ajudas-me a perceber como foi o Bairro aqui? Concordou. Assim, dando voz às recordações dele, que ali
nasceu na cocheira do avô e cresceu, vou tentar penetrar (o mais possível) no
que foi o Bairro do Curral do tempo dele. [22]
O pai era José Câmara, conhecido por José Preto ou Pretinho e a mãe
Maria dos Anjos, a quem o marido tratava por Rainha. A mãe era de Água de Pau, de uma família que fazia capacheiras. Viera servir para a Ribeira
Grande. O pai era dali mesmo. Foi o primeiro filho do casal. Os avôs paternos eram
Moisés Câmara – pescador e Maria dos Anjos. Os seus familiares (tios, avôs,
primos) chegaram a ser c. de 20% do total dos habitantes do Curral.[23]
De setenta e dois anos, Manuel Câmara Baboso
nasceu em 1953. Casou aos 29 anos. Tem um filho de 40 anos que é mecânico e uma
filha casada com um pescador do Porto Formoso que anda no barco do sogro.[24] Nenhum
dos irmãos (ou filhos) dedica-se ao mar. É (diz ele) o único dos irmãos a tirar
a quarta classe. Passou todos os anos. O seu primeiro professor foi o professor
Leonel Emídio Botelho; teve o professor João Pinheiro, depois uma professora de
cujo nome não se recorda. E terá havido um quarto professor, do qual também não
se lembra bem. Aos sete anos já ia ali pescar num barquinho a remos. Ao troley (uma linha com muitos anzóis). Ali
mesmo diante. O barquinho ficava varado ali perto. A avó ficava a vê-lo de
terra. Aqui em baixo. Havia um barco aqui deste lado e outro do outro lado. O
do outro lado era do meu tio Moisés Ramela.
Ia de rede. Arrumava o barco em cima da rua do Saco. Ia à sardinha. Cheguei a
remar nele. E a puxar as redes.
Como
era aqui o Curral no tempo em que te criaste?[25] A casa da minha avó descia para a rocha à beira-mar
e tinha um quintal. Era ali que arrumava à noite as galinhas, marrecos, cabras,
porcos, que andavam à solta durante o dia pela ribeira, areia e calhaus. Diante
daquelas casas ali (apontou-me) havia casas mais pequenas. E uma canada que ia
dar aos quintais. Os das casas
pequenas faziam aqueles quintais. Ali
semeavam salsa, hortelão. Plantavam batatas, legumes. Os das outras casas com
os quintais para o mar, tinham os seus quintais atrás. Como eram aquelas
casas dentro? ‘Terreiras, de
palha, sem água dentro. Havia uma fonte na rua (ainda lá está, mas seca). Sem
luz. A luz era as candeias e os faróis de apanhar caranguejos, os fachos. Casas
pequenas. Dormia tudo ao monte num quarto. Rapazes e raparigas separados. A
vida era quase toda lá fora.’[26]
Quem
morava aqui no teu tempo? Pescadores e calhauzeiros.
Quando o mar não estava em condições, iam ao calhau. Onde iam pescar? Nesses
calhaus todos daqui à volta até às Prainhas. E mais. No mar iam a um sítio antes
do Cintrão. Na Fajã do Bode. Furna da Pataca. Apanhavam o quê? Boguetas,
cavalas, sardinhas, chicharros. Era um sítio abrigado e bom. E calhauzeiros?
Arsénio Castanha; Ti Mariano Frade (pai do Manuel Frade); Moisés Abelha; os
Teófilos. Pescavam também. E vendilhões? Manuel Ventura; Laurindo
Ventura, Adriano Bravo; João Luciano. Os pescadores trabalhavam também nas
terras? Cá nada! Iam era roubar as terras. A gente ia roubar batatas e tudo
o que se apanhava na canada das Feiticeiras.[27] A
gente chegava a guerrear por uma casca de laranja. Até gaivotas a gente comia. Havia
fome. Meu pai, pergunta à minha irmã (Oriana), estava sentada ali ao lado,
apanhava cagarros para comer como se fosse galinha. Era carne escura.
Estranhava-se a princípio mas ao depois comia-se. Fazia-se um torresmo branco
melhor do que os torresmos brancos do porco.[28]
Quem é que aqui tinha barco? Dos antigos? Foi-se lembrando, um a um. ‘Eram barcos de duas proas. De quilha. A
remos. De madeira. No porto de Santa Iria, daqui estava o barco do Tio José Elias. Era chicharreiro. Rede. Era ele, os filhos, o
Ernesto, eu aprendi naquele barco; barco dos Tachinhas. Era chicharreiro. Eram
os sete irmãos Tachinhas; barco do Raulino Abelha. Também chicharreiro. Os
chicharreiros chegavam a oito pessoas a bordo: dois para levantar a rede; dois
para iscar; dois para remar, essas coisas assim; barco do José Abelha Ventura. Era pesca de
linha à mão. Garoupa, bodião; barco do Josué Abelha – Linha à mão.’[29] Iam daqui para a Ribeirinha (Santa Iria) pelo
caminho do cemitério. Não havia ainda a ligação pela Chã das Gatas.[30] Mais
coisas que faziam para ganhar a vida? Pelas festas todas. Santo Cristo.
