“O
Arcano Místico de M.e Margarida Isabel do Apocalipse, da musealização ao museu”
Ou
« O
Arcano Místico de M.e Margarida Isabel do Apocalipse, de curiosidade visitada à
musealização e ao museu da freira do Arcano»
Mário
Fernando Oliveira Moura
Universidade
Nova de Lisboa
1996
Siglas
Utilizadas
A.A.B. - Arquivo Agnelo Borges
A.H.M.F. -Arquivo Histórico do Ministério das Finanças
A.M.R.G. -Arquivo Municipal da Ribeira Grande
A.P.M.R.G.- Arquivo Paroquial da Matriz da Ribeira Grande
A.C.R.G.- Arquivo Paroquial de Nossa Senhora da Conceição
A.O.R.G.- Arquivo da Ouvidoria da Ribeira Grande
A.R.F.R.G.-
Arquivo da Repartição de Finanças da Ribeira Grande
A.S.C.M.R.G.- Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da
Ribeira
Grande
B.P.A.A.H.- Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do
Heroísmo
B.P.A.P.D.- Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada
I Volume
ÍNDICE
I
1.0-
Motivações?...........................................................................
11
1.a -
Onde fica a Ribeira Grande
1.b -
Que é o Arcano e quem foi a sua autora
1.1 - Introdução...........................................................................
12
1.2-
Apresentação sucinta do Arcano Místico (c.1835-1858)......... 13
1.2.1-
Apresentação sucinta da autora: Madre Margarida Isabel do Apocalipse ( n.
23-02-1779 e f. 6-05-1858) ................................................................................ 17
1.3-
Apresentação do seu tempo e do seu espaço..........................
25
1.3.1 O
espaço..............................................................................
26
1.3.2
Tempo..................................................................................
29
1.3.2.1 .............................................................................. 30
1.3.2.2
Economia e sociedade. Laivos...........................................
31
1.4-
Agradecimentos..................................................................... .32
II
Abordagens
à obra e sua autora
(Relações
ao longo dos tempos)
2.0- Enunciando a questão...................................................... ....34
2.1- Apreciação da obra: pendor estético.................................. ....36
2.1.1- Cânones de cultura local tradicional................................. ....37
2.1.2- Belas Artes- Bulhão Pato................................................... ....38
2.1.3-
Artes menores religiosas ( conventuais) Luís Bernardo....... ....38
2.1.4-
Surrealismo e desenho animado.
Claude Dervenn.................................................................. ....41
2.2- Apreciação da obra:pendor catequético.............................. ....41
2.2.1- Pendor
catequético................................................................41
2.3- Apreciação da obra: análise global..................................... ....43
2.3.1 Cónego Sena Freitas.......................................................... ....43
2.4-
Tese: “ O arcano será tanto um objecto composto como uma colecção
de quadros religiosos desenvolvendo uma relação com o armário no qual foram
colocados não devendo ser interpretados fora daquela relação e dos contextos da
época e da vida da sua autora.”
44
2.5-
Metodologia e fontes.............................................................. ....47
2.6-
Alguns conceitos operatórios................................................. ....55
2.7-
Explanação do plano da dissertação...................................... ....59
III
A
Terra: espaço da autora
(
Ambiente socio político cultural. Linhas de força)
3.1. Instabilidade.................................................................. ....61
3.1.1- A Ladeira da Velha........................................................ ....62
3.1.2- Saída do convento do Santo Nome de Jesus.................. ....64 da vila da Ribeira Grande
3.1.3- A catequese como uma preocupação recorrente............. ....69
da comunidade
3.1.4- Terramotos e castigos de Deus....................................... ....71
3.2. Estabilidade.................................................................. ....74
3.2.1- A visão do prior Cabral de Mello................................... ....75
3.2.1- Visão de José Maria da Câmara de
Vasconcelos-
..................................................................................................... ....75
3.2.2- Sociedade Escolástico Philarmonica
Ribeirense............ ....80
3.2.3- Imprensa da Ribeira Grande......................................... ....81
3.2.4- Escola de Educação de meninas da
Ribeira
Grande......................................................................... ....82
IV
A
Criadora
(Esboço
de retrato socio-cultural)
Madre
Margarida Isabel do Apocalipse (1779-1858)
4.0- Explicação inicial.........................................................
84
4.1- Esboço de um retrato...................................................
85
4.1.1 Com que conhecimentos?............................................
85
4.1.2 Perfil da crente: explicação...........................................
88
4.1.2.1 A crente: esboço de retrato...........................................
89
4.1.2.2 Relações marcantes..................................................... 91
4.1.2.3 Relação com os concidadãos........................................
93
4.1.2.4 Trato com outras pessoas: os
testamenteiros............... 94
4.1.2.5 Relação com a linguagem simbólica............................. 94
4.1.2.6.1 Morrendo.....................................................................
94
4.1.2.6.2 Porquê a festa de São João Evangelista........................ 96
4.2- Onde morava e como sobreviveu.................................. 98
V
A Obra
Construção
do documento de análise
(
Preparação sistematizada do principal documento: arcano)
5.0- Que se pretende e qual a sua justificação......................... 112
5.1- Fundamentação teórica....................................................
112
5.1.1- Que
poderemos saber pela técnica?.................................
114
5.2- Caracterização do móvel .................................................
115
5.2.1- O móvel............................................................................
115
5.2.2- Dispositivo externo do móvel............................................
117
5.2.3- Sistema operatório de abertura das portadas.................... 117
( tentativa de reconstituição)
5.2.4- Como se desmontará o móvel? Hipótese de
acordo com vários marceneiros 119
5.2.5- Interior do móvel..............................................................
120
5.3- Marcas.............................................................................
120
5.3.1- Que tipo de marcas encontramos no móvel?.................... 123
5.3.2- As de orientação das quatro faces do móvel.................... 123
5.3.3
- As marcas de orientação dos quadros
do móvel............... 124
5.3.4- Que nos podem dizer estas marcas de
orientação
dos quadros?...................................................................
124
5.4- ( Representação) Elementos não vivos.............................. 125
5.4.1- Um modo de os identificar...............................................
126
5.4.2- Tipologia das formas das estruturas................................ 127
5.4.3- Qual o interesse desta tipologia?.....................................
128
5.4.4- Técnicas de construção das estruturas dos
quadros...........................................................................
129
5.4.5- Modos ( Vidros encaixados em réguas com
ranhuras,
vidros colados e ambas as
soluções).................................
129
5.4.6- De que instrumentos precisaria para
fazer as estruturas?.. 130
5.5 ( Representação) Elementos vivos
.....................................131
5.5.1- Processo operatório da sua reconstituição........................ 131
5.5.2- Três hipóteses...................................................................
132
5.5.3- Como pinta as figuras?.....................................................
133
5.5.4- Texturas...........................................................................
133
5.5.5- Volumes...........................................................................
133
5.5.6- As mãos............................................................................
133
5.5.7- Que instrumentos utilizaria para trabalhar
os elementos vivos? 134
5.6. Materiais...........................................................................
134
5.6.1- Outros materiais...............................................................
135
5.6.2- Mais alguns apontamentos sobre o seu presumível
método de trabalho 136
5.6.3- Para que servem as legendas do Arcano?.......................... 136
VI
A Obra
Algumas relações significantes
6. O que pretenderia a autora...............................................
138
6.1- Explicação........................................................................
138
6.1.2.1
Que pretenderia Madre Margarida?..................................
141
6.1.2.2
Que é o Arcano para a autora e para os que a conhece-
ram...................................................................................
143
6.1.3- Como pretendeu fazê-lo?Confissão explícita
de concreti-
zação................................................................................
145
6.1.4 A primeira interrogação: Qual a
correspondência entre o que hoje vemos e aquilo que a autora via e pretendia?.................................................................
145
NOTA: O ponto 6.2 e 6.2.1 não se
encontra no texto
6.2 Natureza das fontes.............................................................
140
6.2.1- Fontes..............................................................................
140
6.2.2- Critérios de ordenação: pressupostos e
dificuldades......... 148
6.2.3- Todo o Antigo Testamento proclama o Novo..................... 148
6.2.4- As três leis.......................................................................
149
6.2.5- Por que teria escolhido alguns Santos da
Antiga Lei?........ 150
6.2.6-
Que será a História Sagrada? Que nos ensinará ela? Sua preeminência 150
6.2.7 Que tipo de linguagem é utilizada na História Sagrada ......151
6.2.7.1-
E o tipo de linguagem além da
alfabética?......................
152
6.2.8- O tempo cristão...............................................................
153
6.2.9.1-
Relação estreita com as temáticas globais........................
153
6.2.9.2- Que significa
Mistério?..................................................
155
6.3- Levantamento de alguns aspectos das
legendas do Arcano ..155
6.3.1- Instrumento de análise às relações
temático-espaciais..... …. 156
6.3.2- Questões concretas da identificação dos
quadros do
Arcano Místico................................................................
157
6.3.2.1-
Não conseguimos identificar............................................
159
6.3.3.1- Alcance e limite deste levantamento............................... 159
6.4- Diálogo; móvel, quadros e fontes..................................... 160
6.4.1- O lugar dos quadros no móvel e nas fontes..................... 160
6.5- Diálogo móvel e quadros...................................................
161
6.5.1 Quadros e móvel...............................................................
161
6.6- No interior do quadro.......................................................
163
6.6.1- Linguagem intra-quadros................................................
163
6.7- Relações significantes......................................................
165
6.7.1- Relações significantes entre a autora
intérprete
e o visitante.....................................................................
165
6.8. Algumas notas sobre a temática observada
e analisada ...
......................................................................................... 166
6.9. Ponte para o capítulo seguinte..........................................
168
VII
A obra
e a criadora:
Pequena
súmula analítica do que terão sido as diversas interpretações do Arcano Místico
e subsídios para uma interpretação inserida numa estrutura museológica
7.1- Explicação........................................................................
170
7.2- Óptica do passado............................................................
171
7.2.1- 1ª Situação.......................................................................
171
7.2.2- 2ª Situação.......................................................................
175
7.2.3- 3ª Situação.......................................................................
179
7.2.4- 4ª Situação.......................................................................
183
7.3. Óptica do presente............................................................
185
7.3.1- Explicação inicial..............................................................
185
7.3.2- Desideratos e pressupostos de proposta........................... 186
7.3.3.1
Tendo como pano de fundo estes “desejos”, propomo-nos discutir vários cenários
possíveis de musealização.............................................................
187
7.3.3.2
Qual seria a relação com a casa de agora e de
então?...............................................................................
191
7.3.4 Da musealização ao museu: “A casa da freira
do Arcano”. 192
VIII
Em
aberto
8.0- Súmula dos principais pontos...........................................
198
8.1- O que julgamos ter atingido..............................................
199
8.1.2- Pistas para novas investigações........................................
202
8.1.3- Fumo
ou fogo?....................................................................
203
Bibliografia...................................................................................
204
II
Volume
Apênso gráfico
Apêndice fotográfico
Apêndice de desenhos
Índice de quadros
Diário de experiência: Tentativa de reconstituição da
massa das figuras do Arcano Místico
Caderno de notas
I
1.0- Motivações?
Em primeiro lugar, motiva-me a
implementação de uma rede museológica na Ribeira Grande, na qual se inserirá o
museu paroquial do Arcano da freira, tarefa a que me venho dedicando desde
Janeiro de 1986. Assim, já temos aberto ao público, desde 1986, no solar de São
Vicente Ferrer, exposições sobre cerâmica, azulejaria, arqueologia e conjuntos
de artes e ofícios. Sendo a acção
incorporadora de colecções intensa está-se a projectar a ampliação do espaço do
solar. Está em fase de instalação os museus do moinho, do chá e do Arcano da
freira. Concomitantemente, prosseguimos na animação constante do museu, seja
através de exposições temporárias, fixas ou itinerantes, seja através de
circuitos externos rurais e urbanos guiados. Como elo de ligação e de
coordenação temos vindo a abrir um posto de turismo.
Porém, falta definir legalmente
o museu e infraestruturá-lo. O que tem vindo a ser protelado pelas sucessivas
vereações.
Esta investigação é também a
concretização de uma enorme curiosidade de infância. Aprendemos a jogar futebol
no “Adro das Freiras.” Um convento? Quem é que teria estado lá?” Frades e
freiras tudo junto. Encontraram ossos de criancinhas”. Respondeu o mais sabido.
À noite, no moinho da Ponte Nova, a uns metros do “Adro”, e a outros tantos da
nossa casa, o moleiro contou-nos episódios e peripécias escabrosas. Frades a
introduzirem-se no convento dentro de cestos de roupa, frades a serem
maliciosamente atirados da ponte do
Paraíso abaixo, túneis que iam dar ao convento dos frades...
Tínhamos para aí uns 7 anos.
Por esta altura falaram-nos de um presépio que “ mexia, o Arcanjo (sic). “ A
malta da catequese ia ver todos os natais à borla um presépio que “mexia.”
Víamos da igreja, lá em cima, ao lado do órgão de tubos, um móvel enorme quase
do tamanho do quarto. Aos vinte sete anos veio um amigo nosso de Angra ver o
“Arcano.” Já não era “Arcanjo”, era “Arcano Místico” e não “mexia e fora feito
por uma freira. Afinal havia o presépio que “mexia” e havia o “Arcano que não
“mexia.” O primeiro estivera no Passal e o segundo era a tal caixa, o tal móvel
enorme que ocupava o quarto quase todo.
Moral da “estória”, como nos
dizia a avó Deodata, nossa primeira mestra de “História”, que Deus já lá tem
desde 1975, logo que ti-vemos oportunidade, estudamos um e outro. O primeiro,
está há onze natais no museu Municipal. Do segundo trataremos nas próximas
páginas. Espero que as nossas respostas, tal como as do moleiro e as do nosso
colega mais vivido e as da nossa avó Deodata, vos transportem a outras
perguntas. Quanto a nós, temos a sensação de ter entendido um pouco mais de nós
e do mundo tentando perceber mais aquele convento, aquela freira e aquele
Arcano que já não mexia. “Presunção e água benta cada qual toma a que quer...?”
Afinal de contas, hoje somos seus vizinhos, a meio caminho entre a sua casa,
hoje arruinada, e o coro alto onde desde 1870 está o Arcano.
1a Onde fica a Ribeira Grande
A Ribeira Grande, ocupando uma
área de 179,5 Km 2, é um dos seis concelhos da ilha de São Miguel, a maior das nove que compõem o arquipélago dos
Açores. É constituído por catorze freguesias. Fica situado na costa norte sendo
a sua sede de concelho, desde 1981, a segunda cidade da ilha e uma das cinco do
arquipélago. Dista aproximadamente 18
quilómetros da cidade de Ponta Delgada.
Ladeiam-no a poente e a sul os concelhos de Ponta Delgada, Lagoa, Vila Franca
do Campo e Povoação, a nascente,
Nordeste e parte do da Povoação. É o segundo maior concelho da ilha em
extensão e em importância.
Por seu turno o arquipélago,
dividido em grupo oriental, ao qual
pertencem São Miguel e Santa Maria, central, constituído pelas ilhas Terceira,
Graciosa, São Jorge, Pico e Faial, e ocidental pelas das Flores e Corvo, fica
aproximadamente a 1 500 Km da costa ocidental europeia e a 3 900 do continente
norte-americano, estende-se por uma faixa, englobada pelos meridianos 25º - 31º
15’ de longitude Oeste e pelos paralelos 36º 55- 39º 45’ de latitude norte.
1.b Que é o Arcano e quem foi a
sua autora
É um móvel envidraçado de cerca de dois metros, dividido em três
pisos, nos quais a autora, recorrendo a figuras, pretendeu contar a História da
Salvação desde a criação do mundo até à emancipação do homem que se encontra
colocado desde 1870 no coro alto da igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela
da Ribeira Grande. Foi sua autora uma freira clarissa exclaustrada de nome
Margarida Isabel do Apocalipse, pertencente a uma velha família da elite local,
que nasceu em 1779 e faleceu em 1858 na então vila da Ribeira Grande. Terá sido
construído entre 1835 e 1858 na rua de João de Horta. Tinha orgulho na sua obra
tal como a terra que a viu nascer e morrer.
1. 1 Introdução
Embora, nos documentos que
possuímos, Madre Margarida Isabel do Apocalipse, nunca surja dissociada do
Arcano Místico, optamos, mais por razões estilísticas, por colocar a
apresentação da obra antes da apresentação da sua autora.
Tanto mais que a autora se
projecta na obra, reflectindo-se nela igualmente o seu tempo e a sua cultura.
Primeiro, porque é da própria natureza humana sentir e exprimir, consciente ou
inconscientemente, a cultura. Espelha o que acontece dentro de si e à sua
volta. Até nas próprias opções que tomou. Porque escolheria o quadro “A” e não
o “B”? Porque realçou um determinado
aspe-to e não outro? Até a escolha pelo
simples gozo estético não excluirá uma projecção, um revelar-se na sua
época. Com determinismos, mas plenos de possibilidades de escolhas, de
permanente interacção.
A obra foi, para o período
compreendido entre os anos de 1835 e 1858, centro das atenções da autora e dos
seus contemporâneos.
A sua construção transformou-se
para ela numa obsessão, enquanto para os seus contemporâneos mais ilustres, o
seu reconhecimento transformara-se num indisfarçável motivo de orgulho
comunitário.
Tanto assim foi que em 1858, o
Prior da Matriz da Ribeira Grande, poucos meses após o falecimento de
Margarida, ao escolher duas personalidades de vulto do século XIX
ribeiragrandense, a elegeu sem reticências. Já em 1850 João Albino Peixoto, a
havia consagrado perante a Sociedade Escolástico-Filarmonica da Ribeira Grande:
“Por tanto se a Ribeira Grande
nunca houvera tido outras prerrogativas que a ennobrecem, bem nobre se tornaria
só com a glória de ser mãi de tão illustre filha, que produziu a magnifica
Obra; a que dá o nome de Arcano,...”[1]
Tão importante que a Madre fez
de propósito um codicilo ao seu testamento para o doar à Confraria do
Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela.[2]
Todavia, o primeiro reconhecimento público de obras de Madre Margarida, data de
1832 e foi feito por D. Pedro, ao comentar positivamente a oferta que Madre
Margarida lhe fizera e a D. Maria II, de um conjunto floral simbólico. Este
momento deve ter sido importante não só para
o reconhecimento futuro do Arcano como talvez para o próprio projecto do
Arcano. Afinal de contas quantas pessoas da Ribeira Grande e da Ilha de São
Miguel se poderiam orgulhar de um elogio
régio. Tanto mais que teria sido legalmente o primeiro rei que pusera pé na ilha.
Só depois de apresentarmos a
obra, falaremos da autora e do seu contexto socioeconomico, daquele espaço e
daquele tempo entra-remos na explicação da tese, na metodologia e fontes, nos
conceitos operatórios e finalmente na explanação do plano geral da dissertação.
Por conseguinte, metodologicamente,
primeiro apresentamos o objecto de estudo, depois, introduzimos a discussão
daquilo que nos interessa conhecer, da metodologia e da utensilagem científica
para atingirmos os nossos objectivos. O mesmo princípio será aplicado à
restante estrutura deste trabalho.
1.2 Apresentação sucinta do Arcano
Místico(c.1835-
1858)
Se bem que o Arcano Místico não
seja a única criação da autora, é contudo , por ser a mais celebrada, por estar
mais umbilicalmente ligada ao seu nome, por ser a mais frágil e degradada,
aquela que a comunidade mais quer conhecer e preservar.
Não trataríamos o tema com
rigor se excluíssemos da dissertação o altar e a festa de São João Evangelista,
a” Manga de vidro( “que contem o Menino Jezus, e a criação do primeiro homem” e
as “duas panellas de vidro”(“huma que contem o sacrificio de Abraham, e outra a
morte do Gigante Golias”)[3], as
flores artificiais , a toalha bordada, o testamento e os escritos que ela
destruiu.[4]A
“Manga”, segundo José Maria, seria “como que o resumo do Arcano”, e a toalha
figurava entre as obras que as pessoas que a visitavam mais apreciavam.
Apesar do lugar que a
instituição da festa ocupou nos últimos anos de vida de Margarida, a opção em
centrarmos o nosso estudo no Arcano resultará do compromisso entre a
necessidade da comunidade e as potencialidades científicas do tratamento da
temática.
Todavia, aquelas outras obras,
além de terem de ser incluídas, directa ou indirectamente, na nossa proposta de
musealização, servirão de utilíssimos e imprescindíveis documentos de análise
comparativa.
