Mortos
Naquele
tempo, para onde iam os mortos das Calhetas? Para covas abertas debaixo das lajes de pedra da
igreja. Ou para outras abertas ao redor do seu adro. Sempre em chão sagrado. Sempre perto dos (seus) vivos. Isso
até 1835. Até aí, era ali que os mortos das Calhetas aguardavam (na paz de
Cristo) pelo Dia do Juízo Final.
Depois de 1835, iam para o cemitério de Rabo de Peixe. Apesar de ficar perto,
não deve ter sido (nada) fácil aos vivos verem-se (assim) separados (de um
momento para o outro) dos seus mortos.[1] Só
em 1960 iria as Calhetas ter um cemitério. Altura em que (os mortos) voltaram
(novamente) a aproximar-se (mais) dos (seus) vivos.
Por
que será importante avaliar o impacto que a falta de um cemitério causou (terá
causado) às Calhetas? Porque
(dizem-nos) sem ele (a partir de determinada altura) não terá conseguido alcançar
(em pleno) o estatuto de Freguesia. Além disso (neste trabalho) quero ir
tentando (ao longo do caminho) perceber a relação dos vivos com os seus mortos.
E assim (poder) ‘reconstruir’ (mentalmente)
uma imagem (credível) do que terá sido (então) as Calhetas. Será que (todas ou algumas) das distinções sociais que os separavam em
vida desapareciam na (hora da) morte? Não.
Antes de 1835 (para o confirmar) bastaria ver onde estava a cova. A posição
(social – no caso sagrada -, do seu ‘inquilino’)
diminuía à medida que a cova se afastava do altar-mor: o centro (supremamente) sagrado do templo. A não ser que (por
humildade ou expiação de pecados) escolhessem outro local. E (depois de 1835?) já no tempo dos cemitérios? Quem tinha posses construía
jazigos (mais) ‘ricos.’ E ‘a restante maralha?’ Cova rasa. E o que acontecia a quem não fosse
católico? Era enterrado em cemitério próprio.[2]
Mais tarde, haveria (para estes) um espaço distinto (mas) dentro do (próprio) cemitério
católico. Recuemos ao tempo do Curato de
Nossa Senhora da Boa Viagem até 1835. Um (bom) exemplo: do dia 27 de
Dezembro do ano de 1713. O Vigário da Senhora da Luz, António Pais de
Vasconcelos, com sua licença e da do pároco do Senhor Bom Jesus (o curato
obedecia-lhes) fez o ofício de sepultura, no chão da ermida de Nossa Senhora da
Boa Viagem nas Calhetas, Lugar de Rabo de Peixe, a ‘António da Costa,’ ‘morador nas
Calhetas, deste Lugar de Rabo de Peixe.[1] Terá sido sempre o vigário dos Fenais a
presidir aos enterros das Calhetas? Pelo que vi (não vi tudo, porém, no que
vi até 1832) teria sido ele.[3] O último óbito das Calhetas registado na
Senhora da Luz é de 16 de Novembro de 1832.[4] Algum tempo antes, a igreja de Nossa
Senhora da Luz passara a ser sufragânea da igreja Prioral de Nossa Senhora da
Apresentação.[5]
O que explicará (creio) que os óbitos das Calhetas tenham (dali em diante) passado
a ser da responsabilidade do Senhor Bom Jesus. De facto, o primeiro óbito (a
seguir a este último), de Novembro de 1832, é (já) ali registado: ‘António da Luz (…) sepultado na ermida de
Nossa Senhora da Boa Viagem (…).’[6] Saltando
no tempo, o último enterro (conhecido) realizado na ermida/igreja de Nossa
Senhora da Boa Viagem deu-se a 9 de Janeiro de 1835. Foi o de ‘Maria (…) [de dois dias de idade].’[7]
Cumprindo a lei que proibia os
enterros nas igrejas (etc..), o primeiro a ser realizado no (novo) cemitério de
Rabo de Peixe teve lugar no dia 27 de Janeiro de 1835. Foi o de uma menina de
Rabo de Peixe. Tinha quatro anos e chamava-se Rosa.[8] A
viúva de 80 anos, de nome Maria da Conceição, foi a primeira das Calhetas a ser
aí enterrada. Isso a 10 de Abril de 1835.[9] A respeito de ser paróquia e de possuir cemitério próprio. O
que acontece às Calhetas em 1836? A 11 de Abril (pouco depois da criação da Freguesia dupla)
o Cura Cipriano José de Sousa (mais
outros dali não identificados) pede ao Bispado uma paróquia independente da
do Senhor Bom Jesus, do Lugar de Rabo de Peixe.[10]
Em que deu a petição?[11] O
Ouvidor, depois de confirmar o que a lei obrigava, não se exigia (ainda) cemitério
próprio, deferiu (favoravelmente) a pretensão das Calhetas: seria (assim) paróquia.[12] Foi mesmo assim? Só
em parte. O Governador Temporal do bispado em Angra era Januário Vicente Camacho. Substituía o Bispo (refugiado em Ponta Delgada). Havia sido nomeado (pelas
autoridades liberais).