Senhora dos Anjos. Ribeirinha. Matriz. Vendia-se caranguejos. Até carrinhos de
madeira meu pai fazia. Lapas. E jogos: a roleta, os dados. Quando vinha a
polícia a gente arrumava tudo e escondia-se. Meu pai teve um barco na ribeira
do Paraíso. Uns dois ou três verões. Primeiro, um junto à ponte grande. A
ribeira era aí mais funda. Acabou porque fizeram um barco [uma pista de dança
nos anos sessenta] que depois a ribeira levou para o mar. Riu-se. Também esteve
na parte junto à ponte do Paraíso. Meu pai comprou uma carrinha para vender o
peixe. As mulheres lavavam roupa aí para cima (rua Direita).
Manuel Baboso já teve três barcos a remos (de seis
metros cada) em Santa Iria: o Flor da
Maia; o Carolina do Sul e o Carolina do Norte. Há quinze ou mais anos,
tem um barco no Porto Formoso de chapa com motor dentro de sete metros que mandou
fazer ao Continente: o Arca de Noé. Mudou-se para o Porto Formoso ainda
na Areia - antes da construção dos pontões de 2011. Do final do Outono até aos
princípios da Primavera, pesca no Sul, deixa o barco na Povoação, em Vila
Franca, em Água de Pau, em Ponta Delgada. Vai pescar ao Nordeste, e mais lados.
Futuro da pesca? ‘A pesca não tem
futuro. Há meses que o Governo não paga aos pescadores. Depois as áreas
protegidas. A pesca com rede de malhar.’
Largo do Pescador (Ex-Largo East Providence) Cidade
da Ribeira Grande
[1] Bem assim
como o casario de quintais voltados para as Poças ou a Cova do Milho.
[2] Quem a quiser
ler: Moura, Mário,
Diálogos: Tio Mariano Frade, Estrela
Oriental, Novembro de 2002
[3] O futebol,
através dos dois clubes de futebol locais (Águia e Ideal), integram a malta do
Curral. O António Teófilo fez tanto sucesso nas equipas locais que o Sport Club
Lusitânia (então o maior clube dos Açores) o levou consigo. O Manuel Frade
(nasceu na rua do Castelo mas foi em pequeno morar para lá) o guarda-redes do
Ideal. O primo José e todos os irmãos. Ainda no Ideal. O José Pataco, os
Marrocos, no Águia.
[4] AMRG, Sessão de 26 de Junho de 1968, fl. 68: ‘Alinhamento – ao caminho de acesso ao antigo Bairro do Curral. Tendo sido necessário adquirir uma pequena faixa de terreno a Manuel Ventura da Câmara para alinhamento e correcção necessária ao caminho (…).’
[5] Rol Quaresmal da
Matriz da Estrela, Ribeira Grande, 1875 e 1962.
[6] O troço foi
inaugurado em 2008. E o seguinte em 2019. E parou.
[7]Pereira, António Santos, Ribeira
Grande (S. Miguel – Açores) no século XVI. Vereações (1555-1578), Câmara
Municipal da Ribeira Grande, 2006, p. 28: ‘Além da Casa da Câmara, havia uma
outra casa da autarquia, que andava aforada e a casa dos açougues (…) e ainda
uma cadeia e um curral (…).’ Um outro curral algures dentro da Vila Frutuoso, Gaspar,
Saudades Terra, Livro IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p.129: Ou os que guardavam
gado nos currais dentro da vila: ‘Afonso Álvares do Amaral (…) teve grande
curral de gado vacum, com seu pastor que o pastorava na vila da Ribeira Grande.’.
[8] Rol Quaresmal da
Matriz da Estrela, 1885. Hoje em dia a Vila Nova é outro bairro. Fica na
Conceição. Esse outro bairro é assim referido em artigos de jornal de finais da
década de 1940. A primeira menção nos Róis de Confessados da Conceição de
1958-1960: 1.º e 2.º Becos da Vila Nova. Em 1967, na Matriz ainda se
identificava a Vila Nova. Já em 1974 (pelo menos) o que resta da Vila Nova está
na Rua de João Franca (antiga rua das Espigas e actual rua East Providence). Assim, manda a verdade dizê-lo, não se
conhece ligação directa entre o curral municipal quinhentista e o Bairro do
Curral novecentista. Tanto mais que, ainda no século XVI houve um outro curral
dentro da própria Vila, esse, porém, propriedade privada. Mas onde? Naquele
local onde no século XIX aparece o Curral? Não se sabe.
[9] Fotografia aérea
nos serviços da CMRG. Mó encontrada em 2006, encontra-se no Museu Municipal. O
palpite chegou-me após examinar uma fotografia aérea sem data (mas talvez próxima dos
anos sessenta), de rever o
que publiquei no Ribeira Grande:
Nascimento de uma Vila e de cruzar isso tudo com a descoberta por ali de
uma mó de moinho de pastel. Os negativos
dos quintais (que creio detectar na foto) podem corresponder a ruínas de
construções? Uma fotografia (sem data) mas provavelmente da década de quarenta,
leva-me a admitir que os tais quintais possam ter sido quarteis de vinha de uma
casa grande que m 1960’s já desaparecera.
[10] Afixada num gabinete técnico da CMRG, sem data mas muito provavelmente de 1955.
