Inspector Canto
No
ano de 1875, de sexta-feira, dia
30 do mês de Abril, a terça-feira, dia 4 do mês de Maio, o inspector escolar Eugénio do Canto (n. PDL –
17.10.1836 – f. PDL – 07.09.1915)
visitou (cada uma) das (ao tempo existentes) seis ‘escolas’ da Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres (Pico
da Pedra e Calhetas).
Eram quatro no Pico da Pedra e duas nas Calhetas. Sendo uma custeada pelo
Estado, três pelo Município (das quais, uma em parceria com a Junta de
Paróquia) e duas ‘empresas’ de
professoras. Do que aí viu, elaborou um (detalhado)
relatório.[1] Que
nos introduz (mesmo por parâmetros de então) na (cinzenta) realidade escolar daqueles
dois Lugares. De 38 anos de idade, Eugénio viria a ser ou já era professor do
Liceu.[2] Conheceria
(porventura) bem o Pico da Pedra (não tanto as Calhetas). O irmão José do Canto
(a partir da década de sessenta) construíra de raiz (lá) uma quinta onde
introduzira novas espécies de citrinos (mais resistentes à doença) e chá.[3]
De
que forma organizou a recolha de dados para (bem) preencher os parâmetros dos
inquéritos que realizou naquelas seis escolas? Ao lê-los, vê-se (claramente) que
(havendo livros) examinou-os, além disso, privilegiou as conversas com
professores, alunos e pais. Terá (ainda) trocado impressões com quem conhecia a
Freguesia. No Pico da Pedra, com António Augusto da Mota Frazão. Era dali. Fora
professor no Liceu em Ponta Delgada. Conheceria (bem) a situação escolar da sua
terra. Ou com o (bem relacionado) padre Francisco José de Amaral e Melo. Como
Presidente da Junta de Paróquia é (bem) possível que tenha aproveitado a
ocasião para ‘informar’ Eugénio (caso
não estivesse ao corrente) de que (ao contrário do que lhe poderia dizer nas
Calhetas o padre Inocêncio de Almeida Cabral) as Calhetas eram (então) ‘curato sufragâneo’ do Pico da Pedra (igreja dos
Prazeres). No entanto (ainda) em 1873, a Câmara da Ribeira Grande endereçava
correspondência a um Regedor das Calhetas.[4] A imagem (global) que se colhe da leitura dos inquéritos não poderia ser pior: só um reduzido número de crianças se
matriculavam (então) nas escolas. E destas (pior ainda) poucas eram as que as
frequentavam com regularidade. Razões aí
adiantadas? Os pais deixavam os filhos (rapazes) ir à escola apenas e só quando
não lhes destinava trabalho. Os professores tinham poucas ou nenhumas habilitações.[5] Os
edifícios (onde decorriam as aulas) eram pequenos e inadequados. Material
escolar reduzido e velho.[6]
Eugénio
(posso
imaginá-lo assim?) terá saído (algures) de Ponta Delgada e tomado o caminho que
atravessa a Fajã antes de chegar à Lomba do Pico da Pedra.[7]
Aí terá feito a sua primeira inspecção. A escola da Lomba era (além de
mista) privada. Funcionava numa casa arrendada (ou melhor num quarto da casa) a
Jacinta Cândida Mendonça pela ‘empresa da
professora’ Ricarda Augusta de Almeida. Ricarda era solteira e tinha 38
anos de idade. Cada aluno pagava-lhe 120 reis mensais. Em 1873-1874, a escola teria
tido 34 alunos (30 raparigas e 4 rapazes). Com idades compreendidas entre os 10
e os 14. Porém, destes, só 24 alunos a haviam frequentado com (alguma)
assiduidade.[8]
Durante três horas e meia da manhã e quatro da tarde, os alunos (de ambos os
sexos) aprendiam as ‘quatro operações, a ler,
a escrever, e doutrina.’ As meninas aprendiam a ‘coser, fazer meia, ponto de crochet, bordar a branco, talhar roupa
branca.’[9]
Descendo
a rua da Lomba,
‘aproximadamente’ 300 metros, já na rua Direita do Pico da Pedra, Eugénio do
Canto inspecionou ‘a escola mantida pela
Câmara Municipal [da Ribeira Grande].’ Instalada numa casa arrendada
(leia-se quarto) a Jacinto Alves do Couto. O professor, Manuel Inácio Botelho,
