Água
Boa
para beber? Zero = 0. Por
que razão foi assim (ali) até ao século XIX?[1] Porque
se da Ribeira Seca para lá, a Ribeira Grande era (e é) rica em água, da Ribeira
Seca para cá era seca. Que explicação (disso)
dá a ciência? Porque o Pico da Pedra, Rabo de Peixe, e as Calhetas ficam (geologicamente) na zona dos Picos. E daí? Que é
(geologicamente) nova. E daí? Daí a
pobre (ou nula) retenção da água (da chuva) (à superfície ou a pouca
profundidade da superfície).[2]
Explicado?
É (verdadeiramente) ‘assombroso’ como o Pico da Pedra, Rabo
de Peixe e Calhetas (mesmo) ‘sem água’
vingaram (e bem). Noutros tempos, com bons ‘caminhos’
e bons ‘transportes’ (talvez) ‘moirejassem’ (ali) mas vivessem em outros lados (menos duros). E, no entanto, não
arredaram pé dali: o chão era fértil.
E a água da chuva (ao longo do ano) alimentava as ‘culturas.’ O povoamento (nestas condições) só pôde ‘vingar’ porque ‘guardaram’ (o mais que souberam) a água da chuva. Construíram: charcos, cisternas, tanques.
Escavaram: poços de maré (de água
salobra).[3] Encheram: barris, talhões.[4] Se
para o Pico da Pedra (até 1836) a falta
de água foi um ‘pesadelo,’ atenuado
mas não resolvido depois de 1836, para as Calhetas (além daquele pesadelo) o
pesadelo (maior) foi (e é) o ‘mar.’[5] Que
terminaria (em parte) em Agosto de 1836.
O facto marcou um (importante) ponto de viragem na História (dual) do Pico da
Pedra e Calhetas. Como acontece (frequentemente) nas mudanças que ‘trazem’ outras (mais), só (provavelmente)
terá sido percebido (e por alguns poucos, como sempre) tempos depois. A terra (Pico
da Pedra) terá (muito ou pouco tempo depois) entendido o alcance (e, por isso,
cultiva com zelo a memória daquela conquista em forma de Mito ‘emancipador’): de uma posição
de (quase total) desvantagem (em relação às Calhetas) passaria (aos poucos) para
uma de (óbvia) vantagem. Terá sido (porventura) por a gestão da fonte
(receber rendas da água) ‘exigir’ proximidade
física do gestor, que (em parte) a opção pela sede da Freguesia (dupla) recaiu
na sacristia da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres e não na da Senhora da Boa
Viagem? É uma (boa) suspeita. E do que (pelo facto de ser aí e não ali) ter
(mais tarde) trazido ao Pico da Pedra? Com perca das Calhetas? Como tentarei demonstrar noutro trabalho (talvez,
mais à frente). Sem (grandes) recursos naturais (além de umas ‘courelas’ de terra fértil, quintas – não
sei quantas mais do que as Calhetas -, e pouco mais), o Pico da Pedra usou o (seu)
maior recurso natural: a massa cinzenta
(a de alguns dos mais esclarecidos
moradores). Não só. Explico isso
(para não tomar aqui muito espaço) em nota, entretanto, adianto: caso os
‘senhores’ da terra e da ilha vissem nisso alguma desvantagem (sua), seria (quase)
impossível consegui-lo.[6] O modo como a
(terra) celebrou e celebra aquela ‘conquista,’
é reveladora. Percebeu (ao contrário dos das Calhetas) que a Memória (se não
for ‘comemorada’) desperdiça-se a
experiência que o presente necessita.[7] Não
‘comemora’ o (seu) passado (para se
deixar ficar por lá) mas como ‘estímulo’
ao (seu) presente. Pergunto (então) qual a razão
(que levou as Calhetas) a não homenagear
(logo ou depois) ‘o vereador Procurador Fiscal Francisco Alberto do Rego’ (com
laços às Calhetas remontando ao Grão-Capitão), que se empenhou (em 1846) em
trazer a água para as duas ‘primeiras’ fontes (públicas) das Calhetas? Ou os
que ofereceram às Calhetas aquelas fontes: Manuel de Medeiros Bettencourt
Câmara e Melo e Manuel Inácio de Medeiros. Quem era Medeiros Bettencourt Câmara e Melo o mecenas da fonte? Com (cerca)
28 ou 29 anos, era viúvo há pouco mais de um ano de Jacinta Carlota de Bettencourt
Botelho de Gusmão, a morgada de Cracas.[8] De Manuel Inácio de Medeiros, o mecenas da fonte junto à igreja, só sei
o nome. Infelizmente. Porque não foram homenageados? Pequenos enredos de
terra pequena? Seja qual for a razão desta (aparente) ingratidão, desencorajou-se
o futuro: não faças nada (pelas
Calhetas) porque faças o que fizeres ninguém (aqui) te dará valor.[9]
Foi assim?
