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Alguns exemplares arqueológicos do Museu da Ribeira Grande

Alguns exemplares arqueológicos do Museu da Ribeira Grande

Introdução

 

As linhas que se seguem ocupar-se-ão de memórias: memórias de fragmentos de azulejos de corda seca, de aresta e seiscentistas de padrão policromo do Museu da Ribeira Grande encontrados nas terras e vizinhança do antigo mosteiro de Jesus da actual cidade da Ribeira Grande, ilha de São Miguel.[1]Alguns vestígios, presumivelmente fragmentos de azulejaria setecentista, ainda que consistentes, são manifestamente insuficientes para tecermos quaisquer considerações seguras sobre o assunto.[2] Estas linhas também ocupar-se-ão, ao de leve, de outras espécies arqueológicas cerâmicas e não-cerâmicas, pertencentes ao espaço do mosteiro; foram encontradas ao longo de doze anos de recolha. Não apresentaremos todos os fragmentos sevilhanos, nem sequer os fragmentos de padrão policromo encontrados nas terras do ex-mosteiro - P 35; P 37 e B2 - , por falta de espaço; o mesmo sucederá aos exemplares líticos: fontenário ( em traquite); ombreira de porta com chanfro gótico ( traquite); cilindros basálticos ( fustes afeiçoados a pés de cafuão?) ; nicho basáltico. Igualmente não apresentaremos, pelas mesmas razões, o que resta da “roda conventual” ( na garagem do Sr. Pinheiro), o interior da casa do Sr. Gaipo, ou a “Casa dos Confessores”, o que tencionamos fazer no relatório das escavações. O esforço de recolha arqueológica prende-se, em primeiro lugar, tal como a demais recolha, pesquisa, exposição e estudo, com o projecto museológico para a  Ribeira Grande. Tentaremos, do mesmo modo, dar-vos uma amostragem simples, coerente, não tão abrangente quanto seria desejável, do que o museu possui, e de alguns passos  para um programa de escavação sistemática da área urbana. Queremos dedicar estas linhas, singelas, àquele que, pela primeira vez nos Açores, e durante décadas, procedeu não só ao estudo arqueológico sistemático, mas também ao mestre que soube transmitiu o saber a várias gerações de discípulos devotados, àquele que nos deu a honra de escavar pela primeira vez e de modo proficiente o interior do mosteiro de Jesus: Dr.º Manuel de Sousa Oliveira. 

 

A Ribeira Grande nos séculos XVI e XVII: dois cronistas

 

Não é de estranhar a riqueza do espólio arqueológico encontrado, ou a encontrar, na Ribeira Grande. Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI,  refere-se a ela, por conseguinte, pouco depois da reconstrução da vila, após a catástrofe de 1563/64, como sendo a vila mais « abastada e farta de toda a ilha ». Liv. 4, v.2, 1981, p.109 Nem sequer ainda será de estranhar  o que lhe acrescentou, em 1646, o florentino Diogo das Chagas em o Espelho Cristalino: « he de tanto trafego e trato, como a Milhor Villa do Reino» 1989, p. 163; por isso, opina que « a cidade [Ponta Delgada] se lhe não auentaje» p.164, vaticinando-lhe, no futuro, a sua elevação à categoria daquela outra. p.164  

 

O mosteiro de Jesus da Ribeira Grande: algum espólio descoberto

 

Por irmos proceder, dentro em breve, a uma campanha no mosteiro de Jesus, julgamos justificado a concentração destas notas naquele espaço.  Fica numa pequena colina junto às margens da ribeira que deu o nome à terra, a sul do agregado populacional quinhentista, no local de uma quinta e casas da família Câmara. A sua fachada abria-se para um espaço denominado, ontem tal como hoje, Campo das freiras: ao lado da Casa dos Confessores - franciscanos-, erigiu-se de pedra e cal, em finais do século XVIII, um Passo Quaresmal, substituindo os de madeira que se armavam por ocasião da festa dos Passos; local do “Encontro” entre Maria e o filho crucificado, de alardes militares, da frequência às celebrações conventuais, onde pontuavam as actuações do coro, as profissões no mosteiro, as visitas às grades, as transacções com os procuradores, as visitações, a entrada de lenhas, de demais víveres pela porta do carro  etc. …  Existiu aí um cruzeiro. Acedia-se ao mosteiro pela ponte Nova ou das Freiras, pela rua do Espírito Santo e pela canada de Trás-os-Mosteiros. 

