Mário Fernando Oliveira Moura
Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse: um percurso de identidade na Ribeira Grande
Ribeira
Grande, Novembro de 1997
Introdução
Obviamente não tratarei de todos os aspectos/emblemas de identidade do concelho da Ribeira Grande, mas tão-só de um: o Arcano Místico de Madre Margarida. Um emblema forte, entre outros, que serviu para justificar os pergaminhos da vila candidata a cidade, há pouco mais do que uma década atrás. Este trabalho integra-se na nossa proposta e prática de Museu de Identidade.
Poderia referir-me às Cavalhadas que seguem, por vezes, um percurso identitário semelhante ao do Arcano. Ou às áreas dos “Impérios” do Espírito Santo como forma de definir espaços de pertença. Ou, seguindo a mesma linha de raciocínio, os clubes de futebol, as “bandas de música” e as próprias unidades paroquiais. Ou, então, seguindo a identificação da elite local na década de trinta deste século, conforme os painéis azulejados do salão Nobre dos Paços do Concelho, referir-me aos moinhos, ao chá, de novo às Cavalhadas, ainda às Festas do Divino Espírito Santo e a Gaspar Frutuoso. Vou referir-me somente ao Arcano.
Considero a questão enunciada no título chave para a compreensão do trabalho do museólogo. Porquê?
Sendo este técnico responsável pela recolha, preservação, estudo e exposição de bens patrimoniais de uma dada comunidade, a fim de esta fazer uma opção consciente, ele terá de lhe explicar os mecanismos da transformação de um objecto, ‘tout court,’ num objecto patrimonial, primeiro, e objecto museológico, depois.
A questão central residirá no facto de
se saber se todo o objecto deve ser objecto patrimonial. Eis a pergunta que
aquele ‘técnico patrimonial ‘ terá de equacionar e responder satisfatoriamente:
que é, em suma, que torna “legítima” e “necessária” aquela opção? A decisão deveria passar não só
pela comunidade e pelos seus representantes, teria de ser o resultado da
ponderação da informação produzida pelo técnico, pela própria assunção da
comunidade, e pelo bom senso e sabedoria em “evitar que o património seja o
resultado tão só de maiorias aritméticas” ou de “minorias iluminadas.”
Outra questão, central de igual modo, mas de certo modo tabu, será a de se saber se o objecto patrimonial musealizado poderá deixar alguma vez de ser necessário e legítimo à comunidade. Porque não lhe diz nada. Qualquer destas questões é de difícil resposta e eu não tenho, nem presumo ter, a solução.
Recorrerei, por um lado, às fontes manuscritas e impressas, por outro, à tradição oral local, numa tentativa de visão histórica diacrónica comentada da identidade entre o Arcano, a comunidade e os seus públicos.
Como é que o Arcano se transformou, do Arcano da freira, no nosso Arcano? E por quem? Esta será a minha janela sobre esta parcela “do real”. Decorre, este questionamento “teórico”, do trabalho prático que venho desenvolvendo desde 1986 no Museu da Ribeira Grande.
Pequeno esboço de tese
Destacar-se-ão, ao longo desta curta e limitada observação, vários aspectos. Um dos quais, estou em crer, realçará o tipo de processo evolutivo não linear, dependente de vários factores históricos. Outro aspecto descobrirá o seu mecanismo (à falta de melhor!) de “apropriação” (assimilação)/divulgação comunitária.
Iniciando-se num círculo restrito de conhecimentos e conhecidos do quadro dos notáveis da vila e da ilha alastra-se a toda a comunidade. Só numa fase posterior é que as pessoas comuns da vila serão abrangidas.
Igualmente se depreenderá que o reconhecimento e a admiração “dos de fora” constituiu o “alimento” seguro do crescente de admiração e de reconhecimento dos locais.
Em suma, o orgulho dos notáveis locais face ao elogio exterior foi simultaneamente causa e consequência daquele “casamento”.
Estamos em crer que os anos de 1847, e, especificamente, o magistério de António Feliciano de Castilho (a Sociedade Promotora das Letras, as exposições de Artes e de Indústria de 1848 e 1849) foram factores fortes e determinantes.[1] Não esquecendo, bem entendido, a influência directa, na Ribeira Grande, da Sociedade Escolástico - Filarmónica Ribeiragrandense.
Outro momento-chave ocorreu entre 1858, data em que Madre Margarida falece e 1870, ano em que o Arcano deixa de estar à venda. Não se vendeu porque não houve comprador ou porque o “valor de estimação” foi mais forte e decisivo?
Estaria neste momento o Arcano já apropriado pela comunidade? Existem indícios. Porque será que já em 1848 ela teve de fazer publicar no jornal um pedido/aviso a pedir desculpa às pessoas por não poder temporariamente franquear-lhes as portas?
Porque é que, tendo ela falecido, e sendo a casa alugada, o Arcano não só permaneceu nela até 1870 como era visitado e dava lucro?
Ao valor de estimação acrescentou-se um outro, ou ambos se reforçaram?
Valor
de Estimação do Arcano?
Que é que as pessoas viram nele para o considerarem seu? Teria sido o orgulho de serem conterrâneos de tão famosa personagem equiparada ao celebérrimo Frutuoso, patriarca da historiografia islenha? Confirmamo-lo em parte.
Teria sido pela erudição demonstrada na elaboração dos quadros bíblicos? Também o confirmamos.
Teria sido pela força irresistível do mistério daquela obra? A técnica só foi recentemente divulgada após análise laboratorial. Em parte. Pela paciência?
No fundo aquela obra não só lhe diz respeito porque está imersa no mesmo caldo cultural (religioso) mas também porque o seu reconhecimento extra-comunitário lhes vem alimentar positivamente o bairrismo, ou auto-estima da comunidade. A Ribeira Grande sempre foi considerada a vila quase cidade quando comparada a Ponta Delgada.
I Parte
Esta I Parte seria de excluir se fosse do domínio público o conhecimento rigoroso da obra e autora, porém, como tal não acontece, darei em breves traços algumas notas para melhor nos enquadrarmos na II parte.
Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse?
Pequenos traços biográficos.
Foi freira clarissa desde 1800, saindo do convento em 1832 quando os conventos foram extintos nas ilhas. Nasceu em 1779 na freguesia da Conceição e faleceu em 1858 na da Matriz, na Ribeira Grande.
Era das principais famílias da vila e aparentada às mais importantes da ilha. Por exemplo, o seu tio Caetano e o seu irmão Teodoro, ou mais tarde o cunhado daquele último, entre outros, ocuparam todos os cargos importantes da vila desde a vereação às associações locais.
Se começou a fazer o Arcano, ainda no convento ou já exclaustrada, não o sabemos. Contudo, após uma década de construção quase febril, dedicou o resto da sua energia a instituir (a tentar) a festa de São João Evangelista tal como no século XVIII, mas num contexto mais favorável, o havia feito com êxito Madre Teresa da Anunciada com o Senhor Santo Cristo dos Milagres.
Considerava-se ‘Cristã Velha’ (identidade não despicienda na altura); sofria de doença crónica chegando mesmo a sair temporariamente do convento para procurar, em vão, cura. A sua doença obrigou-a a estar retida de cama, por longos períodos. Tal facto deve ter tido a ver com a “ escolha “ da sua arte. Para além de receber rendas em trigo. Tinha pois tempo e material para a sua obra. E talento.