De
onde vinha (então) a água para as Calhetas antes da abertura em 1846 das duas
fontes?[10] A água para molhar as terras (essa) dependia da (própria) água da
chuva. Até procissões ‘rogatórias’ se organizavam se ela não caísse. Há
notícias de secas prolongadas. E para dar de beber aos animais? Para cozinhar?
Tirar a sede àquela gente? Para lavagens (deles e das suas roupas, louças,
etc..)?[11] No
caso de Rabo de Peixe, Frutuoso (na segunda metade do século XVI?) diz: ‘(…) Tem um poço de água salobra, de que todos
bebem por não haver outra fonte.’[12] E
nos Fenais da Luz (Poços de São Vicente), ainda segundo Frutuoso, outro: ‘bebem água salobra de um poço.’[13] Com
ela lavava-se a roupa e com ela (ainda) se cozinhava. Apesar de salobra.[14] Será que se passou o mesmo nas Calhetas?
É (muito) provável: pelo menos nos
tempos da memória das gentes com quem falei (o que não invalida que já assim
fosse no século XVI): ‘Não é do meu
tempo, minha mãe contava-me que iam ao poço, na banda da vinha. Onde moram os
Estrela Rego. Água salobra. Iam buscar água salgada para cozer os inhames.’ [15] A
recolha (anterior à da Sr.ª Antuérpia) de José Emídio Botelho (irá até Agosto
de 1836), recua a hipótese (bastante mais) no tempo.[16] Pelo que se vê, no porto e à sua volta, percebe-se
bem (acho eu) a razão (e uma forte razão) da escolha daquele local para ‘começar’
as Calhetas: além de acesso ao mar, da pedra, do barro também havia água (ainda
que fosse – suponho-, quase intragável). Qual (será) a origem desta água salobra? Ainda hoje, na maré baixa,
vêem-se nascentes de água (salobra) a ‘borbulhar’
por entre as pedras do porto das Calhetas.[17][18]
Recolheram
(principalmente) a água da chuva. Destinava-se (antes de mais) a molhar os
campos. Durante
o Inverno, no caso do Pico da Pedra, o mesmo sucederia (mais coisa menos coisa)
nas Calhetas: ‘apanhavam em alguidares a
água das chuvas, para os precisos domésticos.’[19] E cisternas? Há lembrança (por ali) de terem
existido (nas Calhetas) umas três: ‘uma
na casa do Sr. Frazão, outra na casa do sr. Alexandrino e ainda uma outra de
uma senhora (não me lembro do nome) que morava aqui para os lados da estrada.’[20] Haveria
(pelo menos) uma outra no Pico da Pedra (na herdade dos Câmara – do Morgado
Botelho).[21]
O Gilberto, no entanto, alarga a possibilidade a outras (mais) casas.[22] E de charcos? Três no Pico da Pedra. Um
‘pequeno’ no Pico do Boi.[23] O
(assim chamado) Novo ficava próximo
do cemitério (agora Largo do Romeiro) e o Velho,
à volta das Giestas.[24] O
de Rabo de Peixe: nas Areias. E nas
Calhetas? Não há memória (oral) de ter havido charco. O que não significa
que não tivesse tido. No Verão, aproveitava-se alguma água dos charcos. Em casos ‘extremos,’ era um esticão, chegava-se
(mesmo) a ir com barris ou talhões ‘a
Rabo de Peixe, à Ribeira Grande e até à Ribeirinha.’[25]
Uma
pergunta? O que aconteceu às Calhetas entre Julho de 1836 e Fevereiro-Maio de
1846? Será que
beneficiaram da água da fonte no Pico da Pedra? Se ‘entrassem na chamada contribuição para a água,’ não vejo razão para
não irem lá buscar água. Foi assim? A não ser que entendessem que era só do
Pico da Pedra? O assunto já vinha de antes da Freguesia. Outra questão. Por que (formando Calhetas e Pico da Pedra) uma só
freguesia, a água não foi (não terá sido) ‘levada’ às Calhetas? Pouco caudal? Não era suficiente para
abastecer os dois Lugares? Talvez. Em 1846 a água para as duas primeiras fontes
das Calhetas veio das Areias (de Rabo de Peixe), ao passo que a do Pico da
Pedra vinha do Pico do Fogo.[26] Ou
foi por outra razão? Desconheço.