 

A igreja segundo dois testemunhos do século XIX

 

O de 1832: O auto de inventário dos bens móveis mandado efectuar pelo ouvidor da Matriz, Elisardo Castro, aos nove de Junho de 1832, seguindo o exigido pelo decreto de extinção do convento, datado de 17 de Maio daquele ano, permite-nos surpreender, ainda que de modo desfocado, uma imagem do interior da igreja do Santo Nome de Jesus e de suas dependências imediatas: confirma a existência de um altar-mor, em cujo camarim está colocado o Senhor Crucificado, duas frestas de iluminação; três frestas no corpo da igreja; coros alto e baixo; sacristia e torre de sinos. Dá-nos os pormenores das fazendas que recobrem os diversos móveis, frestas, púlpito, camarim, confessionários, grade da comunhão, altares; dos órgãos; dos registos de santos; das imagens; dos sinos; em suma, de uma igreja conventual semelhante, estamos em crer, ao mosteiro da Esperança, entre outros.[3]

O de  1813 - publicado naquele ano-,  descreve o coro alto: « Numerous spectators occupied the chapel, and the orchestra of the performers was in front of the large hall or study of the nuns, raised about 20 feet above the level of the chapel, and separated from it, but not obscured, by a range of iron bars.»[4] Depois do autor, um viajante inglês, declarar o seu espanto pelo tipo de instrumentos utilizados pelas freiras - ‘violins, French horns, and flutes’- , e de o elogiar , e ao descrever o concerto dá-nos outra pista acerca do aspecto do coro: « Between the grand divisions of the concert, a principal singer advanced towards the iron bars in front of the audience, and, on the unfolding of a gate in the center of the bars, sung a hymn, the chorus of which was maintained by the whole body of the nuns, who were seated on semicircular benches behind the orchestra.»

Existiam sepulturas no interior do coro, na igreja e mesmo no adro da igreja: « Está sepultada [ Madre Jerónima da Graça em 1681]na segunda sepultura, à porta do adro »  Monte Alverne, v.2 p.323; ou a Madre Isabel Evangelista, aos 95 anos, foi no ano de 1679, sepultada « na primeira sepultura, á entrada do coro» p.322.

 

O Mosteiro do Santo Nome de Jesus

 

O mosteiro de Jesus, o quarto construído na ilha, seguindo-se ao da Caloura, ao de Santo André, em Vila Franca do Campo e ao da Esperança, em Ponta Delgada.

            Tendo o processo de instituição do terceiro - Esperança- , coincidido com o do quarto - Jesus- , verificam-se, sem surpresa,  afinidades entre os padroeiros.

            Assim, D. Filipa Coutinho esposa de Rui Gonçalves da Câmara, segundo no nome, e sobrinho de Pedro Rodrigues da Câmara- padroeiro do de Jesus -, foi a padroeira do Mosteiro da Esperança; sendo este inaugurado aos 23 de Abril de 1541.