As freiras, segundo um testemunho de um inglês que visitou o convento à volta de 1813, eram cultas, sabendo mais do que uma língua, faziam trabalhos manuais diversos e eram exímias cantoras.[2] Madre Margarida fazia o grosso das figuras do Arcano (segredo na altura) recorrendo a uma substância constituída à base de farinha de arroz e outros ingredientes.[3]
Será este trabalho exemplificativo da teoria (ou pressentimento/intuição) de que a arte dita popular não vive estanque, antes pelo contrário dialoga e interage com a denominada arte erudita?[4]
Luís Bernardo Leite de Ataíde, muito embora perfilhe a ideia de separação, de uma certa separação, na prática parece olhar o Arcano de outro modo. De paradigma de arte popular, evolui para uma apreciação que terá pontos de contacto com a visão sugerida na nota bibliográfica 4.[5] A musealização da arte precisa de respostas; assim, esta linha de reflexão sobre esta temática, afigura-se-me promissora e relevante.
O que é o Arcano Místico?
É ela própria quem o diz no seu testamento e codicilo de 1857 [6]: “Tenho como meu um móvel a que chamam - Arcano Místico, ou outro melhor nome que se lhe dê, contém os mistérios mais importantes do Velho e do Novo Testamento que compreende as três leis que o Senhor Deus deu ao mundo para que por figuras melhor pudéssemos entender o dever e a escolha que devemos fazer da lei da graça que por graça nos foi dada.” - Foram estas mais ou menos as palavras da freira.
O que disse dela em 1897 o cónego Sena Freitas que lá esteve aos 9 anos (C. 1848 / 9). O móvel no andar superior representava a antiga lei, no antigo povo judaico, do mosaísmo que descia na sucessão das gerações ao primeiro andar o que simbolizava a dos séculos da lei da graça cujo início foi o Presépio de Belém.[7]
Matematicamente o Arcano é um móvel de 2x2x2 m contendo em três prateleiras cerca de noventa quadros modelados.
Em termos museológicos. Encontra-se actualmente uma mais que exígua sala do coro alto da Igreja Matriz, sendo pertença da Confraria do Santíssimo desde 1858. Graças a um “micro-clima”, mantém-se, apesar de tudo, em muito bom estado. Por razões museológicas, por pressão de certa intelectualidade, pela própria igreja, ele deve sair do coro alto e regressar à casa onde foi feito e se manteve até 1870.
II Parte
Tentar percebê-los[8]
O Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse parece ter começado por ser uma obra que se “ ia revelando “ (arcano: mistério ou enigma desvendável através da “ revelação “ tal qual acontecera ao “ Apocalipse “ de seu “ padrinho “ S. João Evangelista) a uns poucos à medida que ia sendo “ concretizado / traduzido “ pela suas mãos, mente, coração, fé, intuição e graça divina. Não esquecendo a dimensão mais comum da relação obra/artista.
Ela era, a um tempo, intérprete dos mistérios divinos (intermediária), a outro, autora, na medida em que dava forma própria ao conteúdo das mensagens.
Assim o primeiro ponto a reter deverá ser a sua dimensão extra-racional, simbólica, não totalmente racionalizável. Da incompreensão ou inaceitação deste ponto, em nosso entender, derivaria o desacerto de algumas apreciações dentro do quadro de certa historiografia da arte. Talvez ainda seja (no quadro da história) a recente iconografia a abordagem ou aproximação mais adequada a esta realidade.
Mas se o conteúdo se ia revelando, a forma, ou seja a técnica do seu fabrico ou até mesmo a razão da sua eleição como meio de divulgação da mensagem, permaneceriam “arcanos” - não revelados.
A “autora” (no sentido que sugeri), “orgulhosa” da sua obra mas lamentando a sua privacidade devassada, ia sendo “forçada” a partilhá-la com um círculo cada vez maior de “visitantes”.
“...Todos os Senhores que vem porque querem vêm [sic] sem que eu os conuide seria offença escandelloza [sic] negalhe [sic ] alinça [sic] que pedem tendo eu [sic] por condição Natural não offender as Pessoas que merecem Respeito eatenção[sic] apezar de aterem tomado Com Exçeço [ sic ] emtº em comodo meu [sic]. [9]
E mais adiante:
“deuer relegioso q metem[ sic ] dezobrigado das Relações [sic] do Mundo e Comprimentos públicos,... ; tinha criado Amor aSollição [sic] que óra aconto perdida. “castigada epor força sogeita...” [10]
E o caracter da obra divina:
“He para mim Desprezo pecuminozo [ sic ] em tereçar [sic] Nas obras de Deos aquem hé deuido só e Retiro todo louuor...”[11]
Primeiramente (será plausível assim pensar) aberto a um círculo bastante restrito de pessoas que teriam acesso directo à sua intimidade, designadamente (e isto está confirmado), os seus parentes. Seguidamente (e isto está igualmente confirmado), a todos aqueles que, no dia a dia, tinha de privar; os padres, os confessores, as empregadas, os mestres de obras, entre outros. Aí teria começado a acção que se poderia denominar de “polinização” ou de “sementeira” de uma identidade ou de um “percurso de apropriação patrimonial”.[12] Coincidentemente ou não, deste grupo inicial de “iniciados” fariam parte os “senhores da opinião pública da terra”.[13]
O Presidente da Câmara, o Prior da Matriz, os Provedores das Irmandades etc... A sua família ocupava cargos importantes ou exercia o “magistério de influência” em toda a administração tanto civil como religiosa como económica da localidade e mantinha laços estreitos com o resto da ilha; como já se afirmou no início deste “ensaio”.
Foram, teriam sido possivelmente, estes quem teria primeiramente levado a “notícia da existência do prodígio” para fora da sua casa.
A elite local, da ilha e da vila, alargava-se, é fácil constatá- -lo e prová-lo, a grupos afins de fora da ilha e das ilhas, tanto nacionais como estrangeiros. Por esta altura (2ª metade do século XIX) a ilha de São Miguel tinha atingido o apogeu do “ciclo da laranja” no qual se entreteciam múltiplos laços com a Inglaterra, principalmente. Por esta altura, demandavam-na inúmeros forasteiros cultos e viajados que ali se deslocavam por motivos diversos desde os profissionais aos de instrução e recreio.
Porque foi que o Arcano Místico caiu nas graças da comunidade?
Em 1832 o reconhecimento do seu talento pelo rei, quando Madre Margarida lhe ofereceu uma composição floral simbolizando a luta pela liberdade, teria sido o primeiro e o decisivo incentivo público.[14] Surpreende como uma freira conseguiu superar dois impedimentos iniciais: primeiro, o de ser freira, numa altura em que a reputação das freiras a desfavorecia, segundo, o de ser mulher, transformando-se, não obstante, no grande símbolo/emblema de uma comunidade/elite. Ela é não reconhecida/apropriada, ainda em vida, apenas pelos sectores mais conservadores como também pelos mais liberais. Um mação como o cunhado do irmão (José M. da Câmara de Vasconcelos) reconhece-a. [15]
Ao longo desta exposição aflorarei esta questão, todavia, para já, afigura-se-me que desde o início existiram três condições propícias à sua “disseminação”.
1 - A semente (O Arcano) era boa.. Vinha ao encontro de expectativas e de necessidades do grupo dirigente.
2 - Os semeadores eram excelentes (os fazedores da opinião pública local e a própria artista).
3 - O terreno onde caiu a semente era propício (a Ribeira Grande precisava de heróis e de diversão, por exemplo).
O grupo que “descobriu e se apropriou” primeiramente do Arcano deve tê-lo entendido, apreendido e admirado tanto pelo seu lado “real” de mistério duplo (conteúdo e forma) como pelo lado paciente e “criativo”. Além do mais não havia à época, na vila, nem “cosmorama” nem “animatógrafo”.[16] Já em 1849 ou 1848, segundo o testemunhou Sena Freitas (o valor de uma recordação distante de meio século deve ser tida com prudência!), o presépio (Arcano) reinava sem concorrência na vila.[17]
O orgulho por os outros nos terem elogiado como fertilizante da apropriação da obra. (os de fora da vila).
