Aproveitar o que há: barcos da laranja chegam de todo o lado
(Porto de Santa Iria - VIII)
Tirando o facto de se estar a gastar ‘uma pipa de massa’ (com fracos resultados à vista) na doca de Ponta Delgada, em Santa Iria, com obras bem ou mal feitas, com outras tantas por fazer, dera-se o uso (possível) ao porto. Um jornal em inícios de 1861, anuncia a boa nova: ‘Corre… que na Ribeira Grande se vai constituir uma companhia de fruta, que terá por fim embarca-la em Santa Iria.’[1] Como já foi anteriormente dito, o primeiro carregamento de fruta no Porto de Santa Iria ocorreu no dia 25 de Janeiro de 1862.[2] Em Outubro de 1862, João Albino em editorial que publicou em A Estrela Oriental, ao dar a sua opinião daria a de muita gente da Ribeira Grande: ‘o cais, que na Ribeirinha temos, dá um brilhante realce, e valor a esta Vila, e pode ser o meio de importação de muitos interesses.’[3] Em 1863, um Deputado do Círculo Oriental conseguiu que se criasse no Porto de Santa Iria um posto Fiscal para que ‘os navios que ali se destinarem para carga e descarga, sejam isentos de dar entrada na Alfândega da cidade [de Ponta Delgada].’[4] Dentro desta realidade do porto de Santa Iria, em 1865, João Albino Peixoto iria deter o cargo de chefe do posto fiscal do porto de Santa Iria. Talvez ainda tivesse tempo para continuar na sua profissão de pintor, pois é assim que é identificado em 1872, residindo na Matriz de Nossa Senhora da Estrela, ou então ainda é identificado como tal.[5] Em 1878, havia-se mudado para a Conceição, já é identificado como ‘Chefe do Posto Fiscal,’ subentenda-se do Porto da Ribeirinha.[6] Ainda em 1881, é referido como ‘Chefe de Posto Fiscal.’[7]
O Padre Egas Moniz chamou-o de ‘Cisne da Ribeira, porque João Albino Peixoto passava as horas, em uma
meditação profunda, em uma gruta da ribeira, lugar aprazível e pitoresco.’[8] Egas Moniz publicou poesias de João Albino nos jornais O Norte e A Estrela Oriental.[9] Egas Moniz tinha-a em tal consideração, chegando a propor o
seu nome para um troço da rua dos Foros, cinco anos passados da sua morte,
alegando aquela rua ‘ter sido o berço do
príncipe dos poetas ribeiragrandenses.’[10] Não tendo sido aceite o alvitre de Egas Moniz, pouco depois
a rua seria baptizada de rua de Artur Hintze Ribeiro, genro de José do Canto,
que tinha em muito pouca conta a Ribeira Grande, e irmão de Ernesto Rodolfo
Hintze Ribeiro, que teria preferido concorrer pelo círculo de Ponta Delgada.
Porquê? Era mais simpático do que o sogro fora em vida e agora que o sogro
falecera era administrador dos seus muitos bens, de onde se destacava a Fábrica
de Chá Canto, na Caldeira Velha, que se acedia por aquela rua.
João Albino Peixoto nasceu e
faleceu na Conceição da Ribeira Grande. Nasceu em 5 de Agosto de 1803.[11]
Faleceu, diz-nos o padre Egas Moniz na nota do termo de óbito, a 12 de
Julho de 1891, já reformado, ‘às seis horas da tarde, em uma casa da rua de
São Francisco, Conceição, tendo recebido o Sacramento da Extrema-Unção. Era
chefe reformado do Posto Fiscal. Não fez testamento e foi sepultado no
cemitério público.[12] Em notas biográficas publicadas um mês após o
seu falecimento, diz-se que graças ao ‘deputado
Francisco Manuel Bicudo Correia e ao Sr. Read Cabral foi nomeado Chefe do Posto
Fiscal de Santa Iria.’[13]
Vários deputados dos Açores, entre os quais Bicudo
Correia, haviam apresentado na sessão de 15 de Julho de 1860 ‘dois
projectos de lei, um autorizando o Governo a criar delegações de Alfândegas em
diversas ilhas, e delegações fiscais em todos os portos de mar do arquipélago
(…).’[14]
Foi o caso de Santa Iria. Já tinha porto mas para poder haver movimento de
barcos, haveria de o apetrechar com ma delegação da Alfândega.