Para mal da (nova) paróquia de Nossa Senhora
da Boa Viagem, Januário (entretanto) não ‘aqueceu’
lugar por mais de quatro anos.[13]
Resultado: se para uns, as Calhetas haviam
sido elevadas a paróquia, para outros, ainda não. Porquê? Não sei ao certo.
Talvez porque já houvesse ou estivesse
prestes a haver uma paróquia na Freguesia. Onde? No local da sede da Junta.
Lá (inclusive) havia mais gente. Em maior número. E mais influentes. E (além do
mais) não poderia (provavelmente) haver mais do que uma paróquia numa só freguesia.
Daí Nossa Senhora dos Prazeres ter sido reconhecida como paróquia e Nossa
Senhora da Boa Viagem (talvez) não? Terá ido (também) por isso? Apesar das
dúvidas, daí até 1907, a ermida/igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem das
Calhetas (aparentemente alheia a estas minudências de secretaria e a
‘possíveis’ jogos de influência) foi vivendo como se fosse paróquia. Foi assim?
Não sei a cem por cento. E duvido de quem diga que saiba.
Em 1839, o Pico da Pedra
pede à Câmara um cemitério. A vereação concorda. Terá esse pedido resultado de uma iniciativa ‘unilateral’ do Lugar do Pico da Pedra? Sem
o acordo do Lugar das Calhetas? Ou (antes) terá sido uma iniciativa conjunta das
Calhetas e do Pico da Pedra? Afinal formavam ambos (Lugares) uma só Freguesia.
Não sei. As Calhetas (ao que parece) não se opuseram. Estariam satisfeitas com
o de Rabo de Peixe. Que argumento terá
usado a Junta das igrejas de Nossa Senhora dos Prazeres e da Boa Viagem dos
Lugares das Calhetas e Pico da Pedra para convencer a Câmara da Ribeira Grande?
Não sei. Mas uma coisa é certa: atravessava-se um período (constante) de
instabilidade política. Que só iria mudar (aos poucos) a partir da chamada
Regeneração de 1851. Era pois um período que se poderia chamar (com alguma propriedade)
de revolucionário. Fora nesse período que se criara a Freguesia. À revelia da
Câmara? Assim também se havia alcançado (em 1836) água para a fonte? À revelia
(ainda) da Câmara da Ribeira Grande? A
quem – em tempos normais –
competiria gerir a água?
