Avançar para o conteúdo principal

Fado da Eira que foi Piscina e hoje é Parque de Estacionamento







Fado da Eira que foi Piscina e hoje é Parque de Estacionamento

Levaram nove anos a escolher a Eira. Dois a começar a obra. Um a construí-la. Funcionou pouco mais de ano e meio. Fechou. Inaugurada sete anos depois. Funcionou. Fechou. Reabriu. Fechou. Fartos disso tudo. Desistiram. Entulhada: hoje é o Parque de estacionamento de apoio às Poças (Piscinas Municipais). Acusado de ser o único culpado por aquilo tudo, a piscina da Eira passou à História (injustamente) pelo nome (nada elogioso) de piscina do Monteiro.[1]

Onde construir uma piscina? Andaram às voltas entre as Poças e a ribeira da Cova de Milho, mas acabaram por construí-la na Eira. Eira, antes curral do Castelo (Forte da Estrela). Ali, ao final da rua do Castelo. Ali, diante da entrada para as Poças. Era só atravessar a rua. Via-se dali a praia do Monte Verde mesmo à frente. Foi financiada pelo Governo Central e construída por administração directa da Câmara. Pela dimensão, torre de saltos – rondando os seis metros de altura e três patamares com prancha de saltos -, e por ficar fora do alcance de ondas e marés, foi a melhor da Ilha.[2] Entre 1972/73, altura em que, ainda inacabada, foi aberta ao público, e 1990, altura em que foi abandonada, viveu (poucos e intermitentes) dias de glória.

Realizaram-se ali festivais. Competições de natação, de saltos, water-polo. No dia em que (talvez) tenha sido aberta, recorda Alfredo da Ponte: ‘Tinha 10 anos, nasci em 62, portanto, foi em 72. O José Barriguinha, meu irmão José Francisco, participou. Com atletas do Clube Naval de Ponta Delgada. Terceiro lugar em resistência, quarto lugar nos 100 metros livres. Em saltos, ganhou o primeiro lugar, com o salto mais artístico. Alguns concorrentes deram cambalhotas e parafusos, mas o José, com o corpo empranchado pelo ar, ganhou a vibração dos espectadores e, ao entrar na água fez aquele “splash”, que só ele sabia fazer. Ainda me lembro dos gritos do pessoal: “José, José, José….” Primeiro prémio. Seis garrafas de spray de matar moscas, oferta da Fina, representada por Edmundo Borges Correia, o Corta-orelhas.[3] E diz-me ainda Paulo Medeiros, já ‘na década de oitenta apanhei festivais. Uma espécie de Jogos Sem Fronteira. Veio Nordeste, Lagoa, Ribeira Grande.’[4] Deram-se aulas de natação, diz José António Garcia: ‘Aprendi a nadar naquela piscina.[5] Porém, se houve alguma vantagem em tê-la construído fora do alcance do mar, quanto à renovação da água que a abastecia, a distância a que ficava do mar, situava-se a 20-30 metros acima do nível da água do mar, ditou-lhe uma sentença de morte.

De facto, o seu abastecimento defeituoso e irregular foi sempre o seu calcanhar de Aquiles. A deficiente qualidade da sua água, primeiro, água salgada, captada do mar, através de uma bomba, depois, água doce, desviada da rega, selaria o seu destino. E assim foi. De 1990 a 2008/9, além de servir à miudagem de Santo André e da rua do Castelo e arredores de campo de futebol de salão, foi vítima de despejos ilegais por parte da vizinhança. Após queixas, foi selada.

 E tudo porque a piscina não tinha sido localizada nas poças mas sim na plataforma superior e na ocasião porque a Câmara não quis estragar a poça natural e assim aumentaria a zona balnear como aliás também foi pelo mesmo inventor [Fernando Monteiro] levada a cabo.’[6] Desabafaria, já na década de oitenta, Fernando Monteiro. Referia-se, ao período até Abril de 1974. Houve quem, no entanto, já depois de 1974, se empenhasse. A sério. Inclusive, Monteiro. Em 1979, com novo motor, foi inaugurada. Mesmo assim, em 1983, não tinha ainda balneários nem sanitários. Tinham que descer e subir as Poças. Além do mais, a piscina perdia água. Estava rachada. Aparecem novos problemas. Graves. Que fazer? Solução radical. Trocar a água do mar pela da rega. Passou, de facto, a água da rega em 1984. Funcionou naquele ano e no seguinte. No entanto, não dava muito certo: ‘ao cabo de quinze dias a água ficava verde.’[7] Alguém sugeriu que fosse coberta. Não foi. Alguém sugeriu que se cobrisse a área da torre de saltos. Também não foi coberta. Que retirassem a torre de saltos. Que enchessem o poço de saltos. Que diminuíssem o tamanho dos lava-pés. Isso foi feito em 1989. Como, apesar dos esforços, uns atrás dos outros, não resultassem, em 1990, abandonaram-na. E, a olho, dizem, fizeram uma outra piscina nas Poças Velhas (encostada às Poças). Poças Velhas onde a ‘cambada’ de Santo André, do Castelo e arredores, tomava banho incoira. Era alimentada pelo mar. Deu problemas. Tentaram resolvê-los. Rasgaram-lhe duas entradas. ‘Era boa, mas as casas de Santo André canalizavam os esgotos para o mar, resultado, análises preocupantes. Aquilo só terminou com a construção da actual piscina [Em 2005].’ Ficou conhecida pela piscina ‘das blicas do mar.’