            O tio iniciou o processo que culminaria com a construção do seu, sensivelmente ao mesmo tempo: cerca de 1536; porém, só sete anos depois, aos oito de Fevereiro de 1543, uma Breve Papal, concretizava-lhe a pretensão:

            « Fica-vos permitido erigir ou mandar erigir, construir, edificar ou fazer um convento de freiras da Ordem de Santa Clara, sob a invocação de Jesus, com perpétua clausura, com igreja, claustros, refeitório, dormitório, cemitério, cercas, campanário, sinos e outras dependências necessárias.» [5]

            Aos 16 de Março de 1545, este e a esposa, contratam  mestre Manuel Machado para lhes fazer especificamente «... uma capela de abóbada, com seu coruchéu alto e um portal de Igreja do Bom Jesus do dito Mosteiro.»[6]

            Todavia, só dez anos após a celebração deste contrato ficou «... o Mosteiro feito, capaz de morarem freiras nele, no ano de 1555 de mil quinhentos e cincoenta e cinco [ sic ], pela liberdade do breve trouxeram duas religiosas”.[7]

            Oito anos volvidos, em1563, a tragédia abateu-se sobre o Mosteiro: a crise sísmico-vulcânica fê-lo sofrer graves danos. Oiçamos o cronista Gaspar Frutuoso, que se transferiu para a Matriz da Ribeira Grande, dois anos após o ocorrido :

            « Veio um tão espantoso tremor que parecia assolar o mundo e abriu a abóbada da capela pelo meio, como semelhante coisa faria. E já a este tempo as casas e dormitório era tudo derrubado...”.[8] Segundo o mesmo autor, fugiram as freiras para Ponta Delgada, onde foram recolhidas em diversas casas. Henrique de Bettencourt e Sá, filho dos fundadores, reedificou-o de novo, e, tendo o inquisidor informado que o mosteiro “estava decente”, puderam regressar algumas, catorze anos após, a 9 de Maio de 1577. Aos poucos a vida conventual foi-se recompondo.

            Aos 23 de Fevereiro de 1629 as freiras daquele Mosteiro obtêm do Núncio Apostólico a sua liberdade face ao herdeiro do padroeiro e seu bisneto, Simão da Câmara e Sá.[9]

            Libertas do padroeiro, enriquecidas com inúmeras doações e bens de raiz, entre outros rendimentos, as madres prosseguem, sob a orientação dos franciscanos da Província de São João Evangelista e da Custódia da Puríssima Conceição das ilhas de São Miguel e Santa Maria - a partir de meados do século XVII -, até à sua extinção decretada em 17 de Maio de 1832,[10] e executada provavelmente  a 9 de Junho.[11] Foi arrematado em hasta pública em 1833.[12]

 

Algumas transformações do espaço do mosteiro de Jesus desde meados do século XVI a 1832

 

Conhecem-se, razoavelmente, algumas das várias ocupações e vicissitudes por que passou o espaço transformado desde meados do século XV até ao presente: de casa de lavoura a mosteiro e de mosteiro a residência e a terra de cultivo. A sua destruição durante a crise sísmica de 1563, a sua reconstrução pelo filho do instituidor, e muitas obras de remonte e de conservação que os livros sobreviventes do cartório monacal registaram: os lintéis das portas do “pomar” e da “casa dos Confessores” exibem as datas: 1727 (?) e 1666, o que poderá corresponder a campanhas de obras. Aos 9 de Junho de 1832 lavra-se um termo de inventário dos bens móveis  do mosteiro, que são recolhidos à Matriz e posteriormente distribuídos pelas paróquias mais carentes.[13]   Cada freira levou consigo as suas posses. Os livros do Cartório foram recolhidos pelas Finanças.

 

Porque se demoliram alguns edifícios depois de 1833?

 

