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Porto de Santa Iria - 5 

José Maria seria pouco depois editor e proprietário do jornal A União. Igualmente deve deixar-se nota de que na década de quarenta, a Ribeira Grande apetrechara-se de duas sociedades: Filarmónica e Recreativa. E já na de cinquenta, no ano anterior, em 1856, surgira o primeiro jornal. A intenção era fomentar o progresso da terra.

A Ribeira Grande, com A Estrela Oriental, fundada em 1856, cujo primeiro Director foi João Albino Peixoto, coadjuvado por Francisco Maria Supico e tendo por perto Félix José da Costa, foi o terceiro Concelho dos Açores a ter jornal. A Horta só viria a ter jornal um ano depois.[1] Não esquecer que o primeiro Director e um dos fundadores do primeiro jornal de Ponta Delgada, o Açoriano Oriental, em Abril de 1835, foi José Maria da Câmara de Vasconcelos, natural de Santo António Além Capelas, mas cedo veio morar na Ribeira Grande, onde casara a sua irmã mais velha.[2]

Uma vila com duas formas de pensar bem distintas, uma conservadora, nota-se o seu pulsar nos artigos e temas saídos, a partir de certa altura, no A Estrela Oriental, ou mais progressistas, nas opiniões vindas a lume nas páginas de A União. Ou da Associação para o desenvolvimento da Ribeira Grande.[3] Outro exemplo? O pavor do Cometa Halley.[4]

Além da criação de associações, era vital prover ao melhoramento dos transportes e dos portos, quanto a esse último ponto, a União dava uma boa nova: ‘em 11 do corrente o Senhor Director das obras publicas visitou o nosso porto, [Santa Iria].’ Qual a importância que se revestia esta obra? Vejamos: ‘(...) as relações, que ha entre tais obras e o desenvolvimento do comércio e prosperidade geral (...).’ As obras em andamento iriam dar melhores condições aos pescadores da Vila e de toda a costa ou de outra proveniência: ‘(...) segurar a subsistência às classes dos pescadoras nesta Vila, o abastecimento de peixe à mesma, a salvação em caso de aperto a todos os barcos desta costa, e mesmo qualquer embarcação, que se veja em perigo nestes mares, minorar as faltas de alimento a tantas famílias, cujos sustentáculos se vão ali empregar (...).’

Além do mais, um porto melhor e maior, seria: ‘(...) um novo veiculo de comércio de cabotagem tão cómodo e preciso à vista da dificuldade das estradas, e externo, que tanta economia de tempo, e vantagens deve trazer a esta Vila, e lugares de Leste, muito principalmente, quando os ventos sopram rijo do quadrante do sul. Estas considerações alimentam todos os ânimos; e na esperança duma nova era, por ventura mais afortunada (...).[5]

Pelo menos em Novembro, já se sabia que a obra estava mal feita. A Estrela Oriental, talvez pela pena de Francisco Maria Supico, apesar de já não estar à frente daquele periódico ataca forte : ‘A verba votada para o Porto de Santa Iria, nesta Vila, está consumida. Podiamos hoje possuir uma obra cuja necessidade é reconhecida há séculos, mas o mau fado que nos persegue, fez que de desperdício em desperdício se exaurisse o dinheiro que para semelhante fim se votou, e que ficássemos com a obra incompleta.’

E aponta o dedo acusador : ‘Houve ali um homem que se adornou com o pomposo título de engenheiro, e que realmente tinha engenho, mas não para dirigir com ciência e economia as obras que lhe eram confiadas, que podendo fazer-nos muito bem, nos fez muito mal. Escravo das suas teorias desprezou os conselhos que a experiência lhe oferecia aqui, e com risco da sua reputação de honradez, caminhou a um fim, que todos bem sabem qual foi, deixando-nos em pior estado do que nos achavamos antes de começar o nosso porto.’