Bicudo Correia (n. Matriz Ribeira Grande a 3.1.1829 – f. 10.5.1886) era da Ribeira Grande, fazia parte do grupo
conservador, denominado os ‘Tubarões,’
de que faziam parte José Jácome Correia, senhor do Lameiro, encostado ao Porto
de Santa Iria, e José do Canto, com propriedades em todo o Concelho, mas com
herdade na ‘Ponta do Porto Formoso,’
próximo de Santa Iria, dois homens poderosos e influentes de Ponta Delgada que
lutaram pelo porto artificial de Ponta Delgada.[15]
Eram os principais caciques da altura.
Read Cabral era poeta como João Albino, o que
segundo Francisco Maria Supico terá facilitado a sua nomeação.[16]
Supico diz mais: ‘João Albino Peixoto
deixou, já maduro,’ passava dos sessenta anos, ‘a arte por um modesto emprego de fiscalização externa da Alfândega
desta cidade (Chefe no posto fiscal em S. Iria).’[17]
Anos antes, o Diário dos Açores
dissera-o.[18] Com a
sua idade, começara a trabalhar como aprendiz de ourives na ‘oficina do tio João Caetano da Mota’ aos
12 anos de idade,[19]
João Albino terá sentido que já não era capaz de subir andaimes para trabalhar
nos retábulos e altares das igrejas da Ilha, e foi pedir emprego ao
Director/poeta Read e ao seu conterrâneo Bicudo Correia? E terá sido pela crise
económica social que lhe retirava encomendas? Talvez ambas as razões. Numa
época em que não existia reforma, talvez porque precisasse de uma fonte de
rendimento, tinha uma família grande e encargos vários, foi uma bênção ter
conseguido um emprego tranquilo a dois quilómetros da sua casa na rua de Nossa
Senhora da Conceição. E lá ficou, segundo Supico: ‘Neste emprego estava aposentado quando morreu,’ em 12 de Julho de 1891.[20]
Deixou uma imensa obra poética dispersa que já Supico em 1906 recomendava que ‘bom serviço se faria à literatura
micaelense, reunindo tudo o que do poeta João Albino se conheceu incluindo
mesmo o que imprimiu em pequenos opúsculos.’[21]
Acrescentaria o Inventário dos trabalhos que executou dispersos pelas igrejas
da Ilha de São Miguel.
Albino Peixoto interessava-se apaixonadamente
pelo progresso da sua Pátria: a Ribeira Grande. Faz parte visível de A Estrela Oriental, desde o seu terceiro
número de publicação no ano de 1856, a julgar pela assinatura, o que não quer
dizer que o não fizesse desde o primeiro, regozijando-se com o aparecimento
daquele jornal, dizendo que fora aceite como seu colaborador. Será apenas um
artifício? Aliás, segundo Carlos Riley, que não nos apresenta provas, fora
Albino quem tivera a ideia da criação daquele jornal. No fundo, aparece desde o
primeiro número. No número 5, publica um texto deveras elucidativo intitulado ‘O patriotismo.’[22] A
terra, quase sempre ingrata, não lhe corresponde ao amor que lhe dedica, como
se depreende de artigo de José Pacheco Mendonça de Julho de 1856, no Estrela
Oriental: ‘O nosso bardo é um poeta filósofo cheio de
inspirações (…) lamentando a sua má estrela, e a pátria maldita, mas sempre
amada (…).’[23]
Mário Moura
Lugar das Areias – Rabo de Peixe
[1] Supico, Francisco Maria, Escavações,
Volume II, ICPD, 1995, p. 702, Cf. Açor, Ponta Delgada, 19 de Janeiro de
1861.
[2] Supico, Francisco Maria, Escavações,
Volume II, ICPD, 1995, p. 703.
[3] Estrela
Oriental, Ribeira Grande, 12 de Outubro de 1862, fl. 1.
[4]Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD,
1995, p. 703, Cf. Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 14 de Fevereiro de 1863.
[5] AMRG, Róis de
Confessados da Matriz de Nossa Senhora da Estrela, 1872, Adro da Freiras, João
Albino Peixoto: pintor.
[6] ACRG, Róis de
Confessados de Nossa Senhora da Conceição, 1878, Rua de São Francisco.