Possivelmente porque tendo José Maria  da Câmara Vasconcelos, seu arrematante, decaído de bens - na década de quarenta - , plausivelmente por se ter sobreendividado com a aquisição de propriedades antes pertencentes a instituições religiosas, não ter tido capacidade - ou ter simplesmente negligenciado: a tradição oral local atribui-a “a Castigo Divino” pela destruição da igreja e do mosteiro - , para conservar aqueles edifícios. Ou outras razões que desconhecemos. Segundo os Róis de Confessados da Matriz da Ribeira Grande, José Maria encontrava-se a residir sozinho no Adro das Freiras em 1834; todavia, só reapareceria registado no mesmo local, doze Páscoas depois, em 1847; aí permaneceria  até à Páscoa de 1861; em 1862, o arrolador anotou   que falecera. É provável que, entre 1833 e 1847, tenha efectuado, muito ou poucas não sabemos, obras de adaptação a moradia. Certo foi que, em 1858, o vigário Pontes refere que - e a tradição oral repete-o -, a fachada do mosteiro tinha sido levada para a igreja da vizinha freguesia de São Pedro, na Ribeira Seca.[14] Estando, na década de sessenta, Silveira Estrela, amigo de peito de José Maria, a construir, naquele  largo, no espaço fronteiro, aquela que viria a ser mais tarde a‘ Casa da Natividade’, é de presumir que, sendo a pedra muito procurada, tivesse sido aproveitada alguma do antigo mosteiro. No início deste século, segundo Ezequiel Moreira da Silva, responsável pelas obras do Teatro Ribeiragrandense, autor de um opúsculo sobre o mosteiro de Jesus,  foi utilizada na construção daquele imóvel a pedra de uma torre - torre sineira ? - , demolida para o efeito, que existiu no canto poente da cerca.

Para encurtar caminho : Em 1893 é vendido a Jacinto Júlio Ferreira, passou por testamento a Corina Baptista e pouco antes de 1949 aos sobrinhos desta.[15]

Foi adquirido por Manuel Rocha Pontes, passando a sua filha Laura Sousa Pedro, sendo presentemente propriedade da Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande.[16]  O  que correspondeu à igreja e ao claustro, ao que parece - falta confirmar-, foi demolido e incorporado no espaço agrícola.[17] No tempo do Sr. Manuel Pontes chegou a funcionar junto às arrecadações actuais, entre estas e a casa do s.º Pinheiro, uma serragem. A ocupação do grosso daquele espaço, tem alternado entre pomar e vinha e  campo de milho, e mais recentemente, pasto. Desde 1989 vem sofrendo, a poente, no lado da rua de Trás-os-Mosteiros,  cortes substanciais com o sucessivo alargamento da rua.[18] A Santa Casa tem um projecto de loteamento e pretende trocar com o Ministério da Justiça uma parcela ( que corresponderá exactamente ao espaço da igreja e do claustro) para nela se construir o Palácio de Justiça.

 

Tese do projecto

 

Apesar da destruição a que tem sido submetido aquele espaço, julgamos ser útil verificar, no que resta, no que sobreviveu, o seguinte:

Se a “Casa da Roda e a Portaria” do Mosteiro de Jesus ficavam situadas a nascente, como se diz e vê, na hoje garagem da família Pinheiro, então, seguir-se-lhe -iam, tal como acontece nos demais mosteiros da ilha, um mirante, a sacristia, a capela-mor, o corpo da igreja rasgado pelas portas e janelas, os altares laterais - sabemos quais eram -, o mirante poente, o coro baixo; por detrás da parede sul da igreja, de uma só nave, desenvolveria-se o claustro; no vértice poente, encaixado entre o mirante poente e o claustro, erguia-se- existem testemunhos orais e um desenho do Dr. Jorge Gamboa apresentado no livro de Ezequiel Moreira da Silva -, a torre sineira. A porta do carro e a cerca poente foram destruídas em Agosto de 1997; o pomar ainda lá está, mais a “Casa dos Confessores” , o aqueduto das freiras - ainda na Mãe d´ Água -, a portaria, como já vimos, mais a casa do Sr. José Gaipo, além ainda do próprio “Campo das Freiras”. Estará o adro incorporado no terreno? Pretendíamos - vicissitudes várias no-lo impediram em 1987 -, de aplicar o método de resistividade eléctrica, assim, recorreremos à escavação selectiva - 1.º valas de sondagem, 2.º escavação em quadrícula - , se nos permitirem,  do espaço que presumimos ser o correspondente à igreja e claustro: os achados de superfície parecem reforçar esta hipótese. Outra pretensão é a de sabermos um pouco mais, apesar de os livros de ‘Receita e de Despesa’, no-lo referirem, como viveram os seus ocupantes: o que comiam, em que comiam, como se decorava a igreja etc. …