Aqui começa a funcionar (pelo menos parece), por parte das elites e, por “empatia ou osmose social”, a transmissão/ propagação a outras camadas da população local ainda arredadas; o orgulho de mostrar e de ser elogiado pelos de fora pela “curiosidade da nossa terra”.
Os da terra que a ele não tinham acesso, a ele acederiam através do ouvir dizer ou mesmo do ler.
A ideia teria assim germinado, tanto entre os que o tinham visto como entre os que não o tinham visto. Em ambos funcionou a “polinização/fertilização”.
A Ribeira Grande era um ponto obrigatório de passagem para a alta sociedade em vilegiatura nas Furnas. Os Canto, os Jácome Correia, os Anglin, etc... No período da ceifa, das vindimas, as grandes e pequenas casas de lavoura de Santana, Conceição das Vinhas, Madre de Deus, entre outras, constituíam pontos de (re)encontro e de convívio social.[18] A ilha (re)encontrava-se nesta altura e dispunha-se a receber.
Sem dúvida que estes, e os seus convidados, tanto locais como estrangeiros, na ida ou no regresso (não esquecendo a vilegiatura das Caldeiras na Ribeira Grande), ao descansarem ou mesmo estanciarem por mais tempo na vila, seriam iniciados pelos seus pares “naquele prodígio e naquela maravilha”.
A Ribeira Grande e a cidade de Ponta Delgada a cerca de 20 Km uma da outra, a primeira situada na costa Norte a segunda na do Sul, viviam uma “união indissolúvel de interesses”. O que a primeira produzia era exportado pelo porto da segunda. Existiam rivalidades entre ambas. Uma era de há muito cidade, a outra há muito queria ser cidade. Eis outro ponto a ter em conta na definição do Arcano como “objecto útil” às elites ribeiragrandenses na sua proclamação de diferença perante os outros: “Ponta Delgada”.
Em 1848 (ano importante para nós!) a pobre freira querendo sossego para pensar e executar o que faltava à “sua obra” (registe-se que de tal nunca veio a acontecer) teve de recorrer ao AVIZO publicado no ‘Açoriano Oriental’.[19] Utiliza um meio ao dispor dos poucos (o analfabetismo era elevado) mas influentes que sabiam ler para atingir o público específico fora e dentro da vila.
Porquê
em Setembro de 1848?
A esta parte, que reputo de crucial, intitularia de: Castilho, o seu magistério, as exposições de arte e de indústrias como elementos decisivos na apreensão/apropriação patrimonial do Arcano.
Já não se trata de alguém da vila ou da ilha mas de alguém fora dela que, implícita ou explicitamente, valoriza o Arcano. A força é maior neste caso.
A preocupação com o património cultural (não o irei aqui definir, todavia, deixo registado o meu acordo às observações contidas no artigo “Identidades Culturais e Desenvolvimento-Contribuições”. Aliás, a reflexão que ele propõe tem servido de base à elaboração deste)[20] recebeu um impulso decisivo do romantismo oitocentista. A acção de António Feliciano de Castilho na ilha entre Agosto de 1847 e Julho de 1850 e a influência daí resultante, ajudou a definir gostos e a promover culturalmente a sociedade micaelense. Registe-se que Castilho, nos estatutos da Sociedade Promotora das Artes e das Letras Micaelenses, propõe a criação de um museu. E, já agora, que Carlos Machado, o fundador do Museu de Ponta Delgada foi seu discípulo. Assim como muitos dos patronos daquela instituição museal.
No nosso caso concreto, a acção daquela associação e das suas exposições, tanto a primeira em Dezembro de 48 como a de 49, terão muito “plausivelmente” influenciado e sido influenciadas pelo Arcano.[21] O “surto” de interesse público pela obra. Pelo menos, tanto quanto sabemos, seria a partir de então que o Arcano sairia das “bocas” (do dizer) para entrar também no mundo da escrita, nos livros e nos jornais.
O AVIZO da Madre surge (já o dissemos) em Setembro de 1848 e a primeira exposição realizar-se-ia em Dezembro de 1848. Aliás existem editais publicados no “Açoreano Oriental” e na “Persuasão”, a solicitar “obras” para a mesma. Não haverá coincidência entre estes documentos? Suspeito que sim. Porém, suspeitas, não são condenações, é certo, mas a história é feita de suspeições plausíveis. Teriam os organizadores do certame pedido a sua colaboração? Teria sido “descoberta” pelos angariadores? Teriam os locais feito os angariadores (os comissários da exposição) descobri-la? A época era propícia a descobertas. Seria por isso que teria pedido publicamente sossego para acabá-lo? Em todo o caso, e no que nos interessa, quer tenha ou não figurado na exposição, quer tenha ou não sido convidada, as exposições parecem ter na mesma influído na apreciação dela. Como?
Uma hipótese: As sobreditas exposições terão demonstrado, por comparação ou por omissão, a sua superioridade face ao que (parece) lá se expôs. Ou então ainda a singularidade (em todos os aspectos) daquela obra face a tudo aquilo.
O próprio “reconhecimento publicado” do Arcano em 1850 parece corroborar esta nossa dedução. Castilho regressaria definitivamente ao continente em Julho de 1850, o folheto atribuído a João Albino é editado ainda em 1850.[22] Surge primeiro sob a forma de trabalho lido (declamado!) na Sociedade Escolástica Filarmónica da Ribeira Grande elogiada por Castilho. João Albino Peixoto proclamava em nome da comunidade “culta” e “influente local” (membros da sociedade acima referida) e perante os seus convidados (inúmeros segundo testemunhos), após as duas “grandes exposições Castilinianas”, o seu “orgulho” em ser ribeiragrandense e em ser filho da mesma mãe da ilustre autora de tão grande obra: O Arcano.
É o baptismo (rito de passagem) público da obra, a sua transformação, a passagem da obra de Madre Margarida para a obra da Ribeira Grande.
A comunidade “culta perfilha-se, perfilhando-a”. A terra, através do poeta discípulo de Castilho, acabava de fazer, ao que parece, uma das suas primeiras opções patrimoniais modernas.
Classificou-a como “obra e autora de orgulho local”. Em primeiro lugar, perante o público da Sociedade Escolástica, em seguida (não sabemos o tempo que mediou entre a alocução e a sua publicação) em formato de folheto. Foi como se, após a cerimónia, houvesse necessidade de completar as formalidades do “ritual”, de “registar o baptismo” e de o apregoar aos quatro ventos para que não restassem dúvidas acerca “daquela identidade, daquele reconhecimento: Eu sou irmão dela e a obra é filha desta Ribeira Grande”.
Dizia ainda o poeta Albino: “As
famílias mais consideradas da cidade de
Ponta Delgada, e de toda a ilha, os estrangeiros intelligentes e prezadores de
Variedades todos se movem a visitar a Ribeira Grande.” [23]
A terra reclamava assim e para si, publicamente, já o dissemos e insistimos, pelo menos aquela parte “dita culta,” à falta de melhor termo, a glória daquela obra e da sua autora: “A Ribeira Grande tem a gloria em ser a mãe de tão ilustre filha”. [24] E explicava Albino as razões: 1- Por ser obra tão grande; 2 - Por ser tão admirável; 3 - De tão assombroso talento.
E rematava, colocando-a entre as figuras cimeiras da história local a par do “excelso” Frutuoso, cronista quinhentista das ilhas. Enquanto este último era natural de Ponta Delgada mas tinha feito a sua obra na vila, a primeira tinha nascido e feito a sua obra na Ribeira Grande. A sua identidade era indisputável. Se foi exagero, não há memória escrita de ter sido alguma vez desmentido. Sê-lo-ia, ao que parece, muito mais tarde, quase um século depois, por Oliveira San-Bento.[25] Ainda assim este criticar-lhe-ia mais o exagero da escola ultra-romântica do que o Arcano. Se bem que em 1940 (à volta disso) a obra já tivesse outros “significado” e “significante”, como possivelmente ainda veremos. Ou melhor tentaremos demonstrar.