Será à volta do Arcano que
andaremos neste ponto 1.1.Tentaremos dar a quem não o conheça uma imagem
correcta. Para isso recorremos à fotografia, aos desenhos, à topografia e às
descrições históricas e contemporâneas. Trata-se, sobretudo, de descrevê-lo nos
seus aspectos físicos e materiais e tentar penetrar nos seus objectivos e
mensagens.
O Arcano Místico, já em 1856
tipologicamente arrumado por Francisco Maria Supico na categoria dos presépios,[5] é
tematicamente uma História Sagrada cujas
figuras são, na sua maioria, modeladas numa massa cuja composição a autora
guardou segredo [6]
e cujas estruturas dos suportes das peças são construídas em madeira e vidro.
Será um presépio na tradição
dos de Machado de Castro, porém, o seu programa acentua com grande relevo
aspectos não directamente ligados ao Mistério da Encarnação. Aliás, o tema mais
tratado profusamente é o da Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Cristo.[7]Será
uma biografia de Cristo, da sua família e da sua igreja, feita pela Madre
Margarida.[8]
É uma obra claramente dentro do
espírito católico apostólico romano tridentino, seja pelo ênfase dado aos
sacramentos da confissão, matrimónio, ordem, entre outros, seja ao modo pomposo como retrata as
celebrações, o clero, Deus, Cristo, os santos,
as hierarquias, entre outros. A sociedade hierárquica do Antigo Regime
encontra-se espelhada nesta obra.
A lógica do Arcano Místico não
é cartesiana, mas simbólica, o tempo não é só e necessariamente o histórico,
mas o cíclico e o não-tempo.
A ideia da salvação do crente
pelas suas obras e pela Paixão de Cristo, daí, por um lado, o ênfase dado aos
sacramentos da confissão e da penitência, e à vontade de Deus, à predestinação,
por outro, daí o culto dos santos intercessores, caracteristicamente católico,
é patente nas preocupações de Madre Margarida.
Ideologicamente será mais o
reflexo das orientações da hierarquia da igreja católica apostólica romana
tridentina do que dos usos e costumes da religiosidade popular, entendida como
adiante ver-mos. Mesmo os temas populares que encontramos no Arcano Místico
parecem ter sido transmitidos por via erudita
estando já integrados ou em vias de ser integrados pela hierarquia. Por
exemplo, “A Imaculada Conceição de Maria.”
Parece igualmente seguir, além
da sua imaginação e observação do meio ambiente que a circundava, modelos
iconográficos veiculados por Bíblias estrangeiras e outros livros sagrados,
pela azulejaria, pela pintura ou até pelos quadros vivos montados nas
celebrações religiosas ao ar livre ou no interior dos templos. A sua formação
artística ter-se-á iniciado, presumivelmente, ainda fora do convento e
continuada, quiçá aperfeiçoada, já no convento. Formação empírica.
Desconhece-se a razão da
escolha do nome da obra. Ainda na década de quarenta, a própria autora
confessava não saber qual o melhor nome a atribuir-lhe. Os cicerones de
Raimundo Bulhão Pato, em 1868, não souberam responder-lhe: ”seria pelo Mysterio
com que foi feita, ou pelo segredo com que manipulou a massa para modelar as
figuras, ou pela profundez das scenas que representa?” Interrogava-se Bulhão
Pato.
Félix José da Costa descreveu-o
no nº3 do jornal “Estrella Oriental” como um ”...pavilhão quadrilongo,
envidraçado, e cujos lados tem mais de dez pés de largura, e perto de doze
palmos d’altura.”[9]
A planta XXI levantada à escala 1:20 dá-nos sensivelmente
2,76 de altura e 2,58 de largura ( vide anexo documental pl. III).
Segundo Madre Margarida Isabel
do Apocalipse, sua autora, o Arcano Místico”... contem os Misterios mais
importantes do Antigo e novo Testamento, que comprehende as trez (sic) Leys que
o senhor Deos deu ao Mundo para que por figuras melhor pudecemos (sic) entender
o dever, a que estamos obrigados, e a escolha que devemos fazer da Ley da Graça
que por Graça nos foi dada=“[10] A
frase proferida pela autora, denota um perfil racionalista, será importante
para percebermos a sua própria personalidade.
Esta pretensão catequética,
como veremos, era uma preocupação recorrente e actual da igreja católica,
encontrando eco nas autoridades civis.
A sua autora, segundo o
“Tributo de Gratidão” vindo a lume no jornal “A União” de Dezembro de 1858,
pretenderia com ele entreter-se, louvar a Deus e ensinar. De acordo com a mesma
fonte, teoria começado o projecto em 1835, aos cinquenta e seis anos de idade,
após o falecimento do irmão Teodoro José Botelho de Sampaio.[11]
Dever-se-á talvez entender “projecto”, não de um modo rígido mas flexível,
presumivelmente ir-se-ia estruturando à medida que a obra avançava. Insistimos:
ainda em 1848 não sabia que nome havia de atribuir à obra.[12]
Quando em 1854 escreveu o seu
testamento, confessa não o ter ainda pronto, declarando aí que só disporia dele após a sua conclusão. Porém, ao
doar, em codicilo datado de 1857, a um ano da sua morte, o Arcano à Confraria
do Santíssimo Sacramento da igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela da então
vila da Ribeira Grande, não esclarece devidamente o assunto. Só diz que o faz
porque a imagem do seu São João Evangelista já estava num altar daquela igreja.
Bastará dar uma vista de olhos
ao Arcano para se concluir que ele está incompleto. Estaria, porém, incompleto
à altura do falecimento da autora? O quadro nº18 está visivelmente incompleto.
Existem outros nas mesmas circunstâncias (vide levantamento I).
O móvel está dividido em três
pisos e quatro faces. Em cada um dos pisos estão colocadas as cenas voltadas
para o lado exterior de cada uma das faces(vide fotografias LIII-LVI).Cada cena
assenta no piso, seguindo um dos dois
modos seguintes: ou directamente no piso ou numa tábua sobre a qual assentam,
regra geral, várias cenas (vide Plantas XXIVa a XXXVb).
Tipologicamente os suportes das
cenas parecem seguir modelos naturalistas, comuns na época, e os construídos,
seguindo modelos de “teatrinhos e casas de bonecas”, entre outros ( vide
desenhos XXIII-XL).
O móvel, obra de um marceneiro,
segundo a tradição oral da autoria de Pedro de Araújo Lima, presumivelmente
Margarida teria sido a sua autora intelectual, seria vulgar na época. As
figuras foram modeladas numa massa à base de farinha de arroz, goma-arábica,
gelatina animal e vidro moído. Poucas foram feitas em barro (Vide relatórios
mencionados em nota supra).As dimensões variam sensivelmente entre um
centímetro e os vinte centímetros no máximo.A maioria, todavia, andará pelos
sete centímetros.
1.2.1 Apresentação sucinta da
autora:Madre Margarida Isabel do Apocalipse (n.23-02-1779 e f. 6-05-1858)[13]
Neste ponto apresentaremos
sumáriamente a criadora. Recomendamos, antes de prosseguir-se na leitura do
trabalho, a leitura do Quadro cronológico XIX. Referiremos tão-só
alguns traços fortes da sua personalidade e
vida.
Todavia, falar de alguém é não
esquecer que se tem de falar de uma vida desde a infância até à morte, de uma
relação com o meio familiar,[14]
social e pessoal. Ter em conta, além disso, o crescimento psíquico e somático
da pessoa ao longo da vida. E da coerência do ser humano, coerência feita de,
aparentes ou reais, incoerências, de mudanças de opinião, de persistências, de
dois pesos e de duas medidas, de razões da razão e do coração, de ódio e de
amor etc. Nela parece existir bem visível um fio condutor ao longo de toda a
sua vida adulta conhecida. A imagem que nos chega e a que parece ter igualmente
chegado aos contemporâneos, apesar dos sintomas de senilidade dos últimos anos
de vida, é o de serenidade, de respeito, de poder, de persistência metódica, de
firmeza. De uma pessoa racional.
Margarida surge-nos nos
documentos que compulsámos, como o 7º filho de José Francisco Pacheco Moniz e
de D.Inês Eufrázia Botelho de Sampaio Arruda.Nasceu aos 23 de Fevereiro de 1779
na freguesia de Nossa Senhora da Conceição da então vila da Ribeira Grande,
situada na costa norte da ilha de São Miguel, uma das noive do arquipélago dos
Açores, provavelmente na rua de São Francisco, e viria a falecer na freguesia
da Matriz da mesma vila, aos seis de Maio de 1858, na rua de João d’Horta.Em
inícios de 1800 tomou, mais a irmã Ana, o véu preto de freira clarissa no
Mosteiro do Santo Nome de Jesus da mesma vila, onde permaneceria até à sua
extinção em 1832 pelo decreto de 17 de Maio daquele ano.[15] Sairia mais as suas colegas pouco depois,
presumivelmente em Junho.
Pertenceu, sobretudo pelo lado
materno, a uma das principais famílias da vila e da ilha, na qual pontuavam não
só administradores de vínculos como membros da instituição militar,
político-a dministrativa e religiosa
da vila.O seu tio João Caetano Botelho, o seu irmão Teodoro José Botelho de
Sampaio, o cunhado deste, José Maria da Câmara Vasconcelos e o filho da prima
Ana Umbelina, Manuel Pedro de Melo e Silva comprovam-no não só para o período
anterior à tomada da ilha pelos liberais de D.Pedro IV Como igualmente para o
período posterior.
Algo que desconhecemos
aconteceu à volta de 1800 para que o casal se desagregasse e para que ela e a
irmã, ainda que sem vocação decidida mas por obediência,[16]
ingressassem no já referido mosteiro de clarissas do qual o tio Caetano era
Síndico e Procurador Geral. Nem sequer seria a família a pagar os dotes de
entrada.
Segundo o cunhado do irmão,
tendo este plausivelmente sido o autor do artigo de 1858 no jornal “A União”,
Margarida fora bonita e dotada de uma inteligência acima da média. Era robusta
física e moralmente. Amável e exemplar no seu decoro e dignidade no porte.
Lamentavelmente, porém, não teria ido além do aprender a ler e a escrever e dos
“primores de uma dama prendada”: fazer flores artificiais e possivelmente algum
trabalho ligado ao linho.Todavia, a opinião de um viajante inglês, que visitou
o mosteiro de Jesus em inícios do século XIX, é divergente:
“...I Know of no convents under
better regulations, nor have I seen any where the nuns are so generally
interesting and so highly cultivated.Many of them speak the principal of the
continental languages, and all of them are skilled in music and the principles
of drawing, and designing paper flowers and pattern for lace.”[17]
Mais adiante, em outro
capítulo, trataremos de aprofundar o seu perfil, de acordo com o que parece
revelar-nos nas suas obras ou seja no seu testamento, na carta à sobrinha, na
festa de São João e no Arcano. Porque não também na própria escolha e na casa
em que viveu ou no que José Maria disse dela. Trata-se, obviamente, da
tentativa de retirar o máximo de informação possível da documentação de que
dispomos.[18]
Era viva de imaginação, dextra
de mãos;dada a minúcia e a pequenez de certos elementos da sua obra
presumivelmente teria uma boa vista ou usaria óculos.Bem educada e cortês,
sabia receber e comportar-se com elevação e distinção nas “mais diversas
assembleias”(segundo José Maria).
No claustro empreendera o
estudo da Bíblia e de outros livros sagrados,[19] o
que lhe conferiria, até mesmo em relação ao seu confessor, superioridade
intelectual.
Teria uma atitude da
“cientista” perante o seu objecto de estudo. Tal como experimentava com a
composição da massa das figuras, fê-lo reconhecidamente com as formas das
estruturas, com os gestos e os trajes, as situações, em tudo parece ter
observado com minúcia, com rigor. Tinha uma espírito de busca. Metódica, serena
e persistente teria dado, decerto, uma notável investigadora. Veja-se o rigor
com que descreve e anota tudo o que possui. Ou o pormenor dos seus quadros do
Arcano.
A julgar pela obra que lhe
sobreviveu, seria uma perfeccionista, senhora de uma enorme paciência. Não
gostava de repetir a mesma fórmula, nem
de conferir as mesmas atitudes às suas figuras.A obra tem altos e baixos
que podem ser também explicados pelo seu estado de saúde.
Entre os dois pólos extremos do
modelo comportamental que uma freira da época podia ter, a santa e a dissoluta,
Madre Margarida, tudo quanto possuímos dela parece apontar nesse sentido, seria
uma freira tão cumpridora quanto a saúde, sempre periclitante, lho permitiu.Religiosa
sem arroubos místicos, dedicada aos seus dotes artísticos, mantendo a sua
dignidade.O sofrimento pelos males que
padecia seria a sua mortificação, a sua penitência.
Todo o seu comportamento, mesmo
na adversidade, ou situações de potencial adversidade,já o dissemos, mas vale a
pena repeti-lo, parece ter sido o mais eficaz e adequado do ponto de vista
social. Já em 1832 ao oferecer ao rei uma sua obra, o fora, tal como o irmão o
fora na delicada situação do dia da Ladeira da Velha. Tal como o irmão que dera
habilmente a volta por cima, numa situação difícil, ela também o daria à
reputação que perseguia as freiras de então.Parece notável que sendo mulher e
freira tenha conseguido ser a personagem
mais “celebrada” por toda a comunidade da vila e fora dela. Talento
artístico, é certo, mas não só. Seria preciso carisma. Carisma que o tio também
possuíra. A distância respeitosa que parece ter cultivado, ou ter-lhe sido
natural, atraía mais do que afastava. A sua serenidade, aliada ao prestígio artístico
e social, teriam igualmente contribuído para construir socialmente a sua
reputação. Aceita as coisas com realismo. Sendo o Arcano uma obra feita a
partir dos cinquenta anos, reflecte-se nele, seja pela escolha de cores e pela transparência dos materiais e
serenidade das formas e dos gestos, uma pessoa bem consigo própria e com o
mundo.Projectando-se de igual modo preocupações pessoais e da época.
Não parece ter ocupado cargos
de relevo na administração do convento; aliás, tanto quanto sabemos, a julgar
pelo testemunho de José Maria da Câmara Vasconcelos, teria tido a seu cargo o
arranjo do altar de São João Evangelista, empenho que manteria, já ex-claustrada
e que quis perpetuar após a sua morte com a instituição de uma festa dedicada
àquele apóstolo.
O seu carácter enfermiço
crónico tê-la-ia impedido, caso o quisesse, de desempenhar cargos de outra
responsabilidade.Com efeito, logo em 1820, aos trinta e um anos,a entrar na
idade considerada mínima para o desempenho de cargos conventuais de relevância,
Madre Margarida está doente. Doente com alguma gravidade, a julgar pelo que a
comunidade despendeu com o médico e com os medicamentos.[20]
Em inícios da década seguinte,
agravar-se-ia o seu estado de saúde a tal ponto que uma junta médica lhe
prescreverá um tratamento fora do claustro durante, pelo menos, três anos, a
fim de ir a banhos nas Caldeiras da Ribeira Grande.Sendo um procedimento relativamente vulgar.
A doença, segundo os clínicos
da época que a examinaram, obrigava-a a manter-se de cama por largos períodos e
a recorrer a muletas sempre que pretendesse deslocar-se.Segundo clínicos
actuais a quem apresentei o relatório médico, tratar-se-ia de uma forma de
flebite crónica. De reumatismo.[21]
Por tudo isso não podia cumprir
cabalmente os deveres a que estava obrigada, designadamente os de frequência ao
coro.Ter-se-ia mantido, por conseguinte, adoentada na maior parte do tempo em
que esteve na clausura.Sairia em 1832, como vimos.Existem indícios de que se manteve assim até ao fim da sua vida.
Possuía, pelo menos já
exclaustrada, segundo o rol do seu testamento, uma banheira e diversos outros
apetrechos para banho e, plausivelmente iria regular e livremente às termas das
Caldeiras, onde de acordo com as prescrições médica, de então deveria procurar
alívio para os seus males circulatórios e cutâneos. É também na década de
quarenta que a água da Ladeira da Velha começa a ser utilizada para fins
medicinais. Um filho de António Manuel da Silveira Estrela que sofria de
problemas cutâneos fora curado pela água que o pai lhe mandara para Lisboa.
Em 1857,um ano antes de
falecer, parece tê-la atingido um outro mal, pois, não consegue escrever o
codicilo ao testamento visto estar afectada
do lado direito. Seria a consequência de alguma trombose? Ou de artrose?
José Maria da Câmara
Vasconcelos, cunhado do irmão, informa-nos de que ela, nos últimos anos de vida
já septuagenária, era acometida com alguma frequência por assomos de loucura.
Loucura que a teria levado a queimar muitos dos papéis que escrevera, alguns dos
quais, segundo o mesmo informador, com valor. Tratar-se-ia de “demência senil”?
José Maria, no elogio fúnebre que lhe presta, censura-a polida e brandamente,
de ter testado a alguém que nem sabia se realmente existia. De ter queimado
papéis. No fundo o culpado, o confessor, nem o seria, pois era-lhe inferior
intelectualmente.
Estamos em crer que a paciência
quase obsessiva patente na construção do projecto do Arcano não poderá ter só a ver com o seu carácter
paciente, mas também terá a ver com a natureza específica dos seus achaques.
Não foram doenças que afectassem órgãos vitais, porém exigiam-lhe imobilidade.
Toda a sua actividade em torno do Arcano ou das flores artificiais é própria de
alguém que não tem grande mobilidade.
Gentil como as freiras e senhoras
da época deviam ser, mas recatada, ofereceu ao rei D.Pedro e a sua filha
D.Maria, aquando da passagem do primeiro pela ilha de São Miguel, possivelmente
quando visitou a Ribeira Grande, um ramo simbólico de flores artificiais. Tal
permite-nos pensar plausivelmente num sinal de adesão à nova situação da ilha,
todavia, a sua adesão teria, ainda plausivelmente, um significado diferente da
adesão do irmão ou do cunhado deste.[22] Não
vemos razão para tal. Todo o clero mais importante aderiu. As pastorais aconselhavam-no.
A adesão de uma freira não passaria de uma gentileza desprovida de significado
prático. À mulher da sua situação estava
vedado o desempenho político público. Talvez tão só a influência feminina no
lar. Não deve ter sido radical. Primeiro porque era racional. Segundo porque ,
tal como o dissemos, foi glorificada por todos. O mesmo não foi o cunhado do
irmão. Era mação e radical.[23] Só
sendo rainha. A divisão em dois ramos da oferta feita ao rei, por ordem do
próprio monarca, segundo José Maria testemunhou, mereceu a Margarida um
comentário premonitório de futuras divisões e querelas no movimento liberal.
Vejamos o testemunho do liberal José Maria:
“Em 1832, aportando a esta Ilha
Sua Magestade Imperial o Duque de Bragança de saudosa recordação, a preparar o
exercito libertador, avivou-se-lhe no coração o amor que mostrava ter à Rainha
a Senhora Dona Maria Segunda, e para mostrar-lho enviou ao dito Senhor um
ramalhete de flores artificiaes obra toda de sua mão.”
(“A União”, Ribeira Grande,16
de Dez. de 1858).
Agiria com a mesma gentileza e
cortesia, com as pessoas nacionais e estrangeiras que a visitavam para ver o
Arcano Místico, apesar do incómodo que lhe causavam. A este respeito
encontrámos, para a década de quarenta e para a seguinte, dois avisos publicados
na imprensa local. Ambos pedem a compreensão do público pela sua longa idade,
pela sua doença e para o seu desejo de completar a obra em sossego. Promete que
mal o faça franqueará de novo as suas portas.[24]Em
1853, queixava-se do mesmo a sua sobrinha.[25] Era
ainda a pessoa racional e inteligente que sabia utilizar a palavra e o gesto
certos na altura certa. Persuadia convincentemente sem ser agressiva. Parece ter o perfil de uma
pessoa prudente que não teria inimigos declarados, apesar de parecer ter poucos
amigos. A grande amiga da sua vida, de todas as horas, das boas e das más, foi
a sua prima Umbelina.
Era uma católica convicta,
ligada ao seu confessor, como orientador da salvação eterna da sua alma, todavia, mantinha boas relações
com outro tipo de pessoas, incluindo
liberais e mações como o cunhado do irmão que lhe teceria o elogio fúnebre nas
páginas do seu jornal.[26]
Conscienciosa nos seus tratos
do dia a dia e zelosa da salvação da sua alma, a exemplo de outros católicos
seus contemporâneos e conterrâneos, faz do seu testamento, como o prescrevem os
manuais da igreja, um instrumento de salvação. Demonstra a sua habilidade em
planear a médio e a longo prazo, sem desvios do objectivo traçado. Quando se
mete em algo, dá a impressão de já ter ponderado e não ter grandes dúvidas,
sabe o que quer para lá chegar. Veja-se a aquisição das casas, por exemplo.