Em 1835, existiam (pelo
menos) dois cemitérios no Concelho da Ribeira Grande (que ia então das Calhetas
à Lomba da Maia). O de Nossa Senhora da
Estrela (que servia o Curato de São Salvador do Mundo e as paróquias de Nossa
Senhora da Conceição e a da Matriz de Nossa Senhora da Estrela). Ou seja, a
área da então Vila da Ribeira Grande. E o de Rabo de Peixe (que, quando foi
feito, a intenção era que servisse os seus ainda
Lugares das Calhetas e Pico da Pedra). Em
1846 dá-se uma reviravolta. Uma nova vereação opôs-se à (alegada) decisão camarária
de 1839.[14] Naquele
ano, já existiam seis cemitérios em todo o Concelho da Ribeira Grande. A
vereação de 1846 dizia ser ‘desnecessário
semelhante cemitério’ porque ‘o
que existe no centro das Freguesias dos Lugares de Rabo de Peixe, Calhetas e
Pico da Pedra, está colocado a distâncias iguais das mesmas Freguesias.’ Tanto
mais que (continuava-se a argumentar) ‘o
que se pretende só fica favorável ao Reverendo Pároco do último Lugar.’ E levando
mais longe a acusação, apontava o dedo a um cúmplice do padre: ‘(o) Procurador daquele Povo.’ A
fazer-lhes a Câmara as vontades, concluía
a vereação, ‘sobrecarregava-se’ (verbo
usado pelos autarcas) ‘um Concelho com
despesas inúteis, com que não pode, deixando-se em abandono as estradas só que
podem ser de vantagem aos pobres e à agricultura!? Que nem o mesmo Governo
Civil nem esta Câmara terão culpa (…).’[15] A 3 de Abril, a Câmara não mudara de parecer.[16]
Nem tão-pouco a 18
de Abril.[17] E (vendo-se o assunto a esta distância
do tempo) tinham (a razão pelo seu lado): O Lameiro, na Ribeirinha, ou o fim
dos Foros, na Conceição, não ficavam menos longe do cemitério de Nossa Senhora
da Estrela do que a Lomba do Pico da Pedra do de Rabo de Peixe. Ou o fim de
Santa Bárbara, na Ribeira Seca, do cemitério da Ribeira Seca. E (além do mais) havia
que acudir a maiores (e mais úteis) necessidades. As Calhetas (acabara-se de instalar ali as suas duas primeiras
fontes) acataram (terão acatado) a decisão da Câmara? E ter-se-ão mantido solidárias
(ou pelo menos neutras na questão)? Não sei responder. O que se sabe é que pouco mais de meio século depois, iriam
arrepender-se (talvez) ‘amargamente.’ Apoiados no Bispo e nos Senhores da
Junta Geral, contra a vontade (a não ser que mudara de opinião) da vereação da
Ribeira Grande, o Pico da Pedra (parceiro das Calhetas na Junta) inaugurou o
cemitério a 28 de Novembro de 1847.[18] Naquele mesmo dia sepultou-se
Margarida Úrsula.[19]
Em
1907, a situação iria mudar. Exige-se (agora) um cemitério.[20]
Naquele ano, o
Bispo pede ao (seu) Ouvidor na Ribeira Grande que ‘confirmasse’ (no terreno) se as Calhetas, além de outros requisitos
‘tem cemitério competentemente murado e se nele há uma parte separada
para o enterramento de não católicos.’[21]
Resposta (pronta) daquele: ‘Quanto ao
cemitério por o não haver na localidade, é-lhe comum o limítrofe de Rabo de
Peixe que, no acto da mesma visita, se reconheceu dar bem para ambas as
freguesias, e achou, com seu lugar com seu lugar destinado aos defuntos a católicos,
sobre legalmente cercado, asseadamente trazido.’[22]
E depois? Não se conhece resposta do
bispo à resposta do Ouvidor. No entanto, a palavra final caberia ao Ouvidor (não a
ele). O Bispo (pelos vistos) aceitava o critério do Ouvidor. Assim (não sei se de forma errada) o
interpreto. Tanto mais que, por esta altura, o Bispo foi às Calhetas crismar.
Onde foi recebido com música e foguetórios. Não terá com a sua presença legalizado
a situação? Não consta que se tenha oposto.[23] Além
disso, o Presidente da Junta das Calhetas era o Padre António Botelho de Lima. Antigo
professor (e gestor) do Seminário de Angra. Além de a Junta (de paróquia) já
estar instalada (e a funcionar legalmente) há meses.[24]
Porém, nem todos (então ou pouco depois de então) interpretaram-no dessa maneira.
Mais tarde (o Bispo) terá (por qualquer razão que desconheço) sido levado a mudar
de ideias? Em
1913, o Padre Furtado de Mendonça (do Pico da Pedra) explica a situação (sem
apresentar prova disso): ‘Não se tendo
construído o cemitério da nova paróquia, ficou in pectore a sua constituição civil e eclesiástica.’[25]
Que aconteceu a seguir a 1907? Os ares dos tempos não
poderiam ser mais adversos às pretensões das Calhetas. Não
tardou a acontecer o regicídio. Os governos sucediam-me. O bispo adoeceu. Caiu
a Monarquia. Entrou a República. Sede vacante. Mesmo assim (tirando alguns
acertos) a Junta da paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, do Lugar das
Calhetas funcionou (sem entraves) de 1907 até à
entrada da República e (mesmo) após a implantação da República.