Parece-me, pois, mais hipérbole, menos hipérbole, menos floreado, mais floreado, que aquela teria sido a opinião unanimemente aceite e reconhecida.
Terá sido um reconhecimento “alimentado” pelo orgulho (como já indiciei) que os locais sentiam pela admiração confessada pelos de Ponta Delgada e pelos de fora da ilha? Creio que sim. A comunidade (que não é nem a soma aritmética das pessoas nem dos grupos mas uma realidade muito mais complexa) é, parece ser pelo menos, tal qual as pessoas, “NARCISISTA”. O reconhecimento dos outros é um dos nutrientes da complicada dieta egoísta (no bom sentido) do narcisista.
Não será só necessidade em alimentar o “ego” comunitário mas também, entre outras necessidades, a de a elite possuir uma heroína/emblema, um ponto de referência e de emulação. Creio que sim.
Por escrito, o reconhecimento do “outro” parece ter surgido ainda antes de 1856, pela pena do grande jornalista e polemista local (Ponta Delgada) de origem continental, Francisco Maria Supico. Naquele tempo e naquele contexto, aceite-se o risco da comparação, equivaleria a um Marcelo Rebelo de Sousa em 1973 ou a um Vasco Pulido Valente em 1993.
O seu testemunho dificilmente sofreria contestação de excesso ou de hipérbole mesmo pela contemporaneidade. Referindo-se à Ribeira Grande disse:
“O Arcano da Freira
E entre as tuas maravilhas
P’ra galardão de tuas filhas
Tens um presépio sem par!”[26]
O que dissera exuberantemente Peixoto di-lo mais comedidamente Supico. O seu beneplácito público abençoou a auto-proclamada pretensão ribeiragrandense. Teve decerto repercussões. Mais. Tratar-se-ia do reconhecimento público e publicado da ilha de São Miguel?
Não será despiciendo de todo supor-se que, nas entrelinhas, Supico parece dizer:
“O que o Albino disse e escreveu em 1850 sobre o Arcano e a Freira e a Ribeira Grande merece o meu reconhecimento público e por mim e em meu nome toda a ilha. Tenho para isso a ‘procuração’ do prestígio de todos os meus leitores.”
Eis, pois, o segundo grande galardão do Arcano. E ela ainda vivia. Naquele mesmo ano de 1856 Félix José da Costa, um filho da Terceira que, por razões políticas, estivera exilado na ilha Graciosa, escreveu no novel jornal, “Estrela Oriental”, mais palavras de admiração pela obra!
A Ribeira Grande, na segunda metade do século XIX, parece querer acompanhar o passo de Ponta Delgada. Seria interessante fazer um paralelismo entre aquela “vontade/desejo” e a apropriação patrimonial do Arcano. Creio que não será possível perceber uma sem entender a outra.
E
a “ autora”, que pensava ela de tudo isso?
Apesar de sentir vaidade pela sua obra (segundo Sena Freitas, apesar de escrever o contrário em carta dirigida à sobrinha,[27] apesar de tudo, Margarida parece não partilhar da opção da comunidade. Porquê? Não presumo ter a resposta. Tenho ideias. O mundo dela desfizera-se e refizera-se a uma velocidade estranha à acostumada pacatez do “Ancien Regime”. Quando alguém professava, salvo raras excepções, vivia e morria professa. Primeiro morrera para o mundo (em 1800),[28] depois (em 1832) morrera para o convento quando de lá fora expulsa.[29] Podendo ter-se recolhido ao convento da Esperança, único admitido a partir de então, prefere morar só, numa casa, e fá-lo como se ainda estivesse no convento. Exceptuando-se as saídas de casa.
Acima do Arcano, colocou a festa de São João Evangelista. Para tal não hesitou em doá-lo, assim como às suas três casas, à Confraria do Santíssimo para com o seu produto fazer-lhe à perpetuidade a festa. Porquê?[30]
A ela interessava-lhe, como boa cristã velha tridentina, mais a salvação da sua alma, salvação que só se alcançava através da graça de Deus. Por conseguinte, instituir a festa ao seu “padrinho” e “intercessor” (figura chave da salvação) era assegurar a sua salvação até ao fim dos tempos. Este era (a alma) o património que lhe interessava. Era aquele o património que lhe interessava (receita habitual e eficaz/típico daquela época e daquela terra): a sua salvação. As obras (nisto ela é ambígua) não salvavam (o Arcano por muito catequético que fosse não o faria) só a graça de Deus, e este não estaria surdo à intercessão do seu padrinho São João Evangelista, o faria. O Arcano, por muito aclamado que fosse, não lhe traria a salvação, antes pelo contrário, alimentar-lhe-ia o orgulho sentimento contrário a Deus, ainda que aquela obra tivesse sido feita para honra e glória de Deus. Nestas duas atitudes (salvação da alma e orgulho da comunidade) residirá a diferença fundamental entre a autora e a comunidade. É curioso constatar que a festa não sobreviveu mas o Arcano sim; os tempos eram outros e o dinheiro que deixara para promover a festa de São João desvalorizara-se inapelavelmente.
Porque é que o Arcano não foi vendido,
como se pretendeu que fosse?[31]
O facto de a autora o propor como objecto a vendível quererá talvez significar que o “valor” confessado pelos visitantes equivaleria /prenunciaria um valor monetário? Então porque não foi vendido?
- O que quererá isso dizer? Existe uma possibilidade de querer dizer que a comunidade o considerou invendável porque “necessário” à sua auto-estima.
E se fosse vendido para fora da terra? Entre a imposição legal testamentária e o desejo da comunidade (ao que parece) irá travar-se (entrevê-se o diálogo) um diálogo? Vejamos.
Aos 26 de Julho de 1858, menos de dois meses após o falecimento da sua autora, os mesários respondem ao governador da altura que não podiam “avaliar” o Arcano pois este “só teria valor de estimação”.
Em 1869 (volvidos onze anos, registe-se) pedem reconfirmação da autorização de venda ao novo governador civil (desconhecendo se sempre foi avaliado ou se tal cláusula foi anulada). Como resposta, receberam a seguinte:
“Compete ao governo de sua Majestade conceder a autorização.”
O que se teria passado, entretanto? Uma obra com tanto e tão diversificado público (os testemunhos no-lo atestam) teria tentado decerto compradores. Para além do mais havia um argumento forte. Por um lado o testamento impunha e não se podia fugir a esta clausula, por outro, a Confraria precisava de dinheiro. Que se terá passado, então?
Como não apareceu comprador, não se pôde cumprir com a obrigação? Então porque é que se desistiu depois da resposta de 1869 e pouco depois se transferiu o Arcano para onde ainda se encontra hoje? Se tivesse ido à praça teria sido arrematado pelo maior lance por quem quer que lançasse, a partir de um preço base, porque não foi?
Estaria no fundo a Confraria “sinceramente” interessada na venda do Arcano ou antes na sua rendibilidade através da cobrança de entradas? Estaria aquela pretensão mais a pretensão da vila em confluência? Em consonância? Terá havido força da comunidade local e uma “mãozinha” do Governo como parece deixar entrever o ofício de 1869?
A comunidade local poderia ter reagido do seguinte modo: Nós gostamos desta obra, nós reconhecemo-nos nela, tanto nos faz que ele fique na igreja ou fora dela em casa de alguém da Ribeira Grande, desde que fique na nossa terra. Porém, já que ninguém a quer ou consegue comprar, a Confraria deve ficar com ela. Ou não seria nada disso e eu estou para aqui a inventar cenários plausíveis mas irreais? Não sei.