[11]‘O bairro da Vila
Nova, como os da Cova de Milho, do Curral e do Bandejo, são os bairros pobres
daquela populosa Vila, por cuja melhoria ou substituição se vem interessante há
tempos o dedicado e dinâmico
Presidente do municípioRibeiragrandense,
nosso muito prezado amigo, Senhor Dr. Lucindo Rebelo Machado.O bairro da Vila
Nova, habitado por duzentas e doze
pessoas, tinha trinta e duas modestíssimas moradias,
algumas sem forno e todas sem instalações sanitárias.’
[12] Uma fotografia
de Outubro de 1955, comprova-o.
[13] Havia antes da
fonte, um Forno de Cal. Era dos herdeiros de
Alberto Moniz. Foi comprado pelo José Câmara – Preto que depois o vendeu ao Rui
Cordeiro. Por cima da fonte (ou próximo) foi colocada a placa toponímica da rua
das Espigas (hoje East Providence).
[14]Quase que a bloqueava uma casa onde moravam
os Boias (Valérios) que de transferiram para o Bairro de Santa Luzia
(Palheiro). Quintais, hoje Parque de estacionamento
[15]E o da margem da
ribeira, o da Cova do Milho. Além do da Vila Nova, entre mais um ou outro.
[16]Diário dos Açores, Ponta Delgada, 24 de Outubro de 1955.
[17] Isso ao mesmo tempo que nascia a ideia e a
concretização do Bairro dos Pescadores em Rabo de Peixe.
[18] Que tem mudado
de nome como se muda de camisa no Verão: Avenida, Passeio Atlântico. E o que
mais virá.
[19] Rol Quaresmal da Matriz da Estrela, 1967: de 24 fogos, 7
estão riscados. De 74 pessoas, 45 estão riscadas. Em 1968, no rol desse ano, a
rua de João Franco (antiga Espigas) vem juntamente com a Vila Nova (Curral): de
27 fogos, seis estão riscados, o que dá um total de 21 fogos. Actualmente,
existem nove de costas voltadas para a ribeira e três na curva do Largo East
Providence (Fazia parte da área do Curral).
[20]Manuel Baboso, 20 de Julho de 2025.
[21]Conversa com Manuel Câmara Baboso à noitinha do dia 11 de Agosto,
sentados no Passeio Atlântico, diante do espaço da casa onde nasceu e viveu.
[22]Há mais de duas décadas, fiz o mesmo com o
Tio Mariano Moniz Frade.
[23] Contei um pouco
mais de quarenta parentes numa população de 166 (em 1962).
[24]Conversa com Manuel Câmara Baboso à noitinha do dia 11 de Agosto,
sentados no Passeio Atlântico, diante do espaço da casa onde nasceu e viveu;
Oriana, nascida em 1958 (casou com um tipo da Ribeira Grande, de família da
Ribeirinha, mas que foram viver para o Pico. Está na América há 40 anos.
Trabalhou na Fábrica de Lacticínios Açoriana. Reformada, comprou casa perto
donde antes foi o Curral. Passa os serões com netos e o irmão Manuel junto ao
Passeio Atlântico); mais irmãos: José, duas ou três raparigas e mais dois
rapazes). Tios paternos: Emília, casada com Laurindo Ventura, peixeiro, pais de
Laurindo Ventura e de Manuel Ventura (ambos peixeiros, emigrados para o Canada.
Laurindo, o grande jogador do Águia, já faleceu); Estrela Câmara, mãe do Manuel
Rita, Jorge e de uma rapariga). Manuel e Jorge jogaram no Águia. Manuel foi à
experiência do Atlético, Jorge jogou numa equipa de III Divisão Nacional. A
irmã casou para a Ribeira Seca. Esta e o irmão Jorge estão emigrados. Manuel
foi funcionário Municipal. Nenhum seguiu a vida de pescador. O pai não era
pescador; Manuel Câmara Americano, calhauzeiro,
pai dos Marrocos (Manuel, José, Jorge, Humberto, Décio e Hilda). Nenhum seguiu
as pisadas do pai. José gosta de ir à pesca. José, Jorge e Humberto foram
jogadores do Águia. Jorge jogou no Clube Desportivo Santa Clara na III Divisão
e Humberto no Lusitânia. Humberto já faleceu. Hilda – amante e praticante de
vários desportos – casou e reside em Angra do Heroísmo, Terceira; Maria dos
Anjos (foi para a América com seis anos); António Câmara Elias, não tem filhos,
vendilhão (vive com o sobrinho José); e uma irmã gêmea; Inês, casada com um
Batacão, é gêmea de António Elias, o marido não estava ligado ao mar. Um filho,
Manuel está na Terceira onde é mergulhador, calhauzeiro; Tem mais dois filhos
(não estão ligados ao mar). Um deles já faleceu; Moisés Câmara – Ramela
(pescador), tinha barco a remos em Santa Iria e uma chata na Areia (aqui). Os
filhos Moisés, outro que não me lembro do nome, não têm vida do mar. Lorena é
funcionária pública e uma outra. Que não sei o que faz; A mãe de António
Teófilo – que era pescador -, (que jogou no Águia, no Ideal e no Lusitânia) era
irmã da avó de Manuel Baboso. O Pai de José Pataco era irmão do avô de Manuel
Baboso. José Pataco não era pescador profissional mas ia no barco do Tio Josué.