Dez
anos depois de no Pico da Pedra se haver ‘inaugurado’ uma primeira fonte (como
já foi dito) surgem (nas Calhetas) as duas (ao que se sabe, sem
inauguração) fontes públicas: uma, junto à casa do Morgado
(encostada – hoje -, ao Mosteiro das Clarissas),[27]
onde se lê: ‘Manuel de Medeiros
Bettencourt Câmara e Melo. 27-05-1846,’ outra, junto à igreja, ‘Fonte de N. S. Boa Viagem 2 1846.’[28] A ‘Crónica’ (não parece ter havido festa como no Pico da Pedra, pelo menos não
encontrei - ainda -, nota disso) é
feita (em parte) (de modo burocrático) pelo próprio vereador responsável da
obra. Vem na acta oficial da Câmara (pela voz do próprio): ‘Fez [o vereador Procurador Fiscal Francisco Alberto do Rego] com que o encanamento se dirigisse pela
canada Nova no sítio das Areias, daqui até à canada Grande, no que veio dar na
canada dos Buxinhas, e desta afinal até ao Lugar das Calhetas aonde mandei colocar uma arquinha na terra do
vínculo, que administra Manuel de Medeiros Bettencourt, servindo esta arquinha
para dividir a água para duas fontes, uma ao pé da igreja de Nossa Senhora da
Boa Viagem feita à custa de Manuel Inácio de Medeiros; e a outra ao pé do dito
Manuel de Medeiros Bettencourt, que desde a arquinha a fez à sua custa com
encanamento, pondo-a a correr ao público, e ficando com os sobejos desta,
podendo afirmar a esta Câmara que aquele Lugar recebeu um novo ser com o
benefício que se lhe concedeu, afiançando-lhe os principais concorrentes para a
despesa, que em breve, porão pias ou gamelões ao pé das bica para serviço dos
animais e precisões de utilidade. À vista pois do complemento de uma obra de
tanta utilidade e necessidade pública, não pode esta Câmara por ser como voz
unânime do povo daquele Lugar não pode deixar de prestar os mais sinceros
louvores ao vereador desta Câmara Francisco Alberto do Rego pela assiduidade e
desvelo com que tratou negócio de tanta consideração, e que decerto a não ser a
sua activa cooperação ficaria sem efeito algum, e o público privado de um tão
grande benefício.’[29]
Só em 1975-1976, as Calhetas teriam (finalmente) água canalizada a correr
nas torneiras dentro das casas.[30] No ano anterior, chegara a ‘rede nova’ ao Pico da Pedra. Antes ‘havia só a ‘rede velha’ da igreja para baixo
(menos a canada da Maria do Céu) e da igreja para cima só na rua dos Prazeres.