Dimanaria esta certeza, assim talvez, estamos sempre no campo das conjecturas,
teria conseguido o apoio da Junta de Paróquia para comparticipar em metade as
obras do seu altar de São João. Consegue levar a bom termo todas as tarefas em
que se meteu. Veja-se igualmente a habilidade com que negoceia a cedência do
Arcano, ou até em pequenas coisas como o seu capote. Mantém-se herdeira dos
ritos e das tradições da igreja católica, seguindo a mãe, mas diferente do
irmão Teodoro, se compararmos as exéquias fúnebres, ou ainda se analisarmos o
seu desejo de instituir e promover o culto público de um santo que fora culto
familiar.
O recheio da sua casa revela,
de certo modo, o perfil de uma pessoa que embora assumindo ainda a herança do
passado já incorpora elementos da contemporaneidade romântica. O próprio Arcano
terá um pouco deste romantismo e daquele passado. Ao lado da sua cama singela,
se calhar a que se habituara no convento, pressente-se toda a filosofia
sanitária da circulação do ar, a par disso, móveis ainda do século XVIII e
talvez anteriores. A organização do espaço, a julgar pelo rol do testamento,
também apresenta um meio caminho entre o passado e o que de mais moderno
existia na altura.[27]
Apesar de ser para nós uma
incógnita quando foi aceite e posto em prática em São Miguel o conceito de
“indivíduo”, não nos restam dúvidas quanto aos sinais e indícios que poderão ser definidores de “um
Indivíduo” em Madre Margarida. É heroína da vila, destaca-se da comunidade
conventual ao oferecer ao rei uma das suas obras, versa-se na Bíblia e em
outros livros Sagrados, toma a vida em
suas mãos, de um modo exemplar, acabada que foi a vida em comunidade.
A morte do irmão Teodoro em
1835,segundo o cunhado do irmão, parece ter constituído um acontecimento
decisivo no rumo que Madre Margarida tomaria nos últimos vinte e três anos de
vida que lhe restavam. Aliás tal como os acontecimentos que ocorreram nas duas
primeiras décadas de clausura teriam sido para a sua saúde. Morreram os pais,
depois de terem estado separados, depois de se terem juntado, depois de ter
morrido a tia, o tio, a irmã Ana que com ela professara tendo até falecido,
ainda naquele período, a primeira esposa do irmão Teodoro.
Poder-se-ia sintetizar a sua
vida extramuros em três momentos. De
1832 até 1833 instala-se provisoriamente.[28]De
1833 até começar a preparar a morte prepara-se para viver com conforto. É a
fase da compra das suas três casas, das prováveis obras nas casas, de meter uma
pena de água, da construção do Arcano, da sua vida diária, enfim, não é alguém
que aos cinquenta anos está a fazer contas à vida, é alguém que se prepara para
viver. O Arcano deve ter-lhe dado grande prazer a construir. Sentimos isso. Um
terceiro em que se prepara para a vida eterna. Em todos estes três momentos
parece manter-se serena. Exibe um modo racional de encarar as coisas. Por
exemplo, ao destinar em testamento o seu enterro, prepara-o com o mesmo método
e minúcia que aplicou ao Arcano. Acredita na eficácia das fórmulas. Se
cumprisse tudo o que prescrevia a Igreja e o costume salvar-se-ia, do mesmo
modo que cumprira os gestos socialmente adequados e saíra-se bem.
A partir de 1835 compra as
casas em que viria a falecer e, ainda segundo José Maria, sentindo-se só com a
prima D.Ana Umbelina, sua amiga de sempre e de todas as horas, como ela
confessa no seu testamento, mãe de Manuel Pedro de Melo e Silva, apesar de ter
ainda a cunhada e a sobrinha vivas a morarem na rua de S.Sebastião na casa que
fora da sua avó materna, na freguesia da Conceição, mas ao que parece não se
daria tão bem, começaria a fazer o Arcano pelos motivos que já referimos.
O ter optado por permanecer, em consciência freira ,
sem contudo ir para o mosteiro da
Esperança em Ponta Delgada, o ter optado por uma residência própria ou alugada
pelo menos desde a Quaresma de 1833 (saíra como as demais, como vimos,
plausivelmente em Junho de 1832) poderá indicar numa mulher de cinquenta e dois anos, entre outras coisas, apego ao
“sossego. ”Aliás, o termo “sossego” surge várias vezes nos escritos dela
que sobreviveram. Ir para Ponta Delgada, onde o grosso das tropas
expedicionárias se concentravam, seria insensatez, seria igualmente a separação
da família e da vila. Ter optado por residência própria, apesar de poder ter
estado temporariamente em casa do irmão Teodoro ou da prima Umbelina, pode
significar o pretendido desejo de “sossego” para estar consigo sem incomodar
nem ser excessivamente incomodada. Ainda que possa também indiciar uma possível
incompatibilidade com algum membro do seu círculo familiar mais chegado,[29]
mesmo assim, não deixa de transparecer o desejo de “sossego.”
Parece que, ao contrário do
período de clausura, tanto quanto a análise dos documentos que possuímos no-lo
autorizam, Madre Margarida fora do mosteiro tornar-se-ia não só na senhora do
seu destino mas também na senhora notável, reverenciada e admirada por toda a
vila e arredores.[30]Todavia
a opção de morar em casa própria parece ter sido comum a várias das suas
antigas companheiras. Para comprová-lo bastou consultarmos os róis de
confessados da altura.
Na década de quarenta já o
Arcano era célebre, celebrado e abundantemente visitado pela melhor sociedade
indígena e estrangeira. A fama foi aumentando
prolongando-se para além da sua vida.
Não havia nada que concorresse
com o Arcano; o animatógrafo só viria muito mais tarde. Representantes de todos
os quadrantes políticos da época prestaram-lhe homenagem pública. Veja-se
Francisco Maria Supico, Félix José da Costa, o referido José Maria, João Albino
Peixoto, até o cónego Sena Freitas. Alguns perfilhando crenças e ideologias
antagónicas, como seria o caso do último e terceiro.
Todavia, no fim da vida, entre
o seu Arcano Místico e a festa de São João Evangelista seu padrinho e apóstolo
dilecto de Cristo, Madre Margarida do Apocalipse optaria pelo segundo,
secundarizando o primeiro.[31]
1.3 Apresentação do seu tempo e do seu espaço[32]
Madre Margarida, autora do
Arcano Místico e impulsionadora da festa de São João Evangelista, viveu e
produziu a sua obra num espaço e num tempo concretos. Num espaço e num tempo em
que ela não foi mera espectadora, foi também interveniente, aliás Como todos os
seus contemporâneos; uns mais, outros menos. Na etnobiografia, como aliás na
história e em outras ciências sociais,” a pessoa é considerada como o espelho
do seu tempo, da sua envolvente.”[33]
Apesar de à mulher de então
estar vedada a participação na governação da terra, só lhe restando o papel de
freira, no caso do grupo social de Margarida, de esposa, de mãe, de filha, de
viúva ou, em menor escala, de solteira, Madre Margarida, entre 1835 e 1858,
desempenhou um papel directa ou indirectamente de relevo na comunidade.
Directa, porque ela e a sua obra tornaram-se porta- estandartes da vila. Num só
ano, nos primeiros tempos de vida de um jornal local, Madre Margarida surge em
três peças.
Uma curta, por sua iniciativa.
Duas reportagens longas; a primeira sobre o Arcano, a segunda, meses depois,
sobre a festa de São João Evangelista. Mais nenhuma outra pessoa da vila
mereceu tal destaque. Indirecta, porque a família dela fizera e fazia parte da
elite local antes e depois da Ladeira da Velha. Ela partilhava da influência e
do prestígio da família. Todavia seria incorrermos em indesculpável anacronismo pensarmos que o
“eu” Madre Margarida correspondesse ao “eu” actual, ou seja ao conceito e à
prática que hoje temos de indivíduo. Ou ao conceito de mulher e de freira.
Foi naquele espaço concreto que
Madre Margarida, simultaneamente autora e sujeito, pertencendo à família x e à
comunidade y, interagiu, em suma, viveu. A cultura daquela terra, as suas
fontes, são também as fontes da nossa autora. Parece-nos assim justificada a
abordagem que propomos.
1.3.1 O espaço
O espaço não é só geográfico, é
também cultural. Assim, existiriam vários espaços nos tempos de Madre
Margarida. Todavia, aqui destacaremos o geográfico.
A observação atenta de cartas
da ilha de São Miguel elaboradas na primeira metade do século XIX, por exemplo
a que consta do livro de Mouzinho de Albuquerque publicado em 1826,levantada em
1822 e desenhada em 1824, bem como as observações que aí são produzidas sobre a geografia da ilha,
ajuda-nos a perceber o espaço físico e humano da então vila da Ribeira Grande.[34]
Segunda povoação da ilha de São
Miguel, uma das nove do arquipélago dos Açores, logo atrás de Ponta Delgada,
fica sensivelmente a meio da sua costa
norte, num dos vértices de uma ubérrima planície situada entre os maciços das Sete
Cidades, a poente, e os de Água de Pau, a sul e a nascente. Nesta planície
situam-se igualmente Ponta Delgada e Capelas.
Depois da catástrofe
sísmico-vulcânica do verão de 1563 e das cheias do inverno seguinte que
destruiriam parte substancial da vila, a construção do novo casario
afastar-se-ia das perigosas margens da ribeira que lhe dera o nome, e passaria
a orientar-se no sentido N.E./S.W. ( antes era N./S), ao longo da denominada
rua Direita (composta pelas ruas de João do Outeiro, Nossa Senhora da Conceição
e São Francisco).Aliás em perfeita sintonia com as ligações vitais da vila com
os portos da vila da Lagoa e da cidade de Ponta Delgada na costa sul da ilha, a
cerca de dez e dezoito quilómetros de distância respectivamente.
As comunicações faziam-se com
aqueles agregados da costa sul sobretudo
por terra, através da estrada da Mediana que rasgava a parte central da ilha de
norte a sul. Apesar das dificuldades das comunicações terrestres no interior da ilha, sobretudo nos
seus lados poente e nascente, a área central, à qual pertence a Ribeira Grande
e aquelas localidades, possuía as melhores vias, a julgar pelo testemunho de um
engenheiro militar que fez um estudo na década de quarenta do século XIX.[35]Haveria
algum movimento de cabotagem na costa norte. Havia o porto de Santa Iria, (
ainda em projecto) a dois quilómetros a nascente do centro da freguesia, e o de
Rabo de Peixe, a pouco mais de quatro , a poente. As ligações eram fáceis com
Ponta Delgada. Já existiam companhias de seges que as ligavam de dia e noite,
se necessário fosse.
Era, e ainda é, um agregado de
traçado ortogonal, tal como muitos outros na ilha e no arquipélago. Tinha, e
ainda tem, um centro de poder político-administrativo, religioso, comercial,
sanitário, caritativo, comercial e simbólico, para onde convergiam todas as
demais artérias e onde pontuavam a Câmara, o Pelourinho Municipal, a Praça, o
Açougue, o Barracão de peixe, a Misericórdia
o seu hospital e botica, a Igreja Matriz e duas fontes. Era o coração da
vila. Ficava na banda nascente da ribeira e a ela se acedia imediatamente pela
ponte quinhentista reformada no século dezassete. A montante, um pouco mais
acima, ficava uma outra, construída no século dezassete, a ponte Nova ou a
ponte das Freiras. Presumivelmente a ribeira teria pontes ou pontões de madeira
e seria atravessada a vau, tal como ainda acontecia há pouco.
Como que a proteger as entradas
da vila de inimigos invisíveis, este será um aspecto relevante para a época,
existiam duas comunidades de religiosos, um a poente, de frades franciscanos,
no chamado Cabo da Vila, onde Margarida nasceu e viveu até professar, e o outro
de freiras clarissas, onde ela professaria, a sul da freguesia da Matriz. O
pequeno forte de Nossa Senhora da Estrela, junto às Poças do mar, pretendia
defender a vila, porém, já no período das lutas liberais estaria inactivo ou
perto disso. Margarida e a sua família sempre estiveram presentes nestes
lugares de poder e de prestígio.
Geografia religiosa
Mas a vila estava igualmente
repartida em duas esferas complementares ( a união do trono e do altar ), passe
a redundância: a esfera civil e a religiosa. Madre Margarida pertenceu a ambas.
Saiu do mundo em 1800 e regressou ao mundo em 1832. Quais eram estes espaços?
A vila estava dividida em
paróquias, estando estas subordinadas ao governo episcopal sediado em Angra, na
Ilha Terceira. Entre a paróquia e o bispado, existia tal como ainda existe, a
Ouvidoria, cuja área jurisdicional, no caso da Ribeira Grande, ultrapassava, a
poente, os limites geográficos do concelho. As igrejas tinham importâncias
diferentes. A igreja de Nossa Senhora da Estrela, da qual Margarida depois de
1832 fora freguesa, era Matriz. A de Nossa Senhora da Conceição, onde se
baptizara e fora freguesa até 1800, era simplesmente paroquial. As igrejas da
vila tinham Colegiadas e Beneficiados. Nelas se processava o ensino da
catequese e da formação do clero.
O ouvidor era a autoridade
superior representante do bispo. Superintendia sobre todo o comportamento moral
público e privado do rebanho. Dentro das suas competências, incluíam-se
aspectos hoje claramente pertencentes à
esfera civil.
Partilhando com o clero o
espaço e a função religiosa existiam confrarias, tanto as das igrejas
paroquiais e Matriz como a da
Misericórdia. Associações que se dedicavam a um culto especial. Além destas de
cariz colectivo existiam também as particulares, as que pertenciam a famílias
ou em suas capelas anexas a solares, como a de São Vicente Ferrer, hoje parte
do Museu Municipal, ou na própria igreja, como o altar que Margarida veio a
adquirir para colocar o São João Evangelista. Ter uma capela, pertencer a uma
confraria, doar ou legar algo para estas estruturas e para a igreja fazia parte
do plano de salvação de cada um. A níveis diferentes, consoante o estatuto
social e suas posses.
A vigiar o bom comportamento do
rebanho e dos seus pastores nas paróquias, de toda a estrutura clerical secular
local, os visitadores. Tanto podia ser o bispo como alguém por ele designado.
Esta estrutura, quer-nos parecer, era muito mais eficaz do que a estrutura
civil. O estado central nunca conseguiria o que a estrutura eclesiástica
conseguira: um governo para os Açores.
Além desta estrutura secular
existia na vila uma outra: a regular a
que pertenciam as Clarissas ( Madre Margarida) e os Franciscanos. A Província
de São João Evangelista e Ilhas dos Açores sediada em Angra, dirigida por um
provincial, presidia. Mas por desavenças a Província subdividira-se em Custódias, dirigidas por um
Custódio. A Ribeira Grande pertencia à Custódia da Puríssima Conceição de
Maria. De dois em dois anos, no Mosteiro de Jesus, onde esteve Margarida, bem
como nos demais, havia eleições para a Abadessa. O convento seria o espaço onde
a mulher de então poderia deter mais poder real e efectivo. Margarida (vide Q.
XIX) não deteve quaisquer cargos. O mosteiro geria-se pelas regras, estatutos e
pelo costume e nada tinha a ver com a administração tanto clerical como civil
extramuros. Todavia, a realidade era bem outra. A comunidade estava dependente
umbilicalmente do mundo cá fora. Eram as rendas, eram os laços familiares que
perduravam, etc. O convento tendia a ser uma bua-se extensão dos usos e
costumes extramuros. Algumas freiras eram irmãs da Santa Casa da Misericórdia e
faziam Passo quando da procissão dos Passos, por exemplo. Mantinham os seus
cultos pessoais, iniciavam outros, tomavam conta de altares, como parece ter
feito Madre Margarida, ainda no convento, com o altar de São João Evangelista.
Anexa ao convento estava a casa dos padres do “Oratório” ( Padres confessores
da Ordem que prestavam assistência religiosa à comunidade: celebravam missa,
confessavam, em suma auxiliavam em todos os actos do culto vedados às freiras.
Eram por elas sustentados. Para governarem os bens da comunidade extramuros
tinham um síndico e procurador-geral. O tio Caetano e o marido de Umbelina
ocuparam este cargo. As freiras tinham servas, Margarida teve-as de certeza,
que estabeleciam os contactos com o exterior e tratavam de cada uma das suas
freiras. Também nesta estrutura existiam os visitadores.
As igrejas tanto secular como
regular estavam intimamente ligadas à vida económica e social rural com as
quais entretinham laços e interesses mútuos. O pai de Margarida e o irmão
compravam trigo ao mosteiro, por exemplo. O mosteiro recebia as suas rendas
espalhadas pelos quatro cantos da vila e da ilha. Um bom ano agrícola era
desejado tanto pelo mosteiro como pela comunidade civil
Margarida quando sai obrigada,
tal como entrara, do convento e compra casa, torna-se legalmente numa
“egressa.” Legalmente não é freira. Regressa à obediência do pároco e da
paróquia. Mantendo-se freira egressa continuaria ou iria receber a pensão
prometida pelo governo. Perante a sua consciência continuaria a ser aquilo que
prometera ser aos vinte anos. Racional e prática como sempre, se cumprisse as
leis, ambas as leis, por um lado,
receberia a pensão, por outro, alcançaria a salvação; os estatutos
obrigavam-na a obedecer, os manuais católicos ensinavam-na a obedecer aos pais,
aos mais Antigos, ao homem, ao marido. É muito explícita a este respeito no
início do seu testamento. Grosso modo diz que o fazia porque as leis do estado
e da religião a autorizavam.
1.3.2 Tempo
Não trataremos dos vários
tempos, mas tão-só do período histórico compreendido entre 1835, quando ela
presumivelmente começa a construir o Arcano , e 1858, quando falece. Todavia,
não poderemos deixar de recuar ao período anterior ou posterior. A natureza da
biografia assim o exige.
1.3.2.1
Será necessário também
considerar, ainda que em sobrevoo, alguns aspectos de ordem política nacional e
local.[36]
Politicamente, Madre Margarida
nasce já no período da Capitania Geral dos Açores com sede em Angra, ilha
Terceira, caracterizado por uma subalternização do papel dos capitães do
donatário a nível de ilha e por uma tentativa de centralização administrativa,
ao nível do arquipélago. Tal duraria de “iure”, com muitos altos e baixos, até
aos primórdios das lutas liberais, no início do segundo quartel do século
dezanove.
Foi uma medida do tempo do
Marquês de Pombal, segundo os historiadores, tentando racionalizar e potenciar
os meios e os recursos dos Açores, por parte do governo central.. Todavia, por
várias razões e num balanço geral, viria a não surtir o efeito desejado.
Tentativa, por conseguinte,
tanto quanto sabemos, frustrada, porquanto as elites locais, da qual fazia
parte o tio materno de Margarida, João Caetano Botelho, conseguem, mercê da
distância da sede administrativa, da perturbação que as invasões francesas causaram
à administração portuguesa, e a uma hábil estratégia ora de aliciamento ora de
afrontamento dos Juízes de Fora e do Capitão-Geral, entre outras causas,
subtrair-se a um controlo rigoroso. Esta afirmação careceria de maior
investigação, mantenho-a, no entanto, como hipótese de trabalho. Ao poder
central também não interessaria muito alienar as elites locais, suas potenciais
aliadas no terreno, numa política de “antes um pássaro na mão do que dois a
voar.” De modo que o objectivo, na prática, provou ser de difícil prossecução.
O “Vintismo”, primeiro
movimento liberal português, é prudentemente acolhido na vila e a ele adere o
irmão Teodoro que é promovido a uma posição de destaque. Entretanto o tio
Caetano, figura central da vila no último quarto do século e inícios do seguinte,
tinha falecido, o que possibilitaria, segundo uma lei vigente, a entrada do
sobrinho na governação da terra.