[25]Indicou-me com a mão a configuração. Quero
mostrar-lhe a fotografia e o levantamento de 1960. Para perceber melhor.
Começando por cima, deu-me a entender que havia a tal casa grande quase a tapar
o acesso Sul com a rua das Espigas. Moravam aí os Bóias que agora moram no
Palheiro. A casa foi demolida para facilitar o acesso.
[26]Conversa com Manuel Câmara Baboso à noitinha do dia 11 de Agosto,
sentados no Passeio Atlântico, diante do espaço da casa onde nasceu e viveu.
[27] Um amigo meu,
dono de terras ali, queixou-se desses roubos. Era para matar a fome, respondeu
a autoridade máxima do Concelho.
[28]Manuel Baboso, 60’s, 20 de Julho de 2025.
[29] Fora do bairro,
mas ali perto: do Daniel. Linha à mão; Edmundo (irmão do
Daniel) – Linha à mão;Mariano Frade [sobrinho do Tio Mariano Velho. Tio dos Ganeiras de
Rabo de Peixe]. Linha à mão. Quase que
não me lembrava deste.
[30]A Casa do Cabo de Mar era uma que ficava na
descida para o porto de Santa Iria. Toda desmanchada agora. (Casa onde esteve
estacionada a tropa e onde morou um tal que tocava bombo na Banda local).
Há vistas da baía. Há pormenores das Poças, de Santo
André, do Castelo, do Miradouro de Santa Luzia e do Monte Verde. No entanto, do
Bairro do Curral há apenas a fotografia da visita do Ministro de um Ministério
que acabaria por autorizar o seu desmantelamento. Porquê? Ali à beira-mar, o Curral
era uma nódoa a eliminar.[1]
Curral era nome que rebaixava. Só a Igreja também o tratava
por Vila Nova. Chamar a um rapaz (ainda no tempo em que me criei) de rapaz do
Curral era o maior insulto que se poderia receber (ou dar). Aquele bairro, colado
às traseiras da rua das Espigas, era olhado com desconfiança até pela (remediada)
rua das Espigas. Só há duas ou três festas do Espírito Santo é que o que hoje
resta do Curral integrou a Irmandade do Espírito Santo da rua das Espigas. Por isso, não me surpreende
que surdisse ali um profundo rancor: ‘A
gente vivia na Ribeira Grande, mas era na Ribeira Grande da pobreza, a Ribeira
Grande da fartura, dos ricos era lá em cima, na rua Direita, a terra dos
Casacas.’[2]
Isso disse-me (e a quem mais o quis ouvir) há vinte ou mais anos o Ti
Mariano Moniz Frade, um homem dali do
Curral que, se fosse vivo tinha feito em Junho último cento e onze anos de
idade. Com a Cova do Milho, vizinha do lado da
ribeira, talvez tenha sido o mais desgraçado dos bairros da Ribeira Grande. E, no entanto, foi ali e na rua
das Espigas que, a partir de certa e determinada altura, se concentraram os
pescadores do centro litoral da Ribeira Grande. Aí varavam os seus barcos até (provavelmente)
terem sido forçados a transferi-los para Santa Iria. Apesar de tentativas para
se construir por ali um varadouro ou mesmo um porto. O Bairro era um lugar de saída,
raramente de entrada. E a oportunidade de sair chegou na década de sessenta,
com o fim dos Bairros
do Curral (fim parcial) e da Cova de Milho (total). Famílias mudaram-se para as
ruas próximas. Algumas emigraram.[3] No seu auge, terá tido mais de três dezenas de
casebres (em 1875 tinha 36) e terá sido povoado por quase duas centenas de
moradores (em 1962 tinha c. de 166).[4] Hoje, restam
doze casas (modernizadas) e uma vintena de pessoas. Além de Manuel Baboso, o único dali que seguiu a tradição
familiar da pesca, mais nenhum outro filho dos pescadores ou vendilhões daquele
tempo, hoje assimilados no tecido social da Cidade, seguiu as pisadas dos pais.
Os antigos quintais transformaram-se em parque
de estacionamento, o tosco largo de outrora é hoje o Largo East Providence e a instável arriba jaz sob a Via Litoral (que
avança a passo de caracol).[5]
De
onde virá esse nome de Curral? Do Curral Municipal de
quinhentos?[6] Há uma
acta de 1578 que se lhe refere, porém, não indica o seu exacto local. Que se conheça,
a primeira referência explícita ao Bairro do Curral só aparece três séculos
depois: no Rol Quaresmal de 1885.[7]
Será que esse Curral de 1578 foi construído após a catástrofe de 1563? E ali à beira-mar e na foz da ribeira,
um dos locais mais castigados? Mais tarde teria sido abandonado, sendo aí que os
mais pobres do litoral, devido a pressões demográficas, por não terem sítio para
onde ir, aproveitaram aquele espaço deixado vago que mais ninguém queria aproveitar?