Não havia na Lomba. O resto ia às fontes. Foi nesta altura que a rede velha foi
substituída.’ [31]
Antes do Pico da Pedra e das Calhetas (antes de Abril de 1974), fora a vez de
Rabo de Peixe.[32]
Tudo água trazida dos lados da Lagoa do Fogo. Acabara o pesadelo? (continua)
Porto Formoso (Ribeira Grande)
Mário Moura
(Correio dos Açores, 20 de Maio
de 2023)
[1] O caso de Rabo de Peixe é diferente: já antes era
servido por um rego de água. Já do século anterior? Ou mesmo antes? Não
pesquisei.
[2]Carvalho, Maria
do Rosário da Encarnação de, Hidrogeologia
do maciço vulcânico de Água de Pau/Fogo (São Miguel – Açores), Dissertação
apresentada à Universidade de Lisboa para obtenção do grau de Doutor em
Geologia, na especialidade de Hidrogeologia, Lisboa, 1999, p. 77. Dizem
(exactamente) assim: ‘A idade e a
história tectónica desempenham, também, um papel importante na sua
permeabilidade. De um modo geral, quanto mais antigos e profundos são os
materiais menor a permeabilidade, devendo-se esse facto ao processo de
meteorização, colmatação e compactação.’
[3] Para mais
conhecimento: Goulart, Mónica, Poços de
maré, Gabinete Técnico da Paisagem Protegida da Vinha do Pico, Secretaria
Regional do Ambiente e do Mar, actualizado em 2010. Cf.
http://siaram.azores.gov.pt/recursos-hidricos/pocos-mare/pocos-mare.pdf
[4] Rosto de
Cão: atrás
dito, onde está um poço de água, mais salobra que a do poço do areal grande, de
que bebem os gados e serve de lavagem de roupa, defronte das casas de Jorge
Nunes Botelho.’ (Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998, p.
?); Ponta Delgada (centro: ‘Um poço de água salobra que estava no adro da igreja
pequena, que se fez junto da porta travessa da banda do norte, de que dantes,
quando não tinham fonte, bebiam os moradores da Ponta Delgada, fazendo-se
depois maior a igreja, como agora está, ficou dentro nela; de cuja água se
servem para a regarem no Verão e para outras necessidades.’ (…) bebendo dantes
água salobra de um poço que depois ficou dentro na igreja Matriz de S.
Sebastião.’ (Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998, p.
?); Ponta Delgada: ‘e
dentro na Fortaleza, que está bem provida de furiosa e temerosa artilharia,
está um grande poço de água salobra e uma cisterna, que já disse, muito
custosa, formosa e boa,’ (Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998, p.
?); Relva (Cisternas): No caminho, pela terra dentro, que digo haver da
cidade até o lugar da Relva, está, saindo da cidade, a fazenda que foi do
licenciado Manuel Garcia, letrado em leis, homem de grandes espíritos, assim
nas letras, como no governo da terra, fazendo o que entendia ser proveito dela,
sem temer nem dever. Logo adiante está a quinta de Francisco Ramalho, toda
cercada de alto muro, dentro da qual tem seus ricos aposentos e todas as coisas
com grande ordem, seu pombal e tanque, para beberem os bois e cavalos e mais
bestas de serviço, de que tiram água para lavar roupa quase todo o ano, ao qual
vem água de fora do caminho e dele vai também para um fresco pomar, em que
aproveita toda. Entrando por umas varandas na sala, dela vão ter à cozinha, da
qual saindo a um páteo, vão subindo por uns degraus, até entrar em uma câmara
de hóspedes, a qual está ladrilhada de tijolo, sobre uma tão grande cisterna
que levará cem pipas de água limpa, de que bebem os de casa e muitos de fora e,
quando falta no tanque, que leva mais de cem pipas de água, também dela se tira
água para granar muita soma de pastel, na tulha que ali tem pegada; a água da
qual cistema se colhe por canos dos telhados das casas, e detrás da torre dos
hóspedes está um chafariz, que da cisterna corre, para os criados de casa
tomarem água para beberem, sem irem por diante devassar as casas; e em um canto
dos granéis, para a banda do levante, tem outra cisterna que leva oitenta pipas
de água. Tem também três engenhos, com seu campo de caniços e sua tulha muito
grande, em que grana o seu pastel, de que fará mil quintais cada um ano, e dois
grandes granéis, um para trigo e outro para cevada e centeio, na lójea dos
quais tem dois engenhos e guarda neles toda a fábrica da abegoaria de seu
serviço. Tem casa de galinhas e outra de porcos. Fecha-se todo este circuito
por dentro, como uma fortaleza; até os seus criados e escravos, que dormem na
lójea da sala, fecha de cima do sobrado, com uma régua de pau que vai calando
pelo meio da parede abaixo até dar em um dos couces da tranca, de tal maneira
que de nenhum modo se pode abrir, senão se quebrarem a tranca com machados; e
de cima fica fechada aquela régua dentro em um almário que ele pela manhã abre
ou manda abrir para os criados saírem ao serviço. Debaixo de toda a cozinha tem
um vão em que recolhem os carros e sebes, para que não apodreçam com as chuvas
do Inverno, nem fendam com as calmas do Verão; porque a mais abegoaria de todas
as casas se lança e ajunta em um lugar onde apodrece, que depois vale muito
para as terras, onde manda deitar perto de cem carradas dele.’ (Frutuoso,
Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998, p. ?)