Tinha estado por uns tempos
afastado da vida administrativa municipal, ocupando-se de um cargo secundário
na Misericórdia e da sua promoção nas estruturas da milícia da vila. Começara
este percurso já na casa dos trinta. Perto do desembarque liberal na ilha de
São Miguel em 1830, Teodoro é o vereador mais importante da Câmara da Ribeira
Grande. O novo regime recupera-o, aceitando a sua presumível adesão, aliás, tal
como a do cunhado José Maria da Câmara Vasconcelos, tornando-se numa peça-chave
da transição pacífica num período bastante conturbado da vida local que
culminaria com a Revolta dos Calcetas, revolta que manteria a vila em sobressalto
de Abril a Agosto. Circulavam rumores de que as freiras se preparavam para
regressar aos conventos. Teodoro falecera há pouco. Da sua repressão se
ocuparia o cunhado. Havia desertores e existiu, inclusivamente, uma guerrilha
miguelista. Sobretudo nos períodos mais sombrios da guerra civil, ou quando
falece D.Pedro, aumentam os rumores e cresce o medo na ilha perante uma
reviravolta. Eis-nos, pois, em pleno ano de 1835, ano em que se diz que
Margarida terá iniciado o Arcano.
A reforma administrativa
iniciada logo em 1832 e continuada mais tarde na década seguinte, vem retirar
poderes até então atribuídos às Câmaras Municipais, de quem os liberais
desconfiavam, criando com êxito corpos intermédios e superiores de poder, tais
como a Junta, o Governo Civil e as Prefeituras, entre outros.
Em 1858, havia já alguma
acalmia a nível local, simbolizada pelo editorial e título do jornal “A União”
da Ribeira Grande (1857), órgão de uma associação para a promoção do progresso
na vila. José Maria encabeçava o projecto. A nível nacional iniciara-se o
período denominado da ”Regeneração.”
1.3.2.2 Economia e sociedade. Laivos
Nasceu no início do ciclo da
laranja e morreu pouco antes do seu declínio.
Contudo não se poderá, em
rigor, dizer que existisse um ciclo da laranja, pois tal pressuporia, segundo
Avelino Meneses, o monopólio deste produto em detrimento de outros, o que não
sucedeu, pois, concomitantemente às laranjas, e igualmente importante para a
economia da ilha, havia, por exemplo, a vinha.[37]
A Ribeira Grande era uma
comunidade agrícola por excelência onde imperava o regime vincular. As suas
vinhas, os seus panos, as laranjas e as moendas ocupavam o grosso da população.
As pastagens situavam-se acima dos terrenos de cultivo, das quintas e dos
vinhedos.
Margarida era filha de famílias
que viviam dos seus rendimentos, mas que viviam, ao que parece, além das suas
posses. Os tios João Caetano e José Teodoro emigraram para o Brasil, o primeiro
regressado à terra natal, depois de ter dominado a vila, morre com os seus bens
desvinculados empenhados, inclusive a casa da família. Aliás tal confirma o que
a este respeito escreveu em 1797 o Governador Militar de São Miguel, José de
Medeiros da Costa Albuquerque, sobre alguns morgados da ilha.[38]
No pós-Ladeira da Velha
(escaramuça que abriu as portas da ilha aos liberais em Agosto de 1831) o
cunhado do irmão iria pugnar, dentro do espírito da época, retomando o fio
condutor de Costa Albuquerque, entre outros, pela extinção da propriedade
vinculada. Tornar-se-ia num proprietário, com terras e matos, até arrematou em
hasta pública, por interposta pessoa, o mosteiro de Jesus, porém, entraria em
falência. Segundo a tradição oral local,” Deus castigara-o por ter destruído a
igreja do mosteiro.”
O modelo social da freira, ou
do frade, filhos segundos, ligados à lei da primogenitura e ao morgadio, iria
mudar com a extinção dos conventos, em 1832 e, dos morgadios já na década de
sessenta. As razões alegadas pelos liberais baseavam-se em critérios de
racionalidade económica e de justiça social. A extinção dos conventos, por um
lado, libertaria as suas terras e rendas, por outro, libertaria um grupo de
homens e de mulheres em idade activa. Com a desamortização dos bens haveria
igualmente a possibilidade de fazer
circular a propriedade.
As freiras, enquanto na
clausura, beneficiaram dos bens da comunidade, de dádivas de familiares e do
produto de trabalhos que prestavam; exclaustradas, para o caso de Madre
Margarida, teria uma renda vitalícia da mãe, teria tido uma pensão do
governo(não confirmada), além de todas as demais actividades que teria tido na
clausura, como a confecção de flores artificiais. De um modo simplista,
confessamos, tratar-se-ia disso.
1.4 Agradecimentos
Este trabalho deve-se ao apoio
de diversas pessoas e instituições. Foi-nos grato sentir a amizade que nos une
a muitas das pessoas aqui mencionadas.
Entre as instituições
destacaram-se, pelo grau de apoio, a Câmara Municipal da Ribeira Grande, na
pessoa do dr.º António Pedro Rebelo Costa, seu actual presidente, e o eng.
Hermano de Athayde Motta, seu antecessor ao concederem, dentro da política
patrimonial da Ribeira Grande, a minha equiparação a bolseiro. A Direcção
Regional dos Assuntos Culturais dos Açores, na pessoa dos anteriores e actual
director, respectivamente Dr. Victor Duarte, Dr. Graça Cardoso e Dr. Luiz
Fagundes pelo apoio financeiro e
logístico prestado por aquele organismo inserido num projecto de formação em
museologia e património de quadros superiores já a exercer a sua actividade em
museus locais e regionais. A Fundação Calouste Gulbenkian, os Serviços de
Documentação da Universidade dos Açores, na pessoa da Dr. Graça Chorão Almeida
Lima Correia, o Centro de Informática, na pessoa do Dr. Luís Filipe Medeiros, o
Departamento de Ciências Agrárias, na pessoa do prof. Álamo de Menezes, o
Centro de Conservação e Restauro dos Açores, na pessoa da drª Paula Romão, ao
Centro de Estudos Etnológicos dr.º Luís da Silva Ribeiro, na pessoa do Prof.
Dr.º Rui de Sousa Martins, o Instituto José de Figueiredo, o Centro de Apoio
Tecnológico à Educação, na pessoa do dr.º Armando Dutra, a Biblioteca Pública e
Arquivo de Angra do Heroísmo, na pessoa da drª Mariana Mesquita, à Biblioteca
Pública e Arquivo de Ponta Delgada, na pessoa do dr.º Valter Manuel Rebelo, ao
Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, ao Arquivo da Santa Casa da
Misericórdia da Ribeira Grande, na pessoa do Sr João Manuel Cabral de Melo, aos
arquivos paroquiais da Matriz e da Conceição da Ribeira Grande.
Entre as pessoas quero
agradecer muito em especial ao meu orientador, Prof. Dr.º Henrique Coutinho
Gouveia, à minha esposa e filhos pelo sacrifício e apoio.
Agradecemos penhoradamente ao
escritor Daniel Augusto de Sá e ao pintor Tomaz Borba Vieira pelas longas horas
que dedicaram a este trabalho. Ao dr.º Pedro Medeiros e à drª Maria João, ambos
dos Serviços de Documentação da Universidade dos Açores, ao dr.º Jorge Miguel
Frazão de Mello-Manuel, ao dr.º Hugo Moreira, ao mestre em História da Arte,
Nestor de Sousa, aos padres Edmundo Pacheco , José António Piques e Hermínio
Pontes, ao dr.º Licínio Tomás, Helena Carvalho, Profª. Sacuntala de Miranda,
Prof. Avelino Menezes, dr.º José Manuel Cabral, dr.º Joaquim Sampaio, drª
Isabel Neves, Gilberto Bernardo, D.Alda Machado, D.Ana Maria Lisete, eng.º
Jaime Meireles, Ricardo Correia, Prof. Alfredo Borba, drª Vanda Belém, dr.º
Fernando António Baptista Pereira, Filomeno Gouveia, entre muitos outros. A todos os nossos colegas da Câmara Municipal
da Ribeira Grande, em especial aos que
trabalham conosco mais de perto,
e a todos os funcionários das instituições acima mencionadas. Queremos deixar
um agradecimento muito especial ao srº Luís Manuel Agnelo Borges, descendente
de Teodoro, irmão de Madre Margarida Isabel do Apocalipse.
Gostaria de agradecer
igualmente ao dr.º Jorge Costa Leite, Manuel António Fernandes, José Correia e
dr.º José do Rego.
Dedicamos este trabalho aos
nossos filhos, esposa e a todos os que aceitam e alimentam a nossa
amizade.
II
Abordagens
à obra e sua autora
(Súmula analítica do que se
tem publicado sobre o Arcano de Madre Margarida Isabel do Apocalipse)
2.0 Enunciando a questão
Para
percebermos melhor o Arcano Místico e as suas relações temos de tentar entender
o modo como a sua mensagem tem chegado a
algumas pessoas através dos tempos. Temos essencialmente testemunhos escritos.
Evitaremos
a recensão crítica global ensaiando tão-só analisar aqueles aspectos da
temática que contenham pontos de viragem ou singularidades, necessários à
compreensão clara da perspectiva global que enunciámos, ou seja a discussão do
modelo de interpretação ou de comunicação da autora com o público através da
obra.
Impõe-se-nos,
antes de mais, fazermos o rastreio sistemático do modo como o objectivo
confesso da autora , a mensagem catequética, e implicitamente estética, é
descodificada pelos que, entre os que compulsámos, escreveram sobre o assunto.
As apreciações dependerão não só da formação e da cultura de cada um dos
autores analisados, mas também do modelo de interpretação que foi sofrendo
alterações desde o tempo da autora até ao nosso tempo.
Primeiro
seria constituído pelo conjunto móvel e quadros (numa relação que tentamos
perceber no capítulo anterior),mais as legendagens, toda a iconografia e
simbolismos. A autora, proprietária, seria peça-chave na interpretação da obra
que ia sendo mostrada enquanto ia sendo construída. Recebia as principais
famílias da Ilha e estrangeiros curiosos e não cobrava entrada. Tal durou até à
sua morte em 1858, mais ou menos. Daquela data por diante , em substituição da
autora intérprete, surgiriam várias personagens, mais ou menos aptas. A entrada
passou a ser paga e o tipo de público diversificar-se--ia. A partir de 1870 ,
data em que foi transferido para o coro, podem ter ocorrido alterações , sobretudo
na ordenação dos quadros , como tentámos ver, bem como outras que introduziriam
diferentes relações entre a obra e os seus visitantes. Até que ponto, e ainda
antes da mudança de 1870, a ordem dos quadros reflectirá a ordem de Madre
Margarida? Aspectos que abordámos em detalhe , não neste capítulo, mas em
outro. Aqui, quisemos tão-só equacionar toda a extensão da problemática em
causa.
Impõe-se-nos,
igualmente, adiantar que estes trabalhos, exceptuando-se talvez o do Dr. Luís
Bernardo Leite de Ataíde, não pretenderam ser mais do que apontamentos
jornalísticos. Inclusive, a excepção ficaria aquém do que o autor desejaria :
“ ...
vou referir-me sucintamente nesta nota, pois se fôsse com minúcia teria de ir
até uma monografia”[39]
São ,
grosso modo, apontamentos ou impressões com alguma preocupação de
sistematização , designadamente o já citado Dr. Luís Bernardo.
Impõe-se-nos
ainda mantermos presente o objectivo confesso ( insistimos) da autora,
essencialmente de catequese ou de edificação religiosa, recorrendo a um meio
aliciante para o conseguir através da figuração historiada ao estilo dos
painéis historiados de azulejos setecentistas, das histórias edificantes
iluminadas nos livros sagrados desde a Idade Média e mais recentemente a banda
desenhada.[40]É
claro que não se excluem outros motivos, tais como o entretenimento e o louvor
a Deus criador de todas as cousas.[41]
Ora
destacam-se , naqueles trabalhos, dois tipos de interesses: um interesse pelos
aspectos biográficos , e um interesse pela obra em si mesma. Este último
poder-se-á subdividir, por seu turno, em dois módulos distintos. Um, no qual se
privilegia os aspectos estéticos, um outro, em que predominam as considerações
de índole catequética. As primeiras constituem a maioria.
De
acordo com os parâmetros analíticos que vimos a seguir, os estéticos,
poder-se-ão ainda decompor em quatro perspectivas distintas:
1- Subscreverá cânones de cultura local
tradicional mais os ensinamentos da Sociedade dos Amigos das Artes e das
Letras, fundada por iniciativa de António Feliciano de Castilho, ou pela sua
congénere ribeiragrandense Sociedade Escholástico-Philarmonica, consubstanciada
nas duas exposições locais de 1848 e 1849. Incluir-se-ão nesta área as
apreciações de Félix José da Costa e de João Albino Peixoto, em 1856 e 1850
respectivamente. Um pouco do romantismo liberal de Castilho.
2- Numa segunda fase , surgem os cânones de
então das Belas Artes pela pena de Raimundo Bulhão Pato ,em 1868, porventura,
já indiciadas nas impressões dos Marqueses da Ribeira Grande, em 1867.
3- Por critérios das artes menores religiosas
conventuais, de acordo com o conceito expresso em artigo de Setembro de 1921 por Luís Bernardo[42] e
como se depreende do seu artigo ( ensaio) sobre o Arcano, datado de 1944. [43]
4- Finalmente, uma quarta via, indiciada por
uma pista lançada em 1955 por Claude Dervenn, a qual aponta para o surrealismo
e o desenho animado.[44]
Existe
ainda uma abundante literatura de divulgação turística, exemplificada por
Gabriel de Almeida, em 1893. O modelo adoptado
circunscreve-se a uma mensagem curta, enfermando, por vezes, de uma
certa ambiguidade , outras vezes pecando por omissão do essencial. Em nossa
perspectiva, tem-se mantido quase inalterado.[45]
Dois
momentos cruciais na análise biográfica parecem coincidir com duas fases
distintas da memória da comunidade. Enquanto
Madre Margarida foi viva e
durante todo o restante século XIX, se exceptuarmos o lapso de Sena Freitas [46] e se
nos referirmos somente aos testemunhos escritos conhecidos, enquanto foram
vivos os que directamente a
conheceram e os seus descendentes
próximos, não existiram dúvidas acerca da identidade da freira do Arcano.
Segundo Jacques Le Goff, citando Borges” un homme n’est vraiment mort que
lors que le dernier homme qui l’a connu
est mort...”[47]
O mesmo já não se dirá dos testemunhos orais recolhidos pelo Dr. Urbano
Mendonça Dias, já no século vinte.[48] Os
artigos assinados pela inicial V. vindos a lume poucos meses depois de
Margarida falecer, em 1858, tinham dito além do que costuma ser necessário.[49]
Todavia, quase um século depois, em 1948, o Dr. Urbano Mendonça Dias , baseado
nos referidos depoimentos orais, defendeu uma tese frouxa rebatida em 1965 pelo
Dr. Hugo Moreira,[50] que,
desconhecendo os citados artigos de V. , socorrendo-se de provas arquivísticas
o contradiz. Tal tese teve, porém, um seguidor, o sr. Ventura Rodrigues
Pereira, que, na década de sessenta deste século, sendo vereador municipal,
tomou a meritória iniciativa de propor à restante edilidade a colocação de duas
lápides explicativas da vida e da obra de Madre Margarida. Infelizmente,
seguindo a teoria, então ainda não rebatida, do seu mentor.[51]
2.1 Apreciação da obra: pendor estético
Detenhamo-nos o suficiente para analisarmos o modo como os autores acima
referidos sistematizaram as observações sobre o Arcano. Comecemos pelos de pendor estético.
2.1.1
Cânones de cultura local tradicional [52]
João Albino Peixoto.[53]Segundo
o Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde era natural da Ribeira Grande onde teria
nascido aos 5 de Agosto de 1803, tendo falecido no dia 12 de Julho de 1891.
Considera-o pintor-decorador.
Peixoto sistematiza a observação do Arcano desenvolvendo uma tipologia
funcional dos modelos imitados, subdividindo-a em imitações naturais e
imitações da arte, mais uma tipologia das personagens intervenientes nos
quadros da obra. O cónego Sena Freitas proporá em 1897 uma tipologia de
personagens, semelhante. [54]
Não nos define , porém parece-nos lícito
concluir que , tanto mais que a lista adiantada o corrobora, entenderia
por natureza todas as coisas não artificiais, e por arte tudo o que fosse
artificial, ou seja feito pelo homem.
|
Campos |
|
|
montanhas |
|
|
vales |
|
|
|
escalvadas |
|
rochas |
|
IMITAÇÕES
NATURAIS |
|
com
vegetação |
|
grutas |
|
|
cascatas |
|
|
rios |
|
|
fontes |
|
|
plantas |
|
|
musgos |
|
IMITAÇÕES
DA ARTE |
campanários palácios salões templos choças e edifícios |
TIPOLOGIA
DE PERSONAGENS |
reis sacerdotes militares camponeses pastores animais aves,
etc. |
Estes elementos, imitações naturais, sobretudo os
“campos”, autorizam-nos a conjecturar que só fariam sentido reunidos naquele
espaço específico: o móvel, interior e exterior, espaço aglutinador,
unificador. No século seguinte o Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde apresentará
uma sistematização que, grosso modo, segue a de João Albino Peixoto.
2.1.2 Belas Artes-
Bulhão Pato
Raimundo Bulhão Pato e as Belas Artes. Senhor de uma
cultura europeia considerada universal , não atenderá a quaisquer
mensagens catequéticas do Arcano e prender-se-á tão-só a uma análise
estética. Partindo de uma metodologia comparativa , avalia o Arcano tomando
como ponto de comparação as grandes obras de arte e os grandes mestres
europeus. Destaca duas ou três passagens e analisa-as. Deste modo realçou a “
Seara de Booz” ( nosso nº60a e 60b )[55] que
“chega a ter na concepção merecimento artístico” e o “Dilúvio é uma peça
magistral” ( nosso nº7).[56]
A Madre, porventura, sentiria os mesmos êxtases criativos
de Miguel Ângelo , exibiria até os
mesmos tiques de secretismo ( o seu segredo da massa), mas a paciência não
seria o génio como opinara Victor Hugo, rematou.[57]
2.1.3
Artes menores religiosas (conventuais)Luís Bernardo
Dr.
Luís Bernardo Leite de Ataíde nasceu em 25 de Abril de 1883 em Ponta Delgada e
faleceu a 17 de Julho de 1955. Na “ Organização de museus em Ponta Delgada”, em
Setembro de 1921, Luís Bernardo avança com os conceitos de arte geral, arte
regional e arte religiosa e etnografia conventual. Nesta última inseriu o
Arcano. “ Deus é o supremo artista; a sua obra é o supremo modelo a seguir e a
interpretar”[58]
Assim definia a arte geral. Defendia a arte regional
reconhecendo que“ Todas as regiões, umas mais outras menos, apresentam o seu
caracter próprio e inconfundível resultante dos complexos elementos que as
formam: ...“[59],
sendo o verdadeiro artista regional “ ... animado pelo ideal patriótico de por
meio da sua arte concorrer para o renascimento da sua Pátria... “[60]No
primeiro caso, na arte geral, só artistas como Miguel Angelo, Rafael e
poucos mais tê-lo-iam conseguido. A
etnografia conventual incluiria tudo aquilo que fora feito nos conventos, desde
a doçaria, as flores artificiais, etc.
Inicia
o artigo com a metodologia de análise. Primeiro o que seria o arcano, quais os
materiais, suas características, mérito artístico dentro da sua classe; e uma
proposta de intervenção museológica, em seguida. Ater-nos-emos, por ora, à
tipologia de sistematização que propõe.
Luís Bernardo vê o Arcano , tal
como João Albino o vira, como uma série
diversificada de actores actuando em diversos ambientes. Considera-o como um
Presépio.
Estrutura
analítico-tipológica do Arcano
Tipo
Teatro |
71
quadros |
actores |
figuras plantas animais |
que
se movimentam [61] |
templos choupanas interior
de casas montes palácios terrenos
de cultivo jardins mar
prados florestas |
Não define quadro , a seguir fala de trecho, também sem o definir, e já não
seriam 71 mas 72 quadros. Para tal procedeu a um inventário errático.[62]
Em vez de 72 ou 71 , se cada quadro consistir em cada uma
das unidades separadas por vírgulas ( veja-se quadro na nota 20) teríamos 75.
Todavia, como veremos , faltam quadros ou trechos, entre os quais o nº1, a “ Creação do mundo”, nº8 “Os filhos
de Noé”, “A seara de Booz”, n.º 60a e 60b ,“A Matança dos Inocentes” n.º 6, “ A
Transfiguração” nº37, “ A fuga para o Egipto”, nº48, entre outros.
“Trechos” há que são repetidos, como por exemplo “a
descida do espirito santo” e a “ Vinda do espirito santo sobre os apóstolos”,
ou ainda “O templo de Salomão” e a “Sumptuosidade do templo de Salomão”.