Daí o nome de Curral ou de Vila Nova, como é identificado o Bairro?[8] Curral
por se situar no lugar do antigo Curral. Vila por ser um novo espaço habitado da
Vila. Ou esse nome virá ainda do aspecto pobre e degradado (daí repelente) do
bairro? Não sei. Só a arqueologia ou novos documentos (escritos ou imagens) poderia
(talvez) lançar alguma luz.
Explorando
uma fotografia aérea, o que ali me parece ter sido o Bairro (em termos
urbanísticos)?[9] Que
ocupava uma nesga de terra de aluvião junto
à boca Nascente da foz da ribeira Grande.[10] À
qual, com alguma frequência, o mar e a ribeira arrancam pedaços. Pelo que julgo
ver na referida imagem, o
bairro teve quatro núcleos habitacionais: um, encostado às barrocas Norte, já
demolido, outro, encostado ao lado Nascente da foz da ribeira, que ainda hoje
se mantém, e dois outros no centro (um dos quais, já demolido). Três ruelas
perpendiculares às barrocas do mar, uma viela paralela ao mar e um pequeno beco,
cruzavam-no.[11] Atrás das habitações (lado Sul)
ficavam os quintais. Principiava (sensivelmente) a Sul onde terminava a
Norte a rua das Espigas: na fonte (hoje seca) de água pública que traz a data
de 1896.[12]
A Sul, começava no limite Poente da Travessa da rua das Espigas: uma vereda de
terra batida (havia uma casa que quase a tapava) que por ali dava acesso aos quintais do Curral.[13] Ia-se lá também pelas margens da
ribeira. Ou a vau.
Sonhando
um dia ser Cidade, sonho que vinha de muito longe, a Ribeira Grande quis dar à
Vila cara de Cidade. Em 1949, D. Lopo de Sousa Coutinho, Conde de Caminha, publicou
num jornal da Ilha as suas (arrojadas) ideias urbanísticas para a Ribeira
Grande. Entre as quais, a Avenida Litoral. Ideia que já surgira (de forma
inorgânica) na década anterior, se não mesmo antes disso. Para que tal fosse
possível, seria necessário reformar aquele bairro.[14]
Em 1954, 1957 e 1959 a vereação volta-se para o Bairro do Curral. Ao ponto de,
em Outubro de 1955, o próprio Ministro das Obras Públicas Eduardo Arantes de
Oliveira ter visitado (em trabalho) o Curral.[15]
De início, a Câmara pretendia construir ali um bairro (renovado), porém, mudaria
de ideias. O novo bairro, seria construído não ali mas bem longe do centro, num
ermo junto às barrocas do mar, a caminho da Chã das Gatas.[16] O
Bairro de Santa Luzia. A mudança de local, terá tido tudo (ou algo) a ver com
uma proposta de Nereus Fernandes. Esse arquitecto, com data de Junho de 1960,
entregou à Câmara um (esboceto ou) pré-plano de Urbanismo, no qual (além de
outras mais propostas) propõe o traçado da futura Via Litoral.[17] Perante
isso, não conviria ter por ali um bairro para pobres. Convencida, a autarquia decidiu
acabar com o bairro. Compra casas para de seguida as demolir. Assim, em 1962, compra
três, em 1963, outra, em 1965 ainda outra e mais outra em 1966.[18] Numa
vereação posterior, já na década de setenta, mudando de ideias: por dificuldade
de alojamento, dizem-me, deixa de pé as casas do lado da rua de costas voltadas
para a ribeira. Limparia (porém) a
área dos quintais, hoje parque de
estacionamento.
Quis encontrar alguém
que levasse ao interior do antigo Bairro do Curral, fui à Via Litoral. Era
Domingo. Havia ali à frente mais de uma centena de surfistas dentro de água.[19]
O Manuel Baboso olhava para eles. Meti
conversa. Fazias aquilo em novo? ‘Eu
vinha só com os pés, de barriga, lá de fora [aponta para a baixa Grande,
atrás do pontão actual das Poças] até
aqui dentro sempre em cima da onda. Esses aí [aponta para os surfistas] não fazem disso.’ E riu-se. Estava
acompanhado por Zilda, a mulher. A única pescadora da Ilha.[20]
Ajudas-me a perceber como foi o Bairro aqui? Concordou. Assim, dando voz às recordações dele, que ali
nasceu na cocheira do avô e cresceu, vou tentar penetrar (o mais possível) no
que foi o Bairro do Curral do tempo dele. [21]
O pai era José Câmara, conhecido por José Preto ou Pretinho e a mãe
Maria dos Anjos, a quem o marido tratava por Rainha. A mãe era de Água de Pau, de uma família que fazia capacheiras. Viera servir para a Ribeira
Grande. O pai era dali mesmo. Foi o primeiro filho do casal. Os avôs paternos eram
Moisés Câmara – pescador e Maria dos Anjos. Os seus familiares (tios, avôs,
primos) chegaram a ser c. de 20% do total dos habitantes do Curral.[22]
De setenta e dois anos, Manuel Câmara Baboso
nasceu em 1953. Casou aos 29 anos. Tem um filho de 40 anos que é mecânico e uma
filha casada com um pescador do Porto Formoso que anda no barco do sogro.[23] Nenhum
dos irmãos (ou filhos) dedica-se ao mar. É (diz ele) o único dos irmãos a tirar
a quarta classe. Passou todos os anos. O seu primeiro professor foi o professor
Leonel Emídio Botelho; teve o professor João Pinheiro, depois uma professora de
cujo nome não se recorda. E terá havido um quarto professor, do qual também não
se lembra bem. Aos sete anos já ia ali pescar num barquinho a remos. Ao troley (uma linha com muitos anzóis). Ali
mesmo diante. O barquinho ficava varado ali perto. A avó ficava a vê-lo de
terra. Aqui em baixo. Havia um barco aqui deste lado e outro do outro lado. O
do outro lado era do meu tio Moisés Ramela.