[5] Para entrar ‘na história da água ali,’ vou (a partir
de agora) ‘ler’ (e utilizar) a recolha (feita o mais tardar até 16 de Agosto de
1936) pelo (inteligente) marceneiro autodidacta (cidadão dedicado ao
‘progresso’ – como então se dizia -, da sua terra de adopção): José Emídio
Botelho (n.2-12-1879 – Lagoa – f. 1952 – Pico da Pedra). Tio do meu professor
Leonel Emídio Botelho da primária? E (recorrer) a uma colecção de documentos
(publicada em 1993 pela Junta de Freguesia do Pico da Pedra). Bernardo,
Gilberto, Introdução [1988], in José Emídio Botelho: Memórias da água
potável da Freguesia do Pico da Pedra, Junta de Freguesia do Pico da Pedra,
dactiloescrito, 1993, p. 7: entendido igualmente na área da construção civil,
topografia, carpintaria, pintura, etc..Era republicano e amigo do republicano
Agostinho de Sá Vieira. Simpatizou com a revolta de 1931 e nunca foi com a cara
de Salazar. Mas quando se tratava do Pico da Pedra, dava-se com todos. Gratidão de um povo: Colecção de documentos
sobre o primeiro centenário da água na Freguesia de Pico da Pedra,
dactiloescrito, Junta de Freguesia do Pico da Pedra, 1993.
[6] Relembrando-me (indo
ler o publicado: Nota da sessão: Aguiar, Cristóvão, Relação de Bordo (1964-1988), Campo das Letras, Entrada Pico da
Pedra, 12 de outubro de 1986, pp.375-376; Transcrição da intervenção: Aguiar,
Cristóvão, Emigração e outros temas
ilhéus, Signo, 1991, pp. 61-76) do que ouvi dizer Cristóvão de Aguiar (famoso filho da
terra e orador convidado) na sessão comemorativa do ‘150.º Aniversário da Freguesia’ [e do das Calhetas que (por desconhecimento) não o celebrou]), e do
que conversei e li do Gilberto Bernardo (Monografia, de 1986. Suspeito que foi
ele quem enviou os dados da sua pesquisa ao Cristóvão) escarafunchei (passadas mais de três décadas) o
assunto. A pretensão (do
Pico da Pedra) foi (terá ido) ao encontro do desejo de alguns senhores
(importantes) de terras (e de quintas) dali. Tanto mais que eram não só (bem)
relacionados com o poder (mas eram eles próprios o poder político e económico)
vigente. E (claramente) seus beneficiários (da água). Caso se opusessem,
dificilmente o Pico da Pedra (por muito organizado que fosse) teria tido água.
