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O Curato - III

Em 1674, o Bispo D. Frei Lourenço de Castro (1671-1678), criou dois curatos no Concelho da Ribeira Grande: nas Calhetas (à altura, local do Lugar de Rabo de Peixe, Termo da Ribeira Grande); e na Ribeirinha (à altura, local da Paróquia de Nossa Senhora da Estrela, na Vila da Ribeira Grande).[1] O da Ribeirinha, na ermida do Santíssimo Salvador do Mundo. Que passaria a paróquia em 1956.[2] Nas Calhetas, na ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem, que obedeceu (inicialmente) a duas paróquias: Nossa Senhora da Luz dos Fenais da Luz, Termo do Concelho de Ponta Delgada e Senhor Bom Jesus do Lugar de Rabo de Peixe, Termo do Concelho da Ribeira Grande. Enquanto a ligação ao Vigário de Nossa Senhora da Luz, terá cessado nunca antes de Novembro de 1831,[3] a ligação ao Vigário do Senhor Bom Jesus, só terá terminado em 1836 ou 1837. Será suficiente dizer isso? Não. A questão é bastante ‘retorcida.’ Pois, em 1837, na ‘Petição (dirigida ao Bispado) para erigir na igreja [de Nossa Senhora da Boa Viagem] uma paróquia independente da de Rabo de Peixe,’ os peticionários (naturalmente gente das Calhetas) consideraram-na assim: ‘desde já o há [Boa Viagem] por desligada [do Bom Jesus e, pelos vistos, da de Nossa Senhora da Luz] constituindo só por si uma Paróquia sufragânea à Senhora da Apresentação do Lugar das Capelas.’[4] Fácil de deslindar? Só foi paróquia em 1994? Não o era já antes? Vou tentar desatar o nó (quase cego) no decorrer desta série de artigos sobre as Calhetas.

Antes de ‘arrepiar’ caminho, convirá dar umas (ligeiras) pinceladas na História da Igreja dos Açores.[5] Até 1514, os Açores estiveram sob a alçada da Ordem de Cristo, com sede em Tomar. A partir de 1514, ano da criação do bispado do Funchal, até 1534, ano da criação dadiocese de Angra e Ilhas dos Açores,’ os Açores fizeram parte do Bispado do Funchal.[6] A partir de 1534, já Bispado de Angra, a estrutura eclesiástica da Ilha sofre (assinaláveis) mudanças. Na Ilha de São Miguel (o mesmo terá sucedido nas demais), até 1527 (pelo menos), a igreja de São Miguel Arcanjo, em Vila Franca do Campo, terá sido a única igreja paroquial da Ilha. As restantes igrejas da Ilha (não são incluídas as ermidas) eram apenas capelanias, dependentes do vigário de Vila Franca.[7] Uma destas mudanças, ocorre talvez ainda na década de trinta ou (o mais tardar) na seguinte. Começam então a surgir (temos provas disso) outros vigários além do de Vila Franca.[8] Por exemplo, o da igreja de Nossa Senhora da Estrela, da Ribeira Grande. Saltando no tempo, um século depois, por ocasião da criação do Curato das Calhetas, no Concelho da Ribeira Grande, encontramos três paróquias (com seus vigários): Nossa Senhora da Estrela, São Pedro e Bom Jesus. Os Fenais da Luz (que nos interessa) já era também paróquia. Bem como as Capelas (Nossa Senhora da Apresentação), que nos irá interessar mais adiante nesta narrativa.[9]

Porquê fazer nas Calhetas um Curato? Antes de responder à pergunta, importa explicar o que era (então) um Curato? Uma ermida (e, no caso das Calhetas, a certa altura, uma igreja) servida por um cura (que, ainda no caso das Calhetas, para maior confusão, alcançou outros estatutos) que obedecia a uma (neste caso, a mais de uma) igreja paroquial. Então porquê o Curato? Porque dispunha de um certo número de fogos, que então se consideraria importante. Além disso, ‘as almas de confissão e de comunhão,’ que habitavam aqueles fogos, pertenciam a duas paróquias (perigosamente) distantes. Era preciso confortá-las. E urgia ‘controlá-las.’(…) Nas paróquias de maior dimensão ou de habitat disperso [como eram os casos das paróquias de Nossa Senhora da Luz e do Senhor Bom Jesus], onde se celebra missa nas ermidas para facilitar a prática cultural a todos os fiéis, implanta-se um sistema de vigilância mais complexo. Um representante de cada família é obrigado a ir à missa na paróquia e os restantes podem ir às ermidas, mas em qualquer dos casos são chamados a rol.[10] Isso ficará ainda mais claro nas palavras do Bispo. Como adiante veremos. Mas houve (como já vimos no artigo anterior) outras razões. Repito-as. Ficava (as Calhetas) a meio caminho da sede da Ouvidoria (na Vila da Ribeira Grande) e do seu extremo poente: as Bretanhas. Era local frequentado regularmente por quem fosse tratar de assuntos na administração da Ouvidoria (padres e leigos). E acrescento mais exemplos. Por farinheiros ou moleiros. Para aqueles lados, existiam raros cursos de água (os que havia, eram de reduzido caudal ou fruto de ocasionais chuvadas nas grotas). Apesar de ter surgido (tanto quanto se sabe) um primeiro moinho de vento em Ponta Delgada (em Santa Clara) por volta de 1630, (tanto quanto já se sabe, pelo menos, tanto quanto sei) os moinhos de vento só terão começado a espalhar-se (na Ilha) mais tarde.[11] No século XVIII ou (decididamente) no XIX. Isso com pontos de interrogação. Mas ainda assim, porque o vento nem sempre era o favorável (ou porque soprava em demasia ou porque era demasiado fraco), os moleiros/farinheiros daqueles lados nunca deixaram de frequentar os moinhos de água da Ribeira Grande. Isso até bem dentro do século XX.