Algumas designações, como “Passagens diversas da vida de Moisés” podem ser
ambíguas.
Esteticamente diz “ afigura-se-me uma peça de valor
dentro, é claro da sua categoria e reveladora de invulgar mérito” [63]
Aplica-lhe o método analítico das artes, aceita as carências em nome das
dificuldades técnicas em trabalhar o material. Não se fica por aí e constrói
toda uma tipologia do estado psicológico das personagens, neste caso figuras,
através dos gestos, das atitudes e ademanes, sobretudo pela expressividade
conseguida pelas mãos.
Tipologia
do estado psíquico das figuras |
gestos atitudes ademanes |
alegria admiração dores
físicas morais misticismo submissão submissão eloquência pasmo beatitude concentração
espiritual estupefacção ‘contradita’ convicção terror súplica tentação |
2.1.4 Surrealismo e desenho animado. Claude Dervenn
Claude
Dervenn.Apenas sugeriu, sem quaisquer outras elaborações. Desconheço o que
teria entendido tanto por “chef d’oeuvre surrealiste” como por“ dessin animé”.[64]
Supomos que se referiu à semelhança entre a linguagem do Arcano e aquela forma
de arte. Aliás igualmente aparentada com outras manifestações de arte, nomeadamente a
azulejaria historiada. A este respeito, registe-se que a capela-mor da Matriz
de Nossa Senhora da Estrela, à qual Madre Margarida pertenceu depois de
exclaustrada, esteve revestida por painéis de azulejos setecentistas de
temática Mariana e Jesuína.[65] Ou ainda toda a iconografia religiosa ,
veja-se a Idade Média e as Iluminuras e os seus Vitrais e portais historiados.
Esta tendência manteve-se constante no interior da Igreja Católica.[66] (
Até os frescos românicos.)
2.2 Apreciação da
obra: pendor catequético
2.2.1Pendor catequético. Félix José da Costa
A Perspectiva interpretativa de pendor
catequético de Félix José da Costa começa por definir a temática da obra
conferindo-lhe uma organização cronológica:
“ Da creação do mundo até ao último remate da emancipação
religiosa dos povos” e sumariza mais adiante “ É (sic) muito mais porque está
ali uma verdadeira representação de tudo quanto nos transmite os códices dos
dois testamentos da Ley Velha, e da Graça”[67]
A sua sistematização é de carácter psicológico-simbólico
partindo da caracterização da escritura sagrada representada em figuras. Em
certa medida, e à primeira vista , assemelhar-se-ia à do Dr. Luís Bernardo,
porém esta, ao invés daquela, não pretende estudar os aspectos estéticos mas os
catequéticos. Além do mais entra pela linguagem simbólica.
Félix José da Costa trabalhou
na Ribeira Grande,[68]
nasceu em Angra em 1819 e morreu na mesma cidade em 1887.Militou no partido
liberal, colocando-se ao serviço da rainha. Chegou, por motivos políticos, a
estar suspenso do seu cargo e exilado na ilha Graciosa em 1851.Em 1856
encontrava-se na Ribeira Grande.[69]
Tipologia
psico-simbólica
Caracterização
das Escritura Sagrada em figuras |
Omnisciência Omnipotência |
Emblemas Triunfos Sofrimento martírios glória milagres |
A partir desta estruturação conceptual Félix José da
Costa parte para uma visita guiada em 1856, altura em que a autora se
encontrava viva e a obra estava na casa da rua de João d’ Horta. A fazer fé nas
declarações de Sena Freitas de que “Ela
( autora) gostava singularmente de mostrar aos curiosos aquele seu primor
artístico”[70]
não seria despiciendo nem improvável pensar-se que Félix José da Costa faça um
artigo das notas que tirara numa visita guiada pela autora.[71]
Seria assim que a autora queria que lhe interpretassem a obra?
Organiza
o artigo utilizando a palavra “ ali”. “Ali” a criação, o tempo, o espaço, o
céu, as estrelas , os astros, o Sol, a Lua , o dia e a noite. Prossegue: o mar,
a terra, as criaturas, as aves, os frutos, a árvore proibida e o pecado
original. Tudo isso corresponde ao quadro nº1 ( nosso número) e está no 3ºpiso,
1ªface.Segue-se-lhe o Dilúvio, nº7, também no mesmo piso do anterior. Diz ali:
a sofreguidão das águas e o abismo de uma sociedade criminosa, a morte de Abel
(desconheço este quadro),[72] os
sacrifícios, os antigos Profetas e Patriarcas. Ali a Torre da Babilónia, templo
de Salomão, tradições da Escritura, margens da Galileia, as grandezas da
Judeia, a destruição de Sodoma e Gomorra. Aqui, a julgar pela ordem actual dos
quadros, tais estariam em diferentes locais do móvel. Ali: A vinda do
Messias prometido, a majestade da terra
correndo e dobrando o joelho ante o menino Deus. Ali a circuncisão, o amor
maternal fugindo com o filho à perseguição dos inimigos. Os últimos dois na 1ª
face do 1º piso, exceptuando a fuga para o Egipto que está no 2ºpiso, 2ªface.
Ali, a purificação da Virgem, os milagres do Homem Divino, as parábolas, as
predições, a sua palavra no deserto, nos campos e nas praças públicas e a
história da sua misteriosa passagem pela Terra. Tem mais quatro “Alis”, que me
dispenso de transcrever na íntegra, remetendo o leitor para o artigo. Porém,
prossegue a mesma lógica organizativa, indo do lava-pés, passando pela entrada
triunfal em Jerusalém, pelo mistério pascal e finalmente pelo desenvolvimento da
lei, da sabedoria dos apóstolos e os sacramentos. Não será sempre rigorosamente
cronológico, a julgar pela Bíblia, obedecerá a uma organização crono-temática.
Não tem em conta, ao que tudo indica, quaisquer sequências espaciais coerentes.
Os três pisos não indicarão a divisão das
três leis. Remata, deixe-se acrescentar, com a geração humana regenerada e
emancipada que corresponderá ao quadro da “Igreja Militante” nº84, no 1ºpiso,
3ª face.
2.3 Apreciação da obra: análise
global
2.3.1 Cónego José Joaquim de Sena
Freitas
Trata-se de uma reminiscência
de uma visita guiada pela autora e acompanhada pelo Dr. Dâmaso , no Natal de
1849 ou 1850, tinha o futuro cónego 9 anos de idade, transcrita do “Correio Nacional” no jornal ribeiragrandense
o “ Norte” de 1897.Escritor e teólogo, o seu autor é considerado conservador.[73] O
interesse deste trabalho , discutível em termos de testemunho coevo da visita,
dada a distância e o carácter reelaborativo da memória,[74]
residirá naquilo que se pode considerar ser uma proposta de análise diferente
da obra, contudo não elabora essa hipotética proposta. Na prática segue a
tipologia sócio-cultural das personagens tal como já o fizera João Albino
Peixoto. Adianta , no entanto, outros parâmetros de análise.
Metodologia
de análise do “ Presépio”[75]
Critérios
de absorção mística do espírito |
estéticos inteligência pios |
Pena é
que não tenha explicado nem elaborado o assunto. Será que propõe uma
metodologia em que se deva ter em conta
os aspectos (motivos) religiosos, ou seja os pios, portanto o alcance
evangélico da mensagem, os estéticos, em que se considera as formas e o modo de
as representar, porém , que quis significar com inteligência?
“ meditava-o para executal-o, e executava-o para
medital-o”[76]
, eis a chave. Não deixou de observar as razões culturais do sucesso do
Presépio ( Arcano): “ Não havia cosmorama. O animatographo estava atrazado 40
annos.Ali , na pequena villa , o presépio reinava...”[77]
2.4 Tese
O problema da musealização do
Arcano não foi tentado nas diversas abordagens referidas, em termos de
musealização prática e de todas as relações. Tentaremos fazê-lo.
Porque escolhemos esta
perspectiva em detrimento de outra? Por exemplo, porque não seguimos uma
investigação na senda da História da Arte? Porque esta pareceu-nos mais
adequada a uma tese em museologia e património. A escolha da problemática
objecto desta dissertação, como esperamos vir a demonstrar, poderá ser
relevante para esta nova área das ciências sociais, sobretudo para a sua
vertente interpretativa, por duas razões.
Não podemos propor quaisquer
exposições museológicas sem o estudo aprofundado do objecto e do seu contexto.
Segundo, para o fazermos cabalmente, no caso do Arcano Místico, devemos ir ao
fundo das suas múltiplas relações. A ordenação do “caos original” da busca e da
informação obtida, ainda que ordenada em grelhas conceptuais e modelos de interpretação,
revemo-nos nas “Meninas de Vélasquez”, sem deixarmos de ser objectivos, releva
sempre de opções pessoais. Resta-nos, a nós, a sensação ( insegurança do
perfeccionista?) de que sabemos mais do que conseguimos transmitir. O teclado,
por mais digitalizado que seja, ainda (?) não acompanha a velocidade do
cérebro? Tal nem sequer é o mais importante, importante será ter em conta o que
diz Raymond Boudon acerca da arte de se persuadir com ideias duvidosas, frágeis
ou mesmo falsas.
“ Faut-il parler de l’art de
persuader ou de l’art de se persuader? A vraie dire, les deux expressions sont
pratiquement interchangeables dans le contexte présent, puisque l’intuition
fondamentale contenue dans le modèle de Simmel est que non seulement l’interlocuteur,
mais le sujet connaissant lui-même peut avoir ses propres arguments à travers
toutes sortes d’a priori qui, éventuellement, en déforment le sens. Une argumentation
juste peut donc être génératrice d’idées douteuses aussi bien dans l’esprit du
locuteur que dans celui de l’interlocuteur.”[78]
Mas que tipo de objecto será o
Arcano Místico? Será um objecto composto? Porque nos propomos abordá-lo na
perspectiva de modelo interpretativo ou de comunicação catequética visando um
público? Qual o alcance e a importância de tais questões? A resposta a estas
questões irá influenciar o modo como se irá tratar museologicamente o Arcano
Místico, tema central deste nosso trabalho, cujo título “ O Arcano Místico de
Madre Margarida Isabel do Apocalipse, da musealização ao museu”, sintetiza o
problema.
Comecemos pelo primeiro ponto.
Muito embora possa não ser considerado legítimo desarticular um objecto
composto, que forma uma unidade testemunhal, porque não existem regras
absolutas, poder-se-á desarticulá-lo integrando-o num outro contexto de
exposição.
A este respeito talvez seja
sensato afirmarmos que uma
desarticulação museologicamente
válida do Arcano deverá ser feita com menor flexibilidade, se ele for
considerado composto e, com maior flexibilidade, se não for.
Haverá eventualmente a
possibilidade de a situação do Arcano Místico ser um pouco mais complexa. Tanto
existirão aspectos de objecto composto como existirão aspectos de colecção de
objectos.
Quais pesarão mais? A ver
vamos.
O Arcano Místico será um
objecto composto se a relação entre os quadros entre si e destes com o
continente for uma relação indissolúvel. Esta pode ser entendida como aquela em
que a articulação dos elementos entre si se terá de manter. Como exemplo desta relação teríamos presépios,
maquinetas de presépios, ou até mesmo casas-museu e “Historical Houses.”
Uns e outros não têm, todavia,
os mesmos contornos. Existem dife renças
entre os primeiros e os últimos. Os últimos são simultaneamente objectos
musealizados e locais de instalação do museu.
Haverá pelo menos uma diferença de escala. Acabam por ter consequências
não só no modo como se vai tratar a obra como também no modo como se deverá
tratar a casa onde ficará o museu, a casa onde Madre Margarida viveu e produziu a sua obra.
O tratamento do Arcano Místico
como um modelo de interpretação catequética visando um público é fulcral.. Por
um lado, só assim, em nosso entender, perceberemos que tipo de relação existirá
entre os quadros e destes com o continente. Portanto, se é ou não um objecto
composto. Por outro lado, só assim esclareceremos as relações entre a casa a
obra e a vida da autora. Trata-se da musealização, como o título indica, do
Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse, não da musealização do
Arcano Místico.
Será do estudo relacional do
móvel e do seu conteúdo, da festa de São João Evangelista, da casa, das outras
obras guardadas no interior do móvel, da vida da autora que poderemos entender
algo sobre as relações significantes. Compreendendo-as, poderemos tratar da sua
musealização.
Recorremos a um modelo simples
de “emissor e receptor”, entre os quais circulam mensagens num determinado
código e num determinado contexto através de um canal. A obra estaria
consubs-tanciada num agregado de sinais visuais ( linguagem não verbal, ou
seja: gestos, atitudes, ademanes, indumentária, cores, outros símbolos,
iconografia) aliados à linguagem verbal escrita (legendas)e falada ( intérprete
- a autora, primeiramente, os diversos cicerones depois). O canal, talvez o
principal, por onde circularia a mensagem, dialéctica e assaz dinâmica enquanto
a autora foi viva, e cristalizada após a sua morte em 1858.
À medida que a voz do emissor
se vai perdendo na memória, alguns receptores, os que escreveram sobre a obra,
transformam-se, talvez não obstante eles mesmos, em emissores. A sua versão
transforma a mensagem, passando a ser a própria mensagem; modificando-lhe as
perspectivas e o acento tónico iniciais.
Inicialmente coexistiriam
naturalmente, os aspectos de “edificação religiosa” e os “artísticos.” A partir
da década de sessenta do século passado, de acordo com os documentos que
possuímos, dá-se mais ênfase aos segundos.
Numa segunda fase, com o
desaparecimento físico da autora, parte do canal, móvel e seu conteúdo, passa a
funcionar como fonte exclusiva da mensagem, sem que lhe sobrevivesse o elemento
catequético.
A autora deixou-nos do Arcano,
tanto quanto sabemos, uma ideia que pode parecer hoje algo ambígua.
Não temos a certeza de que a
ordem que hoje encontramos corresponda àquela deixada por Madre Margarida.
Algumas figuras iguais às do Arcano estão na posse de descendentes do irmão
Teodoro. Outras teriam estado na posse de conhecidos dela. Há ainda memória de
o Arcano ter sido assaltado. Neste último caso, as figuras teriam sido
devolvidas, segundo nos informaram. Três cenas não pertencem ao Arcano, como
Madre Margarida no-lo diz no testamento.
Aí residirá a nossa primeira
dificuldade. Não compartilhamos, todavia, da opinião de José Maria da Câmara
Vasconcelos, quando escreveu que seria impossível transferir o Arcano porque a
sua autora não terá deixado instruções para tal. As marcas que levantámos nas
peças e no móvel, todavia, foram provavelmente feitas por quem orientou a
transferência do Arcano da casa da rua de João d’ Horta para o coro alto da
igreja Matriz da Ribeira Grande em 1870,a menos de duzentos metros de
distância, 12 anos após o falecimento da autora, levam-nos a supor que não
teria havido, ao que tudo parece indicar, alterações detectáveis na sua ordem.
Forçoso será reconhecermos que
nada sabemos sobre o que se teria passado entre 1858 e 1870, enquanto aquela
obra permaneceu no quarto dito do “Arcano” na antiga residência de Madre
Margarida, já então alugada.
Mas o Arcano só começará a ser
entendido se for contextualizado na vida da sua autora e da sua comunidade.
Veja-se a musealização do Vasa,[79] em
Estocolmo ou, em menor escala, entre outros exemplos possíveis, a musealização
da “Ronda da Noite” de Rembrandt, no Rijksmuseum em Amesterdão.[80]
A recuperação, do fundo da baía
de Estocolmo, do navio de guerra da coroa sueca do século XVII “Vasa”, culminou
com a sua musealização num contexto explicativo que vai desde aspectos da vida
a bordo, passando pela própria recuperação do navio, até ao contexto
socioeconomico da Suécia contemporânea.
A interpretação do quadro “A
ronda da noite” de Rembrandt, foi feita recorrendo a uma abordagem diacrónica e
sincrónica de obras de Rembrandt e de
outros autores. Há um esforço para explicar aquele quadro, indo além da simples
tabela de museu.
Temos, assim, que fazer
igualmente opções quanto à própria casa denominada da “Freira do Arcano,” pese
embora não existam nela os móveis nem tão-pouco haja a certeza de que a sua
organização espacial interna actual corresponda à de então.
Queremos crer que, embora
existam laços indissolúveis, outros existirão, como certamente veremos, que não
o são; o que permitirá alguma liberdade de musealização.
2.5 Metodologia e fontes
Não se proclamará mais uma
verdade do senhor de “La Palisse” se insistirmos em que a qualidade dos
conhecimentos obtidos depende não só da correcta definição do objecto de estudo
e das fontes utilizadas mas, igualmente, do método escolhido e do uso que dele
se faz.[81]
Ainda que soe a conclusão
antecipada, seríamos desonesto se
ocultássemos as nossas dúvidas. Será que fazemos as perguntas certas?
Será que utilizámos os instrumentos mais adequados?
Apesar da legenda de uma carta
dos Açores do século XVI da autoria do cosmógrafo real Luís Teixeira afirmar
que as ilhas tinham sido desenhadas com cuidado, a realidade prova o contrário.
Tal dever-se-á não só aos métodos empregues por Luís Teixeira, terá recorrido a
relatos, mas também à utensilagem de que a época dispunha. Se ele tivesse vindo
aos Açores talvez o desenho fosse tão rigoroso quanto os conhecimentos técnicos
o permitiriam.
Não deixaremos de ter o exemplo
de Luís Teixeira em mente enquanto avançamos neste trabalho.
Por uma opção metodológica, os
trabalhos que desenvolvemos durante a frequência curricular centraram-se todos
em diversas perspectivas da vida e da obra de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse.[82]
É uma tentativa de aprofundar,
de patamar em patamar, uma temática que nos fascina : a musealização da arte.
Foi ainda nesta perspectiva que nos candidatámos a uma bolsa da Fundação
Gulbenkian.[83]
Uma metodologia analítica
crono-temática recorrendo a fontes orais, escritas e impressas, além do
levantamento sistemático das cenas e marcas existentes no Arcano e na casa do
Arcano. Levantamento e identificação das cenas através das legendas ou da iconografia(esta
última só para tentar reconhecer as cenas). Análise das relações existentes
entre elas. Queremos significar por análise crono-temática aquela que explora a
vertente histórica da temática.[84]
Não pudemos fazer, por razões de segurança dos materiais,
um levantamento tridimensional.[85]
Fizemos um bidimensional, pretendendo compensar esta lacuna com o registo
fotográfico, a fim de podermos analisar as relações temático-espaciais dos
quadros entre si e destes com o móvel.
Recorremos à terminologia da História da Arte segundo a
orientação do Mestre Nestor de Sousa. Assentámos em designar o móvel por
armário ou vitrina de uma base e duas prateleiras com três pisos. Encontrámos
em cada lado do cubo um número . O nº1 na portada voltada para o frontispício
da Igreja onde se encontra o Arcano, o nº2 do lado da torre sineira, o 3
voltado para o Santíssimo e o 4º para o coro onde está instalado o órgão de
tubos. Adoptámos esta ordem. Como
distinguir os objectos tornou-se a nossa preocupação terminológica essencial ao
levantamento. Quadros, cenas, registos ou situações? Segundo apurámos, qualquer um deles poderá
designar o que temos em vista. Mas onde começa um quadro e acaba outro? Quais
as suas fronteiras? Existem algumas dificuldades na delimitação física, essencial ao levantamento
topográfico. O quadro, ou cena de “Judas,
Thamar”, 1ºpiso. 1ª face, coabita com o “ Monte do rei Pharaó” . Tematicamente
pertencem a capítulos e a versículos diferentes do livro do “ Génesis”. O
espaço oco do monte foi aproveitado. Um outro caso será o dos quadros do “
Senhor amaldiçoando a Figueira” e a “ Seara de Bóo” no 2ºpiso, 3ªface. A
complicar aparece um Cristo que tanto poderia ter estado voltado para a seara ,
o que significaria uma coisa, como de costas para ela, significando outra. O
suporte em que assentam as cenas é comum. O mesmo diremos das cenas do 1ºpiso ,
2ªface “ Ninive Sodoma e Gomorrd abrazadas pelos pecados” (sic), todas as cenas
de Jonas e Cristo com os Apóstolos após a ressurreição, estas últimas no mesmo
mar. Existe uma ligação entre Cristo e Jonas. Será isso que Madre Margarida nos
quis dizer? Em todo o caso demos reticentemente uma numeração.
Que numeração demos?