Explico-me. A herdade do Morgado Botelho (Senhora dos Prazeres) (antigo
capitão-mor da Ribeira Grande) ficava antes da fonte de 1836. Teria todo o
interesse em receber alguma daquela água. O Morgado era sogro do
(influentíssimo) morgado José Caetano de Medeiros (Ponta Delgada, 16 de Outubro de 1786 —
Ponta Delgada, 23
de Outubro de 1858). E os senhores,
cujos nomes, são mencionados na divisória entre a nova freguesia de Pico da
Pedra e Calhetas (1835) e Rabo de Peixe, também desejariam água.[6] Tanto
mais que (isso nunca é dito), o próprio Jacinto Inácio Rodrigues da Silveira (Ponta Delgada, 13 de Outubro de 1785 -
Ponta
Delgada, 20 de Dezembro de 1869), 1.º barão da Fonte Bela, foi administrador geral interino da
Prefeitura de 1836 – 1837. De 1835 a 1836, Jacinto Inácio Rodrigues Silveira,
ocupou o cargo de Prefeito Interino. De Junho até Fevereiro, foi conselheiro da
Prefeitura, e de Fevereiro até Julho, exerceu o cargo de governador Civil
Interino. E de conselheiro de Distrito. Numa nota (incluída nas genologias de
Rodrigo Rodrigues), Hugo Moreira caracteriza-o assim: ‘é o exemplo de um homem que triunfou na vida. A sorte ajudou-o sempre.
Casou com uma senhora nobre da ilha Terceira, de quem não teve filhos e de
sucesso que lhe trouxe poucos bens. (…) Teve a sorte de ser herdeiro de várias
pessoas que não eram suas parentes, dada
a sua imensa simpatia (…).’ Tinha
‘(…) uma rara intuição para o comércio. Tanto explorava uma rede de tabernas
em Ponta Delgada, como se associava com outros na arrematação dos Dízimos ou na
compra de navios.’Nota De Filomena Mónica (coordenação): ‘Dotado de
grandes iniciativas e ligado ao negócio da laranja com a Inglaterra (…).’ [Mónica, Maria Filomena (coordenadora); Dicionário
Biográfico Parlamentar 1834-1910, Assembleia da República e Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006, volume III,
pp. 741-742]
[7] Parecer da Comissão 1938, José Emídio Botelho: Memórias da água
potável da Freguesia do Pico da Pedra, Junta de Freguesia do Pico da Pedra,
dactiloescrito, 1993: ‘(…) foram
coligidos todos os factos embora pareçam insignificante.Todavia, poderão ser
úteis a quem pretender historiar os assuntos das águas da freguesia do Pico da
Pedra.’
[8] A esposa havia
falecido a 6 de Janeiro de 1845: teria uns 23 anos.[8] Ele de
Água de Pau. Ela de Vila Franca. Casaram muito novos em Água de Pau, talvez a furto (como se dizia). Ele teria
dezassete anos. Ela, apenas 12 anos. Talvez para encontrar sossego, escolheram
viver nas Calhetas. Era ela a morgada. Herdeira de vínculos. O filho, José de
Medeiros Bettencourt Rego, nascido nas Calhetas a 10 de Agosto de 1839, ainda
não fizera seis anos quando a mãe morre.
[9] Estou a retirar
‘conclusões/pistas’ para perceber o tempo que levou a Vila da Ribeira Grande a
ser Cidade e depois disso em não passar de Vila. E a perceber porque o Pico da
Pedra ultrapassou as Calhetas. E porque as Calhetas desleixaram a sua sorte.
[10] Na
sacristia da igreja (por imperativo do culto) já existia uma fonte que (pela
cara, não pelo documento) pode (parece) ser setecentista. Que se saiba (pelo
menos que eu saiba) terá sido essa a primeira fonte (de uso exclusivo do clero?).
É provável (no entanto) que um ou outro senhor das Calhetas (ou alguém com
algumas posses) tivesse já algo no género. Como se armazenava (então) a água
nas casas e na igreja (antes de 1846)? Seria em talhões de barro? Ou (também)
em barris de madeira? É (muito) provável. Em algum lado haveriam de a guardar.
[11] Costa, Francisco
Carreiro da, A Água, in Etnologia dos Açores, Volume 1, Lagoa, 1989, pp. 74-76;
Das antigas cisternas, Volume 2, 1991, pp. 525-529: Charcos, poços, cisternas.