solteiro de 22 anos, ganhava 36 000 reis anuais pagos pela Câmara
Municipal da Ribeira Grande.[10]
Em 1874-1875, tendo (aqui sim) consultado os livros, Eugénio notou que se
haviam (inicialmente) inscrito 59 alunos, dos quais (veja-se lá) apenas 11 a
frequentavam com regularidade.[11]
Após
concluir (ainda
na sexta-feira) a inspecção àquela
escola municipal, dedicaria o sábado (ou parte do sábado) a inspecionar a
escola mantida pelo ‘estado.’ Na realidade, voltou apenas
ao edifício que visitara no dia anterior (ou seja, a outro quarto da mesma
casa). Neste caso, era o Estado (não a Câmara) que pagava (por aquela parte da
casa) a renda a Jacinto Alves do Couto. Eugénio inspecionou as aulas do
professor (vitalício) José Caetano Tavares Silva. Era casado. De 35 anos. Havia
feito ‘alguns exames (…) no Liceu.’ Leccionava naquela escola há 9 anos. A Junta de Paróquia
fornecera o mobiliário. Com 44 alunos, porém, com regularidade, só a
frequentavam 33. Resumiu o que observou: ‘A
frequência da escola é diminutíssima em relação à população, o que é devido a
nenhum aproveitamento das crianças, e portanto ao descrédito da escola. O
aproveitamento dos alunos é nulo por falta de zelo e de método de ensino,
empregando o professor os mesmos processos que se empregavam há 50 anos - e
imaginando que nada se tem feito (…).’ Mas (ainda) porque os pais davam
mais importância ao trabalho do que à escola.[12]
Apesar de vir referido no inquérito as aulas de José Caetano Tavares Silva,
estou em crer que (a situação decerto) se (poderia) aplicar às aulas de Manuel
Inácio Botelho.
Interrompendo no Domingo
(como seria de esperar) o seu trabalho, havendo (provavelmente) Eugénio ficado no
Pico da Pedra (tinha aí casa de família) e ido (talvez) à missa da igreja de
Nossa Senhora dos Prazeres, onde terá sido ‘cumprimentado’
pelo Sr. Padre, na segunda-feira voltou à rua Direita. Foi a vez de ir à escola
(pública) feminina. Ficava (esta) numa casa (quarto da casa) que a Junta de Paróquia e a Câmara (juntas) pagavam
18$000 reis por ano de renda a António Augusto da Mota Frazão. Segundo o que
dele diziam antigos alunos, António Mota Frazão, ‘era um pouco
exigente, e algumas vezes até intratável, não só com os seus alunos mas com os
seus serviçais.’[13] Uma sua irmã (diga-se) casara com
Jacinto Alves do Couto (que alugara outra casa). Casa em bom estado de
conservação, com boa ‘ventilação,’
mas sem ‘luz.’ Não trazia mobília, porém,
a Junta fornecera alguma (muito pouca). Além do mais, a Junta era obrigada à
sua manutenção.[14] Não se pode dizer que não tenha sido um bom
negócio para o dono da casa.[15]
Mariana Júlia Ferreira Raposo, aos 59 anos e viúva, professora há 23 anos, era professora
naquela escola há 25 meses. Eugénio considerou-a ‘regular:’ sabia ‘apenas um
pouco de inglês e de francês.’ Das 81 alunas matriculadas em 1873-74, 70 frequentavam
(com assiduidade) a escola.[16]
Era ensino diurno. Ali ensinava-se: Leitura,
escrita, aritmética, sistema métrico, gramática, doutrina cristã, desenho
linear, lavores (bordar a branco,
coser, bordar a cor, talhar roupa branca). Eugénio achava que o método utilizado por Maria Júlia ‘(…) não era bom,’ no entanto, ficava
com a esperança de que o melhoraria, pois, havia-lhe prometido ‘ensaiar o modo simultâneo sem adulteração.’
Quanto às alunas daquela escola, a sua opinião é bastante favorável: ‘A frequência é mais do que regular. O
aproveitamento é bom, e segundo me diz a professora, as crianças são de uma
grande docilidade e boa inteligência, tendo um grande desejo de aprender.’
Pelos que se vê, iam mais raparigas do que rapazes à escola. Além disso, eram
mais assíduas do que eles. E (pelos vistos) aproveitariam mais (do que eles) a
oportunidade.