Por imperiosa necessidade e antes de qualquer conclusão sobre o tipo de
objectos que tínhamos ( compôs-to ou vários) , antes de abrirmos o móvel e
mexermos nos objectos, convencionámos, ainda em 1987, um número que mantivemos.
Começámos pelo 3ºpiso e da esquerda para a direita do observador com o nº1.
Foram números de referência que terão de ser alterados quando dermos entrada.
Confessamos que quer os que adoptámos quer os de registo são inadequados ao
levantamento minucioso a que tivemos de proceder.[86]
“ A Travessia do Mar Vermelho”
e “ Judas, Thamar”, como objecto composto ( fisicamente) demos 69-a) “ Judas,
Thamar”, 69-b) “Monte do rei Pharaó” ( apesar de serem o mesmo objecto) , 69-c)
a travessia e 69-d) A chegada à Terra
Prometida. Em suma , uma coisa seria esta numeração, outra, a auxiliar da
implantação dos objectos no móvel
Abordagem do ponto de vista do
passado e do presente. Como foi e como poderá vir a ser interpretado o Arcano e
a sua autora. Para tal é necessário sabermos o que é o Arcano, quem o fez, como
o fez e porque o fez.
Do mesmo modo que nós não
poderíamos tentar aceder à obra sem qualquer tipo de levantamento
temático-espacial, não penetraríamos na vida da sua autora sem um levantamento
histórico-temático a que , à falta de termo certo, designamos por quadro
cronológico . Propomos a análise conjugada de ambos. O nosso Quadro cronológico
é ordenado cronologicamente mas a selecção é temática, ou seja escolhemos
elementos biográficos de Margarida, da sua família ( conceito mais vasto do que
o utilizado hoje), de elementos do seu círculo de conhecimentos e amizades,
além de acontecimentos ocorridos na vila ou outros aspectos que nos possam
desenhar o tempo e o espaço da autora. É um levantamento comentado. Assim, à medida
que fomos registando as entradas, fomos comentando-as tendo como pano de fundo
as seguintes perguntas:
1- O que era ser uma mulher
Botelho de Sampaio na Ribeira Grande? As ligações aos poderes.
2-As relações com a comunidade.
3-A socialização.
4-A vida na comunidade.
5-O uso e o costume para ver
onde foi Margarida beber os seus comportamentos. Entre outros.
Damos um exemplo. Para avaliar
o comportamento de Madre Margarida seguimos os passos de companheiras no
convento e fora dele. O mesmo pretendemos seguindo os passos das pessoas mais
importantes da sua família. O poderoso tio, o pai, a mãe, o irmão e a sua prima
dilecta. E o filho desta. Neste círculo incluímos o cunhado do irmão, José
Maria, por fazer parte da família. Aliás família entendia-se por todo este
círculo consanguíneo e de afinidades. Pretendemos encontrar Margarida no seu
tempo. Sem isso não perceberíamos nem ela nem a obra.[87]
Para não nos distrairmos do
texto principal e para não cortarmos o fluir do seu discurso, optamos por
descarregar muito das provas e dúvidas, mais apartes, nas notas de fim de
página. Talvez se fossem de fim de capítulo não o tivéssemos feito.
Recorremos tentativamente às
perspectivas da história social e das mentalidades, à museologia e à
etnoarqueologia. Tentamos articular interdisciplinarmente aquelas três áreas
das ciências sociais. Socorremo-nos de dados laboratoriais para a identificação
de materiais e de processos e da história da arte para o apuro terminológico de termos
empregues na descrição e caracterização do Arcano. Fugazmente, fazemos
referência à Semiótica e à iconologia.
Dentro da história social e das
mentalidades, ocupou espaço de realce nas nossas preocupações a metodologia da
biografia, entendida no seu contexto social. Trata-se não só, grosso modo, de
alguns aspectos biográficos de Margarida mas também da biografia que ela faz de
Cristo bem como da sua autobiografia contida no testamento. A história católica
é teleológica e coloca Deus como o autor da História.
Estamos de acordo com Pierre
Bourdieu ao discordar com a opo sição”... scientifiquement absurde
entre l’individu et la societé.” [88]No
livro“ Mozart: Sociologia de um génio”, Norbert Elias fala da interdependência
daquele compositor ”com outras figuras sociais do seu tempo.”(p.29)E também diz
que “... é difícil tornar compreensíveis para gerações posteriores os problemas
da vida de um indivíduo, por mais incomparável que seja a sua pessoa ou a sua
obra, na forma, por exemplo, de uma biografia, se não se dominar o ofício do
sociólogo.”[89]
Ou, se concordarmos com o
parágrafo final de “Histórias de vida-Teoria e prática”:
“ Mas, ao mesmo tempo, a
quotidianeidade é partilhada pelos membros do grupo - e é esta repetitividade
comum que as historia-as de vida cruzadas
tentam explorar. Deste ponto de vista, a história de vida parece-nos ser
um instrumento susceptível de nos dar uma interpretação do real social capaz de
preservar a especificidade da pessoa. Esta prática apareceu-nos como
particularmente fecunda, repondo o indivíduo no seu vivido eventual e
iluminando a parte humana e singular da globalidade social.”[90] Penso que a História Social se situará nesta
área.
Apesar de algumas excepções
dignas de registo, segundo Jacques Le Goff,
houve no movimento dos “Annales”, aquele que quis romper com a História
Crónica “-une éclipse de la biographie historique au coeur du XXe siècle,
malgré quelques exceptions éclatantes. Les historiens ont plus au moins
abandonné le genre aux romanciers.”[91] Apesar do seu projecto de história global, de
história total (tal como Marcel Mauss o sublinhou para o “fenómeno social
total” ou Georges Gurvitch para “a sociedade global” ) não ser incompatível com
a biografia. Daí as biografias por Jacques Le Goff como “Saint Louis”, ou por
Georges Duby, “Guilherme, o Marechal.” Daí a biografia de Martinho Lutero por
Lucien Febvre, co-fundador da escola dos Annales.[92]
Mas a biografia histórica “est
une des plus difficiles façons de faire l’histoire,” afirma Jacques Le Goff. A
biografia não é somente a colecção de tudo o que se pode e deve saber sobre uma
personagem. Giovani Levi, ainda segundo Le Goff, diz que a biografia constitui
“...le lieu idéal pour vérifier le caractère interstitiel- et néamoins
important- de la liberté dont disposent les agents, comme pour observer la façon
dont fonctionnent concrètement des systèmes normatifs qui ne sont jamais
exempts de contradictions.”[93]
Será necessário trazer à
superfície a ideia de indivíduo e de “eu”, como o introduz, na obra em questão,
Jacques Le Goff, pois Margarida não poderá ser considerada uma pessoa tal como
a entendemos hoje em dia.
Apesar de tudo o que se possa
dizer, as pessoas, ou indivíduos, seriam
como são diferentes, mesmo os do mesmo grupo social, etário, religioso, sexual,
etc. Porque é que então Madre Margarida, entre as demais companheiras e , entre
as muitas outras mulheres e homens da sua época, é que conseguiu atingir certa
notoriedade? Ela tinha um perfil físico ( era forte e tinha sido bonita ),
psíquico, intelectual e moral considerados muito acima da média pelos seus
conterrâneos.
A obra não existe desligada da
vida do seu autor, nem este o estará da comunidade onde vive. De um modo
interactivo e complexo, mas nem sempre directo.[94]
As fontes utilizadas para esta
área foram igualmente utilizadas para as outras partes deste trabalho, todavia,
recorremos com maior frequência aos arquivos e bibliotecas da família Agnelo
Borges, descendentes do irmão de Margarida, Ministério das Finanças, de Ponta
Delgada, Angra do Heroísmo, Ribeira Grande, Torre do Tombo, Biblioteca
Nacional, paroquiais da Matriz e da Conceição da Ribeira Grande, Repartição e
Direcção de Finanças da Ribeira Grande e Ponta Delgada, Serviços de
Documentação da Universidade dos Açores , Misericórdia e Ouvidoria da Ribeira
Grande e Arquivo Histórico Militar.
Recorremos não só a
manuscritos, como sejam os fundos paroquiais de nascimentos, baptismos, óbitos,
casamentos, róis de Confessados, livros de receita e de despesa das confrarias;
da Ouvidoria, as Devassas, casamentos e testamentos; tabelionato, escrituras e
testamentos; Municipais, actas de vereação, posturas e outros; Cartório da
Misericórdia, as actas, livros de contas e de irmãos; Capitania-Geral, livro de
Décimas; mas também a obras impressas como as biografias de Madre Teresa da
Anunciada e de Madre Francisca do Livramento, livros devocionais e sagrados. A
leitura destas biografias provou ser essencial. A vida de Margarida de Chaves.
Tentamos compreender o modo de
ser e de estar de freiras e de pessoas do seu estatuto social.. Consultámos,
obviamente, livros sobre temas da época em questão. Tudo isso para nos dar uma
imagem mais fidedigna da obra e da vida de Madre Margarida.
Ou ainda os Manuais de
Confessores e livros de Meditação. Utilizámos sempre “Dicionários” da época
para tentar traduzir com fidelidade o sentido dos documentos escritos.
Quanto à etnoarqueologia (que
tenta perceber os gestos e as técnicas do passado através da reconstituição de
gestos e de técnicas presumivelmente similares no presente etnográfico)
utilizá-mo-la para percebermos o modo como Madre Margarida teria feito o Arcano,
as suas figuras e os seus quadros, assim como se teria feito a casa onde
residia. Quisemos sempre descobrir a pessoa, nunca pretendemos quedar-nos pela
técnica. Ainda que a queiramos descobrir não só para explicá-la aos visitantes,
mas para comercializar reproduções a fim de tornar o futuro museu o menos
dependente possível de subsídios .Por isso não só recorremos aos
laboratórios e ao trabalho de artistas mas
também a histórias de vida de artistas locais.
A massa das figuras foi mandada
analisar, repetidas vezes, ao Instituto José de Figueiredo, e ao Departamento
de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores; algumas figuras foram
submetidas à observação da lente binocular no Centro de Conservação e Restauro
dos Açores.
O móvel, o seu interior e
exterior, no binómio móvel /quadros, foi
igualmente observado por técnicos daquele centro e por especialistas de
diversas especialidades (museólogos, historiadores de arte, etnólogos, engenheiros,
arquitectos, pintores, carpinteiros, marceneiros, pedreiros, caiadores etc.). O
mesmo se passou com a casa do Arcano e com o altar de São João Evangelista. A
todos pedimos um comentário.
Estudámos durante algum tempo a
climatologia do local onde hoje se encontra o Arcano. Concomitantemente dois
artistas foram tentando reproduzir a técnica da massa. Outros fizeram o mesmo
em relação ao corte dos vidros e à montagem e desmontagem do móvel, à feitura
dos quadros do Arcano, aos materiais pictóricos.
Ficámos a saber mais acerca do
seu perfeccionismo e do seu método de trabalho. A pesquisa da origem das
legendas, nos livros Sagrados, e das imagens dos quadros, foi feita com o
concurso ao saber de religiosos. Tentámos, sem grande sucesso, consultar o arquivo
de imagens da Biblioteca Nacional.
Para tentar aprofundar o
processo criativo da autora, além das observações à obra em si mesma, e das
experiências atrás referidas, entrevistámos artistas, como julgámos também já
ter referido, designadamente, criadores de presépios. Nós próprio temos andado
ligado há onze natais à organização do presépio movimentado da Ribeira Grande.
Tentámos recolher dados através
da história oral local (a metodologia de Paul Thompson e de Jan Vansina é fundamental bem como a de histórias de vida
de Jean Poirier e outros),[95]
obtendo algum sucesso. A memória oral da família resguardou a ideia de
parentesco com a autora do Arcano e a da vila regista alguns casos de roubo.
Exceptuando isso, pouco mais. Todavia conservou todo o espólio documental. Uma
versão oral passada a artigo pelo dr.º Urbano Mendonça Dias, na década de
quarenta deste século, parece-nos, como veremos, contraditória e incorrecta..
Estes métodos, aliados à etno-arqueologia, foram mais úteis na tentativa de
reconstituição de gestos, de técnicas e até na elucidação de outros aspectos
da vida de Madre Margarida.
Procedemos do mesmo modo, já o
dissemos, em relação à casa que foi de Madre Margarida, onde ela fez o Arcano e
onde ficará instalado o museu( se tudo correr como previsto).Da conjugação e
confronto do documento escrito com o não escrito , não só no que se refere à
casa, obtivemos algum êxito. Quanto à casa, queremos esclarecer, trata-se de
tentar perceber o espaço contemporâneo de Madre Margarida. Para tal já fizemos
algumas prospecções arqueológicas, contando dentro em breve avançar para uma
intervenção mais ampla. Algum material já recolhido pode, em confronto com
outros documentos, por exemplo, do testamento, esclarecer alguns pontos .Foi aí
que Madre Margarida viveu, sofreu e criou a sua obra.
À museologia, enquanto área do
conhecimento que se ocupa do estudo, conservação, exposição e divulgação do
património, não entraremos aqui na polémica de saber se se tratará de uma arte
ou de uma ciência[96],
deve-se a preocupação central desta tese em museologia e património. O seu pano
de fundo é precisamente um modo de aliar a pesquisa a uma proposta de
musealização.
2.6 Alguns conceitos
operatórios
Não conseguimos até hoje,
duvidamos de que alguma vez o consigamos, remover a angústia que nos persegue,
sempre que tentamos ir ao “mercado” dos conceitos operatórios, antes de nos
lançarmos num trabalho de investigação. Ficamos sempre com a sensação algo
frustrante de que queremos meter “o camelo pelo olho da agulha.” Ainda que
cheguemos sempre a um entendimento salvífico, confortável, razoável e
necessário de conceito operatório. Como partimos habitualmente do terreno,
desconfiamos , às vezes saudavelmente, outras não, dos modelos teóricos de
análise da realidade. Neste trabalho tentamos manter uma relação dialogante
entre a teoria e a prática.[97]
Um primeiro seria o de objecto
composto. A este já nos referimos neste
trabalho. Seguir-se-lhe-á os de casa-museu, historical house e de musealização.
Conceptualmente aceitamos a
definição de museu como o propõe os artigos 3 e 4, Título II, do “Code de
déontologie profissionelle do I.C.O.M. (Conselho Internacional de
Museus),aprovado em Buenos Aires na sua 15ª Assembleia Geral de Buenos Aires.[98]
O conceito de musealização, por
seu turno, e tomando por referência os trabalhos do Prof.Henrique Coutinho
Gouveia, mais precisamente o de musealização de sítio, aponta para uma
organização que se poderá projectar “apenas em alguns dos sectores funcionais
do trabalho de museus” e muito “Embora se possa considerar que a incidência
dominante, no caso da musealização de sítios, seja de ordem interpretativa, a
noção agora apresentada permite igualmente que a transposição para o plano
museológico inicialmente referida possa contemplar prioritariamente outros
aspectos do trabalho de museu, excluindo mesmo o interpretativo e de
divulgação.”[99]
Têm habitualmente coexistido dois conceitos de
musealização, segundo o que o mesmo professor nos referiu em conversa que
mantivemos recentemente.[100] Um,
significando a integração de um objecto num museu ou até a transformação de uma
realidade, por exemplo, a musealização do Vale do Côa, nos termos em que
recentemente tem vindo a público. Outro, referindo-se ao tratamento de um
testemunho parcial ou total, fora do contexto institucional do museu.[101]
Normalmente, emprega-se o
conceito “musealização”, quando se dá tratamento idêntico ao do museu, mas fora
do museu. No caso de não ser fora do museu, será apropriado utilizar os termos
de “integração”, entre os habituais.
No que diz respeito ao “Arcano
Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse: da musealização ao museu”,
como tentaremos demonstrar, coexistirão as duas situações. O roteiro que iremos
propor sobre a autora e a obra englobará estas duas vertentes.
Outro conceito necessário a
este trabalho é o de “interpretação”:
“It consists of what is shown,
said or done that will help those visitors experience a personal involvement
and a sense of identification with their heritage.It includes not only the
person to person relationship between visitor and interpreter, but also the
visitor’s learning experiences through museum exhibits, audiovisual devices,
labels, interpretive markers, living history programs, craft demonstrations,
and publications.”[102]Deverá
juntar-se a estes, segundo ainda Coutinho Gouveia, toda a gama de modelos que
materializam realidades abstractas.[103]
Vejamos o que poderá entender-se por casa-museu e
“Historical House.” Vejamos exemplos: as casas-museu de Fernando Pessoa, em
Lisboa, e a de José Relvas em Alpiarça.
Na primeira, uma das muitas
casas em que o poeta morou, temos o exemplo de um espaço tão-só com alguns
objectos do autor. É um ponto de partida para toda uma série de realizações
artísticas e literárias. Não será tão-só e propriamente o museu da vida e da
obra de Fernando Pessoa.
A de José Relvas pretende
mostrar a casa e as colecções daquele proeminente estadista da I República
portuguesa, tal qual se encontravam em sua vida. Em ambos os casos, o espaço
tem a ver com uma personagem, mais directamente no segundo do que no primeiro.
Existe, segundo Coutinho
Gouveia, um outro tipo de casa-museu que não terá a ver com uma personagem mas
com um grupo político. Trata-se da casa-museu do M.P.L.A em Angola.. Ali
ter-se-ia reunido pela primeira vez o comité central daquele movimento angolano
de libertação e nele pretendeu-se(não sei se passou do projecto)contar a
história do movimento.
Historical House é um conceito
e uma prática patrimonial anglo-saxónica. Terá tido logo no século XIX, com a
iniciativa da casa de George Washington em Mount Vernon, um exemplo
paradigmático.
A casa de uma personagem
relevante para o país ( como poderia ser tão-só a nível local), a casa do homem
que derrotara os ingleses e que tornara possível a independência dos Estados
Unidos, foi transformada na sua casa-museu. Através do estudo daquele imóvel e
das propriedades que administrava tentou-se recriar a vida naquele espaço no
período em que foi ocupado por Washington.. Tentou-se, no casa de Mount Vernon,
recriar aquele período com peças existindo, recorreu-se a peças da época ou, em
último caso, a réplicas .No nosso país o que mais se aproximará daquela prática
será, entre outros exemplos dos que conheço, os palácio de Sintra e de Queluz.
Porém, a prática anglo-saxónica inclui também a animação patrimonial recorrendo
a actores a fim de se recriar a ambiência. Recentemente alguns dos nossos
museus começaram a fazê-lo.
À casa onde viveu e trabalhou
Madre Margarida Isabel do Apocalipse e onde instalaremos o museu, manteremos o
nome que a tradição veicula: Casa da
freira do Arcano. Poderá ser, veremos o que os outros capítulos nos trazem, um
pouco o modelo da casa Fernando Pessoa, um pouco da de José Relvas e um pouco
do museu do Vasa em Estocolmo. Já nos referimos a biografia e a objecto.
Também discutiremos, a talhe de
foice, os conceitos de arte popular, de tradicional, de religiosidade popular e
erudita e de presépio. São todos difíceis e polémicos. Não pretendemos aqui
solucionar a questão mas tão-só encontrar um conceito operatório que facilite a
análise neste nosso trabalho.
Desde 1856, ainda Margarida
vivia, e já se referiam ao Arcano como um presépio. Não vejo razão suficiente
para alterá-lo. Ou seja não se refere tão-só aos episódios da Encarnação” mas a
toda a biografia de Cristo que se entrelaça com a da Igreja e com toda a
Bíblia.[104]
Arte popular, segundo a
“Encyclopaedia Universalis”,vol.13,não é um conceito fácil de definir. Tem
evoluído ao longo dos tempos e de acordo com espaços culturais diferentes. Será
a arte popular, a arte do povo ou a arte de um povo? Mas que é o povo?
“Si la distinction entre les
formes d’art propres aux élites cultivées est assez générale dans les societés
stratifiées, la notion même d’art populaire n’apparaît qu’au XVIII e siècle,en
Europe”[105]
Todavia os critérios para
reconhecer a arte popular são insuficientes porque”Chaque série de critères
renvoie à une théorie plus au moins explicitée, mais chaque théorie ne rend
compte que partiellement des faits que les experts s’accordent à considérer comme
des expressions d’art populaire.C’est dire qu’il faut caractériser l’art
populaire moins par un domaine d’objects et d’activités, que par des problèmes
d’interpretation.”
