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A quem culpar por a obra do porto não ter sido feita?

(Porto de Santa Iria – VII)

O Porto de Santa Iria projectado por Lopes não foi o que acabou por ser construído. Lopes, alegando não ter culpas, acabou por arcar com as culpas? Teria ou não sido o único culpado ou foi apenas o bode expiatório conveniente? Não sei, só com mais dados, poderia dar uma opinião.

Seja como for, foi a obra suficientemente capaz para o fim a que se destinava? Uma resposta: ‘Não correspondeu ao que se esperava o trabalho do referido engenheiro, sendo por isso severamente criticado.’[1] Que avaliação faria José Maria da obra do Porto de Santa Iria, se ainda fosse vivo? Ao que parece a nota de 1860 terá sido uma das suas últimas intervenções. O Rol de Confessados da Quaresma de 1861, da Matriz de Nossa Senhora da Estrela, já nada diz acerca dele. Porém, ele está vivo na Páscoa e Quaresma de 1861, falecendo a 24 de Novembro daquele ano, ainda com 61 anos de idade.[2] Em 1879, num elogio que lhe faz Supico, ficamos a saber que havia falecido havia 12 anos.[3]

 

Em A União, de 7 de Março de 1861, último número sobrevivente de que temos conhecimento, José Maria da Câmara Vasconcelos transcreve, comentando em meu entender de forma irónica, um Relatório da Junta Geral acerca do Porto Artificial desta cidade (leia-se de Ponta Delgada), justificando-o do seguinte modo: ‘Deparando nos periódicos de Ponta Delgada com a consulta da Junta Geral deste Distrito, apressamo-nos em transcrevê-la, porque fiel a nossos princípios, entendemos que estes documentos, já como trabalhos da primeira corporação Administrativa, ou actos oficiais que ligam o mesmo Distrito ao Trono, muito convém serem conhecidos em toda a parte.’ [4]

 

Quatro anos após a conclusão do estudo de Lopes e apenas dois após a conclusão do cais e estrada que leva ao porto, um jornal de Ponta Delgada não poderia ter opinião pior do segundo engenheiro de Santa Iria: ‘homem sem palavra que malbaratara tantos contos de reis, nesta ilha, curando tanto do insignificantíssimo nome das obras públicas que insignificantissimamente dirigiu,’ rematando com contundência, ‘O Senhor Lopes foi entre nós uma perfeita calamidade (…).’[5] A que obras fora do Porto de Santa Iria se estava a referir?

O que deveria ter sido feito mas não fora feito no porto de Santa Iria não chegou para estragar a festa do dia 25 de Janeiro de 1862. Às oito horas da manhã, fundeara no porto de Santa Iria a escuna britânica Puzzle. A Estrela Oriental rejubila no seu editorial: ‘O dia em que flutuar no ancoradouro de Santa Iria o primeiro pavilhão britânico para nos conduzir a nossa laranja, (dizíamos há um ano) será o dia da emancipação da Vila da Ribeira Grande e abrirá para este generoso Povo uma época de felicidade e escrever-se-á uma página de ouro nos fastos desta Vila. Raiou felizmente esse dia tão ambicionado (…).’[6]

A terra prosperou com o porto de Santa Iria. Em 1863, um ano depois da entrada da primeira escuna, Supico, que iria mudar pouco depois a sua opinião, no jornal O Cosmorama, não poderia pintar um quadro mais colorido acerca dos benefícios do Porto de Santa Iria: ‘O comércio da Ribeira Grande progride também. Há ali armazéns e lojas de todos os artigos de necessário consumo; e o porto de Santa Iria, há poucos anos posto em estado de permitir a expedição e recepção de mercadorias, firmou para a Vila uma nova fase mercantil. A organização da sociedade de S. Iria, para exportação de laranja, foi uma das suas primeiras consequências. Além desta sociedade, há mais uma casa exportadora de fruta. A facilidade de dar saída aos produtos agrícolas, é de uma vantagem considerável para o Concelho: economiza não só as grandes despesas que se faziam com os transportes com embarques para Ponta Delgada, mas ainda prepara muito mais barata a caixaria precisa para a expedição da fruta, localizando os interesses desta indústria; e promove a plantação de novas quintas que muito aumentam o valor aos terrenos. Antes da conclusão do porto não se animávamos proprietários ao plantio dos laranjais pelas grandes despesas que os embarques da fruta exigiam. Agora, este ramo de cultura, que no ano de 1861 a 1862, produziu já 35 000 milheiros, toma cada vez maiores proporções, pelas plantações que se efectuam.’[7]