Faremos um sobrevoo do que temos recolhido nos últimos doze anos, já o dissemos, nas condições referidas, tentando compreender que o espólio sobrevivente - além de ser fruto de uma recolha de superfície e de dizer respeito à vida daquele espaço até ao presente, não só ao período conventual -, diz respeito ao que mais resistente existe e ao que o arado e a pá escavadora no-lo trouxeram: rebocos, cerâmica, vidros, eventualmente metais, ossos etc. … ; destes respigamos:

Revestimentos: azulejos de corda seca

           

Que são azulejos de corda seca ? São, de um modo geral e sem atender-se ao longo processo evolutivo daquela técnica, aqueles que, para manterem durante a cozedura do azulejo as diversas cores separadas, utilizam a  gordura como separador. Mesmo assim, muitos azulejos saíam, como é o caso dos nossos, com algumas cores borradas.

« Con esta denominación de interpretción algo confusa (12) se suele aludir a un tipo de cerámica decorada mediante un dibujo trazado a pincel con una materia grasa mezclada con óxido de manganeso.Sobre las superficies que este trazo delimita se aplican, también a pincel, otros óxidos minerales que constituyen la de coración a color (13).»[19]

Começo, pois, pelo “ hispano-mourisco , de provável origem sevilhana .[20] Enquadra-se, cronologicamente, na transição do século XV para o XVI, prolongando-se até meados do século XVI.

Tem, grosso modo, as seguintes dimensões:

N.º 2 -:  - c.136mm x  c.126 x c.25 mm

           

Revestimentos: azulejos de aresta

 

Em que consiste a técnica da aresta?  De um modo simplista tratava-se de recorrer a uma ranhura ou aresta para manter as cores separadas durante a cozedura. Marca um avanço técnico em relação à corda seca. Todavia, é bom reter que, tal como para aqueles primeiros, houve um percurso evolutivo e de  maturação naquela técnica.

 

« En el camino de la progressiva simplificación del proceso de fabricación del azulejo, la aplicación de una matriz que mecánicamente imprimiera el relieve sobre el barro, fue un paso revolucionario… El perfeccionamento de esta técnica posibilitó la eliminación del retoque a pincel de cada pieza en lo referente al trazado del diseño, aunque la aplicación de los esmaltes sobre éste, tal vez siguió siendo manual.»[21]   

    

N.º3 - De motivos naturalistas, apresenta, porém, quanto à temática, influências da Renascença, provavelmente da primeira metade do século XVI, tendo respectivamente as seguintes dimensões:  c. 136mm x  c. 140 mm x  c. 23 mm

 

O fragmento hispano-mourisco de aresta, acima referido, tal como os de corda seca, são ainda de presumível produção sevilhana. [22]

            Estão perfeitamente inseridos quer no período provável de construção das casas de Pedro Rodrigues da Câmara, quer na sua adaptação posterior a mosteiro ( 1545 - 1555 ). Quer até mesmo antes da década de setenta. Têm sido sistematicamente encontrados , estes e outros mais - ainda no dia 11 de Março de 1998 encontrámos mais fragmentos deste tipo -,  no vértice poente do terreno, numa área que corresponderia- aceite-se tal como hipótese de trabalho-, ao coro baixo, espaço do mirante poente ou pequeno claustro junto à torre sineira. Tendo pertencido, plausivelmente, ao edifício antes da sua reedificação, podem ter permanecido em local não atingido pela destruição ou pela reconstrução, como podem ter sido utilizados então ou em época posterior; não sendo ainda de excluir, sem mais provas arqueológicas e arquivísticas, que tenham vindo de outro edifício fora daquele convento. Alguns fragmentos de corda seca apresentam nítidos vestígios de desgaste por fricção: teriam sido utilizados em superfícies pavimentares? No mesmo conjunto de terras temos vindo a recolher fragmentos de tijolos, um dos quais, ainda em estudo, apresenta  visíveis sinais de utilização pavimentar. Utilizá-los-iam - azulejos e tijolos -, além do seu uso em frontais de altar, em rodapés, em superfícies parietais, em banquetas,  etc. … , tal como em outros locais, tal como os vemos em pinturas quinhentistas,  na cobertura pavimentar, alternando tijolos e azulejos? O vestígio “formal” na “Casa dos Confessores”- os azulejos são actuais mas talvez decalcando a forma antiga, segundo nos informaram-, de algo semelhante, permite-nos não excluir esta suspeita.