E, muito importante, ”Comme
l’art savant, l’art de cour et l’art a-cadémique, l’art populaire a ses
besogneux et ses maîtres, ses ta-lents à la mode et ses génies méconnus, ses
traditionalistes et ses réformateurs.Comme lui aussi, il a ses artistes et ses
publics, que se provoquent et se transforment mutuellement.”[106]
Arte popular poderá ser porventura
aquilo que Yanes Casal escreveu: a confluência e a interpenetração de
influências da arte dita erudita com as demais.Não há fronteiras estanques.
Religiosidade popular também
poderia ser assim entendida. Não há uma oposição, há uma confluência.[107]
Ainda segundo a “Ency clopaedia
Universalis”, vol.14, poder-se-ia defini-la hoje como”une religiosité vécue
dans les groups sociaux en quelque sorte pour son propre compte (abstraction
faite de l’intervention ecclésiastique ou d’une légitimation dogmatique).
Anteriormente, talvez para a sociedade de Madre Margarida seria mais adequado o
conceito de religiosidade popular como uma vivência “ au niveau des représentations, affects et coutumes- sur
le mode d’une différence par rapport à la religion officielle.”[108]
Quanto a tradicional, diríamos
que seria um uso aceite e praticado pela comunidade? Subentende uma prática
social assumida por uma determinada comunidade.
Entre outros conceitos, estes
serão porventura os mais relevantes. Outros serão tratados à medida que forem
sendo utilizados ao longo deste trabalho.
2.7 Explanação do plano da
dissertação
O trabalho será dividido em
oito capítulos. Haverá um primeiro de introdução e um final intitulado” Em
aberto.”
Aconselhamos a leitura, ainda
que na diagonal, da Tábua cronológica que elaboramos, antes de se seguir para
os capítulos seguintes. Optamos pela Tábua crono-temática e biográfica, a fim
de darmos uma perspectiva global em bruto do tempo e do espaço da nossa
biografanda. Porque não o tratamos com mais profundidade neste trabalho? A esta
pergunta só encontrámos uma resposta: levar-nos-ia para uma outra tese, para um
maior número de páginas.
No II, fazemos o ponto da
situação sobre o que se tem dito e escrito sobre aspectos do Arcano Místico e
da sua autora. Veremos a importância da obra e da autora para os seus
contemporâneos.
No III, denominado “O espaço e
o tempo da obra e da criadora”, estabeleceremos o contexto socioeconómico,
cultural e político da Ribeira Grande na primeira metade do século XIX.
No IV, “A Criadora”,
esboçaremos o seu retrato psíquico, físico e social. Que tipo de freira era
ela, como vivia o dia a dia e a religião. Em suma, quem seria ela. Perceber a
casa e as suas relações domésticas, seja com os vizinhos, com os familiares ou
com o clero, torna-se um elemento chave para entendê-la.
No V, centraremos a nossa
atenção naquilo que designamos por “construção do documento de análise.” Ou
seja, a elaboração metódica e sistemática do Arcano Místico como documento de
análise. Aqui entra o seu levantamento temático-espacial e a sua descrição.
O VI, e como consequência
lógica do capítulo anterior, levar-nos-á a discutir e a identificar as relações
do móvel com as cenas e destas entre si. Relações temáticas e espaciais como já
foi anteriormente referido.
O VII, intitulado ”A obra e a
criadora: as diversas musealizações”,[109]
seguidas de algumas considerações acerca do pretendido museu, foi dividido em
duas partes. Na primeira, falaremos da óptica do passado, no que concerne às
suas presumíveis interpretações passadas. Entramos aqui um pouco na área das
conjecturas e das plausíbilidades.[110]Numa
segunda parte, sob a óptica do presente, lançaremos à discussão algumas
questões ligadas ao nosso desejo de musealizar uma obra concreta, o Arcano, no
contexto de uma vida, a da sua autora. Serão questões tendentes a ajudar quem
quer que o venha a musealizar a tomar opções conscientes.[111]
No capítulo “Em aberto”, o
último deste trabalho, resumiremos não só as linhas de força do trabalho, como
tentaremos lançar um olhar autocrítico sobre o mesmo, bem como estabelecer uma
ponte para um futuro aprofundamento da temática.
III
A
Terra: Espaço da autora
A Terra é o espaço concreto, o
palco, onde todo o ser humano vive e interage. É nela que se situam as
estruturas politico-administrativas, sociais, económicas e culturais. Enfim
onde se entretecem todas as relações humanas. Um espaço igualmente na sua coordenada
do tempo, ou tempos. O tempo biográfico, o biológico, será diferente do
cíclico, por exemplo.
Não será possível nem
necessário, até porque nos desviaríamos do caminho por nós traçado na tese, por
conseguinte, tentámos seleccionar alguns aspectos que considerámos relevantes
para a tese, pontos de ruptura, de mudança e de continuidade na vida da comunidade
de Margarida. Pelos motivos já explicados na Introdução, optámos pelo Quadro
Cronológico que, para além do que já se
disse também poderá, eventualmente,
funcionar como uma espécie de retrato geral, na melhor das hipóteses, e
na pior, de rede de amortecimento para possíveis quedas e percalços deste
percurso.
Aquela comunidade (comunidade
define melhor o tipo de relações sociais de então. Festas rurais da comunidade,
festas da família, etc. do que sociedade ) era feita em maior grau de
continuidades - mentais- do que de rupturas. A própria mudança política administrativa,
tal teria de ser mais bem aprofundado, foi feita pelos que vieram da situação
anterior. Veja-se o irmão e o cunhado de Margarida. Mas eles também mudaram.
Existem aspectos e sinais que apontam para ambos.
Tentámos, pois, seleccionar
acontecimentos da natureza e da comunidade, da vida dela, da política local,
seguindo o seu círculo de relações , enfim acontecimentos que decerto terão sido do conhecimento da
nossa biografada e tê-la-ão, de algum modo e grau, influenciado. Nalguns casos
julgamos ter provas, em outros tratar-se-á tão só de hipóteses. É certo que não
atingiremos níveis profundos destas relações sem um estudo de semiótica e de
iconografia. E mesmo assim, nunca a atingiremos completamente.
Este capítulo destinar-se-á a
tentar elucidar alguns aspectos conforme enunciados em epígrafe a fim de
compreendermos melhor o Arcano Místico e a sua autora, no contexto de espaço e
tempo em que foi feito e apreciado.
3.1-Instabilidade política
Por exemplo. Madre Margarida
apesar de manter, naturalmente, estruturas mentais do passado, já exibe
indícios de atitudes românticas. Veja-se o Arcano, o recheio da sua casa, ou
provavelmente ainda, a própria organização espacial daquela, ou ainda o modo
como ela vive fora do convento. Há a pessoa Madre Margarida Isabel do
Apocalipse, já não só a Botelho de São Paio. Será ilusão ou logro das fontes?
João Albino Peixoto, por seu
turno, no “Hymno...”, bastante citado neste trabalho, fala de uma aristocracia
do mérito e não do sangue. Ainda outro exemplo. Nos diversos elencos
municipais, nas mesas das muitas Confrarias, na Santa Casa da Misericórdia, no
pós-Ladeira da Velha, começam a surgir nomes de famílias que nunca tinham aparecido
no passado. É uma comunidade viva, portanto, mas lenta e inevitavelmente ela
move-se. Está aberto às mais diversas influências. O comércio com a Inglaterra,
a vinda dos Liberais, a ida de gente da Ribeira Grande a outros locais, os
visitantes, as novas leis, tudo isso contribuiu e contribuiria para que a
comunidade fosse mudando.
Importará pois escolher
aspectos relevantes neste fluir. O acontecimento, em História, não pode ser
tudo, é certo, mas não deve ser ignorado. Um exagero nunca se remedeia com
outro. A vida é feita deles e da quotidianidade. Trata-se de saber quais os
acontecimentos que consciente ou insconscientemente parecem ter influenciado a
nossa biografada. Qual o grau? Não sabemos.
Para Margarida, talvez
igualmente para os seus contemporâneos, aqueles que esboçamos, figurarão entre
os mais relevantes. Mas, é bom dizê-lo, nós agora e aqui temos uma perspectiva
que nem Margarida nem nenhum dos seus contemporâneos puderam ter; o nosso
passado seria o seu futuro. O que só por si poderá não dizer nada.
É presumível pensarmos que a
separação dos pais e as circunstâncias, ainda misteriosas, desta separação a
teriam marcado. O facto de ter ido para o convento ainda que só por obediência
mantinha-se na memória da comunidade ou na memória do grupo a que pertencia
ainda em 1858. Diz-nos José Maria. No fundo ela estaria talhada para outra
vida, mas obediente aceitou, como devia, portando-se então como sempre à altura
das expectativa. Equilibrada, é certo, ainda assim, reflectindo-se de alguma
maneira, de um modo seguro, na sua vida/obra. O seu projecto do Arcano ( a
julgar pela “Manga”, fora pensado na globalidade e talvez anteriormente),
concretizar-se-ia a partir de 1835, portanto estando já ela na casa dos
cinquenta.
3.1.1 A Ladeira da Velha
Evidentemente que Madre
Margarida não participa de armas em punho na Ladeira da Velha, nem tão-pouco
nas mudanças e nos confrontos que se lhe seguiriam ainda por alguns anos. Mas
tais circunstâncias forneceram-lhe um
amplo quadro de opções,
sensações, emoções, preocupações, alegrias, em suma o quadro de que a vida é
feita.
Primeiramente porque teve que
sair do convento e teve de recomeçar a sua vida aos cinquenta e dois anos.
Ironicamente tentara em 1830 sair da clausura por três anos para se ir tratar.
O período do convento, dadas as circunstâncias das suas doenças crónicas,
andava por vezes de muletas, permanecendo confinada à sua cela, sem mesmo
cumprir alguns deveres, não deve ter sido um período feliz. Além do mais não
ocupou quaisquer cargos na gestão do mesmo, ela que seria uma pessoa talhada
para dirigir, para negociar. Sentiria estas limitações? Ou melhor
exprimi-las-ia? Prática e obediente, fez simplesmente o que seria socialmente
aceitável.
Cá fora, assumiu-se com uma
vitalidade e com uma energia espantosas. Escolheu uma casa, possívelmente,
procedeu a obras de adaptação, adaptou-a às suas necessidades, compraria ao
todo três casas, meteu uma pena de água, construiu o Arcano, institui a festa
de São João, restaurou-lhe o altar, envolveu-se de corpo e alma em todas as
fases da sua execução, organizou a procissão da mudança da Imagem, faz flores
artificiais, vive em pleno durante mais 27 anos. Geriu, uma casa no meio das
incertezas de uma época de guerra civil e de lutas que vão atingindo a vila, aparentemente
de um modo sereno. Decide, ao que parece, à medida que faz a leitura/análise do
que lhe acontece e do que acontece à comunidade. Com uma serenidade que se
reflectirá na obra. O Arcano , suspeitamos, nunca seria, ou seria dificilmente,
uma obra feita no convento. Apesar de já ter feito outras, de menores
dimensões, e de ter já sido consagrada por D.Pedro. Ainda no convento ou já
fora? No convento faltar-lhe-ia, como já dissemos, tempo e espaço. Apesar de
não ser impossível. Veja-se todo o trabalho de Madre Teresa da Anunciada, a
freira do Senhor Santo Cristo.
Como é que o que acontecia à
sua volta se poderia reflectir no Arcano?
De muitos modos. Alguns
difíceis ou mesmo impossíveis de provar, mas seria um erro não tentar, não
lançar pistas. É tão arriscado fazê-lo, como deixar de o fazer. A
descodificação dessa influência na obra torna-se tanto mais difícil porquanto
não fizemos ainda um estudo iconográfico.
Por exemplo, aqui e agora,
neste preciso momento em que tentámos apresentar provas de que a obra de
Margarida tem reflexos do tempo dela, nós somos o exemplo disso mesmo. A nossa
opinião reflecte aquilo que temos pensado e visto, a guerra na Bósnia, as derrotas
do Sporting, a dor de dentes do Júlio, o tempo miserávelmente chuvoso, o
telejornal, o livro, o que temos aprendido ou não de todos os meios e modos
desde que nascemos, a nossa herança biológica. Em suma, a nossa opinião
reflecte aquilo que apreendemos. Embora não sendo de um modo inexorávelmente
determinista.
Margarida colocou-se, mais ou
menos explícita ou implícitamente, mais ou menos teórica ou comprovadamente, no
seu tempo e no seu espaço. O episódio bíblico da revolta de Absalão contra o
pai poderá estar implicitamente ligada a episódios da guerra civil de então. A
libertação dos Hebreus do Egipto e fuga do tirano também. Toda a galeria
comportamental humana está no Arcano. Não baste dizer porque estão na Bíblia.
Ela faz escolhas.
A seguir ao desembarque dos
liberais no Pesqueiro da Achadinha em 2 de Agosto de 1831 os miguelistas foram
derrotados na Ladeira da Velha, cerca de cinco milhas a nascente da vila.[112]Iniciava-se
um período de grandes mudanças institucionais e de grande tensão social.
Os vencedores encarceraram nas
masmorras da vila alguns resistentes, em especial frades; algumas pessoas do povo, mais o clero e a nobreza em peso,
assinaram uma declaração de fidelidade à Carta Constitucional e à rainha. Os
poucos funcionários da autarquia foram convidados a jurarem a sua fidelidade às
mesmas. Ao que parece, o escol não só não foi beliscado, como foi aproveitado
para servir a nova administração.
Teodoro José Botelho de São
Paio, vereador mais importante, ao tempo, da câmara da Ribeira Grande e
sargento-mor das milícias da vila, e seu cunhado, José Maria da Câmara
Vasconcelos, capitão-mor das mesmas, mantêm-se em cargos vitais do novo “status
quo.”[113]
O primeiro manter-se-á, durante
algum tempo, com o mesmo cargo que ocupara antes da Ladeira da Velha, ou seja
como cabeça da autarquia, o segundo, por seu turno, será prefeito.
Madre Margarida, quando D.Pedro
visita a Ribeira Grande, a 6 de Maio de 1832, supomos que nesta altura, num
gesto de cortesia ou de simpatia, oferece-lhe e a sua filha, uma composição
floral alegórica de sua autoria. Este aceita-a, porém devolve-lha com o pedido
de ela condicionar as flores em dois grupos separados. Madre Margarida, disse-o
José Maria, não gostou, tendo tido um presságio de que tal significaria a
divisão futura dos liberais.
3.1.2 Saída do convento do
Santo Nome de Jesus da vila da Ribeira Grande
Menos de duas semanas após a
aposentadoria real na Ribeira Grande, onde foi condignamente recebido com
luminárias e boa mesa,[114] a
exemplo do que acontecera por outros lados, dois decretos assinados por
Mouzinho da Silveira mas elaborados por um grupo de cidadãos, um em 16 e o
outro a 17 de Maio, reformulou, o primeiro, a administração das ilhas, e
extinguiu, o segundo, os conventos das ilhas, exceptuando-se alguns de freiras.
O de Jesus da Ribeira Grande constava da lista dos conventos a extinguir.[115]
Pouco depois da publicação do
decreto, cremos que ainda em inícios de Junho (temos um documento de despesa
datado[116] e o testemunho do capitão Boid para Vila
Franca do Campo)[117] as
freiras saem da clausura e espalham-se pela vila e ilha.[118]
M.e Margarida na Quaresma seguinte,
oito ou nove meses após a exclaustração, encontra-se numa casa algures na rua
das Pedras, hoje Sousa e Silva, na freguesia da Matriz.[119]Porquê
a Matriz e não a Conceição, sua freguesia? Primeira casa disponível? Quereria
afastar-se de alguém?[120]
Não será de excluir a hipótese
de que, até mesmo pela rapidez com que se desenrolaram os acontecimentos, Madre
Margarida se tenha, por pouco tempo, abrigado em casa do irmão ou da prima
Umbelina. Para esta última dirige palavras de gratidão ao redigir o seu testamento.
Aliás, pouco antes da saída definitiva do convento, saíra temporariamente do
claustro a fim de se tratar, sendo Umbelina e a cunhada duas matronas
responsáveis pela sua estadia extramuros.[121]
Poderia ter optado por
ingressar num dos conventos permitidos da ilha localizados a duas horas de
estrada, na cidade de Ponta Delgada, porém, ao que parece, preferiu a segurança
da sua terra natal, tal como muitas das suas companheiras. Segurança, pois devia
ser do conhecimento comum o que acontecera às freiras da Praia da Vitória,[122] e,
mais recentemente, às de Vila Franca.[123]Além
do mais a cidade de Ponta Delgada fervilharia de tropas e de mercenários, ainda
por cima M.e Margarida já ia na casa dos cinquenta e a sua saúde não se dera
nada bem com a clausura.
A idade de cinquenta e três
anos deve ter pesado na decisão de manter uma casa própria. Só lhe sobreviveria
o irmão que estava de novo casado, após o falecimento da primeira esposa que
falecera pouco depois de casada.[124]
Desconhecemos se algumas
freiras, suas companheiras, optaram pelos conventos abertos. Conhecemos, sim,
que muitas das 32 ou 33 que ao tempo existiam no convento[125] se
dispersaram por casas da vila, na freguesia da Matriz ou Conceição.
Desconhecemos se, por exemplo, alguma casou ou
saiu da ilha.
A Madre abadessa, M.e Ursula de
S.José, foi morar com o irmão para a rua do Alcaide. Em 15 de Dezembro de 1838,
vemo-la e às demais coadjutoras, que, à altura da exclaustração serviam o seu
mandato bienal, a assinarem documentos, ou por sua iniciativa ou a pedido das
novas autoridades, em nome da comunidade. Era o governo extramuros.
A M.e Abadessa prodigalizou
alguns gestos de boa vontade e de solidariedade para com a vila. Assim, pouco
depois de abandonarem o convento, em 1832,[126]
para ajudar a combater uma epidemia que se abatera sobre a vila, a Madre
Abadessa oferece medicamentos da Botica do ex-mosteiro.
Em finais de 1833, por
interposta pessoa, José Maria da Câmara Vasconcelos, o cunhado do irmão,
arremata o convento e suas dependências.[127]Coincidência
ou não, por esta altura, Madre Margarida aluga por três anos as casas altas da
rua de João d’Horta, onde morará até falecer.[128]
Cremos que não será
coincidência, tanto mais que existe uma cláusula para lhe permitir fazer obras.
Nada nela é improvisado, inesperado, tudo é planeado.
A hierarquia superior da igreja
do bispado aderira ao “status quo”,
fazendo circular inclusive diversas cartas pastorais a apoiar a
situação.[129]Não
nos parece, pelos documentos de que dispomos, ter existido hostilidade, pelo menos aberta,
por parte das freiras.
Não existiria por parte dela.
José Maria, o mais radical dos neófitos liberais pós-Ladeira da Velha,
elogia-a. É certo que lhe ouvira ou ouvira-o de alguém, recriminar a divisão
entre os liberais. É não menos certo que ficara, apesar do grande e prestigiante
elogio, magoada pelo falta de sensibilidade de
D.Pedro ao pedir-lhe que dividisse uma obra. Uma mãe, tal como a da
sentença do sábio Salomão, decerto preferiria o contrário. Mas não foi além
disso.
O mesmo não se poderá dizer de alguns frades, como já
referimos. A incerteza do desfecho da guerra civil favorecia a propagação de
boatos que circulavam, dando como certa a morte e a derrota quer dos liberais
quer dos miguelistas.
A derrota de D.Miguel, seguida
pouco depois pela morte de D.Pedro, veio contribuir para o aparecimento de um
novo mas curto período de tensão social na ilha de São Miguel.
Mal o exército expedicionário
rumara ao continente português, instalara-se o mal-estar na ilha. Surgira uma
mais temida do que eficaz guerrilha miguelista, que foi de pronto combatida e
anulada.[130]
Todavia, o falecimento do
monarca em Setembro de 1834, como dissemos, reacendera as intenções de revolta
e os boatos. A revolta, conhecida “dos Calcetas,” de Abril de 1835 acabou por
ser o culminar deste efervescente período.
Em Janeiro daquele ano falecera
Teodoro José, e José Maria mudara-se para Ponta Delgada, onde a 18 de Abril,
poucos dias antes da revolta, o irmão, ele, e um grupo de outras pessoas,
fundara o jornal “Açoriano Oriental”. Margarida estava na casa da rua de João
d’ Horta. A Ribeira Grande era, então, conotada com o centro da reacção
miguelista, sendo, porém, em nosso entender, “mais as vozes do que as nozes”.
Todavia, nestas circunstâncias, os medos tornam-se tão reais como a realidade,
sendo a sua força enorme.