Quem seria aquela gente daqueles oitenta e cinco fogos ligados a Rabo de Peixe e vinte e seis [fogos] ligados aos Fenais da Luz que moravam nas Calhetas? Mencionados pelo Bispo. Sabe-se pouco acerca deles. Dos que trabalhavam, pouco ou nada reza a história. Dos donos, já a História é outra. Mas não muito mais. Do lado dos Fenais, seriam os descendentes dos Jácomes. Do lado das Calhetas, eram os ‘aparentados’ ao Grão-Capitão. Vou fixar-me nestes últimos, cujo percurso se julga conhecer ‘um nadinha’ mais. Para o século XVII, sabe-se que residia nas Calhetas, Nicolau da Costa Botelho Arruda (1632 – 1689).[12] Nascera na Vila da Ribeira Grande e casara na igreja paroquial do Bom Jesus (como era obrigatório fazê-lo) mas morava nas Calhetas (local do Lugar de Rabo de Peixe, não o esqueçamos). Descendia de João do Rego Beliago, irmão de pai do Grão Capitão Francisco do Rego de Sá (que era neto materno de Pedro Rodrigues da Câmara, um dos homens fortes da Ilha e da Ribeira Grande). Nicolau teve três filhos (nascidos nas Calhetas e baptizados no Bom Jesus. Como era também obrigatório fazê-lo). [13]  António, mais tarde, Capitão António do Rego e Sá, futuro Morgado das Calhetas, era o mais velho. Nasceu sete anos antes de a ermida da Senhora da Boa Viagem ter sido elevada a sede de curato.[14] Francisco, o futuro capitão-mor da Ribeira Grande, senhor do Solar de São Vicente Ferrer e da quinta de Nossa Senhora dos Prazeres, no Pico da Pedra, nasceu dois anos após a criação do curato. Permutaria (em 1729) a ermida e as propriedades (no Pico da Pedra) com ‘os administradores dos vínculos instituídos por Manuel Moniz.’[15] É um ponto a não perder de vista nesta série de artigos, caso se queira (talvez) perceber a viragem (mais tarde) no poder da área, das Calhetas para o Pico da Pedra. Jerónimo, futuro Morgado do Porto das Calhetas, ascendente dos Leite Bettencourt que tentaram (já no século XIX) cultivar (com sucesso) o chá nas Calhetas, era o mais novo dos três: nasceu a 26 de Janeiro de 1684. Embora sem dispor de prova directa, suspeito que o capitão Nicolau tenha contribuído (para a criação do curato. Talvez ‘mexendo’ os cordelinhos. Era um homem de poder no centro do poder da Ribeira Grande. E terá (igualmente) ‘ajudado’ na construção, remodelação ou ‘apetrecho’ da ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem. Nova suspeita, ainda sem confirmação documental. Outra razão de peso para criar o Curato das Calhetas? Já existia nas Calhetas um templo. O Grão-capitão havia construído dentro da sua quinta das Calhetas um (que não sabemos se corresponde ao que em 1674 passou a sede de curato), a tempo de Frutuoso dar conta dele, quando escreveu as suas Saudades da Terra. Portanto, na década de oitenta? Ou em data anterior quando recolheu as suas notas? Não sei. Ainda outra, que vem explicada numa visita de 1713 à paroquial do Senhor Bom Jesus. Nesta visita, citando Gilberto Bernardo, quando se ‘fala que foi criado um curato na ermida de Calhetas tendo em conta não só o povo daquele lugar mas também o do Pico da Pedra.’[16] Assim sendo, falta-me confirmar o original, revelará, creio, duas coisas: a complementaridade das Calhetas e do Pico da Pedra, por um lado, e, a ‘subordinação’ do Pico da Pedra às Calhetas, por outro. Parece-vos correcta a minha interpretação?