 De acordo com Supico, o técnico não esteve à altura do projecto: ‘Se os seis contos de reis que o governo nos autorizou a gastar nesta obra estivessem intactos, alguém lhe daria hoje melhor aplicação. Desperdiçados como foram, não podiam chegar, como não chegaram, deixando-nos na triste posição de vermos desmoronar-se a pouco e pouco essas pedras, para que nos costumamos a olhar com tanta esperança.’

Que fazer agora ? Diz o articulista : ‘Se não temos porto, não nos queixamos já do governo. Meios para eles se levar a efeito, foram-nos concedidos ; e se eles foram mal aplicados é culpa por que não condenamos senão a quem devia a tempo informar o governo de desvarios que todos reprovavam e o não fez.’

A repartição das obras públicas neste Distrito sob a direcção do sr. José Luís Lopes, foi uma calamidade para S. Miguel. Mais de cinquenta contos de reis foram por ele consumidos em curto prazo, e afora algumas pontes de pequeno valor e vários remendos em estradas, nenhum outro vestígio nos atesta a sua residência entre nós. E no entanto, longe de ser chamado a Lisboa para dar estreitas contas do seu procedimento entre nós ao ministro respectivo, obteve transferência para um Distrito, menos importante, é verdade, mas onde não faltarão ocasiões de continuar os sistema que aqui praticou.

E o governo que ainda confere comissões de tanta importância a pessoa tão incompetente, é por que a não conhece. Tem tido falta de informações a seu respeito; e dessas falatas, quem terá a responsabilidade? Dizem nos todos. Mas fujamos do campo das censuras.

Apesar de todos os erros apontados, não se contesta a importância da obra: ‘É ou não útil e convenientíssima a construção do Porto de Santa Iria, por qualquer lado que seja olhada? Ninguém responderá negativamente. Portanto visto que alguns contos de reis se gastaram nela, e por nosso mal ainda está incompleta, sacrifique-se mais uma pequena verba para se tirar proveito da maior, já consumida, porque aliás tudo isso que ali se fez não passará de uma enormíssima lesão para a fazenda pública, e de duradoura memória de opróbio para nós.’

É preciso pedir justiça e reparação dos erros : ‘Temos muita confiança no tribunal para onde hoje apelámos. É para o conselho de Distrito, a quem rogamos tome em consideração a nossa causa como já por outras vezes tem tomado, por que acreditamos que elevando por nós a sua voz autorizada ante os ministros da coroa, serão atendidas as nossas súplicas e desagravada a afronta que nos fizeram e à nação, castigando o mau servidor dela, causa principal dos nossos lamentos de hoje.[6]

Sem mais um chavo aplicado à obra, em Setembro de 1859, quatro anos depois do Relatório de José Luís Lopes, o Governador Félix Borges Medeiros escreve no seu Relatório que envia ao Governo Central que ‘o Porto de Santa Iria pelo que toca ao seu cais e estrada que a este conduz, há muito se acha pronto, e os projectos que lhe dizem respeito e ordenados em Portaria também de 13 de Agosto findo, trabalhos, que foram logo com urgência cometidos, como superiormente se ordenava, ao Director das Obras Públicas de que dependem exclusivamente.[7]

Mário Moura

Lugar das Areias – Rabo de Peixe

 



[1] Há quem admita um primeiro e fugaz jornal na Horta ainda na década de vinte. Todavia, a História oficial aponta para o ano de 1829, na Ilha Terceira, cf. http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=7655

[2] Silva, Susana Serpa, Açoriano Oriental: 1835-2000, Ponta Delgada, 2011, p. 35.

[3] Açoriano Oriental, Sábado, 16 de Agosto de 1856, fl 1 v. : ‘3 horas de chuva ao anoitecer da sexta-feira, fez desaparecer, quase de todo, a crise alimentícia! Não teve lugar a procissão de penitência, (...) sempre pregou na Estrela o J. Albino’.

[4] A União, Ribeira Grande, nº5, 19 de Março de 1857.

[5] A União, Ribeira Grande, n.º 5, 19 de Março de 1857.

[6] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, 14 de Novembro de 1858, fls. 1-2.

[7] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 702, Cf. Açoreano Oriental, Ponta Delgada, 15 de Janeiro de 1859.

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