Entre a vontade da comunidade e a necessidade legal de cumprir o testamento, venceu a primeira (aceitando que terá havido uma vontade). Talvez o Governo tenha ajudado.
Continuo a desconhecer o que se passou na realidade, todavia, naquele mesmo ano de 69, a Mesa da Confraria decide a sua transferência para o coro alto.[32] O que veio a concretizar-se em setenta.[33] A casa sem o Arcano vendeu-se pouco depois (valorizada - quem quer uma casa com rendeiro lá dentro!).Mas também porque a Confraria entendeu: «que aquelle logar não é [era] proprio para um monumento d’aquella ordem.»[34] A Festa de São João Evangelista foi-se, a custo e sem magnificência realizando, com algumas interrupções de permeio, até deixar de se fazer no início da primeira República. Em 1903 os mesários pretendem construir um quarto para o Arcano e conseguem concretizar tal desígnio.[35]
Após 1858, o Arcano, e até 1870, ou até mesmo até 1903, a herança patrimonial foi sendo vista a um tempo vendível, a outro não alienável. Como se tentou acima esclarecer. Apesar dessa ambiguidade já seria um bem patrimonial cultural de “estimação” desde pelo menos 1850. O testamento, de “iure”, colocou obstáculos à sua real apropriação. Temos, pois, várias personagens em cena. Primeira. A Madre que lega a sua obra e explicita os seus fins (no codicilo): A venda. Segunda personagem: A Confraria que ao aceitar o legado aceita a sua alienabilidade, caso contrário, perderia toda a doação. Terceira. A comunidade que parece desejar a obra. Por força, por omissão, ou por persuasão a obra manteve-se, e ao manter-se transformou-se, assumindo a comunidade a sua condição de inalienabilidade. O uso teve mais força do que a lei e o uso fez-se lei?
Vejamos. A elite (e depois por osmose) perfilhou o Arcano publicamente. É nosso, reconhecemo-lo. Para além de tudo o que já foi dito poder-se-á ainda pensar que a ideologia conservadora da elite se revia na ideologia de igual sinal revelada no Arcano. A Regeneração política nacional (iniciada cerca de 1850) de cariz conservador reflectia o estado mental do país real? Não bastava perfilhar para se possuir a obra, era preciso herdá-la. Eis o segundo ponto crucial. Vimos igualmente como a transmissão da herança foi conturbada, pois o testamento, por força de lei, ao impor a venda, admitia o não reconhecimento da doação unilateral. É curioso assinalar que Bulhão Pato, em 1868, diz que “ela doou”, isto, no meio da controvérsia.[36] Apropriada a herança (como vimos) esta vai sendo transmitida, na comunidade, de geração em geração, não sem alguns sobressaltos como veremos. Nunca convirá esquecer que o Arcano, ao ser apropriado pela elite, se transformou num seu instrumento ideológico de identidade.
Alargamento
do público do Arcano. Como e porquê?
A partir da morte da autora,[37] o público mudou. Veio público diferente e público em maior número. O critério de selecção de quem entrava ou não deixa de estar ligado a ela e passa a depender da Confraria, que “iria” precisar da “receita” das visitas para fazer face às despesas de manutenção e de pagamento ao coadjutor da Confraria encarregado de abrir e fechar a porta do Arcano.
Tal facto, podendo parecer trivial, na nossa óptica irá fazer toda a diferença. Para além do mais é ele que vai facilitar e explicar a permanência do Arcano nas mãos da Confraria. Pelo menos ajudará a perceber a questão.
A morte da freira deve ter contribuído para uma maior procura da sua obra, não só por parte dos já habituais “clientes” como por parte dos “habitualmente arredados”. Tal alargamento poderá ser denominado de “generalização” ou abertura do Arcano a toda a comunidade. Algo que tinha sido apropriado e seleccionado pela elite dirigente passa à restante comunidade porque ela própria assim o deseja e assim se identifica.
Tal é confirmado pelas quantias que o Arcano ia rendendo anotadas escrupulosamente nos livros da receita e da despesa da Confraria. A procura é tão intensa que, apesar de a casa estar alugada (pouco depois de 1858)o Arcano não deixou de ser visitado. Aliás ocupava um dos melhores quartos da casa, segundo testemunhos escritos.[38]
Por conseguinte, poder-se-á, de acordo com a acessibilidade à obra, descortinar quatro fases principais. A primeira, elitista, perdurou até 1858. A segunda, “mais generalizada”, iniciou-se em 1858. Haverá uma terceira fase (plausivelmente) a partir da sua transferência para o coro alto, em 1870. E uma quarta, na qual não era obrigatório pagar, a partir da primeira República.
Em 1883, as visitas são suspensas pela Confraria, porque ocasionavam tumultos e algazarras sobretudo entre as pessoas de menor educação. Estas eram as palavras de alguns dos mesários. Em consequência só se permitiria a visita de pessoas honestas. Raras segundo a mesma fonte. Chave só para limpezas ou para visitantes dignos. “Provedor dixit”.[39] Curiosamente a tradição oral (memória não escrita com defeitos e virtudes, é certo, mas um documento a não menosprezar.) que pude recolher ainda em 1983, se não estou em erro, registava factos interessantes. O que eu recolhera não divergia muito daquilo que tinha sido escrito sobre o Arcano. Constatei. Ou seja. As pessoas gostavam do Arcano, ou melhor apreciavam-no sobretudo pelo “grande segredo”, pela “grande paciência” e pela “grande ciência”. Ciência aqui significava profundo conhecimento da Bíblia. Grande segredo não só significava ‘técnica escondida’ mas os segredos que só Deus sabe e a freira sabia. Ciência não quer dizer ciência cartesiana mas ciência não cartesiana.
Disseram-me isso pessoas letradas (com muitas ou poucas letras) e iletradas. Mais um caso da “interactividade” das culturas dito eruditas e populares? Creio que sim.
Pouco depois de 1883, e graças à pressão do número, tanto o estipêndio do sacristão como o número de visitantes, o “Zé Povinho” tumultuoso regressa de novo em massa. As contas da Confraria são disso prova. Em parte.
Aos doze de Maio de 1890 o “povo prevarica de novo e de novo é proibido”.[40] O termo (povo) não é adequado mas servirá para “designar” todos aqueles a quem a intimidade da Madre não franqueara em vida a sua casa. O desejo contido durante anos (e a mistificação que se lhe seguiu) decerto explicará as enchentes. Domingo de Passos e de São Pedro, segundo o prior, seriam dias em que não seriam permitidas visitas ao Arcano. O povo que trabalhava de sol a sol todos os dias, que não tinha férias a não ser naqueles e mais meia dúzia de dias, ficava assim arredado. Foi sol de pouca dura. Era a “democracia meritocrática” imposta pela Confraria e pelo Prior. Durante todo aquele período, a abertura ou não dependeu do bom ou mau comportamento do “povo criança”. A algazarra do povo retirava a seriedade e o respeito devidos a um local sagrado. Para cortar o mal pela raiz, em 1903 construiu-se um novo quarto para o Arcano. Parece que nunca foi utilizado para tal fim, mas essa é outra história.
A
fase dos técnicos inicia-se por volta de 1918 com o Dr.º Luís Bernardo Leite de
Ataíde mantendo-se até à actualidade. [41]
Já antes, aliás desde o princípio, os “técnicos” andaram perto dele, “legitimaram-no”, porém, nesta fase, eles adquirem outras características. O Arcano passa de objecto de “culto/emblema” a objecto de estudo. Bulhão Pato, em nosso entender, foi o “técnico” precursor (1868) que o revelou ao país. Em 1893, Emidio da Silva, jornalista do “Diário de Notícias” de Lisboa, faria o mesmo.[42] Todavia é Leite de Ataíde quem o estuda a fundo e ao longo de mais de uma quarentena de anos. É uma fase menos activa da comunidade (Luís Bernardo é de Ponta Delgada), corresponde até a uma fase em que a comunidade culta da terra se distancia. O estudo de Bernardo vem devolvê-la à terra envolta num outro invólucro. Ele é dos primeiros que desenvolve trabalhos sobre antropologia da arte ou sociologia da arte, e de uma visão rígida evolui para uma perspectiva do Arcano mais próxima da intenção e do alcance inicial da autora. Perdida quase parte da vivência do Arcano coube ao técnico propor a sua vivência da obra, ou a sua visão da mesma.