Vamos aos documentos da criação do Curato das Calhetas? Primeiro: não terá existido um texto na Mitra de Angra? Se existiu, nada se sabe dele. Felizmente existem outros. Dois dos textos (originais) que criam (legalmente) o curato de Nossa Senhora da Boa Viagem foram reproduzidos nos Livro de Visitas das igrejas paroquiais do Senhor Bom Jesus e de Nossa Senhora da Luz. Confrontei (no local) os dois textos sobreviventes. O teor de ambos os textos é (confirmei) idêntico, havendo (apenas) uma (ligeira) divergência nas datas da sua produção.[17] Ao Senhor Bom Jesus em finais de Abril e à Senhora da Luz, em Outubro. O que poderá significar esta diferença de seis meses? Que o Curato só terá começado a funcionar em pleno, em data posterior a Outubro de 1674. Portanto, em finais do ano ou já em inícios do seguinte de 1675.

A palavra ao Bispo D. Frei Lourenço de Castro. O resumo do que terá dito. E o que autenticou como tendo dito com o seu selo e nome. Vou (ao mesmo tempo) analisar o que diz. As paróquias-mães ficavam distantes das suas ovelhas: ‘Vimos o detrimento que os párocos dos Lugares de Rabo de Peixe e Fenais têm em administrarem os sacramentos [poucos no Curato e todos na paróquia] aos moradores do Lugar de Calhetas.’ As ‘ovelhas’ já eram em número considerável: ‘que são entre todos cento e onze fogos dos quais pertencem oitenta e cinco a Paróquia de Rabo de Peixe e vinte e seis à dos Fenais.’ [A pertença dupla dos moradores] A bem da Salvação das suas Almas, era imperioso evitar que se furtassem ao cumprimento dos preceitos da Igreja: ‘e por evitaremos tantas faltas quantas tem sucedido sem culpa dos párocos sendo causa delas a distância do caminho como também a falta que aquele povo padece dos ofícios divinos nos pareceu no dito lugar das Calhetas prover de novo hum cura que assista no dito lugar.’ [um cura para ajudar o Pároco] Até onde iam as competências do Cura? ‘dizer missa aquele povo na ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem [missa comum e pouco mais] aonde terá os santos óleos em um armário fechado com todo o resguardo para ungir aos enfermos sendo de manhã administrará o Santíssimo na dita ermida e sucedendo de tarde dar acidente em alguma pessoa que lhe seja necessário a sagrada comunhão ira do sacrário de qualquer das paróquias donde for freguês [apenas em caso de estrema urgência] e morrendo algum dos fregueses o dito cura será obrigado a dar conta ao pároco a quem pertencer a ovelha para que a enterre e lhe mande fazer os sufrágios conforme dispõe o direito e Constituições deste Bispado [na Paróquia]. E serão obrigados os párocos das ditas freguesias chamarem o dito cura para os funerais e para todos os benesses que houver nas ditas paróquias. E as crianças que nascerem irão a baptizar a qualquer das freguesias aonde cada um pertencer [baptismos na paróquia]. E no tempo da quaresma cada uma das ditas pessoas se irá desobrigar à freguesia donde for freguês. [a desobriga também na paróquia. Não se refere o local dos casamentos, mas, a exemplo dos demais sacramentos, deveriam também ocorrer na paróquia].Ter curato, além do que acima foi dito, implicava custos: ‘os moradores do dito Lugar das Calhetas serão obrigados a mandar fazer à sua custa relicário para o Senhor e âmbulas para os santos óleos.’ Havia, no entanto, uma regalia para o Cura, era (em parte) o seu sustento: ‘E as duas capelas de missa o que o dito povo dizer na dita ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem as não poderá dizer outro sacerdote senão o dito Cura por nos nomeado.’[18] O cura da ermida da Boa Viagem, em 1830, era o mais pobre entre os seus pares na Ilha de São Miguel. Sabemo-lo por uma nota de despesa da Alfândega. Diz respeito ao que a coroa pagou ao clero da ilha: ‘Ao cura de Nossa Senhora da Boa Viagem das Calhetas – 6$000 réis.’