Mais ou menos por esta altura, os dados directos da pesquisa param em 1864, mas pode reportar-se a um período anterior, a opinião era de que Santa Iria fracassara. Joaquim Cândido Abranches, talvez veiculando opinião de Francisco Maria Supico, que no Estrela Oriental, da Ribeira Grande, acompanhara atentamente a evolução da obra, não poderia ter pintado um quadro mais negro: obra em que se gastaram não poucos contos de reis, e de que pouca utilidade até hoje se tem tirado.’[8]

E, por esta altura, na doca de Ponta Delgada? Manuel Borges de Freitas Henriques, nascido nas Flores, educado no Faial, embarcado em navios baleeiros, havendo montado um negócio na Nova Inglaterra, esteve no verão de 1866 nos Açores, de volta aos Estados Unidos, escreveu um livro, no qual veicula o que vê e opina sobre a doca de Ponta Delgada. Cinco anos após o lançamento da primeira pedra, dizia-se: ‘Custou, até ao momento, uma larga soma de dinheiro – seiscentos mil dólares em espécie, creio – e apenas um terço da obra está acabado.’[9] Anos depois, um temporal viria destruir o pouco que já fora construído. O que se dizia então? Continua Henriques: ‘Tem havido, e ainda continua a haver, uma grande controvérsia acerca desse trabalho, não apenas em São Miguel, mas também noutras ilhas, com o argumento que dali nunca resultará nada de substancialmente positivo.’[10] No entanto, Henriques, era de outra opinião: ‘Por tudo o que vi, sou de opinião contrária e tenho esperança de que se venha a revelar um sucesso.’ Atribui a discordância a causas diversas: ‘A insatisfação de alguns tem origem nas suas ideias antiquadas, enquanto a de outros é causada por alguma inveja.’[11]

Mário Moura

Lugar das Areias – Rabo de Peixe

 



[1] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 699, Cf. A Persuasão, Ponta Delgada, 9 de Outubro de 1901

[2] BPARPD, Óbitos, Matriz, Ribeira Grande, 1861. Um jornal diz: José Maria da Câmara Vasconcelos [...] faleceu nesta vila, freguesia Matriz, com 62 anos no dia 24 de Novembro de 1861 nas casas que restavam do convento e que ainda hoje ali se encontram. As infelicidades que lhe sucederam foram atribuídas pelo povo ao facto de ter arrematado o mosteiro.’ Morre, feitas bem as contas, ainda com 61 anos.

[3] A Persuasão, Ponta Delgada, 2 de Junho de 1879, Supico, Francisco Maria, in ‘Escavações’, Instituto Cultural de Ponta Delgada, v. 3, 1995, p. 1000.

[4] A União, Ribeira Grande, n.º 174, 7 de Março de 1861, fls. 1-2.

[5] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 702, Cf. Açoreano Oriental, Ponta Delgada, 15 de Janeiro de 1859.

[6] Estrela Oriental, Ribeira Grande, 25 de Janeiro de 1862, p. 1

[7] Supico, Francisco Maria, A Ribeira Grande, Cosmorama, Ponta Delgada, n.º 12, Outubro de 1863, pp. 9-10.

[8] Abranches, Joaquim Cândido, Album Micaelense, Ponta Delgada, 1869, p. 68; Supico, Francisco Maria, Preâmbulo, pp. IX-XIV, in Abranches, Cândido, Album Micaelense, Ponta Delgada, 1869. É Supico quem o acompanha e escreve o Preâmbulo.

[9]Henriques, Manuel B. F., Uma viagem aos Açores ou Ilhas Ocidentais, Instituto Açoriano de Cultura, 2020, p. 80.

[10] Henriques, Manuel B. F., Uma viagem aos Açores ou Ilhas Ocidentais, Instituto Açoriano de Cultura, 2020, pp. 80-81.

[11] Henriques, Manuel B. F., Uma viagem aos Açores ou Ilhas Ocidentais, Instituto Açoriano de Cultura, 2020, p. 81.

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