E agora? Até
1960. Era freguesia. Era paróquia. Porém (para alguns) não era (bem) paróquia. Faltava
o cemitério? Recuemos (a este propósito, um pouco) no tempo. O terreno foi ‘oferecido’ à
paróquia (e freguesia?) (antes de 1960) pelo casal Alexandre José Moniz (n.
28.03.1880 – Rabo de Peixe – f. 14.10.1956 – Rabo de Peixe) e Maria do Rosário Ferreira (n. 16.10.1874 - Calhetas – f. 19 -
07-1960 Calhetas).[26] O corpo de Maria do Rosário baixou à cova do
cemitério das Calhetas no dia 20 de Julho de 1960.
Foi a segunda pessoa a ser sepultada. A primeira acontecera um mês e pouco
antes.[27]
No dia 3 de Junho. Uma
(inocente) menina de três meses apenas.[28] Gratas,
ao contrário do que sucedera mais de um século antes aos mecenas das das duas
primeiras fontes, desta vez, as Calhetas perpetuaram a obra e o nome dos seus novos
benfeitores: colocaram uma placa azulejada à entrada do
cemitério.[29] Lavraram
uma nota (singela mas expressiva) no Livro de Honra das Visitas Pastorais.[30]
Atribuíram o nome de Alexandre José Moniz a uma (antiga) rua. E (então) já era paróquia? Uns (que
sim). Outros (que) não. (continua)
São Brás (Ribeira Grande) Mário Moura
(Correio dos Açores, 26 de Maio
de 2023, p. 13)
[1] E (tanto quanto
sei) não iam (normalmente) para o cemitério ‘dito’ do Pico da Pedra. ‘Aberto’
12 anos depois do de Rabo de Peixe.Até
porque (tecnicamente) o ‘dito’ ficava (sem sombra para quaisquer dúvidas) em
terrenos da Freguesia do Senhor Bom Jesus, Lugar de Rabo de Peixe. Aliás, só em
finais do século XX (ou já no seguinte) é que a situação se regularizou: a área
passou a fazer parte do Pico da Pedra. Conto aprofundar a questão mais à frente
neste trabalho. Escrevi de propósito ‘dito’
(e repito-o) porque foi obra feita no tempo da Junta das igrejas dos Prazeres e
da Boa Viagem dos Lugares do Pico da Pedra e Calhetas. Quando ambos os Lugares
ainda se davam como ‘Deus e os seus Anjos.’
Se assim for, não será mais correcto dizer-se (antes) ‘dito’ do Pico da Pedra e
das Calhetas? Pelo menos, enquanto não achar prova que me contradiga, assim o
interpreto. Não concordam?
[2] Em Ponta Delgada
havia o cemitério dos Ingleses junto ao Templo de São Jorge, na Rua da Mãe de Deus. Edifício (igreja)
de características anglicanas mantém a sua traça original de 1828. Será de 1834
tal como o Hebraico? Em 1834 foi criado o cemitério hebraico (em Santa Clara).
[3] Em 1824: BPARPD,
Óbitos de Nossa Senhora da Luz, 1824-1840, Bernardino Vieira, 81 anos, 30 de
Abril de 1824, fl. 2 v: ‘Em o dia trinta
do mês de Abril de mil oitocentos e vinte e quatro faleceu da presente vida
Bernardino Vieira viúvo, tendo de idade oitenta e um anos, e tendo recebido os
Divinos Sacramentos da Penitência, Eucaristia e Extrema-Unção. Não fez
testamento, e seu corpo envolto em hábito pobre foi no mesmo dia acompanhado de
casa para a ermida da Senhora da Boa Viagem sufragânea desta igreja de Nossa
Senhora da Luz sua paroquial pelo reverendo colégio da mesma igreja e na mesma
ermida foi sepultado, celebrando-se então por sua alma um ofício de três (?)
lições de corpo presente em seu enterro com assistência do mesmo reverendo
colégio; as missas constarão do Livro do Priostado: dia, mês e era supras. O
Vigário João José Machado.’ Para a mesma data, nada encontrei das Calhetas
no Senhor Bom Jesus, em Rabo de Peixe: ‘BPARPD, Óbitos do Senhor Bom Jesus,
1818-1832, NADA de CALHETAS e, 1824-25.