[1] Como terão (certamente) reparado, o cura das Calhetas (e qualquer outro na altura) não seria mais do que ‘um auxiliar’ (no caso do das Calhetas), de dois Párocos. As suas competências não iam muito além de dizer missa. Isso não significa, no entanto, que não houvesse casamentos ou enterros em Nossa Senhora da Boa Viagem. Era necessário autorização dos vigários das paróquias. Um exemplo. A 27 de Dezembro de 1713, ‘António da Costa, solteiro (…) filho de António da Costa Geiras e de sua mulher Maria Graça, já falecidos, morador nas Calhetas, deste Lugar de Rabo de Peixe, de cinquenta e quatro anos, pouco mais ou menos,’ ‘foi sepultado na ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem das ditas Calhetas, sufragânea à Paroquial dos Fenais, com licença do Reverendo Pároco dela e minha (…) O Vigário António Pais de Vasconcelos.’[1] Segundo Rodrigo Rodrigues, o Capitão António do Rego e Sá, casou, em segundas núpcias, a 4 de Fevereiro de 1717, com Rosa Pais da Silva, sobrinha da defunta sua esposa, na igreja da Boa Viagem, das Calhetas. Mas os registos estavam centralizados na igreja paroquial. A situação (no entanto) mudaria (pelo menos) em 1837. Já aí vemos o Cura das Calhetas (bem como o do Pico da Pedra) além de realizar baptismos, óbitos e casamentos, a registá-los em livros autónomos dos da paróquia.[19] Os Curas das Calhetas (igualmente para os do Pico da Pedra) também já se encarregavam da desobriga Pascal. Já o fariam antes de 1837.[20] Os assentos da Boa Viagem, já não mencionam a igreja de Nossa Senhora da Luz. Apenas a do Bom Jesus. E, em 1838, mesma esta última deixou de ser indicada. Nossa Senhora da Boa Viagem começou (então) a identificar-se (e a ser reconhecida pelas autoridades civis e religiosas, com muito poucas e esporádicas excepções) como igreja Paroquial. E quanto ao Pico da Pedra? Só setenta e um anos depois (das Calhetas) é que foi criado (oficialmente) o Curato do Pico da Pedra, na ermida de Nossa Senhora dos Prazeres.[21] O processo foi iniciado em Junho de 1735, porém, caso o Rei discordasse, como aconteceu com a Lomba da Maia, não teria sido elevado. Todavia, o próprio Rei admite que já funcione há três para quatro anos. O que recuaria para 1741 ou 1742. Dezassete anos (contando da altura do processo concluído) após a troca que Francisco de Arruda e Sá, um filho das Calhetas, fez com os herdeiros do ‘dono’ inicial daquela ermida. Mais. Durante um período, por sentença do Bispo D. António Vieira Leitão, de Novembro de 1706, o Pico da Pedra chegou a fazer parte do Curato de Nossa Senhora da Boa Viagem. Do Lugar das Calhetas: ‘digo [D. António Vieira Leitão] que para se conhecer sem controvérsia que os moradores do Pico da Pedra pertencem ao Curado das Calhetas.’[22] E mais: ‘O Pico da Pedra é limite das Calhetas.’ (fl. 34 v.) Aliás, segundo a interpretação deste Bispo, deveria ter sido assim desde 1674.[23] O Bispo deu razão ao vigário do Bom Jesus, o Licenciado António Pais de Vasconcelos, e implicitamente ao de Nossa Senhora da Luz, Manuel da Costa e Melo. Contrariou a vontade de Manuel da Costa Andrade, Cura das Calhetas, que era com ‘os quase sessenta anos de idade e com perto de trinta de indigno pároco,’ segundo o Bispo, não teria forças nem vontade acrescentar às suas obrigações de ajudar os vigários de duas paróquias mais outros encargos. O Pico da Pedra ficava (ainda) ‘lá para cima’ muito fora de mão. Apesar dos protestos imediatos dos ‘moradores’ do Pico da Pedra (através do vigário do Bom Jesus), que preferiam manter-se ligados ao Vigário de Rabo de Peixe.[24] Não fica claro. Nem tão pouco, fica claro (na interpretação que consigo tirar), da visita de 1713, se o Bispo manteve a resolução ou se recuou.[25] Do que não existem dúvidas, é que em 1735 é sufragânea do Senhor Bom Jesus.