Havendo dedicado a segunda-feira, dia 3, à
escola feminina do Pico da Pedra, Eugénio desce às Calhetas, no dia seguinte, terça-feira,
dia 4. Identificando
o Lugar (apenas) como ‘Freguesia de Nossa
Senhora dos Prazeres, (…) Lugar das Calhetas [repare-se ainda] curato sufragâneo.’[17] A escola era Municipal, pois a Câmara pagava (pelo quarto) 12$000 réis anuais a
José Pereira Brás. A reparação estava ainda a seu cargo. Os poucos utensílios (não
iam muito além de um quadro negro) haviam sido oferecidos pela ‘população do Lugar.[18]
Diogo Tavares do Canto, de 36 anos, casado, ‘de bom aspecto físico,’ com ‘bom
comportamento cívico,’ e ‘nenhumas
habilitações literárias,’ de ‘capacidade
medíocre [e] aptidão pouca,’ era
o professor.[19]
Professor temporário. Em 1878 (pelo menos) já lá estava António Luciano do Rego
(casara
no Pico da Pedra e pertencia à Junta da Paróquia, cujo Regedor era António da Mota
Frazão). Diogo ganhava
‘90$000 réis fortes ou 112$500 reis moeda
insulana de ordenado pago pelo Estado e 37$500 reis de gratificação (…) [pagos
ainda] pela Câmara Municipal.’
Quanto a Diogo, Eugénio era bem
claro: ‘tem a infelicidade de ser casado
com uma mulher que pelo seu mau carácter tem granjeado a indisposição geral de
todo o povo, de modo que muitos pais deixam de mandar os filhos à escola por
causa da mulher do professor.’ A respeito ao pouco aproveitamento escolar e
da pouca frequência às aulas, Eugénio, além de insistir na influência negativa
da mulher do professor, aponta uma outra razão tão ou mais decisiva do que
aquela: ‘[a] extrema pobreza dos pais.’[20] Resultado:
no ano lectivo de 1874-75, frequentavam regularmente a escola 14 alunos, apesar
de se terem inscrito 26.
Ainda
nas Calhetas, agora na rua da Boa Vista, a uns 200 metros (aproximadamente) da escola pública, que (quase de certeza) ficaria na rua da Boa Viagem, a ‘empresária’ (professora) Maria
Augusta Pereira, de 19 anos, solteira, mantinha uma escola. O edifício (não diz
se era quarto ou não) pertencia a António Francisco Inácio. Os pais das alunas pagavam-lhe
(como na escola da Lomba) 120 reis mensais. Ensinava a ‘ler, escrever e doutrina.’ Além do mais, também (aí se) ensinava a
‘coser, fazer meia, crochet, bordar a
branco, talhar roupa branca.’ As aulas repartiam-se por dois períodos, 4
horas de manhã e 3 ½ de tarde. Frequentavam a escola 14 crianças (11 rapazes e
3 meninas).[21]
De Maria Augusta, Eugénio não diz bem nem mal.
E
como teria sido (pouco) antes de 1875? Treze anos antes, a 13 de Novembro de 1862, o
Administrador do Concelho da Ribeira Grande escreveu à Junta de Paróquia da
igreja de Nossa Senhora dos Prazeres do Lugar do Pico da Pedra e Calhetas
(assim mesmo). Quem lhe responde? O Presidente da Junta, Padre Francisco de
Amaral e Melo (e padre de Nossa Senhora dos Prazeres, no Lugar do Pico da
Pedra) e o Padre Tomás de Sousa Estrela (padre de Nossa Senhora da Boa Viagem, do
Lugar das Calhetas). Por que razão terão
sido os dois? A matéria (certamente) diria respeito a ambos. Será uma razão
(creio que óbvia), outra (menos óbvia?) será (provavelmente) porque as Calhetas
(ainda) partilhariam (na Freguesia criada em 1835) o poder com o Pico da Pedra.
Qual era a questão? Se as meninas
das Calhetas e do Pico da Pedra poderiam (ou não) frequentar a escola de Rabo
de Peixe.[22]
Valendo-se do (recorrente) argumento da distância a que acrescentam a defesa da
honra das meninas, respondem-lhe assim: ‘não
julgam possível que as Meninas a possam ir frequentar sem por outro lado se
sujeitarem a algum outro perigo (…).’[23]
Sempre
a distância. Em Maio de 1869,
a Junta de Paróquia da igreja de Nossa
Senhora dos Prazeres do Lugar do Pico da Pedra e Calhetas (ainda figuram as
Calhetas) ocupou-se do ensino nocturno no Lugar das Calhetas. Quem o propõe é José
Joaquim Cabral. Era vogal da Junta. Talvez fosse das Calhetas ou (outra
hipótese a considerar) estivesse por algum modo ligado às Calhetas.[24] Pelo
facto de ser (eis o argumento sempre recorrente da distância) ‘dificultoso aos habitantes das Calhetas,
pela distância em que se acham, aproveitar o benefício daquele ensino [nocturno],’
propunha que se criasse um tal ensino nas Calhetas.[25] A
junta concordou. Possíveis leituras do que acima foi sendo dito?[26]
Se 40% das crianças do Pico da Pedra se matricularam nas escolas (203 num universo de 500), só 27% (138 num universo de
203) as frequentaram regularmente. Ainda no Pico da Pedra, e ainda falando de
assiduidade, as meninas eram 72% (100 em 138) mais assíduas do que os rapazes.