N.º 4- Fragmentos de telha pintada

 

Contentores

 

Agora, sem entrarmos em muito detalhe, deixá-lo-emos para outra ocasião, referiremos o testemunho de outros materiais. Alguma loiça, ao que parece de origem portuguesa, todas recorrendo à técnica da majólica, utilizada na altura de refeições:

N.º 5- Fragmento de prato pequeno de “três contas”- 2.ª metade do século XVII

N.º 6- Fragmento de prato pequeno - Séculos XVII-XVIII

N.º 7 - Fragmento de fundo de prato grande- século XVII (?)

N.º 8  - Fragmento de tigela- séc. XVII (?)

Vidros:

N.º 9 - Fragmento de garrafas ( a estudar)

 

Conteúdo

N.º10 - Restos de moluscos ( a estudar)

N.ª11- Outros restos animais ( a estudar)

 

Rendimentos

 N.º 12- Moedas cunhadas nos Açores ditas “malucas” de 80 reis: 1829 (?)

 

II

( se for oportuno, acrescente-se)

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela

 

Mas não só temos investigado o espaço do mosteiro de Jesus, também o temos feito em outros locais, tais como a Matriz. O edifício actual foi reconstruído no século XVIII, todavia, a primitiva remonta a inícios do século XVI.

Imaginária

No vão, entre a talha do altar -mor e a sua parede de suporte, foram encontradas algumas imagens de diferentes épocas e de diversas invocações. Apesar de ainda as estarmos a estudar, poder-se-á, como hipótese de trabalho a confirmar, naturalmente, que, segundo a tradição local era um dos modos de “sepultar/ dar destino” com dignidade às imagens danificadas: na igreja; além deste hábito, havia, entre os que vivendo junto à costa, as atiravam ao mar, ou então, sendo estas de material combustível, as queimavam. Ainda hoje se mantém o costume de enterrar imagens, nestas condições, nos cemitérios.

N.º 13- Cristo crucificado agonizante em madeira: influência cingalo-portuguesa da 1.ª metade do século XVII. Todavia, poderá ter sido feita posteriormente.[23]

 

N.ª 14- S.João Baptista / S. Salvador do Mundo (?) - Terracota - Século XVIII

 

Azulejos majólica de padrão policromo

           

Que é a técnica da majólica? Uma base estanífera, o vidrado, veio permitir às demais cores utilizadas na pintura do azulejo que não se misturassem durante a cozedura. Foi uma evolução marcante.

 

«O esmalte estanífero branco da majólica não só é uma superfície admiravelmente apta para receber a decoração pintada e fixá-la durante a cozedura, devido à sua incorporação no esmalte durante a fusão de todos os componentes, como se destaca também pela sua vitrificação, brilho e impermeabilidade após a cozedura.»[24]

 

      Designam-se por azulejos policromos não propriamente aqueles que utilizam mais do que uma cor, por exemplo, os azulejos que irei referir, utilizam o branco e o amarelo, mas a estes formando padrões. É uma designação utilizada para os seiscentistas.