Porque terá sido elevado (então) o Pico da Pedra a Curato? Porque tinha ‘noventa e nove [fogos], e pelas almas de confissão e comunhão as quais, no rol de confessados somavam trezentas e trinta e quatro.’ Ainda assim, muito aquém das Calhetas. Porque distava uma légua da igreja do Senhor Bom Jesus. Dava jeito ao capitão-mor da Ribeira Grande, Francisco de Arruda e Sá, que se libertava de mais um encargo. Já tinha a despesa do capelão de São Vicente Ferrer na Vila da Ribeira Grande. Sendo Curato, seria a Coroa a pagar ao Cura. Estaria concentrado em promover ao máximo possível o rendimento das propriedades (porventura) mal aproveitadas pelos herdeiros de ‘Moniz.’ Além do Curato (1745), o Pico da Pedra iria ter em (pelo menos) 1769 um alcaide, um Juiz, e um escrivão. Algo que as Calhetas já tinham desde finais do século passado. Já se transferia o eixo do poder do litoral das Calhetas para as quintas do Pico da Pedra? Já então despontaria a laranja? Ainda não de forma sensível. Era só um aproximar. (continua)

Mário Moura

Cidade da Ribeira Grande (São Salvador do Mundo - Ribeirinha)

(Correio dos Açores, 7 de Abril de 2023)

PS: Este texto, em relação ao publicado no Correio dos Açores, porque prossegui a pesquisa, sofreu alterações. 

 

 



[1] Lourenço de Castro (Lisboa, c. 1620 — Miranda do Douro, 13 de agosto de 1684) foi o 14.º bispo da Diocese de Angra, tendo-a governado entre 1671 e 1678. Foi também o 16.º bispo da Diocese de Miranda, para a qual foi transferido em 1681 e que governou até falecer.

[2] Alverne, Frei Agostinho de Monte, Na ermida, hoje destruída, localizada num pequeno adro, no sopé do outeiro a caminho do Lameiro. A construção do actual templo teve início em 1826 e só foi concluído em 1861, Já sofreu obras de restauro em finais do século XX. A 25 de Maio de 1956, D. Manuel Afonso de Carvalho, elevou o curato da Ribeirinha a paróquia, ficando desde então com todos os privilégios e encargos que o Direito lhe confirmava, sendo nomeado como seu primeiro pároco o Padre Artur Pacheco Agostinho. Passara, no entanto, a freguesia, oito anos antes, em 1948 a freguesia. O Lugar da Ribeirinha, que até então, pertencera à freguesia de Nossa Senhora da Estrela da então Vila da Ribeira Grande, passa, pelo Decreto n.º 36997 de 3 de Agosto de 1948, a Freguesia.

[3] Conforme os óbitos: BPARPD, Óbitos de Nossa Senhora da Luz, 1824-1840, Maria, filha de Manuel de Medeiros e de Quitéria de Jesus, 3 anos, 9 de Novembro de 1831, fl. ?: ‘(…) e foi sepultado na ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem sufragânea a esta dita paroquial (de Nossa Senhora da Luz) Cura António José Botelho.’ Talvez pouco depois (em 1832), a igreja dos Fenais perde importância e fica sufragânea da igreja Prioral de Nossa Senhora da Apresentação das Capelas. Nossa Senhora da Boa Viagem (por esta altura) passa a sufragânea daquela mesma Prioral. No entanto, o requerimento das Calhetas a pedir ao bispo que separasse Nossa Senhora da Boa Viagem do Senhor Bom Jesus afirmava (sem base) afirmava que esta se separara ‘muito tempo antes’ de 1836/7 da igreja de Nossa Senhora da Luz, nos Fenais da Luz.

[4] Paróquia das Calhetas. Petição para erigir na igreja uma paróquia independente da de Rabo de Peixe, nas Calhetas, na pessoa do Cura Cipriano José de Sousa. 11 de Abril de 1837- Maço 547 – Doc. 21. https://arquivos.azores.gov.pt/details?id=1017169: Conto tentar deslindar (o que for possível deslindar) o mais à frente, em outro trabalho. Para já, adianto que ‘[a igreja de Nossa Senhora da Apresentação] Foi sede de Priorado, de acordo com o Decreto de 17 Maio de 1832, com jurisdição sobre as paróquias de Bretanha (Nossa Senhora da Ajuda), Fenais da Luz (Nossa Senhora da Luz), Rabo de Peixe (Senhor Bom Jesus) e Santo António-além-Capelas, com um total de 12 curas.’

[5] Além do que já há sobre a temática, planeia-se uma nova História desta instituição, conforme: Correio dos Açores, 10 de Março de 2023: ‘O Instituto Católico de Cultura da diocese de Angra assina hoje um protocolo de colaboração com a Universidade Católica Portuguesa e a Universidade dos Açores para a realização de um projecto de investigação sobre a História Religiosa dos Açores, no âmbito das comemorações dos 500 anos da constituição da Diocese de Angra (…) insere-se no contexto da preparação das comemorações dos 500 anos da Diocese de Angra e dará inicio à formalização do projecto científico dedicado ao DIO 500-História Religiosa dos Açores.’