[4] BPARPD, Óbitos
do Senhor Bom Jesus, 1832-1847, 16 de Novembro de 1832: ‘Manuel, filho de José Cabral e de Maria de Jesus das Calhetas, seu
corpo foi encomendado pelo Reverendo António Francisco de Oliveira cura na
ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem e na mesma ermida foi sepultado (…).’
[5] BPARPD, Óbitos
de Nossa Senhora da Luz, 1824-1840, Rosa, 8 anos, 27 de Julho de 1832, fl.?: ‘(…) foi sepultada na
igreja de Nossa Senhora da Luz do Lugar dos Fenais sufragânea ao Priorado da Senhora da Apresentação do
Lugar das Capelas (…) Cura António Feliciano Remy.’
[6] BPARPD, Óbitos
do Senhor Bom Jesus, 1832-1847, 11 de Novembro de 1832.
[7] BPARPD, Óbitos
do Senhor Bom Jesus, 1832-1847, 9 de Janeiro de 1835.
[8] BPARPD, Óbitos
do Senhor Bom Jesus, 1832-1847, 27 de Janeiro de 1835, ‘Rosa (…) do Lugar de
Rabo de Peixe (…) (quatro anos) o seu corpo foi encomendado por mim Francisco
José Pereira Vice-vigário desta Paroquial do Senhor Bom Jesus deste Lugar de
Rabo de Peixe e sepultado no cemitério desta freguesia (…).’
[9] BPARPD, Óbitos
do Senhor Bom Jesus, 1832-1847, 10 de Abril de 1835, ‘Maria da Conceição, 80 anos, viúva, (…) das Calhetas (…) foi o seu
corpo foi encomendado pelo Reverendo Cura da ermida Senhora da Boa Viagem das
Calhetas António Francisco de Oliveira e sepultado no cemitério deste Lugar de
Rabo de Peixe (…).’ Em Ponta Delgada, aquele decreto ainda do tempo do
Regente D. Pedro (em nome da Rainha sua filha), fora já cumprido quase dois
anos antes. Antes de 10 de Novembro de 1833, já havia um em Ponta Delgada.
BPARPD, Manuscritos de Ernesto do Canto, Miscelânea Histórica, 2, Decreto dos
Cemitérios (Duque de Bragança, Regente em Nome de D. Maria II), circular de 10
de Novembro de 1833, pp. 139-145: ‘havia
sido muito recomendado a pronta execução de tão útil e pia instituição; depois
de ter aprovado o cemitério da Santa Casa da Misericórdia desta Cidade [Ponta
Delgada], destinado pela autoridade
legítima para principiar a servir enquanto se não edifica nela uma capela.’
O artigo primeiro ia direito ao pretendido: ‘Fica proibido desta em diante sepultar nas igrejas desta Cidade e seus
átrios. Esta proibição é extensiva a todos os carneiros, tanques, catacumbas,
criptas ou sepulturas particulares, as quais todas ficam inutilizadas.’
[10] Na mesma petição (por desconhecer ou
por exagerar) afirmava que já há muito não dependiam da paróquia de Nossa
Senhora da Luz. Como vimos, pelo menos em 1832 ainda houve um ou mais óbitos
das Calhetas através daquela paróquia.
[11] Mitra
de Angra, Paróquia das Calhetas. Petição para erigir na igreja uma paróquia
independente da de Rabo de Peixe, nas Calhetas, na pessoa do Cura Cipriano José
de Sousa. 11 de Abril de 1837- Maço 547 – Doc. 21. CF. Campos, Filipe Pinheiro
de, Índices do Cartório da Mitra de Angra, Ilha de São Miguel – Parte II, in
Atlântida, IAC, Angra do Heroísmo, Volume, LX, 2015, p. 172.
[12] Paróquia das
Calhetas. Petição para erigir na igreja uma paróquia independente da de Rabo de
Peixe, nas Calhetas, na pessoa do Cura Cipriano José de Sousa. 11 de Abril de
1837- Maço 547 – Doc. 21.
[13] Um decreto com data de 12 de Junho de
1837 exonerou-o. Isso sucedeu, mesmo a meio do
processo das Calhetas. O partido do Bispo (diga-se) nunca aceitara a situação.
Bem mais tarde, já em pleno século XX, o Cónego José Augusto Pereira ainda
tratava aquele e outros como Governadores intrusos.
[14] A vereação de
1846 afirma não ter encontrado a decisão de 1839.