Terá
o Arcano perdido a sua importância patrimonial?
Tentaremos perceber. Mudaram-se os tempos, mudaram-se os parâmetros de avaliação. O nó górdio da questão talvez se situe na dimensão do mistério, como já atrás avançámos. Mistério não só referente à técnica empregue mas também referente à lógica da revelação dos arcanos, da lei natural, da graça divina. Lógica não cartesiana e não iluminista, insisto.
Para entendermos tanto ela como a obra, teremos de “entender” o mundo antes da ordenação cartesiana, teremos de mergulhar na ordem da revelação. A Ribeira Grande de então entendeu-a às mil maravilhas, maravilhou-se. Castilho e os seus discípulos românticos também o entenderam (mas já de um outro modo). Pois aquela corrente estética (registe-se a diferença) entendia o mistério como um ingrediente da produção literária, não tanto como “uma linguagem viva”. O romantismo recuou à dita Idade Média, aos mitos, às trevas, aos mistérios. Ali estava um, o Arcano e a freira do Arcano. A Ribeira Grande precisava de heróis, ali estava uma heroína, Madre Margarida.
Os críticos e as críticas posteriores filiam-se na herança iluminista e cartesiana. Uns acentuando um aspecto, outros, outro. Talvez, se calhar, somente a iconografia conseguiu aproximar-se da obra em si e da sua intenção inicial. Eis, quanto a nós, a nossa “Pedra da Roseta”, o código decifrador do Arcano. Ao museólogo que pretenda propor uma musealização do Arcano competirá sopesar todos estes dados. Parece uma contradição. Racionalizável ou não totalmente racionalizável?
Mas uma obra não é só aquilo que o autor ou os contemporâneos do autor pretenderam, ela vai sendo aquilo que as demais épocas e os seus contemporâneos vão “desejando” que ela seja. Primeiro, ela foi racionalizada. Segundo, foi racionalizada dentro das várias “escolas” das diversas disciplinas cartesianas. É curioso registar que, para o “povo” o aspecto mais relevante parece ser o seu lado misterioso. Mistério do que quis dizer, mistério de como o fez, apesar de o “dito povo” ter “incorporado” (incoerentemente e não sistematicamente) as versões “eruditas”.
De porta para a contemplação (ou patamar de acesso) a alguns mistérios divinos transforma-se igualmente em porta cultural daquela comunidade. Aquele génio misterioso e aquela genial obra tinham nascido ali, naquela terra, na Ribeira Grande e não algures. A uma atitude predominantemente “funcionalista” (utilitária) do Arcano - chave para a identidade da vila -, começa a aliar-se critérios estéticos, para numa segunda fase, serem só estes últimos critérios considerados relevantes.
A inclusão do Arcano (o arrumar-se o Arcano) na área das artes populares já na confluência ou ainda no limiar com a arte erudita continua a denunciar uma interpretação racionalista diferente da que foi proposta pela sua autora.
Sabe-se da ligação existente entre o povo e a sua cultura e os românticos e mais tarde os “nacionalistas”. À medida que se vai diluindo a componente catequética da revelação vai sobressaindo cada vez mais a sua componente estética e ideológica. A exaltação nacionalista das artes populares (à volta dos anos quarenta) recuperou um aspecto do Arcano e da sua autora. Destacou a superioridade moral e moralizadora das artes populares de que tanto o Arcano como a sua autora seriam paradigmas. Já antes, ainda no século XIX, Walter Frederick Walker, lhe tinha realçado o aspecto de obra manual em contraponto à industrialização da sua terra natal, a Inglaterra.[43] O Arcano foi e está sendo utilizado por correntes (e isto é normal) estéticas e por ideologias diferentes que foram vendo nele aquilo que quiseram/puderam ver, consoante os seus cânones interpretativos. Tal também é normal, convenhamos.
Curiosamente entre os anos de 1940 e 1960 o Arcano parece “eclipsar-se” do uso corrente do povo da Ribeira Grande (a frequência diminui nas não a memória nem a necessidade dele. Isto numa certa fase, porém, entre a geração com menos de 30 anos tal já não acontece. Ocorreu uma ruptura de transmissão de memória. Porquê?) e passa a ser a obra de um outro estudioso, de turistas e das agências de turismo. Ainda na década de trinta quando a autarquia encomendou ao pintor de azulejos Jorge Colaço que pintasse painéis para a sala de sessões da Câmara Municipal da Ribeira Grande, o Arcano não seria escolhido como emblema de identidade. Lá figuram as Cavalhadas, os moinhos de rodízio, a cultura do chá, Gaspar Frutuoso, o carro de bóis do Espírito Santo de Rabo de Peixe, mas não se inclui o Arcano. Porquê?
Em parte porque a partir de uma certa altura, se começa a insinuar a ideia de que o Arcano não valia tanto assim. Tal teria desmotivado as pessoas. O cónego Cristiano, um influente “fazedor de opinião” a residir na Ribeira Grande, por exemplo, em 1903, no álbum editado aquando da visita régia de D. Carlos I, ainda escrevia sem mais qualificação: “O tão falado Arcano”;[44] todavia, Mendo Bem, em 1899, em outro tom, talvez irónico, refere-se-lhe como “o famigerado Arcano”.[45] Manuel Emidio da Silva referira-se-lhe como: «uma arte na infância».[46] Era essa a opinião do Dr. Jorge Gamboa de Vasconcelos, outro influente ‘fazedor de opinião pública’.[47]
Nada, porém, se poderá aproximar do efeito devastador da “hemorragia da emigração para o Continente Norte-Americano”. Numa década (sessenta) a ilha de São Miguel perdeu uma parte substancial da sua população activa. Imagine-se o que não terá causado à ilha! A ilha rebentava pelas costuras. Ao grande crescimento demográfico não correspondera igual surto de desenvolvimento económico. Não fora o escape que constituiu a emigração e “a população morreria à míngua”, como muitos me disseram: “Não fosse a bendita América e morreria muita gente à fome”. Disseram - me outros. Fiz uma série de recolhas incidindo sobre o ciclo de cerealicultura e verifiquei (segundo dados da tradição oral cotejados com documentação escrita) o corte que constituíram os anos de 1950 a 1960. Depois, a “síndroma real” da guerra colonial. Não havia pai de família que não tentasse “tirar / livrar o rapaz da tropa” levando-o antes das sortes (aos 16, 17 anos) para a América por qualquer processo e preço, até mesmo através do recurso ao casamento. Eu sou testemunha desta “era”. A escolaridade obrigatória até ao ciclo preparatório e a reforma de Veiga Simão (um pouco mais tarde) vieram operar uma mudança nas mentalidades. Não tanto ao nível dos alunos mas dos formadores de opinião. Explico-me. À figura do professor primário veio a suceder a do licenciado, quase sempre de fora e de passagem. Adiantei tão - só algumas linhas, alguns pressentimentos, pois a questão, dada a sua complexidade, exige outra abordagem. Fiz um sobrevoo.