O que será que falhou? Opções erradas? Falhas técnicas? Falta de verbas? Más relações pessoais? Rivalidades político-partidárias? Para tentar encontrar respostas, vou ter de mergulhar na história da piscina da Eira. Não perdendo nunca de vista o contexto mais vasto da viragem da Ribeira Grande para o seu litoral urbano e margem da ribeira, a saber: a avenida marginal, miradouros, praia de banho, piscina, Cova de Milho/Paraíso Infantil. Para chegar lá perto, o mais perto possível, além da documentação tradicional (actas, relatórios, artigos de jornal), vou ouvir intervenientes e pedir opiniões a técnicos da especialidade. E daí, do que conseguir, em quatro artigos, vou tentar propor uma interpretação plausível. Sempre aberta. Vamos a isso?

Furna do Barão, (Magnífica Casamata da II Guerra Mundial - desaproveitada), Cidade da Ribeira Grande



[1] Há quem diga que houve inauguração. No entanto, nada nos prova que tenha havido: não se encontrou quaisquer notícias nos jornais nem registos nos arquivos.

[2] Testemunho de José Pereira, 25 de Setembro de 2025: ‘A Piscina da Lagoa tinha um problema. Como enchia com as ondas. Empurravam-nos para trás.

[3] Testemunho de Alfredo da Ponte, 24 de Setembro de 2025.

[4] Testemunho, Paulo Medeiros, 29 de Setembro de 2025.

[5] Testemunho de José António Garcia, 16 de Outubro de 2025.

[6] AMRG, Vereação de 14 de Julho de 1989, 1989, Livro N.º 129, fl. 3.

[7] Testemunho de João Luís Silva Melo, 28 de Setembro de 2025.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Uma História do Surfe na Ribeira Grande (I Parte)

Uma História do Surfe na Ribeira Grande (I Parte)   A História do Surfe começa no Sul da Ilha e o seu berço foi na praia das Milícias/Pópulo. A prática do surf, ‘ já com regras, torna-se regular a partir dos anos 80. É a geração de 80-90.’ Não foram os primeiros, porém, dariam o ‘ empurrão ’ que faltava. [1] ‘ Há uma primeira associação de surfe ligada [e não só] à Escola Antero Quental. ’ [2] É organizada uma primeira competição. [3] ‘O Primeiro Meeting de Surf data de 1985. Tem lugar na Praia do Pópulo.’ [4] Por volta de 82/82, já vinham surfar à Ribeira Grande. Porque frequentaram logo depois Santa Bárbara e o Monte Verde? [5] ‘ A resposta mais simples é a qualidade das ondas. Mas tem a ver com várias coisas o facto de ser praia com fundo de areia. Estar virada a norte e exposta às ondulações. O tamanho das praias com várias i ok das ou picos como nós chamamos. Ondas .’ [6] De que quadrante são ali as melhores? ‘ Ondas Norte com vento Sul são as condições ideais .’...

Moinhos da Ribeira Grande

“Mãn d’água [1] ” Moleiros revoltados na Ribeira Grande [2] Na edição do jornal de 29 de Outubro de 1997, ao alto da primeira página, junto ao título do jornal, em letras gordas, remetendo o leitor para a página 6, a jornalista referia que: « Os moleiros cansados de esperar e ouvir promessas da Câmara da Ribeira Grande e do Governo Regional, avançaram ontem sozinhos e por conta própria para a recuperação da “ mãe d’água” de onde parte a água para os moinhos.» Deixando pairar no ar a ameaça de que, assim sendo « após a construção, os moleiros prometem vedar com blocos e cimento o acesso da água aos bombeiros voluntários, lavradores e matadouro da Ribeira Grande, que utilizam a água da levada dos moinhos da Condessa.» [3] Passou, entretanto, um mês e dezanove dias, sobre a enxurrada de 10 de Setembro que destruiu a “Mãn”, e os moleiros sem água - a sua energia gratuita -, recorriam a moinhos eléctricos e a um de água na Ribeirinha: « O meu filho[Armindo Vitória] agora [24-10-1997] só ven...

A Alvorada e o Império de São Pedro

  A Alvorada e o Império de São Pedro          Alvorada 1.ª metade do século XX   Alvorada 2007                Império de São Pedro:           Império de São Pedro:              Rabo de Peixe……………… Fenais da Ajuda   1. Alvorada ou Arvorada? Cavalhada ou Carvalhada ?   No primeiro documento conhecido que chama um nome à coisa, diz-se assim: ‘(…) cavalhada, vulgo, arvorada [sic] de Sam Pedro.’ (1875) No falar ouvido pelas ruas da sua terra de berço e área de influência, diz-se tudo ao dizer-se simplesmente: Arvorada ou Alvorada de São Pedro . Por ali, ouvem-se com a mesma facilidade com que se mete ar nos pulmões expressões como: Vais ver a Alvorada?   És o Rei da Alvorada? Vais na Alvorada? Quantos cavalos foram este ano na A...