Quanto às Calhetas, (num universo de 300 crianças só 40), ou seja apenas 13% (do
universo possível) se inscreveram. E, (destas inicialmente) inscritas apenas 4.6% frequentaram com (alguma)
regularidade as escolas. [27]
Que retirar disso? Que no Pico da Pedra havia
(muitas) mais crianças interessadas em aprender. Sobretudo meninas. Outra possível dica? Que pela (evidente)
desproporção entre o número de crianças daqueles dois Lugares, talvez se possa
‘inferir’ (sem cair em grande erro) que a população do Pico da Pedra era
(muito) superior à das Calhetas. Ainda se poderá deduzir (pelas observações do
inspector) que o Pico da Pedra não era tão pobre como as Calhetas. E isso (somado
a outros factores a que já aludi) terá sido (mais um facto) determinante para se
perceber a perda (constante) de poder
das Calhetas em detrimento do Pico da Pedra. Que acham?
E
no princípio das Calhetas? Nas Calhetas, como (então) em toda a parte, as raparigas aprendiam a ser ‘domésticas’ com outras
mulheres: avós, mães, irmãs mais velhas ou patroas. Podiam até aprendê-lo
(sendo pupilas, noviças, freiras ou servas) no convento de Jesus (na Ribeira
Grande). Ou em (qualquer) outro da ilha. Na segunda metade do século XIX, já
com os conventos fechados, abrir-se-ia uma nova oportunidade: as escolas
femininas (privadas ou do Estado). Havia-as (também) nas Calhetas, como irei
mostrar. Os camponeses, marítimos, pedreiros (enfim, toda a mestrança)
aprendiam (vendo fazer) os pais ou os mais velhos. Começando (como aprendizes e
serventes) a ‘trabalhar’ (não
interessando a idade) logo que tivessem ‘tino
e corpo para isso.’ Desempenhando todo o tipo de tarefas (ir levar o
almoço, era uma delas). Com oito, sete, seis anos? Essa aprendizagem era ‘rotineira’
e desajustada às novas técnicas. Resistiam (mesmo) a tudo o que fosse novo. No
século XIX, as elites mais esclarecidas da ilha queixavam-se amargamente disso.
Conhece-se (amplamente) o esforço levado a cabo pela Sociedade Promotora da
Agricultura Micaelense a partir de 1843. O que não nos deve levar a excluir
(prováveis) esforços (nesse sentido) anteriores, por exemplo, feitos por parte
de Capitães-do-donatário mais esclarecidos. João Soares de Albergaria, de
Lisboa, em carta de 1854, escreve a José Jácome Correia confessando-lhe a ‘possibilidade de se estabelecer em S. Miguel
uma escola de ensino agrícola, paga pelo Governo.’ Mais tarde, já em 1896, o
agrónomo António de Albuquerque Bettencourt proporia (mesmo) à Junta Geral a
criação de uma ‘Estação Químico-Agrícola
Experimental.’ A razão que lhe assistira a avançar com tal proposta seria
partilhada por todos: ‘Quem há, entre
nós, que se ocupe de agricultura que não tenha tido a lutar e, em geral, a
ceder perante a ignorância e rotina dos nossos operários rurais, ao tratar-se
da introdução de um novo processo cultural, de uma nova alfaia, de um novo
adubo, etc.?’[28]
Apesar disso, a primeira Escola Agrícola só seria criada (já na década de
trinta) na Ribeira Grande pelo Cónego Cristiano de Jesus Borges. Seguiu-se na
década seguinte, uma outra, em São Gonçalo, por iniciativa da Junta Geral.
E (além desses ofícios dos pais e próximos) como terão
aprendido a ler, a escrever e a contar? Ali à mão, havia o padre. Ou o
escrivão do Juízo das Calhetas. Ou alguém da família que já soubesse. Ou (não
se deve excluir a possibilidade) de ter sido o resultado de um esforço
autodidata. Afinal, não era assim que se aprendia a tocar instrumentos musicais?
Havia (ainda) outras possibilidades. Os
Franciscanos desde o século XV, antes
mesmo de ergueram os seus conventos, já se dedicariam (muito certamente) ao ensino.[29] Nas
Calhetas, quem tivesse interesse, podia ir (no século XVII), ao convento de
Nossa Senhora da Guadalupe na Ribeira Grande. Os três irmãos que emigraram e
regressaram do Brasil (mais tarde um comprou a quinta dos Prazeres no Pico da
Pedra), poderão tê-lo feito naquele convento. Isso é (todavia) só um palpite.