            Para reconstituirmos ( identificarmos ) cada um dos fragmentos dos policromos, tal como já o tentáramos para os de corda - seca e os de aresta, comparámo-los, um a um, com elementos inteiros conhecidos, seja dos que figuram nos livros do Eng.º Santos Simões sobre a azulejaria nos Açores e na Madeira, no Brasil e no Continente Português,[25] seja visitando locais onde estes ainda se encontram colocados ou recolocados, quer ainda comparando-os aos que recolhemos, em outros locais da Ribeira Grande.

            Como resultado desta busca, identificamos grande número deles, entre eles:

- Padrão Camélia- terá pertencido ao mosteiro  de Jesus

 

Azulejos setecentistas

 

N.º 15 - Parte de cartela, versando temática mariana, do rodapé dos azulejos setecentistas do ciclo dos grandes mestres: pertenceu à capela-mor, chegaram à Ribeira Grande em 1710 e foram retirados na 2.ª metade do século XIX.

N.º 16-Fragmento de padrão denominado “Camélia” encontrado na torre da igreja Matriz: 2.ªmetade do século XVII.

 

Passal dos Vigários da Matriz

Já Passal no tempo do Dr. Gaspar Frutuoso (?) - 1565-1591-, foi nacionalizado na I República, tendo servido de escola, de Café (?) e de moradia, até que voltou de novo, na década de trinta deste século à posse da igreja, no priorado do P. Evaristo Carreiro Gouveia.

 

N.º 17- Fragmento de azulejo de aresta de provável produção sevilhana - c.140mm x 69 mm x 23 mm

 

Casa dos Taveira

 

O espaço da casa e quintal dos Taveira é hoje conhecido por Cascata, ou Largo Gaspar Frutuoso; a sua transformação terá sido iniciado ainda em finais do século passado, após ter sido, entre meados do século XIX e a inauguração da actual, praça de produtos agrícolas; tendo sido vendida pela família Taveira à autarquia.

 

N.º 18 - Fragmento de prato pequeno de “aranhões”- 2.ª metade do século XVII

 

Casa da freira do Arcano

 

N.º 19 - Óculo de iluminação e de ventilação encontrado no quintal da casa supradita: aparece frequentemente associado às casas de feição seiscentista da Ribeira Grande  

 

Ex-Externato Ribeiragrandense

N.º 20 - Pedras encontradas no recreio do antigo Externato e oferecidas pelo Dr. Manuel Barbosa.

Mário Fernando Oliveira Moura

Ribeira Grande 16 de Março de 1998



[1] Já em 1858, segundo nota do Arquivo Paroquial da Matriz da Ribeira Grande, o mosteiro, arrematado em 1833, tinha sido demolido.

[2] O mesmo diria de azulejos lisos de composições enxequetadas.

[3] AHMF. Inventário do Convento de Jesus da Ribeira Grande, n.º 485

[4] History of the Azores or the Western Islands , London, 1813, p.189

[5] Monte Alverne, Agostinho de, Crónica da Província de São João Evangelista e Ilhas dos Açores, v. 2, Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ponta Delgada, 1961,  p. .312, p. 461

[6] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra,  lv. 4 , v. 2,  p. 107

[7]Monte Alverne, Agostinho, Op. Cit, v. 2,   p. 314

[8] Frutuoso, Op. Cit ,  lv. 4, v. 3,  p. 45

[9] Agostinho de Monte Alverne, Op. Cit, v. 2,   p. 319

[10]Colecções de Decretos de Mouzinho da Silveira, 1829 - 1834.

[11]Capitão Boid, Descrição dos Açores ou ilhas ocidentais, trad. João H. Anglin, “Insulana”, Ponta

[12]Aos catorze de Dezembro de 1833, conforme título público passado em nome do Provedor Interino do Concelho da Ribeira Grande, António Manuel da Silveira Estrella, o mosteiro e suas dependências foi arrematado em hasta pública. Estes bens de raiz, fazem parte do património de Dona Mariana Amália Narciza, primeira esposa de José Maria da Câmara Vasconcelos que aparece como seu inventariante num documento de 7 de Janeiro de 1834.