Ia de rede. Arrumava o barco em cima da rua do Saco. Ia à sardinha. Cheguei a
remar nele. E a puxar as redes.
Como
era aqui o Curral no tempo em que te criaste?[24] A casa da minha avó descia para a rocha à beira-mar
e tinha um quintal. Era ali que arrumava à noite as galinhas, marrecos, cabras,
porcos, que andavam à solta durante o dia pela ribeira, areia e calhaus. Diante
daquelas casas ali (apontou-me) havia casas mais pequenas. E uma canada que ia
dar aos quintais. Os das casas
pequenas faziam aqueles quintais. Ali
semeavam salsa, hortelão. Plantavam batatas, legumes. Os das outras casas com
os quintais para o mar, tinham os seus quintais atrás. Como eram aquelas
casas dentro? ‘Terreiras, de
palha, sem água dentro. Havia uma fonte na rua (ainda lá está, mas seca). Sem
luz. A luz era as candeias e os faróis de apanhar caranguejos, os fachos. Casas
pequenas. Dormia tudo ao monte num quarto. Rapazes e raparigas separados. A
vida era quase toda lá fora.’[25]
Quem
morava aqui no teu tempo? Pescadores e calhauzeiros.
Quando o mar não estava em condições, iam ao calhau. Onde iam pescar? Nesses
calhaus todos daqui à volta até às Prainhas. E mais. No mar iam a um sítio antes
do Cintrão. Na Fajã do Bode. Furna da Pataca. Apanhavam o quê? Boguetas,
cavalas, sardinhas, chicharros. Era um sítio abrigado e bom. E calhauzeiros?
Arsénio Castanha; Ti Mariano Frade (pai do Manuel Frade); Moisés Abelha; os
Teófilos. Pescavam também. E vendilhões? Manuel Ventura; Laurindo
Ventura, Adriano Bravo; João Luciano. Os pescadores trabalhavam também nas
terras? Cá nada! Iam era roubar as terras. A gente ia roubar batatas e tudo
o que se apanhava na canada das Feiticeiras.[26] A
gente chegava a guerrear por uma casca de laranja. Até gaivotas a gente comia. Havia
fome. Meu pai, pergunta à minha irmã (Oriana), estava sentada ali ao lado,
apanhava cagarros para comer como se fosse galinha. Era carne escura.
Estranhava-se a princípio mas ao depois comia-se. Fazia-se um torresmo branco
melhor do que os torresmos brancos do porco.[27]
Quem é que aqui tinha barco? Dos antigos? Foi-se lembrando, um a um. ‘Eram barcos de duas proas. De quilha. A
remos. De madeira. No porto de Santa Iria, daqui estava o barco do Tio José Elias. Era chicharreiro. Rede. Era ele, os filhos, o
Ernesto, eu aprendi naquele barco; barco dos Tachinhas. Era chicharreiro. Eram
os sete irmãos Tachinhas; barco do Raulino Abelha. Também chicharreiro. Os
chicharreiros chegavam a oito pessoas a bordo: dois para levantar a rede; dois
para iscar; dois para remar, essas coisas assim; barco do José Abelha Ventura. Era pesca de
linha à mão. Garoupa, bodião; barco do Josué Abelha – Linha à mão.’[28] Iam daqui para a Ribeirinha (Santa Iria) pelo
caminho do cemitério. Não havia ainda a ligação pela Chã das Gatas.[29] Mais
coisas que faziam para ganhar a vida? Pelas festas todas. Santo Cristo.
Senhora dos Anjos. Ribeirinha. Matriz. Vendia-se caranguejos. Até carrinhos de
madeira meu pai fazia. Lapas. E jogos: a roleta, os dados. Quando vinha a
polícia a gente arrumava tudo e escondia-se. Meu pai teve um barco na ribeira
do Paraíso. Uns dois ou três verões. Primeiro, um junto à ponte grande. A
ribeira era aí mais funda. Acabou porque fizeram um barco [uma pista de dança
nos anos sessenta] que depois a ribeira levou para o mar. Riu-se. Também esteve
na parte junto à ponte do Paraíso. Meu pai comprou uma carrinha para vender o
peixe. As mulheres lavavam roupa aí para cima (rua Direita).
Manuel Baboso já teve três barcos a remos (de seis
metros cada) em Santa Iria: o Flor da
Maia; o Carolina do Sul e o Carolina do Norte. Há quinze ou mais anos,
tem um barco no Porto Formoso de chapa com motor dentro de sete metros que mandou
fazer ao Continente: o Arca de Noé. Mudou-se para o Porto Formoso ainda
na Areia - antes da construção dos pontões de 2011. Do final do Outono até aos
princípios da Primavera, pesca no Sul, deixa o barco na Povoação, em Vila
Franca, em Água de Pau, em Ponta Delgada. Vai pescar ao Nordeste, e mais lados.