Para as raparigas, podiam ir aprender a ler e a escrever no convento de Jesus.
Ou em qualquer outro da Ilha. Só para rapazes, se (alguém pudesse), também
desde meados do século XVI, podia aproveitar o Mestre de Gramática da Ribeira Grande. Que era obrigado ‘a ensinar a gramática de graça, cada um
deles a doze clérigos pobres e a moços pobres e órfãos, naturais da terra, que
o Bispo de Angra nomear e declarar.’ Podia igualmente (desde meados do
século XVII) aprender com os Jesuítas da Ribeira Grande. Para quem não saiba,
havia colégios em Angra e Ponta Delgada. O da Horta abriu (em 1652) perto da
extensão dos Jesuítas na Ribeira Grande. Além da Ribeira Grande.[30]
A Reforma Pombalina (1759) e a
expulsão dos Jesuítas: ‘não tiveram
imediatas repercussões nos Açores onde os franciscanos e os agostinianos
continuaram a leccionar com agrado da juventude, embora sobretudo, nas três
cidades açorianas [na verdade: duas cidades e duas Vilas: Horta e na
Ribeira Grande], a saída dos Jesuítas
causasse certa perturbação. Assim os frades viram-se obrigados a alargar os
seus cursos e os seus programas. Algumas Câmaras Municipais, por seu turno,
acabariam por reconhecer a necessidade de criar algumas aulas, sobretudo de
primeiras letras, em determinadas freguesias.’ Depois da Reforma de Pombal
e até 1826, ‘De uma maneira geral, em
todas as Ilhas, havia aulas para as primeiras letras e aulas de latim, umas e
outras, na sua grande maioria, a cargo de Padres de S. Francisco. Em S. Miguel,
só havia aulas de latim, em Ponta Delgada, Vila Franca do Campo e Ribeira
Grande.’[31]
Disso poderá ter beneficiado António Caetano de Melo, outro filho das Calhetas.
Poliglota (certamente parte terá aprendido de forma autodidata), foi professor
no recém-criado Liceu de Ponta Delgada. Foi ele quem lançou a ideia da criação da
SPAM.
Com ‘a extinção das ordens religiosas em 1832, registou-se uma profundíssima
alteração no sistema escolar português, abrindo-se então, por força das
reformas constitucionais nessa altura promulgadas, uma nova fase de história de
instrução em terras açorianas.’[32]
Entretanto, a 9 de Novembro de 1862, abrira o seminário diocesano em Angra.
A partir de então, foram criadas escolas
não só nas sedes dos Concelhos mas (também) nos Lugares pertencentes ao
Concelho: ‘A fundação de uma escola
passava por um processo demorado e obedecia a um conjunto de normas ordenadas
pelo Concelho de Instrução Pública. Inicialmente a Junta de Paróquia
encaminhava o pedido para a Câmara Municipal que, por sua vez, o endereçava ao
governador Civil do Distrito que remetia o processo para o ministro do Reino.’[33] Aqui
(como exemplo) há que referir o percurso académico do futuro padre António
Botelho de Lima. Terá aprendido as primeiras letras nas Calhetas, ido (se
calhar) fazer os primeiros estudos secundários ao Liceu e depois seguido para o
Seminário de Angra.
Maia (Ribeira Grande) (Continua)
(Correio dos Açores, 10 de Junho de 2023, p. 17)
[1] Arrumando a
visita por um critério crono-geográfico, que me parece corresponder ao percurso
das inspecções, vou ‘observar’ (com atenção) cada uma dessas escolas.
[2] Genro e
meio-irmão de José do Canto, era neto do Morgado Botelho, senhor do Solar de
Nossa Senhora dos Prazeres, falecido há (cerca) de três décadas. Seria
inclusive seu Reitor.
[3] Aliás, àquela
quinta iriam Lau-a-Pan e Lau-a-Teng, os dois chineses (contratados pela SPAM)
para ensinar a fazer (correctamente) chá. Daquela quinta sairia muito chá para
ser processado na fábrica da Caldeira Velha.
[4] AMRG, CEA – REG
1, 1869-1874, 28 de Novembro de 1873, fl. 82: ‘Ao Regedor da Paróquia da Matriz
e idênticos aos das Calhetas, Bom Jesus, Porto Formoso, Maia e Fenais da
Ajuda.’ Terá sido próximo de 1878, altura em que António Augusto da Mota Frazão
é Regedor que as coisas mudam definitivamente? Ou ainda não? O que prova que
(para além da resistência dos padres das Calhetas) terá havido outra fora (do
âmbito) da igreja.