[13] AHMF, Inventário do Mosteiro de Jesus, Inv. n.º 12,  n.º 485

[14] Desconhece-se se foi reposta tal qual, ou se só se aproveitou a pedra para fazer uma nova.

[15] Silva, Ezequiel Moreira da, O Convento de Jesus da vila da Ribeira Grande , Tipografia do Correio dos Açores, Ponta Delgada, 1949, p. 10-13

[16] ARFRG , Matriz Predial Rústica Freguesia da Matriz, Ribeira Grande.

[17] Não trato aqui da “Casa dos Confessores” e outras mas tão só do espaço referido.

[18] Vimos desde 1987 a constituir uma pasta contendo observações, desenhos, fotografias e outros registos bem como plantas sobre o local e sua envolvente e tudo o que nele se tem feito desde então.

[19] Alfonso PleguezueloHernández, Azulejo Sevillano. Catalogo del Museo de Artes y Costumbres Populares de Sevilla , Padilla Libros, Sevilha, 1989, p.26- 33 

[20] Devo a classificação e identificação a José Meco e a Alfonso Pleguezuelo.

[21] Alfonso Pleguezuelo Hernández, Op. Cit , p. 33

[22] Vide desenhos dos números citados mais o 6 - A

[23] Opinião do Dr. António Manuel de Oliveira.

[24] José Meco, O Azulejo em Portugal , Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p.44

[25] J.M. dos Santos Simões, Azulejaria Portuguesa  na Madeira e nos Açores; Azulejaria Portuguesa seiscentista, 1º e 2º vol. ;  Azulejaria Portuguesa no Brasil. ( Chorpus de Azulejaria Portuguesa ).


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“Mãn d’água [1] ” Moleiros revoltados na Ribeira Grande [2] Na edição do jornal de 29 de Outubro de 1997, ao alto da primeira página, junto ao título do jornal, em letras gordas, remetendo o leitor para a página 6, a jornalista referia que: « Os moleiros cansados de esperar e ouvir promessas da Câmara da Ribeira Grande e do Governo Regional, avançaram ontem sozinhos e por conta própria para a recuperação da “ mãe d’água” de onde parte a água para os moinhos.» Deixando pairar no ar a ameaça de que, assim sendo « após a construção, os moleiros prometem vedar com blocos e cimento o acesso da água aos bombeiros voluntários, lavradores e matadouro da Ribeira Grande, que utilizam a água da levada dos moinhos da Condessa.» [3] Passou, entretanto, um mês e dezanove dias, sobre a enxurrada de 10 de Setembro que destruiu a “Mãn”, e os moleiros sem água - a sua energia gratuita -, recorriam a moinhos eléctricos e a um de água na Ribeirinha: « O meu filho[Armindo Vitória] agora [24-10-1997] só ven...

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Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse? Pequenos traços biográficos. Pretende-se, com o museu do Arcano, tal como com o dos moinhos, a arqueologia, a azulejaria, as artes e ofícios, essencialmente, continuar a implementar o Museu da Ribeira Grande - desde 1986 já existe parte aberta ao público na Casa da Cultura -, uma estrutura patrimonial que estude, conserve e explique à comunidade e com a comunidade o espaço e o tempo no concelho da Ribeira Grande, desde a sua formação e evolução geológica, passando pelas suas vertentes histórica, antropológica, sociológica, ou seja nas suas múltiplas vertentes interdisciplinares, desde então até ao presente. Madre Margarida Isabel do Apocalipse foi freira clarissa desde 1800, saindo do convento em 1832 quando os conventos foram extintos nas ilhas. Nasceu em 1779 na freguesia da Conceição e faleceu em 1858 na da Matriz, na Cidade de Ribeira Grande. Pertencia às principais famílias da vila sendo aparentada às mais importan...