[15] AMRG, Actas de
Vereação, 28 de Fevereiro de 1846, fls. 54-54 v.
[16] AMRG, Actas de
Vereação, 3 de Abril de 1846, fl. 59: ‘o
que parece à Câmara não dever cumprir por que a razão de conveniência a que
atende a Câmara Municipal de mil oitocentos e trinta e oito tenha desaparecido,
e só porque o Cura [Francisco José Amaral e Melo (1836-1880)] daquele Lugar não
queria ter incómodo se preferia pela primeira nem o bem público, a que a Câmara
mais preza, do que nenhumas outras considerações para se não ver a aquisição
que davam lugar a outras idêntica pretensões que se empenhassem os curas dos
diferentes círculos paroquiais do Município.’
[17] AMRG, Actas de Vereação, 18 de Abril de 1846, fls. 60-60
v.: ‘
(…) Nesta sessão requereu o vereador
Fiscal Francisco Alberto do Rego, que no Juízo do Distrito desta Vila se
procedia (fl. 60 v.) à expropriação do terreno conveniente à construção de um
cemitério destinado unicamente à Paroquial Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres
do Lugar do Pico da Pedra por deliberação da Câmara transacta de mil oitocentos
e trinta e oito e por que era de (…) proveito aos interesses do município se
não fizesse semelhante construção, para cuja obra faltavam os meios
pecuniários, além de ser desnecessária havendo um cemitério central, que
actualmente estava servindo para as três Paróquias a dita de Nossa Senhora dos
Prazeres do Pico da Pedra e do Bom Jesus de Rabo de Peixe e a Senhora da Boa
Viagem do Lugar das Calhetas, em distâncias quase iguais às ditas paróquias, se
deveria por isso desistir do mencionado pleito tendente aquele expropriação.’
[18]BPARPD, Óbitos
Nossa Senhora dos Prazeres, 1833-1860, 28 de Novembro de 1847, fl. 90: ‘Em o dia 28 de mês de Novembro de mil oitocentos e quarenta e sete, por
autorização que me concedeu o Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Bispo Dom
Frei Estevão de Jesus Maria.
[(…) assumiu o governo efectivo da diocese em 1840,
e ainda assim permanecendo 19 anos, até 1859,
em virtual exílio na ilha
de São Miguel, aparentemente sem se atrever a entrar na sua cidade
episcopal de Angra, por demais conotada com o liberalismo.], com assistência do Reverendo Colégio desta
Freguesia, benzi o cemitério desta Freguesia [de Calhetas e Pico da
Pedra?], construído na canada do Charco [dentro
da área de Rabo de Peixe, cf. Alvará de 12 anos antes. O Padre Francisco José
de Melo (1836-1880] havia de sabê-lo bem],
e para constar faço este assento: dia, mês e era ut supra. O Cura Francisco
José de Amaral e Melo.’
[19] BPARPD, Óbitos
Nossa Senhora dos Prazeres, 1833-1860, Margarida Úrsula Mota, 28 de Novembro de
1847, fl. 90: ‘de idade de setenta e dois anos, pouco mais ou menos, Margarida Úrsula
Mota, em estado de solteira, e no mesmo dia depois de encomendada por mim, e
acompanhada do Reverendo Colégio desta Freguesia.’
[20] Todavia (talvez)
pudesse ser (aplicado) de forma flexível (faseada). Como poderia ter sido o
caso das Calhetas?
[21]Arquivo da Cúria
Diocesana, Processo de elevação a Freguesia e Paróquia das Calhetas e da Igreja
de Nossa Senhora da Boa Viagem, D. José Correia Cardoso Monteiro, Bispo de
Angra, a Padre Egas Moniz, Ouvidor Eclesiástico da Ribeira Grande, Angra do
Heroísmo, 12 de Setembro de 1907, fl. 2.
[22] Arquivo da Cúria
Diocesana, Processo de elevação a Freguesia e Paróquia das Calhetas e da Igreja
de Nossa Senhora da Boa Viagem, Auto de Visita, Padre Egas Moniz, Ouvidor
Eclesiástico da Ribeira Grande, Calhetas, 19 de Outubro de 1907,fls. 4.