[5] Usavam métodos antiquados e eram (no geral) pouco zelosos.
[6] Um parêntesis: devo muito ao que escreveram
Francisco Carreiro da Costa e Gilberto Bernardo, porém, a partir de agora
(graças a uma pista da Dr.ª Maria de Lurdes França) é totalmente novidade. São
relatórios (fotocópias do original) que o Doutor Teixeira Dias coligiu e cedeu
à Universidade dos Açores. Abrem novos (e valiosos) caminhos. Cobrem todos
os Concelhos do então Distrito de Ponta Delgada. Vou ficar-me (porque quero
seguir a sua relação) apenas pelos que dizem respeito às Calhetas e Pico da
Pedra. Tratam de duas escolas no Pico da Pedra e duas outras nas Calhetas. De
ambos os sexos, duas do Estado e duas privadas.
[7] Terá (suponho
ainda) saído no dia anterior à primeira inspecção (e pernoitado na quinta dos
Prazeres) ou (então) saído naquele (mesmo) dia e começado pela Escola da Lomba?
Ou pela da rua Direita?
[8] Eugénio do Canto
escreveu sobre isso: ‘Não há escrituração alguma na escola, sendo estes números
pouco dignos de crédito.’
[9] Cf. Fotocópia de
original que resultou de estudo do Doutor José Manuel Teixeira Dias, Escolas do
Estado, Escolas não mantidas pelo Estado, Fundo Geral, Quesitos a que os inspectores
devem responder com relação às escolas primárias não mantidas pelo estado.
Distrito de Ponta Delgada, Concelho da Vila da Ribeira Grande, Freguesia de
Nossa Senhora dos Prazeres, Lomba do Lugar do Pico da Pedra, Privada, Mista,
vol. 13, inspector Eugénio do Canto, inspecção no dia 30 de Abril de 1875.
[10] As aulas haviam (apenas) começado a 14 de Novembro de 1874, porque (é-nos dito) ‘não houve escola [em] 1873-1874.’
[11] Cf. Fotocópia de original que resultou de estudo do
Doutor José Manuel Teixeira Dias, Escolas do Estado, Escolas não mantidas pelo
Estado, Fundo Geral, Quesitos
a que os inspectores devem responder com relação às escolas primárias não
mantidas pelo estado. Distrito de Ponta Delgada, Concelho da Vila da Ribeira
Grande, Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, Rua Direita do Lugar do Pico
da Pedra, Pública, Masculino, vol. 13, inspector Eugénio do Canto, inspecção no
dia 30 de Abril de 1875.
[12] Escolas do Estado, Escolas não mantidas pelo
Estado, Fundo Geral, Quesitos
a que os inspectores devem responder com relação às escolas primárias não
mantidas pelo estado. Distrito de Ponta Delgada, Concelho da Vila da Ribeira
Grande, Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, Rua Direita do Lugar do Pico
da Pedra, Pública, Masculina, vol. 8, inspector Eugénio do Canto, inspecção no
dia 1 de Maio de 1875. ‘As (escreveu
Eugénio do Canto) crianças vêm para a
escola de 3 a 4 anos aproveitando pouco nesta idade, logo que podem fazer
alguma coisa, os pais ocupam-nos nos trabalhos do campo, mandando-os para a
escola unicamente nos dias que não têm trabalho, daqui resulta que o máximo de
frequência que se pode calcular a cada aluno de 8 anos para cima, será de 6
meses, havendo alguns que faltam 3 e 4 meses seguidos, já se vê pois que o
aproveitamento nestas condições é quase nulo. Tendo-me o professor dito desta
frequência irregular, verifiquei os cadernos das faltas e interroguei as
crianças vendo que era verdade o que levo exposto.’
[13] António Augusto
da Mota Frazão, in Silva, João Cabral de Melo e, O Concelho da Ribeira Grande, manuscrito, 1959, p. 27. Estudou no
Convento dos Gracianos. Foi professor do Liceu logo em 1852. Chegou a ser
Reitor.
[14] As despesas com a compra de papel saíam do bolso do padre. Escreveu Eugénio: ‘O edifício é pequeno para o número de crianças que frequentam a escola e falta-lhe luz; a mobília também é pouca, os utensílios reduzem-se unicamente a um quadro preto que é necessário pôr em cima de uma cadeira para poder servir.’
[15] Escolas do Estado, Escolas não mantidas pelo Estado,
Fundo Geral, Quesitos
a que os inspectores devem responder com relação às escolas primárias não
mantidas pelo estado. Distrito de Ponta Delgada, Concelho da Vila da Ribeira
Grande, Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, Rua Direita do Lugar do Pico
da Pedra, Pública, Feminina, vol. 8, inspector Eugénio do Canto, inspecção no
dia 3 de Maio de 1875.