Futuro da pesca? ‘A pesca não tem
futuro. Há meses que o Governo não paga aos pescadores. Depois as áreas
protegidas. A pesca com rede de malhar.’
Largo do Pescador (Ex-Largo East Providence) Cidade
da Ribeira Grande
[1] Bem assim
como o casario de quintais voltados para as Poças ou a Cova do Milho.
[2] Quem a quiser
ler: Moura, Mário,
Diálogos: Tio Mariano Frade, Estrela
Oriental, Novembro de 2002
[3] O futebol,
através dos dois clubes de futebol locais (Águia e Ideal), integram a malta do
Curral. O António Teófilo fez tanto sucesso nas equipas locais que o Sport Club
Lusitânia (então o maior clube dos Açores) o levou consigo. O Manuel Frade
(nasceu na rua do Castelo mas foi em pequeno morar para lá) o guarda-redes do
Ideal. O primo José e todos os irmãos. Ainda no Ideal. O José Pataco, os
Marrocos, no Águia.
[4] Rol Quaresmal da
Matriz da Estrela, Ribeira Grande, 1875 e 1962.
[5] O troço foi
inaugurado em 2008. E o seguinte em 2019. E parou.
[6]Pereira, António Santos, Ribeira
Grande (S. Miguel – Açores) no século XVI. Vereações (1555-1578), Câmara
Municipal da Ribeira Grande, 2006, p. 28: ‘Além da Casa da Câmara, havia uma
outra casa da autarquia, que andava aforada e a casa dos açougues (…) e ainda
uma cadeia e um curral (…).’ Um outro curral algures dentro da Vila Frutuoso, Gaspar,
Saudades Terra, Livro IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p.129: Ou os que guardavam
gado nos currais dentro da vila: ‘Afonso Álvares do Amaral (…) teve grande
curral de gado vacum, com seu pastor que o pastorava na vila da Ribeira Grande.’.
[7] Rol Quaresmal da
Matriz da Estrela, 1885. Hoje em dia a Vila Nova é outro bairro. Fica na
Conceição. Esse outro bairro é assim referido em artigos de jornal de finais da
década de 1940. A primeira menção nos Róis de Confessados da Conceição de
1958-1960: 1.º e 2.º Becos da Vila Nova. Em 1967, na Matriz ainda se
identificava a Vila Nova. Já em 1974 (pelo menos) o que resta da Vila Nova está
na Rua de João Franca (antiga rua das Espigas e actual rua East Providence). Assim, manda a verdade dizê-lo, não se
conhece ligação directa entre o curral municipal quinhentista e o Bairro do
Curral novecentista. Tanto mais que, ainda no século XVI houve um outro curral
dentro da própria Vila, esse, porém, propriedade privada. Mas onde? Naquele
local onde no século XIX aparece o Curral? Não se sabe.
[8] Fotografia aérea
nos serviços da CMRG. Mó encontrada em 2006, encontra-se no Museu Municipal. O
palpite chegou-me após examinar uma fotografia aérea sem data (mas talvez próxima dos
anos sessenta), de rever o
que publiquei no Ribeira Grande:
Nascimento de uma Vila e de cruzar isso tudo com a descoberta por ali de
uma mó de moinho de pastel. Os negativos
dos quintais (que creio detectar na foto) podem corresponder a ruínas de
construções? Uma fotografia (sem data) mas provavelmente da década de quarenta,
leva-me a admitir que os tais quintais possam ter sido quarteis de vinha de uma
casa grande que m 1960’s já desaparecera.
[9] Afixada num gabinete técnico da CMRG, sem data mas muito provavelmente de 1955..
[10]‘O bairro da Vila
Nova, como os da Cova de Milho, do Curral e do Bandejo, são os bairros pobres
daquela populosa Vila, por cuja melhoria ou substituição se vem interessante há
tempos o dedicado e dinâmico
Presidente do municípioRibeiragrandense,
nosso muito prezado amigo, Senhor Dr. Lucindo Rebelo Machado.O bairro da Vila
Nova, habitado por duzentas e doze
pessoas, tinha trinta e duas modestíssimas moradias,
algumas sem forno e todas sem instalações sanitárias.’
[11] Uma fotografia de
Outubro de 1955, comprova-o.
[12] Havia antes da
fonte, um Forno de Cal. Era dos herdeiros de
Alberto Moniz. Foi comprado pelo José Câmara – Preto que depois o vendeu ao Rui
Cordeiro. Por cima da fonte (ou próximo) foi colocada a placa toponímica da rua
das Espigas (hoje East Providence).
[13]Quase que a bloqueava uma casa onde moravam
os Boias (Valérios) que de transferiram para o Bairro de Santa Luzia
(Palheiro). Quintais, hoje Parque de estacionamento
[14]E o da margem da
ribeira, o da Cova do Milho. Além do da Vila Nova, entre mais um ou outro.
[15]Diário dos Açores, Ponta Delgada, 24 de Outubro de 1955.
[16] Isso ao mesmo tempo que nascia a ideia e a
concretização do Bairro dos Pescadores em Rabo de Peixe.