[6] Enes, Maria Fernanda, Uma carta de D. Filipe I sobre o clero das Ilhas dos Açores de 1590, in Arquipélago, Universidade dos Açores, Série Ciências Humanas, Número Especial: in Memorium de João Teixeira Soares de Sousa no I Centenário da sua morte, 1983, pp. 61-62; Bula Æquum reputamus, Criação da Diocese de Angra, Paulo III, 3 de Novembro de 1534. Caso singular, a Bula de Paula III deixa de fora (como ainda hoje estará?) a Ilha de Santa Maria. Mais, cria o Bispado de Angra na Ilha de São Miguel. Essa situação, foi resolvida.

[7] Livro do Almoxarife de S. Miguel (1527), copiado pelo escrivão António Borges a 13 de Abril de 1527, transcrito no século XIX (?) por J. I. de Brito Rebelo de Contas e receitas dos Almoxarifes, Maço 4.º n.º 3, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, In Arquivo dos Açores, Volume IV, Ponta Delgada, 1981, pp. 97-120.

[8] BPARPD, Livro de Baptismos, Nossa Senhora da Estrela, 1541-1563, folha de abertura

[9] Por ordem (mais ou menos) cronológica (quanto a existência de um vigário): Nossa Senhora da Estrela (décadas de 30 ou de quarenta), talvez se deva dizer o mesmo do Senhor Bom Jesus e de Nossa Senhora da Luz; São Pedro, Ribeira Seca, 1575/1576; Nossa Senhora da Apresentação (Capelas), 1592. Cronologia (obviamente provisória para Estrela, Bom Jesus e Nossa Senhora da Luz) que carece de melhor prova.

[10] Enes, Fernanda, Poder político ‘versus’ poder religioso na vida paroquial (os Açores na Época Moderna), in História & Crítica, Lisboa, 1988, pp. 801-802

[11] Martins, Rui de Sousa, Moinhos de vento dos Açores: a descoberta de um parentesco, in Patrimonia: identidade, ciências sociais e fruição cultural, Carnaxide, Nº 5 (Nov. 1999), p. 19-22: ‘(p.20) (…) É muito provável que esta técnica [inglesa ] tenha chagado aos Açores nos séculos XVIII e XIX, no contexto das intensa relações com a Grã-Bretanha.’ Mas também de origem holandesa e sueca. Vilhena, Maria da Conceição, Os moinhos do Faial: novo contributo para a sua história, Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, N.º XXXVIII, 1980 [trabalho de 1981], pp. 175-183: ‘(p.183) Tínhamos já terminado este trabalho quando tivemos conhecimento do artigo do Sr. Hugo Moreira, sobre os moinhos de vento em S. Miguel, publicado no jornal a Ilha, de 11 de Abril de 1964. Nele se cita, como alusão mais antiga à existência de moinhos na Ilha em S. Miguel, a que se encontra numa escritura datada de 20 de Setembro de 1633: ‘(…) sita além de Santa Clara ao moinho de vento.’ Quer dizer que, quando foram construídos os moinhos de vento em Faial, já S. Miguel os possuía.’ Moura, Mário, Memórias dos moinhos da Ribeira Grande. Um percurso pedestre à terra dos moinhos de água, Amigos dos Açores, 1997.

[12] Rodrigo Rodrigues: ‘Nicolau da Costa Botelho de Arruda, Capitão, baptizado na Matriz da Ribeira Grande a 9.11.1632 e morador nas Calhetas. Casou a primeira vez em Rabo de Peixe, a 22.11.1658, com Inês Tavares de Melo (Cap.º187.º § N.º 4), e a segunda vez em S. Pedro da Ribeira Seca, a 26.1.1701, com Ângela de Sampaio, viúva de José Moniz Carneiro.’

[13] BPARPDL, Baptismos Bom Jesus, Rabo de Peixe, Francisco, 21 de Fevereiro de 1676, fl. 189 v.: ‘Em os vinte e um dias do mês de Fevereiro de mil seiscentos e setenta e seis. Baptizou o Padre João Bicudo, Beneficiado da Vila da Ribeira Grande, a Francisco, filho do Capitão Nicolau da Costa e de Dona Inês Tavares, moradores nas Calhetas: foram padrinhos o capitão António Botelho de Sampaio e Maria Alves parteira (…) O Cura Manuel da Costa Silva.’

[14] BPARPDL, Baptismos Bom Jesus, Rabo de Peixe, António, 16 de Fevereiro de 1667, fl. 128 v: ‘Em os dezasseis dias do mês de Fevereiro de seiscentos e setenta e sete baptizou o padre Inácio de Melo Tavares a António filho do Capitão da Costa da Arruda e de sua mulher Dona Inês Tavares foram padrinhos o Capitão António Botelho de Sampaio e Maria Alves parteira, era ut supra. Padre Inácio de Melo Tavares.’