[16] Em 1874-75, das 76 matriculadas, 65
eram assíduas.
[17] Não conheço até
ao momento nenhum documento que o prove. Parece-me (entretanto) ser mais fruto
da tradição e do poder. As Calhetas pobres e com (muito) menos população do que
o Pico da Pedra (sem padrinhos poderosos), haviam sido submetidas? Sim, mas resistia
(nunca deixou de fazê-lo). Como? Por exemplo, tanto quanto me parece (não tenho
outras provas) os padres das Calhetas (os que empunhavam o facho), nos assentos
(de baptismo, óbitos e casamentos) da igreja identificavam a igreja como independente.
[18] Não fora (em
73/74) fornecido papel gratuito. ‘A
mobília está nova [escreveu Eugénio]
mas é pouca e os utensílios reduzem-se a um quadro preto. A casa está colocada
em um bom sítio e está em bom estado de conservação mas falta-lhe ventilação.’
[19] Rodrigo
Rodrigues: Diogo Arsénio Tavares do Canto, professor primário nas Calhetas, que
casou em Água de Pau a 7.8.1861, com Jacinta Júlia de Medeiros, desta
freguesia, filha de Ricardo José da Costa e Maria de Santo António.
[20] Escolas do Estado, Escolas não
mantidas pelo Estado, Fundo Geral, Quesitos
a que os inspectores devem responder com relação às escolas primárias não
mantidas pelo estado. Distrito de Ponta Delgada, Concelho da Vila da Ribeira
Grande, Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, Lugar das Calhetas, Curato
sufragâneo, Pública, Masculino, vol. 8, inspector Eugénio do Canto, inspecção
no dia 4 de Maio de 1875.
[21] Escolas do Estado, Escolas não
mantidas pelo Estado, Fundo Geral, Quesitos
a que os inspectores devem responder com relação às escolas primárias não
mantidas pelo estado. Distrito de Ponta Delgada, Concelho da Vila da Ribeira
Grande, Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, Rua da Boa Vista, Lugar das
Calhetas, Particular, Feminino, vol. 13, inspector Eugénio do Canto, inspecção
no dia 4 de Maio de 1875: Na 1.ª Classe: (feminino) 2; na 2.ª classe: 1; na 2.ª
classe: 3 (masculino). Na 3.ª Classe (masculino) 3; 1.ª Classe de escrita
(masculino) 2; 3.ª Classe de escrita: (masculino): 3.
[22] O Administrador, que mandava no Presidente da Câmara e respondia (apenas) perante o Governador Civil, (na carta) (não pedia) ‘exigia que [aquela] Junta informasse sobre a conveniência ou desconveniência da ereção de uma escola para o sexo feminino no Lugar de Rabo de Peixe, se podia ela ou não aproveitar os moradores da Freguesia do Pico da Pedra e Calhetas.’
[23] AJFPP, Livro de
actas da Junta de Paróquia da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres do Lugar do
Pico da Pedra e Calhetas, 1 de Julho de 1858 – Setembro de 1873, sessão de 17
de Novembro de 1862, fls. 22 v: Havendo (os dois padres) ponderado (prós e
contras), face ‘ao exposto (…)
unanimemente,’ concordaram que (não obstante) haver ‘nesta freguesia [dos Lugares do Pico da Pedra e de Calhetas] uma gravíssima necessidade de instrução das
Meninas, contudo atenta a distância entre estas freguesias [ou seja, entre
aqueles dois Lugares da Freguesia criada em 1835 e Rabo de Peixe, a quem
pertenceram até 1835]. O argumento da distância fora já invocado com sucesso
(para o Lugar do Pico da Pedra no século XVIII não integrar o Curato de Nossa
Senhora da Boa Viagem, fora de novo esgrimido para criar a Freguesia conjunta
de Pico da Pedra e Calhetas separada de Rabo de Peixe, fora mais ainda para o
Lugar do Pico da Pedra conseguir o seu cemitério), agora era ‘brandido’ para o
caso das meninas (das Calhetas e do Pico da Pedra) não se deslocarem à escola
de Rabo de Peixe. Muito em breve, as Calhetas alegá-lo-iam (como mostro já a
seguir) em relação à escola nocturna no Pico da Pedra.
[24] A presidir à
reunião, o Presidente Padre Francisco José de Amaral e Melo. A secretariar:
Manuel Tavares Labão. Além de José Joaquim Cabral, os vogais António Jacinto de
Almeida, Jacinto Manuel da Mota Frazão e José Tavares Pacheco.