[7] ACRG, Róis de
Confessados de Nossa Senhora da Conceição, 1881, Rua de São Francisco.
[8] Silva, João Cabral de Melo e, Concelho da Ribeira Grande, [S.l.: s.
n.], 1959, p. 30.
[9] Para conhecer a
biografia de João Albino Peixoto, sugere-se: [Notas biográficas] João Albino
Peixoto Dias, Diário dos Açores, Ponta Delgada,
14 de Agosto de 1891, fl. 1; Urbano Mendonça Dias, Literatos dos Açores, 2.ª edição, 2005, pp. 199-198; Silva, João Cabral de Melo e, Concelho da Ribeira Grande, [S.l.: s.
n.], 1959, p. 29 v.-30; Kemmler, Rolf, Diccionario Bibliographico Portuguez (1858-1958):
contributos e limitações para a disciplina da historiografia linguística
portuguesa, 2012, pp. 107-109. (Tendo o autor feito o pedido, enviei todos os
dados dos Arquivos Paroquiais e notícias da imprensa que dispunha sobre João
Albino Peixoto); Kemmler-2012c-InocncioAIL-Original%20(1).pdf
[10] AMRG, Fundo Paroquial da Conceição, proposta do Padre Egas Moniz: acta
da sessão da Junta de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de 2 de Fevereiro
de 1896, fls. 129-132, e deliberação da vereação 23 de Abril de 1896, Actas lv.
48, 1892-1897, fl. 148-149.
[11] BPARPD,
Batizados, Nascimento de João Albino Peixoto, 5 de Agosto de 1803, Conceição,
Ribeira Grande, Lv. 11, 1796-1805, fl. 155v.
[12] BPARPD, Óbitos,
Óbito de João Albino Peixoto, Conceição, Ribeira Grande, 1891, fls.12v-13.
[13] [Notas
biográficas] João Albino Peixoto Dias, Diário
dos Açores, Ponta Delgada, 14 de Agosto de 1891, fl. 1
[14] Supico, A Doca em São Miguel, O
Santelmo, Ponta Delgada, N.º 38, 31 de Julho de 1869, fl. 8.
[15] Lutas eleitorais entre o Democratismo e o Conservantismo em 1870-74.
Suas origens e seus efeitos, in A Revista
Micaelense, S. Miguel, Ano I, N.º3, Novembro de 1918, p. 232.
[16] Supico, Francisco Maria, Notas: João Albino
Peixoto, Persuasão, 30 de Novembro de 1898, in Escavações, ICPD, 1995, p. 419:
‘A colocação oficial deveu-se a Guilherme
Read Cabral, então Director da Alfândega, poeta de mérito, entrando,
certamente, na protecção a João Albino, muito de homenagem o seu valor poético.
Eram nesta parte oficiais do mesmo ofício.’
[17] Supico, Francisco Maria, Notas: João
Albino Peixoto, Persuasão, 30 de Novembro de 1898, in Escavações, Volume II,
ICPD, 1995, p. 419.
[18] Diário dos
Açores, Ponta Delgada, 14 de Agosto de 1891, fl. 2: ‘Por dedicação do deputado sr. Francisco Manuel Bicudo Correia, e do sr.
Read Cabral, foi nomeado chefe do Posto Fiscal de Santa Iria’.
[19] Supico, Francisco Maria, Notas: João
Albino Peixoto, Persuasão, 28 de Novembro de 1900, in Escavações, Volume II,
ICPD, 1995, p. 627.
[20] Supico, Francisco Maria, Notas: João
Albino Peixoto, Persuasão, 28 de Novembro de 1900, in Escavações, Volume II,
ICPD, 1995, p. 627.
[21] Supico, Francisco Maria, Notas: João
Albino Peixoto, Persuasão, 28 de Novembro de 1900, in Escavações, Volume III,
ICPD, 1995, p. 1132.
[22] Peixoto, João
Albino, O Patriotismo, A Estrela Oriental, n.º 5, 25 de Junho de 1856, fls.
2-3.
[23] Mendonça, José
Pacheco de, artigo sobre Passagem de um poema heroico de dez cantos de João
Albino Peixoto, fala do tipo de poeta que é, analisa a sua poesia, Estrela
Oriental, Ribeira Grande, n.º 10, 30 de Julho de 1856, fl. 2.
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