[15] Câmara, João de Arruda Botelho da, Instituições vinculares e notas genealógicas, ICPD, 1995, p. 95: ‘trocaram pelo juro real de 424$252 réis, pagos nos direitos reais do sal de Setúbal.’

[16] Bernardo, Gilberto, Um arquivo de documentos dos séculos XVII a XIX, in Voz Popular, Pico da Pedra, Junho de 2022 [Data de 2013. Partilhou comigo em Fevereiro de 2022], pp. 34-35; Cf. APIBJ, Rabo de Peixe, visita de 1713.

[17] Seguindo Gilberto Bernardo, cf. Arquivo da Igreja Paroquial do Bom Jesus de Rabo de Peixe, Documento que cria o Curato de Nossa Senhora da Boa Viagem, Visitação de Frei Lourenço de Castro, Bispo de Angra, que fez à paroquial do Bom Jesus de Rabo de Peixe no ano de 1674, Maço c/ pastorais e Visitas, fl. 7 - 8 v. Dada [Texto dos Fenais da Luz: nesta cidade de] em Ponta Delgada da Ilha de S. Miguel sob nosso sinal e selo aos [Texto dos Fenais da Luz: aos vinte e nove de Outubro] [Senhor Bom Jesus] 30 de A.br de 1674 anos António de Serpa escrivão da Visita que a fez escrever./Fr. L. Bispo de Angra.

[18] Arquivo Paroquial da igreja do Senhor Bom Jesus, Rabo de Peixe, Visitação no ano de 1674, Maço c/ pastorais e Visitas, fl. 7 - 8 v. Confrontada com a de Nossa Senhora da Luz: PT/DANG/PDL07/014/348, [Visitações Pastorais Nossa Senhora da Luz de 29/10/1674 a 1763], fls. 7v-8.

[19] Prova disso são os livros respectivos.

[20] AMRG, Fundo da Ouvidoria da Ribeira Grande, Livro de Registos dos Róis de Confissão, 1812-1846.

[21] Mendonça, Padre António Furtado de, Memórias da Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, do Lugar do Pico da Pedra, coligidas de documentos e tradições pelo vigário da mesma freguesia António de Furtado de Mendonça, no ano de 1913, 1993, p. 8: [Mendonça desconhecia a prova directa, ou seja, o documento transcrito nas Visitas da igreja do Senhor Bom Jesus, no entanto, por fonte indirecta, chega a 1735]: ‘O registo paroquial da freguesia do Senhor Bom Jesus, de que fazia parte este lugar, leva-nos a supor que foi em 1735 que teve lugar a criação do Curato de Nossa Senhora dos Prazeres.’[Confirmei a passagem tanto na Revista Micaelense como na Edição de 1986]; Bernardo, Gilberto, Não publicado [Data de 2013. Partilhou comigo em Fevereiro de 2022]; Cf. APIBJ, Rabo de Peixe, visita de 1735: ‘O visitador é o Pe. Manuel Pacheco de Melo, ouvidor de Vila Franca do Campo e visitador da Vila da Ribeira Grande. Tendo mandado que nela se faça um curato, justificando esta sua medida pela distância a que ficava da igreja paroquial, que devido a ela muitos moradores morriam sem sacramentos, como diz ter acontecido em sua presença” nesta ocasião de Visita “; também se justificava pelo número de fogos que possuía, noventa e nove, e pelas almas de confissão e comunhão as quais, no rol de confessados somavam trezentas e trinta e quatro.’ Apenas comenta, incluindo algumas citações directas. Não transcreve o documento. O que vi no Arquivo Paroquial do Senhor Bom Jesus: APIBJ, Rabo de Peixe, Visitação de Manuel Pacheco de Melo, Ouvidor do Eclesiástico de Vila Franca do Campo, Visitador da Vila da Ribeira Grande, a mando do Deão da Sé, Lugar de Rabo de Peixe, Termo da Vila da Ribeira Grande, 21 de Junho de 1735, fls. 51 v.- 53 v.: ‘(fl. 52) (…) [À Margem: Criação do Curato do Prazeres] Visitando a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres situada no Pico da Pedra limite desta Freguesia vi o detrimento que os Párocos deste Lugar de Rabo de Peixe têm pela distância do caminho em administrarem os sacramentos aos moradores daquele sítio sufragâneo à mesma Paróquia, o qual, pelo Rol da Comunhão dão noventa e nove fogos e neles almas de confissão (fl. 52 v) e comunhão trezentas e quatro digo trezentas e trinta e quatro (…).’; APIBJ, Rabo de Peixe, Treslado da Provisão por onde foi criado o Curato de Nossa Senhora dos Prazeres do Pico da Pedra, 1745: ‘Eu, El-Rei [D. João V], como Governador e Perpétuo Administrador que sou do Mestrado e Cavalaria da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, faço saber aos que este meu Alvará virem que havendo respeito ao que me representou o Reverendo o Padre Miguel Tavares, Cura na Ermida de Nossa Senhora dos Prazeres, sufragânea à igreja Matriz do Bom Jesus do Lugar de Rabo de Peixe da Vila da Ribeira Grande da Ilha de São Miguel do Bispado de Angra (…) visitando o visitador do ordinário do mesmo Bispado a Matriz do dito Lugar, e sua freguesia, achara que o povo da referida Ermida constava de trezentos e tantas pessoas que ficavam distantes da dita Matriz, uma légua, por cuja causa sucederam ficar algumas pessoas sem sacramentos, e outras ficarem sem ouvirem missa, por não poderem vir à dita Matriz, ao que atendendo ao mesmo visitador a esta necessidade espiritual, determinando em capítulo de visita se criasse um Cura na dita ermida com a côngrua com que se dá aos mais curas das igrejas da minha Ilha de S. Miguel na forma costumada paga pela minha Real Fazenda e nesta esperança entrar o suplicante na serventia (?) do dito Curato com provimento (?) do Reverendo Bispo em virtude da qual se achava servindo há três para quatro anos, sem côngrua nem emolumento algum. O que visto, informações que (…) o Bispo de Angra (…) Hei por bem fazer mercê, criar e erigir de novo (fl. V.) um Curato na referida Ermida de Nossa Senhora dos Prazeres, sufragânea à dita Matriz do Bom Jesus do Lugar de Rabo de Peixe termo da Vila da Ribeira Grande (…) Provedoria da Fazenda Real, Lisboa, oito de Março de mil setecentos e quarenta e cinco anos// Rainha //Alvará por que Vossa Majestade há por bem fazer mercê, criar e erigir de novo um curato na Ermida de Nossa Senhora dos Prazeres (…) Lisboa, oito de Março de mil setecentos e quarenta e cinco (…) 27 de Fevereiro de mil setecentos e quarenta e cinco.’