[25] AJFPP, Livro de
actas da Junta de Paróquia da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres do Lugar do
Pico da Pedra e Calhetas, 1 de Julho de 1858 – Setembro de 1873, sessão de 9 de
Maio de 1869, fls. 65 v. Havendo, ‘naquele
Lugar pessoa habilitada que se prestava ao ensino, que com comodidade podia
aproveitar,’ e ‘contribuindo a igreja
de Nossa Senhora da Boa Viagem do Lugar das Calhetas com a quantia de 6000 reis
para gratificação ao Professor Régio, pelo ensino nocturno, (…) julgava de toda
a justiça a bem de todos os moradores daquele Lugar, que os 6000 reis que
aquela igreja dá fossem aplicados aquele Professor, continuando a serem dados
ao Professor do Lugar do Pico da Pedra os 6000 reis com que concorre a
igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, acrescendo mais, que para esta resolução
concorria a anuência do respectivo Administrador do Concelho.’ A ‘Junta em consideração ao exposto, o julgou
conforme a razão e justiça e deliberou unanimemente repartirem os 12$000 reis
prestados pelas dias igrejas para o fim da instrução primária, e desse a cada
uma 6.000 reis ao Professor da sua Localidade afim de se aumentar, quanto
possível a instrução do povo.
[26] Não há maneira de comparar a população total dos dois Lugares (apenas temos das Calhetas), pois, infelizmente, desapareceram os Róis do Pico da Pedra.
[27] AJFPP, Livro de
Actas, sessão de 19 de Fevereiro de 1870, fls. 67 – 67 v.; Cf. Bernardo,
Gilberto, Pico da Pedra. Percurso de um Povo (séculos XVI-XXI), 2007, p. 84. Correio electrónico de Gilberto Bernardo a Mário Moura, 26 de
Maio de 2023: ‘(…) Obrigado pelo envio
do Jornal. Li e gostei. Os mortos já estão. Agora é tratar dos vivos. Quanto à escola, as 800 crianças são 500 do Pico da Pedra, 262
raparigas e os restantes são rapazes. Os 137 rapazes e as 163 meninas são de
Calhetas. Tenho um erro naquela parte do livro pois atribuiu o
total como fosse só do Pico da Pedra. (375 e 425). Mas é assim, só não era quem
não faz nada, não é? Grande abraço.’ Em 1870, na Freguesia
(Pico da Pedra e Calhetas) havia 800 crianças (de ambos os sexos em idade
escolar, ou seja até aos 14 anos), 300 no Lugar das Calhetas e 500 no do Pico
da Pedra. Em 1875, (contabilizando - por falta de dados para 1875 - apenas os
dados de 1870).
[28]
Costa, Francisco Carreiro da, Do ensino
prático agrícola na lha de S. Miguel, dactiloescrito, in Tradições,
Costumes e Turismo dos Açores, Emissor Regional dos Açores, 29 de Julho (?) de
1963.
[29] Costa, Francisco
Carreiro da, A instrução em quatro século
de História Açoriana, dactiloescrito, in Tradições, Costumes e Turismo dos
Açores, Emissor Regional dos Açores, 1 de Outubro de 1971: ‘[p.1] tudo leva a
crer que os primeiros que para aqui vieram [frades franciscanos], mesmo antes de disporem de casas próprias, já se
dedicavam ao ensino, dado que era esta uma das suas principais preocupações.’
[30] Costa, Francisco
Carreiro da, A instrução em quatro século
de História Açoriana, dactiloescrito, in Tradições, Costumes e Turismo dos
Açores, Emissor Regional dos Açores, 1 de Outubro de 1971: ‘[p.1] Jesuítas
(século XVI: Angra, Ponta Delgada), (Ribeira Grande extensão dos Jesuítas a
partir de meados do século XVII), (Horta em 1652).
[31] Costa, Francisco
Carreiro da, A instrução em quatro século
de História Açoriana, dactiloescrito, in Tradições, Costumes e Turismo dos
Açores, Emissor Regional dos Açores, 1 de Outubro de 1971
[32] Costa, Francisco
Carreiro da, A instrução em quatro século
de História Açoriana, dactiloescrito, in Tradições, Costumes e Turismo dos
Açores, Emissor Regional dos Açores, 1 de Outubro de 1971
[33] Nunes, Maria de
Fátima Salvador Machado Gomes, A
instrução Primária na Ilha Terceira (1850-1880). Entre a multiplicidade de
projectos e a indagação da realidade, Tese de Mestrado, Universidade dos
Açores, Angra do Heroísmo, 2008, p. 71.
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