Em 1962, Ventura Rodrigues Pereira, de origem continental e vereador da edilidade, tendo-se apercebido do esquecimento votado pela maioria da comunidade ao Arcano, propôs-se levar a cabo acções que visassem, por um lado, reconhecer oficialmente a obra, e, por outro, que a divulgassem. Resultado: duas placas azulejadas pela autarquia (contendo inexactidões), e a semente lançada entre a nova geração da elite local. Assim é sintomático que seja também na década de sessenta, na segunda metade, que nasça um grupo “elitista” (no bom sentido) que se dedicaria (por pouco tempo, infelizmente) à promoção da terra e dos seus valores. Deste grupo, denominado “Círculo dos Amigos combatido no pós-25 de Abril” saíram muitos dos esteios actuais do “Renascimento do Arcano”.
A elevação a cidade, no início dos anos oitenta, vem “reacender” o interesse, vem tornar necessária a “recuperação” do Arcano como emblema comunitário. Assim pensam os que “governam a terra” e os que têm influência junto do poder. As pessoas comuns do núcleo urbano “não acham que tal pretensão seja um disparate”.
O processo de candidatura a cidade exige que a vila candidata prove, não propriamente a quem lhe outorgará a “cidadania”, neste caso a Assembleia Legislativa Regional,[48] mas à opinião pública local e da ilha (aos outros possíveis candidatos e à outra cidade) que a Ribeira Grande tem valores de cidade. Para isso desenterrou-se ou melhor “despertou-se” o Arcano, que há anos parecia dormitar indiferente. O Arcano foi útil à elevação a cidade.
Tentativa de resumo
Presentemente o poder político democraticamente eleito e a paróquia tentam (ainda que muito intermitentemente) devolver o Arcano à comunidade que o “reclama”, não em altos brados, mas interessada, expectante.
Como o sei? Pelos contactos que desenvolvo, tornando-o de novo acessível, inteligível. É lícito. Mais, é seu dever. Vou tentar traduzir o interesse da comunidade pelo Arcano. Se um político em campanha propusesse fazer o Museu do Arcano ganharia alguns votos, mas se quisesse ganhar as eleições diria que o seu rival o iria deixar sair para Ponta Delgada! Percebem a relação? Além disso, as pessoas da Ribeira Grande sentem-se “muito orgulhosas” ao verem as camionetas de turismo pararem por causa do Arcano. Mas se lhes perguntar: Que é o Arcano? Nunca vi! Não é o presépio?
Concluindo. Creio que explicámos (a nós mesmos) a plausibilidade de o conhecimento e da apropriação patrimonial do Arcano se ter verificado, (ocorrido) primeiro, num pequeno círculo de íntimos, seguidamente, em círculos maiores irradiantes.
O reconhecimento de “fora” foi tão decisivo como o de dentro. A elite dirigente foi factor e fautor. Todo este reconhecimento estará intimamente ligado a causas históricas concretas, seja a mentalidade dita pré-cartesiana seja o ultra-romantismo, seja depois o nacionalismo...
Creio igualmente que expliquei a função de produtor de orgulho (auto-estima) da comunidade, quer já na primeira fase quer nesta última de elevação a cidade. Vimos, suponho, que o Arcano começou por revelar um mistério numa linguagem racionalizável mas não totalmente racional (ligado à herança medieval/simbólica) para depois ir falando em outras. Como decerto o fará no futuro.
Terei eu esclarecido bem e satisfatoriamente a passagem do Arcano, bem patrimonial comunitário, a objecto muselógico? Parece-me que tal ocorre simultaneamente. Ter-se-ia pressentido o alcance do “perigo” de não se poder vê-lo (visitá-lo) na altura da sua venda anunciada? Depois, a partir de meados da década de quarenta deste século - tanto quanto sabemos -, surge o primeiro alerta para o perigo que ele corria e correria caso não fosse restaurado.
Surgem também novos alertas para se lhe facultar uma nova e melhor acessibilidade. O Arcano sempre esteve “musealizado” - no sentido de sempre ter estado exposto e visitável. O que se pede agora é a sua musealização em moldes técnico-científicos.
E para terminarmos. Entre a “Introdução” e este capítulo final, entre o que disse na introdução e o que depois discorri, vai uma pequena mas importante diferença. Devo particularizar. Estou ainda de acordo que nem tudo deverá ser património e que só se deverá musealizar aquilo que for património. Tenho algumas reservas, porém, quanto a quem deverá fazê-lo, por isso, continuo a opinar que o museólogo não deve estar só nesta decisão. No caso do Arcano a opção chegou-nos já feita, e feita pela elite, sendo depois aceite pela demais comunidade.
Índice
INTRODUÇÃO................................................................................... 1
Pequeno esboço de tese............................................................ 2
Valor de estimação do Arcano?.............................................. 3
PARTE I............................................................................................... 5
Quem foi Madre Margarida Isabel do Apocalipse?
Pequenos traços biográficos..................................................... 5
O que é o Arcano Místico?....................................................... 6
PARTE II.............................................................................................
8
Tentar percebê-los...................................................................... 8
Porque foi que o Arcano Místico caiu nas graças
da comunidade?...................................................................... 10
Porquê Setembro de 1848?.................................................... 12
E a autora, que pensava de tudo isso?................................ 18
Porque é que o Arcano não foi vendido, como se
pretendeu que fosse?............................................................... 19
Alargamento do público do Arcano. Como e porquê?..... 22
A fase dos técnicos inicia-se por volta de 1918 com o
Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde mantendo-se até
à actualidade............................................................................ 25
Terá o Arcano perdido a sua importância patrimonial?.. 25
Tentativa de resumo............................................................... 29
[1] Foi-nos útil, já depois da elaboração deste trabalho, poder confrontar a nossa opinião com a de Augusto Santos Silva (Palavras para um País, Celta, Oeiras, 1997). As nossas ideias são em muitos pontos coincidentes.
[2][Thomas Ashe] History of the Azores, or the Western Islands, London, Sherwood, Neely, and Jones, Paternoster Row,1813
[3] Ainda decorre, com o auxílio do laboratório e de uma artista, a identificação e reconstituição daquele material.
[4] Maria de Lourdes Lima dos Santos, Questionamento à volta de três noções (a grande cultura, a cultura popular, a cultura de massas) texto 13.
[5] Luís Bernardo Leite de Ataíde, Organização de museus em Ponta Delgada, “Revista Michaelense,” Ponta Delgada, nº3, Set. 1921, p.1253-1254. Entre outros trabalhos.
[6] AMRG, Registo de testamentos, liv.13, fl.178-191
[7]José Joaquim de Sena Freitas, Um presépio, “O Norte”, Ribeira Grande, [s. n.], nº 89, 23 Jan. 1897, p. [1].
[8] Plagiei o título “Tentar Perceber” de Vasco Pulido Valente - in Temas Portugueses, I. N. Casa da Moeda 1981 / 82 por achar aquela expressão adequada a uma postura científica correcta.
[9] AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha (Maria Teodora), 21 Set. 1853 (pertence ao arquivo da família do sr. Luís Agnelo Borges, descendente de D. Maria Teodora sobrinha de Madre Margarida.)
[10] Idem.
[11] Idem
[12] “Percurso de apropriação patrimonial.” Reconheço a minha insuficiência e a insuficiência do termo, porém, à falta de melhor recorro a este.
[13] Quando Madre Margarida se refere a “ pessoas”, presumo com alguma razão que não se refere a todas as “pessoas,” mas tão somente às “pessoas mais importantes”.
[14] [José Maria da Câmara Vasconcelos, Tributo de gratidão ], “A União”, Ribeira Grande, 16 de Dez. de 1858
[15] Idem ; Francisco Maria Supico, Escavações, 2
vol., Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1995,
p. 817
“ A loja dos Gatos, também por informação do dr. Henrique era ao tempo... Era venerável o Barão das Laranjeiras... Manoel António de Vasconcelos e José Maria da Câmara Vasconcelos...”