[23] Conta Corrente da Receita e Despesa da Junta de Paróquia de
Nossa Senhora da Boa Viagem, 1 de Março de 1908, Fl. 1 v.: ‘(fl. 2) 8 de
Junho de 1908 – Pago à Música dos Fenais para tocar à recepção do Sr. Bispo por
ocasião do crisma. 8$500.’ ‘29 de Agosto - Pago de frete do Sr. Bispo e mais
despesas, por ocasião da visita do Sr. Bispo (…) 6$160.’
[24] PT/BPARPD/ACD/GCPDL/TA/053/00153, Processo de contas para a
Auditoria Administrativa da Junta de Paróquia das Calhetas, 1908, 1912/1912-06-10, Localização física: 2647.22: ‘Junta da Paróquia
das Calhetas. Documento N.º1 – Mandado N.º1. 16$750. O Tesoureiro da Junta pelo
presente mandado pagara ao Senhor José Raposo Moniz (…) importância da folha
(…) Calhetas, 20 de Maio de 1908. O Presidente padre António Botelho de Lima/ O
Secretário José Jacinto Borges.’
[25] [Capítulo Estabelecimento da Paróquia de
Nossa Senhora da Boa Viagem, das Calhetas], Mendonça, Padre António Furtado de,
Memórias da Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, do Lugar do Pico da
Pedra, coligidas de documentos e tradições pelo vigário da mesma freguesia
António de Furtado de Mendonça, no ano de 1913, in A Revista Michaelense,
Ano III, in A Revista Michaelense, Ano III, N.º 4, Setembro de 1921, pp.
1213-1214
[26] Livro de
Covatos, Cemitério de Rabo de Peixe, Junta de Freguesia de Rabo de Peixe, Alexandre
José Moniz, N.º 41, (covato 377), 15 de Outubro de 1956; Livro de Covatos,
Cemitério das Calhetas, Junta de Freguesia das Calhetas, Maria do Rosário
Ferreira, 27 de Julho de 1960; APNSBV, Livro de Óbitos, 1947-1964, fls. 42 – 42
v: Alexandre José Moniz, faleceu a 14 de Outubro de 1956. Enterrou-se no
cemitério de Rabo de Peixe a 15. Era natural de Rabo de Peixe. Tinha 76 anos de
idade. Morava na estrada nas Calhetas. Era casado com Maria do Rosário
Ferreira. Filho de José Maria Tavares e Maria do Carmo; APNSBV, Livro de
Óbitos, 1947-1964, fl. 54 v: Maria do Rosário Ferreira, faleceu a 19 de Julho
de 1960. Natural das Calhetas. Rua Central. Faleceu com 87 anos. Filha de
António Ferreira e de Maria dos Anjos. Sepultada no cemitério das Calhetas; Também
(para ambos): APNSBV, Livro de Óbitos de Nossa Senhora da Boa Viagem
[1959-1990]; BPARPD, Baptismos do Bom Jesus, Rabo de Peixe, 1880, Alexandre,
fl. 30: N: 28 de Março de 1880; Baptismo: 17 de Maio de 1880; Pai: José Maria
Tavares – proprietário; Mãe: Maria do Carmo Nunes, doméstica. Moradores na rua
da Praça; BPARPD, Baptismos de Nossa Senhora da Boa Viagem, Calhetas, Maria,
fls. 10 v. -11: nasceu a 16 de Outubro de 1874, baptizada no dia 1 de Novembro
de 1874 na igreja Paroquial de Nossa Senhora da Boa Viagem do Lugar das
calhetas, Concelho da Ribeira Grande, diocese de Angra, o Presbítero José
Lucindo da Graça baptizou solenemente com autorização minha (…) filha de
António Ferreira, camponês (primeira do nome) e de Maria dos Anjos, ambos
baptizados e recebidos nesta freguesia, onde são moradores, neta paterna de
José Ferreira e Jacinta de Jesus, e materna de João de Medeiros e Micaela Rosa
(…) O Cura Inocêncio (…) Cabral.’ Maria do Rosário, mulher das Calhetas (filha
de um camponês), cinco anos mais velha do que o marido, já viúva, passara dos
trinta quando, a 1 de Novembro de 1907, casou com Alexandre, filho de um
proprietário e natural de Rabo de Peixe. Índice de Casamentos da igreja de
Nossa Senhora da Boa Viagem. Na quaresma de 1908, o casal encontrava-se (já)
instalado numa casa da (chamada) Estrada Nova Em 1935, haviam (também) feito outra (preciosa) oferta às Calhetas: a
imagem nova de Nossa Senhora da Boa Viagem. Segundo familiares, teriam