[22] APIBJ, Rabo de Peixe, Petição ao Bispo D. António Vieira Leitão, de 3 de Novembro de 1706, que está na Ribeira Grande, Suplicante: Manuel da Costa Andrade, Cura da ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem, do Lugar das Calhetas, e Suplicado, o Licenciado António Pais de Vasconcelos, Vigário da igreja paroquial do Senhor Bom Jesus, do Lugar de Rabo de Peixe fl. 33 v.

[23] APIBJ, Rabo de Peixe, Petição ao Bispo D. António Vieira Leitão, de 7 de Janeiro de 1707, que está na Ribeira Grande, Suplicante: Manuel da Costa Andrade, Cura da ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem, do Lugar das Calhetas, e Suplicado, o Licenciado António Pais de Vasconcelos, Vigário da igreja paroquial do Senhor Bom Jesus, do Lugar de Rabo de Peixe fls. 33 v.-34: ‘(…) por ‘duas razões: (…) a primeira se colhe das primeiras palavras do capítulo da erecção dele [Nossa Senhora da Boa Viagem] que claramente disseram ser ambição do Prelado (…).’Vimos o detrimento que os Párocos do Lugar de Rabo de Peixe e Fenais em (…) administrarem os Sacramentos (fl. 34) e julgando por detrimento dos párocos mais perto que são os das Calhetas, como não julgaria por maior detrimento mais longe qual é o Pico e mais abaixo também e por evitarmos tantas faltas quantas têm sucedido sem culpa dos Párocos sendo causa delas a distância do caminho.’

[24] APIBJ, Rabo de Peixe, Petição ao Bispo D. António Vieira Leitão, (petição do suplicante (17de Novembro de 1706; (resposta) de 19 de Janeiro de 1707, fls. 34 v. – 39.

[25]APIBJ, Rabo de Peixe, Visitação do Dr. Francisco da Costa Carreiro, Lugar de Rabo de Peixe, Termo da Vila da Ribeira Grande, 9 de Julho de 1713, fls. 42 v.; 44-44 v.: ‘(fl. 42 v.) Visitei a ermida de Nossa Senhora dos Prazeres desta freguesia [Senhor Bom Jesus]; ‘(fl. 44) Na dita ermida das Calhetas foi erecto um Curado a respeito do muito povo que então nelas, e no Pico da Pedra (fl. 44 v.) havia, e agora o há em dobro pertencente desta Paróquia do Bom Jesus, e algum, posto que em menor número, aos Fenais, para que a um, e outro povo, administrasse a Paroquial dos Fenais o dito Padre Cura os divinos Sacramentos (…).’

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