[16] Cosmorama, “Estrella Oriental,” Ribeira Grande, 31 Out.1877
[17]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit., p. [1]
[18] A quinta portuguesa funciona como o local onde se concilia o trabalho agrícola ao veraneio/divertimento.
[19] Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, “Açoriano Oriental”, Ponta Delgada, [s. n.], nº 710, 9 Set. 1848, p. [3]
[20] Adolfo Yanes Casal, Identidades Culturais e de Desenvolvimento- Contribuições, (obra / artigo apresentado quer em Coimbra quer em aula a que assisti).
[21] Júlio de Castilho, Memórias de Castilho, 2ª
ed., tomo 5, Coimbra, Instituto de Coimbra, 1932, p.148
« Foi mais que um espectaculo imprevisto e maravilhoso: foi imponente efficacissimo ao trabalho e natural habilidade dos habitantes. Quatro grandes salas continham apenas os productos, que ahi se apinharam, oferecidos à admiração de cerca de vinte mil visitadores, incluindo n’este numero os repetentes. Em todos os generos appareceram primores, e muitos: em desenho e pintura; em gravura; em esculptura; em flores artificiaes, de sêda, de lã, de cabello, de pennas, de cera, de conchas; bordados; obras de ourives, de galvanisador, de doirador, de ferreiro, de serralheiro, de cuteleiro, de carpinteiro, de marceneiro, entalhador, e torneiro, de machinismo, de tecelagem, de fiação de linho, de algodão, e de sêda; de encadernação, etc., etc. A Ilha mesma ficou admirada das riquezas industriaes, que possuia sem o saber; acenderam-se-lhe novos brios com este documento irrefragavel de suas forças, e tudo nos faz esperar que a seguinte Exposição não cederá a este esplendor.” Como se vê “accenderam-se-lhe” (às pessoas da ilha e à Madre Margarida, decerto) novos brios”. Estas exposições, poder-se-á conjecturar, provavelmente estimularam de duas maneiras a obra de Madre Margarida. Em 1832 o reconhecimento real teria sido o primeiro e o decisivo incentivo. Pela parte do público tornou-se visível na consagração de 1850, portanto, entre as duas Exposições Industriais de Ponta Delgada. Aliás fá-lo notar. Pela parte da autora. Em Setembro de 1848, quando já se planeava a 1ª Exposição, Madre Margarida estava a preparar a conclusão do Arcano. Até avisa o público no Açoriano Oriental, jornal de Ponta Delgada. Em 1856/7 faz o mesmo. Haverá pois uma correlação entre as Exposições e o Arcano. Não interessa se ele foi ou não, ou outra obra qualquer da autora. Consultando a lista dos concorrentes às ditas exposições, pudemos verificar que deveriam circular pela ilha imagens/gravuras de ambientes e paisagens românticas (tê-las-ia conhecido Margarida? É provável.), que se faziam presépios (tipo construções naturais, um em barro e conchas, outro com figuras e flores) e muitas flores artificiais. Há um quadro intitulado “Jeroglíficos do homem natural, ou árvore dos desvarios do Homem largado à Natureza, ou o furor das suas paixões.” Tal como pensava Margarida. Umas anónimas do Convento da Esperança de Ponta Delgada apresentaram trabalhos em pano e cera. O que deveria também ter feito Margarida no convento e fora dele. Há também “cestinhos com flores e frutos em cera, ramos de “saudades” em pano, camélias em penas... “Tudo materiais que Margarida utiliza. No catálogo não consta o nome de Margarida. Veja-se lista em Luís Bernardo Leite de Ataíde, Etnografia, arte e vida antiga nos Açores, Coimbra, Biblio. Ger. da Universidade, 1974, p.301-303
[22][João Albino Peixoto]Hymno offerecido á Sociedade Escholastico-Philarmonica da Ribeira Grande..., Ponta Delgada, Tipografia da rua das Artes, 1850
[23] Idem
[24] Idem
[25] José de Oliveira San-Bento, A beleza e notoriedade da Ribeira Grande vistas há um século por um bardo daquela vila, Diário dos Açores, Ponta Delgada, 2 de Dezembro de 1943, fl. 1
[26] Félix José da Costa, O Arcano da freira, ”Estrella Oriental”, Ribeira Grande, [s. n.], nº3, 11 Jun. 1856, p. [1]
[27]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha, 21 Set. 1853
[28] BPAPD, Tabelionato R. Grande, Tab. José Firmino de Oliveira, Dote de Margarida Izabel Narciza, 18 Fev. 1800, mç 17, lv. 100, fl. 91-92 v.
[29] Collecção de Decretos e Regulamentos -15 de Junho a 28 Fevereiro de 1832, Lisboa, Imprensa Nacional, 1836, p.150-154
[30] AMRG, Administração do Concelho, Registo de testamentos, lv.13, 1857, fl.178-191 - APNRG, Confraria do Santíssimo Sacramento, mç 83, fl.1-12 v. Em ambos os casos trata-se de registos do testamento e rol do testamento de 28 de Março de 1854, do codicilo datado de 16 de Março de 1857 e da sua abertura em 18 de Maio de 1858, após o falecimento de Madre Margarida Isabel do Apocalipse em 6 de Maio de 1858. Não encontrámos o original na Biblioteca Pública. O testamento e o rol teriam sido feitos pelo punho de Madre Margarida. Os dois documentos conferem.
[31]APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, sessão de 26 Jun. 1858, fl. 209. Ainda em 1869, ao mesmo tempo que os responsáveis pela administração da Confraria tecem loas à obra, continuam a querer vendê-lo: APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv.2, sessão de 13 Mar. 1869, fl. 32 “..., com relação á venda do arcano,...”
[32] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 2, sessão de 16 Out. 1869, fl.45 v.
[33] A.PMRG, Confraria do Santíssimo, Documentos avulsos,[“Relação da despesa feita com a remoção do arcano, para um dos coros da Igrª Matriz da Villa da Ribeira Grande, e concertos do respectivo côro.”, assinado Pedro Araújo Lima, 1 de jul. de 1870 ]
[34] APMRG, Confraria do Santíssimo, Documentos,[Orçamento do ano de 1870-71]
[35] APMRG, Junta da Paróquia, Registo de correspondência, lv. 2, 8 de Mar. 1903, fl.23 v.-24
[36] Raimundo Bulhão Pato, Cartas dos Açores, Ponta Delgada, Tipografia da Voz da Liberdade,1868, p.52-55
[37]BPAPD, Paroquiais, Paróquia da Matriz - Ribeira Grande, Óbitos, 6 Maio 1858, lv. 17, fl. 118
[38] APMRG, Confraria do Santíssimo, [Orçamento de 1870-71]
«… do Arcano, que hoje ocupa um dos melhores quartos da casa alta…»
[39] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 3, sessão de 7 Mar. 1883, fl.81 v.- 82
[40]APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 4, sessão de 12 Maio 1890, fl.17
[41] Luís Bernardo L. Ataíde, Etnografia artística, Oficina de Artes Gráficas, Ponta Delgada, 1918, p. 124-125
[42] Manuel Emygdio da Silva, S. Miguel em 1893-Cousas e pessoas, vol.1, Ponta Delgada, p.68
[43] Walter Frederick Walker, Os Açores ou Ilhas Ocidentais, Diário dos Açores, Ponta Delgada, 13 de Maio de 1971, fl.2
[44] Cristiano de Jesus Borges, [Entrada sobre a R. Grande]in Álbum Açoriano, Lisboa, 1903, p. 134
[45] Mendo Bem, Notas de Viagem, Ponta Delgada, Tipografia Popular,1899, p.47-49
[46] Manuel Emygdio da Silva, Op. Cit., p. 68
[47] Faleceu há pouco tempo.
[48] Na primeira fase do processo, foi a Assembleia da República.
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