regressado ricos do Brasil. E construíram (dizem-me ainda) a casa n.º 2 da
Estrada. Fui ver e ostenta uma placa com o ‘ano’ de 1925.’ Vi que lá estavam no
Rol de Confessados de Nossa Senhora da Boa Viagem, Calhetas, 1908. Não
confirmei ainda a estadia de um e outro ou de ambos no Brasil. O que parece é
que não teria tido filhos no primeiro casamento nem teve no segundo. A casa foi
herdada por uma sobrinha. Depois da morte do marido em 1956, foi viver para a
rua Central. Quando? Vamos a palpites? O casal (tendo ‘dado o nó’ em 1907) estaria (bem) a par de que as Calhetas (para
obterem o estatuto pleno) de Freguesia (sem reservas de ninguém) teriam de ter
(como – ao que dizem -, viria a ser exigido) cemitério próprio. Vai daí e
(talvez) num ano chegado a 1935 (data da imagem nova que ofereceram) fazem
outra oferta: o espaço para o cemitério. Dizem-me por ali que foi ‘muito tempo antes.’ Conforme
levantamento de 1972; nas Finanças (RG), ano de 1989: 1.º Igreja de Nossa
Senhora da Boa Viagem; 2- Fábrica da igreja Paroquial de Calhetas. Corresponde
à Parcela 2 do Artigo 54, secção B, Calhetas. Por incompetência, não foi feita
a correspondência entre este (novo) registo e o antigo das Matrizes
(oficialmente ‘depositadas’ no Arquivo Municipal, na verdade, salvas – por nós
-, a caminho ‘da lixeira municipal,’ enviadas para a então Casa da Cultura da
Ribeira Grande aí organizadas (folha a folha) durante longos meses. Nos quais,
inclui serões. Para encobrir uma falha criminosa, não se deve ‘esconder’ quem o
evitou. Foi isso que aconteceu? Na pior das hipóteses (creio) terá de ter
sucedido antes de 1956: ano em que Alexandre falece. Certo?
[27]Ao contrário da
data que consta da placa azulejar colocado no exterior cemitério, indicando o
ano de 1964, o primeiro enterramento (conforme o Livro de Óbitos), foi no dia 3
de Junho de 1960. Tratou-se de um óbito de uma criança de três meses. Livro de
Óbitos, Nossa Senhora da Boa Viagem, Calhetas, 1947-1964, óbito N.º 3 de Maria
de Fátima de Sousa Rebelo, 3 de Junho de 1960, fls. 54-54 v. ‘No dia 2 do mês de Junho do ano de mil
novecentos e sessenta, na Travessa da Rua Central, desta freguesia das Calhetas
deste Concelho, Ouvidoria da Ribeira Grande, Diocese de Angra, faleceu um
indivíduo do sexo feminino de nome maria de Fátima Sousa Rebelo, de idade de
três meses, natural desta freguesia, filha de Américo Rebelo Couvinha, mestre,
e de Maria José Sousa Relvinha, doméstica, moradores na Travessa da Rua Central
desta freguesia das Calhetas. Foi sepultado no cemitério das Calhetas no dia 3
de Junho do dito mês e ano. O Vigário Cooperador, Padre Libório Jacinto Cunha
Tavares.’
[28] APNSBV,
Livro de Óbitos, 1947-1964, Fátima Rebelo, fls. 54 -54 v.
[29]‘Pelo eterno descanso dos
doadores deste cemitério: Alexandre José Moniz e Maria do Rosário Ferreira. Pai
Nosso + Avé-Maria.’
[30] Visitas
Pastorais, termo de abertura, 18 de Dezembro de 1969, Ouvidor Padre Luís da
Silva Cabral, 1970-2018 (contém igualmente notas de acontecimentos importantes
da Freguesia: cemitério, inauguração da luz elétrica, romeiros, relógio), p. 2.
: ‘No
ano de mil novecentos e sessenta, foi concluída a construção do cemitério, que
actualmente serve esta pequena freguesia, magnífica aquisição que representa a
doação de dois grandes benfeitores, paroquianos residentes na mesma freguesia
das Calhetas: - Alexandre José Moniz que intitula a Rua, que liga a frente da
sua casa à beira-mar e sua esposa Maria do Rosário Ferreira.’
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