[12] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998,
p.193.
[13] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 1998,
p.193.
[14] ‘Água salobra é aquela que apresenta mais sais dissolvidos
(cloretos)
que a água
doce e menos que a água do mar. É
a água que possui salinidade intermediária
entre a água doce e a salgada, possui a salinidade entre 5% a 30%, e ocorrem em
ambientes diversos como em estuários, onde
normalmente ocorrem, em lagunas ou podem também se originar de aquíferos.
Ocorrem também em certos mares, como o Mar Báltico por
exemplo. Wikipédia
[15] Testemunho de
Antuérpia Maria Amaral de Sousa, 30 de Abril de 2023. Nasceu em Março de 1944.
Morava na rua do Porto.
[16] Viu, andou a
indagar junto dos mais velhos – inclusive Maria Borges de 100 anos, cujo pai
foi um dos intervenientes de 1836, Vitorina Veríssimo e Mariana Inácio de
Medeiros -, e (ao que parece) consultou documentos. ‘Abriram-se junto do mar das Calhetas dois poços para o abastecimento da
água dessalada, dos Lugares do Pico da Pedra e das Calhetas, esses poços vieram
atenuar em parte a falta de água, mas não no todo, porque foram abertos, tão
junto ao mar, que a água deles extraída era quase tão salgada como a do mar. O
poço oriental, hoje já desaparecido, ficava, como dissemos, junto ao mar e em
frente ao caminho que vai do Pico da Pedra ao Lugar das calhetas, e que hoje se
denomina ‘Caminho da Tronqueira,’ e que no tempo, era uma estreitíssima via que
em atenção ao dito poço se denominava: canada do Poço, como se verifica em
documentos antigos. O poço ocidental, foi aberto junto ao porto e dizem que a
água dele extraída, era um pouco melhor, e por também ficar um pouco mais
afastado do mar. Deste poço hoje [1936?] só apenas existem ruínas.’ Botelho, José Emídio, Memórias da água potável da Freguesia do
Pico da Pedra, dactiloescrito, 1988, p.6; Bernardo, Gilberto, Pico da Pedra: Percurso de um Povo (séculos)
XVI – XXI), Casa do Povo do Pico da Pera, 2007, p. 68.
[17] Testemunho de
Clara Estrela Rego, 12 de Maio de 2023.
[18]Carvalho, Maria
do Rosário da Encarnação de, Hidrogeologia
do maciço vulcânico de Água de Pau/Fogo (São Miguel – Açores), Dissertação
apresentada à Universidade de Lisboa para obtenção do grau de Doutor em
Geologia, na especialidade de Hidrogeologia, Lisboa, 1999, p. 68. Volto de novo
a ouvir os (colegas) cientistas da matéria: ‘Recursos hídricos subterrâneos renováveis são, a longo prazo, iguais à
infiltração que alimenta os aquíferos (…) A acumulação da água faz-se em
aquíferos suspensos e em forma de bolha, ou lentícula, sob a topografia, devido
a diferenças de densidade entre a água doce e salgada. Os primeiros dão origem a nascentes localizadas nas encostas
do Vulcão, enquanto os segundos condicionam a ocorrência de nascentes
submarinas. (…).’
[19] Botelho, José
Emídio, Discurso [1933], in Gratidão de um povo: Colecção de documentos
sobre o primeiro centenário da água na Freguesia de Pico da Pedra, Junta de
Freguesia do Pico da Pedra, 1993, p. 76.
[20] Testemunho de
Mestre Carlos Silva, 29 de Abril de 2023.
[21] Testemunhos de
José Resendes e Mestre Carlos Silva, 22 de Abril de 2023.
[22] Botelho, José
Emídio, Memórias da água potável da
Freguesia do Pico da Pedra, dactiloescrito, 1988, p. 5. Contudo no início, ‘(…)
nem mesmo havia recurso das cisternas pela pobreza dos seus habitantes (…).’