[17] Que tem mudado
de nome como se muda de camisa no Verão: Avenida, Passeio Atlântico. E o que
mais virá.
[18] Rol Quaresmal da Matriz da Estrela, 1967: de 24 fogos, 7
estão riscados. De 74 pessoas, 45 estão riscadas. Em 1968, no rol desse ano, a
rua de João Franco (antiga Espigas) vem juntamente com a Vila Nova (Curral): de
27 fogos, seis estão riscados, o que dá um total de 21 fogos. Actualmente,
existem nove de costas voltadas para a ribeira e três na curva do Largo East
Providence (Fazia parte da área do Curral).
[19]Manuel Baboso, 20 de Julho de 2025.
[20]Conversa com Manuel Câmara Baboso à noitinha do dia 11 de Agosto,
sentados no Passeio Atlântico, diante do espaço da casa onde nasceu e viveu.
[21]Há mais de duas décadas, fiz o mesmo com o
Tio Mariano Moniz Frade.
[22] Contei um pouco
mais de quarenta parentes numa população de 166 (em 1962).
[23]Conversa com Manuel Câmara Baboso à noitinha do dia 11 de Agosto,
sentados no Passeio Atlântico, diante do espaço da casa onde nasceu e viveu;
Oriana, nascida em 1958 (casou com um tipo da Ribeira Grande, de família da
Ribeirinha, mas que foram viver para o Pico. Está na América há 40 anos.
Trabalhou na Fábrica de Lacticínios Açoriana. Reformada, comprou casa perto
donde antes foi o Curral. Passa os serões com netos e o irmão Manuel junto ao
Passeio Atlântico); mais irmãos: José, duas ou três raparigas e mais dois
rapazes). Tios paternos: Emília, casada com Laurindo Ventura, peixeiro, pais de
Laurindo Ventura e de Manuel Ventura (ambos peixeiros, emigrados para o Canada.
Laurindo, o grande jogador do Águia, já faleceu); Estrela Câmara, mãe do Manuel
Rita, Jorge e de uma rapariga). Manuel e Jorge jogaram no Águia. Manuel foi à
experiência do Atlético, Jorge jogou numa equipa de III Divisão Nacional. A
irmã casou para a Ribeira Seca. Esta e o irmão Jorge estão emigrados. Manuel
foi funcionário Municipal. Nenhum seguiu a vida de pescador. O pai não era
pescador; Manuel Câmara Americano, calhauzeiro,
pai dos Marrocos (Manuel, José, Jorge, Humberto, Décio e Hilda). Nenhum seguiu
as pisadas do pai. José gosta de ir à pesca. José, Jorge e Humberto foram
jogadores do Águia. Jorge jogou no Clube Desportivo Santa Clara na III Divisão
e Humberto no Lusitânia. Humberto já faleceu. Hilda – amante e praticante de
vários desportos – casou e reside em Angra do Heroísmo, Terceira; Maria dos
Anjos (foi para a América com seis anos); António Câmara Elias, não tem filhos,
vendilhão (vive com o sobrinho José); e uma irmã gêmea; Inês, casada com um
Batacão, é gêmea de António Elias, o marido não estava ligado ao mar. Um filho,
Manuel está na Terceira onde é mergulhador, calhauzeiro; Tem mais dois filhos
(não estão ligados ao mar). Um deles já faleceu; Moisés Câmara – Ramela
(pescador), tinha barco a remos em Santa Iria e uma chata na Areia (aqui). Os
filhos Moisés, outro que não me lembro do nome, não têm vida do mar. Lorena é
funcionária pública e uma outra. Que não sei o que faz; A mãe de António
Teófilo – que era pescador -, (que jogou no Águia, no Ideal e no Lusitânia) era
irmã da avó de Manuel Baboso. O Pai de José Pataco era irmão do avô de Manuel
Baboso. José Pataco não era pescador profissional mas ia no barco do Tio Josué.
[24]Indicou-me com a mão a configuração. Quero
mostrar-lhe a fotografia e o levantamento de 1960. Para perceber melhor.
Começando por cima, deu-me a entender que havia a tal casa grande quase a tapar
o acesso Sul com a rua das Espigas. Moravam aí os Bóias que agora moram no
Palheiro. A casa foi demolida para facilitar o acesso.
[25]Conversa com Manuel Câmara Baboso à noitinha do dia 11 de Agosto,
sentados no Passeio Atlântico, diante do espaço da casa onde nasceu e viveu.
[26] Um amigo meu,
dono de terras ali, queixou-se desses roubos. Era para matar a fome, respondeu
a autoridade máxima do Concelho.
[27]Manuel Baboso, 60’s, 20 de Julho de 2025.
[28] Fora do bairro,
mas ali perto: do Daniel. Linha à mão; Edmundo (irmão do
Daniel) – Linha à mão;Mariano Frade [sobrinho do Tio Mariano Velho. Tio dos Ganeiras de
Rabo de Peixe]. Linha à mão. Quase que
não me lembrava deste.
[29]A Casa do Cabo de Mar era uma que ficava na
descida para o porto de Santa Iria. Toda desmanchada agora. (Casa onde esteve
estacionada a tropa e onde morou um tal que tocava bombo na Banda local).
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