Mas, no tempo do padre Mendonça (maior número de casas telhadas), haveria muito
mais: Mendonça, Padre António Furtado de, Memórias do Pico da Pedra (coligidas
de documentos e tradições no ano de 1913), Junta de Freguesia do Pico da Pedra,
1993, p. 47.: ´(…)As casas cobertas de palha são agora avis rara, as cisternas
abundam (…).’
Testemunho de Gilberto Bernardo,
12 de Maio de 2023.
[23] Botelho, José
Emídio, Discurso [1933], in Gratidão de um povo: Colecção de documentos
sobre o primeiro centenário da água na Freguesia de Pico da Pedra, Junta de
Freguesia do Pico da Pedra, 1993, p. 76.
[24] Testemunho de
Gilberto Bernardo, 12 de Maio de 2023.
[25] Botelho, José
Emídio, Discurso [1933], in Gratidão de um povo: Colecção de documentos
sobre o primeiro centenário da água na Freguesia de Pico da Pedra, Junta de
Freguesia do Pico da Pedra, 1993, p. 76.
[26] Bernardo,
Gilberto, Pico da Pedra: Percurso de um
Povo (séculos) XVI – XXI), Casa do Povo do Pico da Pera, 2007, p. 72. Cf.
AMRG, Livro de actas, vereação de 13 de maio de 1835, 1834-1837, fl. 61 v.;
vereação de 18 de Novembro de 1835, fl. 102 v.; vereação de 3 de Fevereiro de
1836, fl. 118 v. Rabo de Peixe pediu água canalizada à Câmara da Ribeira Grande
logo em Março de 1835. A Câmara despachou favoravelmente o assunto em Novembro.
Mas (alegando não dispor de meios) sugeriu o recurso a uma subscrição. Em
Janeiro de 1836 não se concretizara a pretensão. Porquê? A razão (segundo vem
dito na acta de Janeiro) ficou a dever-se ao facto de a maior parte da
população ter precisado contribuir. Bernardo, Gilberto, Pico da Pedra: Percurso de um Povo (séculos) XVI – XXI), Casa do
Povo do Pico da Pera, 2007, p. 72. Abastecia-se (anteriormente) de um ‘rego que abastecia as fontes daquele lugar
(Rabo de Peixe), nomeadamente a do Rosário (…).’
[27] Já na rua da Boa
Viagem.
[28] Fica no início
poente da Rua da Boa Viagem. Estive lá hoje (22 de Abril de 2023). Para
confirmar. Abri as abreviaturas. De onde
veio esta água? Da Lagoa do Fogo (via Chã do Rego de Água?). Diz logo a memória
oral local. E a Ciência (geologia etc..) confirma-o. Carvalho, Maria do
Rosário da Encarnação de, Hidrogeologia
do maciço vulcânico de Água de Pau/Fogo (São Miguel – Açores), Dissertação
apresentada à Universidade de Lisboa para obtenção do grau de Doutor em
Geologia, na especialidade de Hidrogeologia, Lisboa, 1999.
[29] AMRG, Actas de
Vereação, 12 de Agosto de 1846, fl. 74 -75.
[30] Testemunho de
Mestre Carlos Silva, 4 de Maio de 2023; AMRG, Actas da Comissão Administrativa
da Câmara Municipal da Ribeira Grande, 13 de Setembro de 1975, [s.n.]:
‘Abastecimento de água à Freguesia das Calhetas: A Comissão Administrativa
deliberou por unanimidade se dê início aos trabalhos relativos à citada obra.’ Deveu-se à Comissão Administrativa da
Câmara Municipal da Ribeira Grande: Presidente, Joaquim Sampaio Rodrigues; José
Luís Furtado da Rocha Pontes, vogal (a servir de Presidente); João José da
Silva Oliveira; Heitor de Medeiros Vieira e Viriato Hermínio do Rego Costa
Madeira
[31] Testemunho de
Mestre Carlos Silva, 18 de Maio de 2023.
[32] Testemunho de Natalino Viveiros, 18 de Maio de 2023; Testemunho de José Maria do Amaral, 18 de Maio de 2023.
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