A revolta estalou entre os
presos do forte de São Brás, em Ponta Delgada, receando-se desde logo a adesão
da Ribeira Grande. Para pôr cobro a este perigo, José Maria e Costa Cabral são
destacados para esta vila. Prendem todos os suspeitos que não conseguem fugir.
A revolta é sufocada com facilidade em Ponta Delgada.
Na Ribeira Grande nem chegou a existir. Porém,
de Abril até Agosto, durante longas audiências cheias de peripécias, os
suspeitos sujeitam-se, enquanto se mantêm presos, a minucioso inquérito que
culmina com a ilibação de todos as acusados. Alguns membros da família de Madre
Margarida estavam em ambos os lados do conflito.
Meses antes da revolta
referida, a vila assistira a uma série de pequenos acontecimentos e
envolvera-se numa teia de grandes intrigas. Destacam-se o aparecimento de
“pasquins” manuscritos de forma dissimulada, verberando, a coberto do
anonimato, os usos de alguns notórios oportunistas da vila.[131]
Boatos houve que disseminaram a
ideia de que as freiras se preparavam para regressarem aos conventos novamente
abertos por D.Miguel que, segundo ainda outros boatos, regressara.[132]
Existiram alguns protestos inconsequentes à nova lei
que proibia os enterros nas igrejas. A este propósito é elucidativo o que
aconteceu com um indivíduo que, em vida, tinha dito que “ caísse a igreja se
ele fosse enterrado para o cemitério”. Morreu, foi enterrado no cemitério e o
tecto da igreja caiu; anotou o prior.[133]
Desconhecemos quaisquer
reacções de Madre Margarida. Se as teve, como deve ter tido, teve-as em privado
ou manteve-as discretas no seu íntimo partilhando-as somente com o confessor.[134]
Neste período quente Margarida
não se fez aparentemente notar. Era, por um lado, toda a efervescência em torno
dos suspeitos miguelistas, por outro, e ultrapassando as fronteiras da vila e
das ilhas, as querelas entre o Vaticano e o Estado português, o chamado pequeno
cisma que perdurou uma década, e a morte do irmão. Fá-lo-ia através do Arcano?
No meio de tantas incertezas e mudanças ocorridas, a História Sagrada
oferecer-lhe-ia certezas e eternidade.
A julgar por José Maria da
Câmara Vasconcelos, concunhado liberal empenhado e activo na altura, as
divisões entre os liberais
tê-la-iam desgostado.
A partir de então,
dedicar-se-ia de alma e coração à sua obra, com uma paciência proverbial e
franciscana, para louvar a Deus, para entreter-se e para edificação religiosa
dos que a vissem, que terá construído talvez ao longo de duas décadas. Teria
cinquenta e cinco anos.
3.1.3- A catequese como uma
preocupação recorrente da comunidade
A preocupação catequética ou de
edificação religiosa não é uma preocupação que surgisse em 1835, não é
exclusiva de Madre Margarida, nem sequer foi a única razão, como vimos.[135]
Por várias ocasiões, e,
sobretudo, nas visitas pastorais
efectuadas à paróquia de Madre
Margarida, desde a sua infância, os visitadores preocuparam-se em
ensinar doutrina ao seu rebanho assim como aos seus pastores. Longe se andava, então, da formação do clero no
seminário, não obstante ter sido criado no papel ainda no século XVI, só
surgindo efectivamente na segunda metade do XIX (1862).
O ensino das crianças deveria
competir aos seus pais, porém, como era notória a sua ignorância, os
bispos decidiram obrigar os fregueses a
recitar em voz alta, meia hora antes do início das missas dominicais, o
catecismo considerado indispensável.[136]
Após a Ladeira da Velha,
continuamos a encontrar, seja nos jornais locais, seja nas sobreditas cartas
pastorais, insistentes apelos à necessidade de edificação cristã, sendo esta
vista como a insu-bstituível base moral e ética do progresso material dos povos.[137] O
ensino livresco, menos aliciante e mais difícil, mercê do analfabetismo
dominante, era preterido em favor de um ensino oral. Este, para toda a comunidade,
processava-se nas igrejas, quer por recitação quer pela assistência, ao longo
do ano, às diversas cerimónias litúrgicas, tanto no interior como no exterior
do templo.
Neste último caso, destacam-se
as procissões e as recriações de cenas bíblicas visando edificar cada um dos
membros da comunidade cristã. Estas seriam, porventura, as formas mais
aliciantes
de aprendizagem. O Arcano
Místico inserir-se-ia, porventura, nesta última. Em certos aspectos.
Não esqueçamos que os
presépios, todos os anos armados, faziam-no igualmente. Não esqueçamos, do
mesmo modo, que o Arcano inicialmente (como veremos adiante) poderá ter tido
essa função.
O Jornal “Açoriano Oriental”,
de 2 de Janeiro de 1858, publica o índice de uma Cartilha Sagrada, referida
como base sólida do progresso dos povos, dividida em mais de duas vintenas de
lições.
Há que ter em conta as
preocupações didácticas de António Feliciano de Castilho traduzidas nos seus
métodos de ensino fácil e rápido.
A consagração pública do Arcano
ocorre numa altura em que, como veremos, em Ponta Delgada e um pouco por toda a
ilha, incluindo a Ribeira Grande, se dá início a um notável trabalho de
educação pela acção de duas associações. A primeira consagração pessoal
conhecida, não pelo Arcano, teria ocorrido em 1832 com D.Pedro. Não será de
mais repeti-lo, tanto mais que o elogio de um “Imperador” deve ter constituído
um poderoso estímulo para a autora como para a consagração da mesma na
comunidade. Se um “Imperador” a elogiara...
3.1.4-Terramotos e castigos de
Deus[138]
Tornou-se quase um lugar-comum, entre alguns sectores das
ilhas, culpar ou desculpar todas as chamadas “tradições culturais”, pelo efeito
social dos vulcões, sismos e geografia. Infelizmente já se tornou um lugar-comum,
no seio de outros grupos, afirmar o oposto. Ninguém será irremediavelmente
condicionado, porém as catástrofes naturais, em toda a parte do mundo,
influenciam. Cada cultura reage a seu modo. Existem culturas que as anseiam
para poder tirar partido da fertilidade que elas causam, outras, como a nossa,
tiram igualmente partido, mas, do medo para castigar os pecadores e levá-los ao
arrependimento. Não se pense que , pelo que compulsámos da época na Ribeira
Grande, tal procedimento era monopólio de conservadores e de retrógrados. Era
um instrumento poderoso de controlo social habilmente utilizado pela igreja e
pelo estado. Cremos que convictamente e na melhor das intenções.[139]
Enquanto Madre Margarida esteve
a construir os quadros do Arcano, aconteceram três grandes terramotos, dois dos
quais com consequências nefastas para
duas localidades das ilhas.
Em 1841 foi devastada a vila da
Praia, na ilha Terceira, em 1848, aconteceria o mesmo à Várzea, povoação a
noroeste da ilha de São Miguel. Aliás, ainda a noroeste, mas no mar, em 1811,
tivera lugar a crise sísmico-vulcânica que fizera surgir a efémera ilha
Sabrina.[140]
Em 1852, uma série de tremores
de terra atingiram a vila, tendo tido enorme impacto psicológico; causando
alguns estragos na igreja Matriz, a dois passos da casa de Margarida, e algumas
mortes bem sentidas na freguesia da
Matriz e na da Conceição .[141]Por
esta altura também se verificaram enormes chuvadas acompanhadas de trovoadas
intensas.[142]
As pastorais fazem a ligação
entre aqueles fenómenos naturais e castigos divinos, interpretando-os como
consequências de delitos morais e outras ofensas a Deus. Grandes e pequenos
delitos, morais, cívicos, ou outros, causam-nos inevitavelmente.[143]
A reconhecidamente fácil
correlação entre as Sagradas Escrituras e o presente confirmava-o, sem apelo
nem agravo. Há uma enorme tensão latente que, alimentada por uma missão
religiosa que aqui pregou em 1868, conduziria, por motivos estudados pela Profª
Sacuntala de Miranda, em 1869 ao “ alevante” da Ribeira Grande.[144]
É neste clima que Margarida se
encontra mais atarefada à volta da sua obra. É também neste período(1848-50)
que Castilho e os seus discípulos mais se desdobram em iniciativas .Sê-lo-á
também para a Sociedade Escolastico-Filarmonica Ribeirense.
Haverá alguma correlação entre
os fenómenos sísmico-vulcânicos, a devoção religiosa daí decorrente (ao que se
presume), por um lado, a elaboração de quadros, por outro, e a adesão à obra?
Provavelmente sim mas dificilmente o poderemos avaliar.
Apesar do seu gesto de cortesia
para com D.Pedro, talvez até simpatia para com a pessoa que ele representava e
a causa que defendia, Madre Margarida não nos parece ser uma católica liberal,
no sentido de uma rejeição do ritual, do papel da hierarquia, de um
cristianismo despojado e puro.
Toda a animação religiosa das
festas permanecera, não obstante os condicionalismos impostos às confrarias
pelo novo código administrativo, apesar do desaparecimento dos seus grandes
mentores, os franciscanos. Faziam-se os Passos e demais procissões quaresmais,
celebrava-se o Natal, os Reis, N. Srª da Estrela, padroeira da Matriz, a
Visitação, entre outras.[145]
A freguesia tinha dez ermidas e
uma confraria do Santíssimo, em 1858, existindo duas romarias. Uma a 8 de
Março, em que os devotos visitavam a igreja Matriz para obterem indulgências
plenárias concedidas no longínquo ano da sagração da igreja em 1517. Na outra,
a 25 daquele mesmo mês, visitavam-se todas as casas da Virgem da vila e
da Ribeira Seca.[146]
O clero secular toma o lugar do
regular e a vida continua aparentemente como dantes. Somando-se àquelas,
promoviam-se celebrações de cunho
nacional, como sejam as comemorações de vitórias, nascimentos ou
falecimentos na casa real ou até a notícia de esponsais com “te Deum” e
luminárias durante três dias e três noites.[147]
Existe toda uma série de outras
manifestações, ainda insuficientemente estudadas, entre as quais registamos, a
talhe de foice,” os bailhos com despiques” (como se pode comprovar pelo
julgamento do Morgado Diogo durante o rescaldo da revolta dos Calcetas), as
vindimas, as colheitas, os casamentos e baptizados, os anos o carnaval, os
santos populares e a matança do porco. Não falamos nem no culto do Divino
Espírito Santo, assaz conhecido, nem nas Cavalhadas, envoltas ainda numa
cortina de mistérios. O “Estrella Oriental” de 2 de Julho de 1856 refere as
Cavalhadas. O animatógrafo e os cosmoramas ainda não tinham feito a sua
aparição na vila.[148]
3.2 Estabilidade política
A vila vivera plausivelmente a
guerra civil com intensidade. Filhos da vila estavam a combater nas tropas de
D.Pedro. Havia um verdadeiro clima de guerra civil.Vivera depois todas as
peripécias seguintes. [149]
Apesar da explosão social de
1869, a “Regeneração política” de meados do século XIX traduzir-se-ia em
acalmia. Evidentemente que não aconteceu de um momento para o outro. É
comumente aceite pelos historiadores dizer-se que, com a Regeneração , se
caminha a passos largos, para a acalmia política. Por esta altura já Margarida
tinha visto a sua obra ser consagrada
publicamente. Está mais do que nunca numa situação estabilizada. Tem três
casas. Tem o Arcano. Está a pensar na festa de São João, ou irá pensar. As
coisas estavam a correr-lhe bem. Sabia o que queria não parece ter tido mais do que as dúvidas
normais. Parece ter sido o tipo de pessoas que com a sua emotividade. Conta no
Arcano de forma concisa e contida. Dúvidas que não lhe causam insegurança. Pela
obra assim o julgamos ver. O denominado pequeno Cisma entre a Santa Sé e o
Estado Português terminara. O Sumo Pontífice regressara do seu exílio
temporário, estava a decorrer o processo de consagração do dogma da Imaculada
Conceição. José Maria iria formar com outros uma Associação para o progresso
local e estava mais calmo. Como estava a vila. Está mais velha e os seus
achaques são os de sempre. Mas é também a altura em que ela, depois de
consagrada, de ter atingido os objectivos a que se predispusera, ao sair do
convento e após a morte do irmão, que ela começa a planear a sua morte. Quer
acabar a obra, quer iniciar a de São João dedicada à sua Salvação. Todo este
projecto é traçado no testamento de 1854 e posteriormente reafirmado no
codicilo de 1857, pouco mais ou menos um ano antes de falecer.
A relação entre o que acontece no âmbito do
governo central e o seu reflexo no concelho, e vice-versa, também pode ser
observada na Ribeira Grande.
O município perdera muitas das
suas prerrogativas de outrora; o decreto de 16 de Maio de 1832, em primeiro
lugar, e o código administrativo da década de quarenta, depois, alteraram o
municipalismo português.[150]
Iremos, em seguida,
proporcionar duas perspectivas coetâneas ,ambas de inícios da segunda metade do
século XIX, que nos permitirão esboçar a caracterização da Ribeira Grande,
justamente no período em que a obra atinge o auge da popularidade.
3.2.1 Visão do prior Cabral de
Mello[151]
Julgamos que esta perspectiva
seria representativa, todavia, para termos uma visão mais abrangente de todo o
período, aconselhamos o estudo do Quadro cronológico (Q.XIX), mormente as
perspectivas de 1797, 1832, e as vindas
a lume na década de cinquenta no jornal ribeiragrandense “A União.”
Madre Margarida teria privado
com o Prior ou ele conhecera quem a conhecera bem ao ponto de este, no citado
inquérito, escrever que Margarida fora uma das duas personagens mais
importantes da primeira metade do
século. Ela, na arte, e um especialista em Jurisprudência, talvez seu parente.
Prometera escrever, em outro local, a sua biografia. Prometera-o em Agosto,
porém, seria José Maria a fazê-lo publicamente em Dezembro. Se o Prior o fez,
não sabemos. Margarida pertencia a este grupo social, com quem entretinha
relações, e partilharia, grosso modo, a sua visão do mundo e das coisas.
O prior Manoel Cabral de Mello
ao responder a um inquérito do governo central, em documento assinado no dia da
Assunção de 1858, traçou um perfil sucinto da Ribeira Grande de então. Teria
chegado havia pouco à vila.
A freguesia da Matriz, na ilha
de São Miguel, distaria do reino, se
gundo ouvira, mais ou menos 280 léguas marítimas e cerca de 26 da capital do bispado.
Tinha a norte o mar, a sul as
serranias que a separam de Vila Franca e, a poente, a freguesia da Imaculada
Conceição.
Das suas produções agrícolas
mais valiosas, segundo o mesmo informador, faziam parte o trigo, o milho, a
fava e a laranja. Ocupar-se-iam da faina agrícola umas 500 a 600 pessoas.
Os espaços arborizados
localizavam-se acima das terras de cultivo ou à beira das grotas. Existiam os
matos das Caldeiras, do Pico Alto, das Mulatas e dos Ataídes. Eram de
particulares.
Quanto a árvores de “madeira
branca”, enumerou os vinháticos, os pinheiros, álamos, faias e castanheiros.
Algumas, como o pinho, foram utilizadas no Arcano e seus conjuntos.
Ao sul da freguesia, no Monte
do Trigo, hoje Pico das Freiras, produziam-se cereais, legumes e batatas.
A Matriz é, continua ele,
atravessada de sul a norte, por uma ribeira de onde derivou o nome da vila,
sendo uma das maiores da ilha, à qual deve a sua prosperidade, principalmente
pelo sustento de moinhos de cereal. O filho da prima, Manuel Pedro, iria
construir um. Criam-se nela eirós.
Atravessam-na duas pontes de
pedra de boa construção; uma na rua Direita, junto à praça do município,
denominada do Paraíso, sólida e airosa, de pedra branca, com ornatos ainda que
ligeiros, datando do início do século XVI; a outra, mais para sul, na rua de
São Vicente, chamada de Ponte Nova, ou das freiras, sem ornatos e do século
XVII. Eram de livre trânsito e tinham sido construídas pelo município.
À beira-mar, abundavam as
pedreiras de rocha vulcânica, exploradas directa ou indirectamente pelos seus
proprietários. Delas saía o principal material de construção da época.
Dispunha de águas férreas e
sulfúreas. A três quartos de légua do centro, a sudeste, ficavam as Caldeiras, zona de banhos, aonde no bom
tempo ocorriam famílias da vila, da ilha e de fora dela. Sabemos que Madre
Margarida as frequentou, pelo menos durante uma temporada, não sendo de excluir
que, exclaustrada, e por imperativos de saúde, tenha continuado. Teria tido
algo a ver com a construção da ermida? Decerto exclaustrada iria regularmente a
banhos.
Servia-a um hospital
propriedade da Misericórdia situado, por troca com a Fazenda Nacional, no
antigo convento franciscano de Nossa Senhora de Guadalupe, a poente da vila.
Outrora estivera anexo à igreja do Espírito Santo. O dito dispunha de um só
médico. Fizera em vida doações aquela irmandade e fá-lo-ia de novo pelo seu
testamento. O seu tio e o seu irmão estiveram ligados àquela associação.
Abundavam as oficinas ou tendas
de ferreiro, alfaiate, sapateiro e carpinteiro, além de outras mais que
serviam pessoas tanto da freguesia como
de fora dela. Algumas mulheres ocupavam-se dos trabalhos agrícolas, sobretudo,
e, ainda a mesma fonte, nos “tratos do linho”.
Quanto a comércio, todas as
quintas-feiras de manhã concorriam, como ainda em 1995, lavradores a negociar
os seus gados no Largo de Santo André( hoje em outro local), principalmente
gado vacum. Ainda naquele espaço, aos domingos de manhã, negociavam-se porcos,
tal como em 1995,porém em outro local.
Todos os dias se vendiam na
praça do município bens comestíveis, o peixe no Barracão e a carne no Açougue,
além das lenhas e tudo o mais de que uma dona de casa necessitasse. Andavam
adelos( vendedores ambulantes)pelas ruas.
O correio da vila para a cidade
de Ponta Delgada partia, por via terrestre, todas as quartas e sábados de
manhã, de lá regressando naqueles mesmos dias à tarde. Para a Vila do Nordeste,
pelo mesmo meio, só às sextas-feiras.
Defendera-a durante anos, do
lado do mar, o “Forte da Estrella”, por onde passaram muitos dos homens da
família de Margarida que serviram nas Milícias. Em 1858 estava “arruinado”.
Ao pedirem-lhe que destacasse
fregueses ilustres desde a sua fundação, Cabral de Mello, e prestemos atenção,
depois de os enumerar para os séculos XVI e XVIII ( omite o XVII) destaca para
o XIX duas personalidades: Madre Margarida Isabel do Apocalipse, ”pela
magnifica obra que fez com as suas próprias mãos, denominado Arcano” de que
daria em nota mais informações biográficas,
e o Doutor Luís Duarte de Mello, em Jurisprudência, muito provavelmente
seu parente.[152]
3.2.2 Visão de José Maria da
Câmara Vasconcelos[153]
Será a visão de um grupo, do
qual teria feito parte o irmão Teodoro, o António Manuel Silveira Estrela, o
Casanova, Manoel Pedro de Mello e Silva, e mais alguns outros. Os ideais desta
geração que aderira ao liberalismo, em tudo semelhantes aos de outros grupos em
outros locais da ilha, foram decerto influenciados pelo espírito romântico
de muitos elementos da expedição militar
liberal. Não esquecer que esteve na ilha Almeida Garrett, Alexandre Herculano,
Mouzinho da Silveira e muitos mais. Teriam também sido permeáveis às críticas
sobre questões sociais, económicas, culturais e administrativas que circulavam
em relatórios desde o século XVIII. Relatórios elaborados por militares
naturais e residentes da ilha. Todas as actividades em torno de António
Feliciano de Castilho, em finais da década de quarenta, também contribuiriam
para a formação deste novo espírito liberal romântico que acreditava no
progresso através do cultivo da terra e do desenvolvimento das letras. Dentro
deste espírito se deve incluir a criação de jornais, tidos como verdadeiros areópagos do progresso. Assim se
deverá entender o papel desempenhado por
José Maria no jornal “A União.” Como o próprio nome indica, nascido em finais
da década de cinquenta, já no período Regenerador, e como o indica o editorial
do primeiro número, tratava-se da reconciliação, de propor, para além das
divisões, um pacto para o desenvolvimento
da vila.
É um grupo constituído
sobretudo por filhos segundos que tiraria proveito das oportunidades
legislativas do liberalismo. Todos fizeram parte das milícias locais, não sendo
de excluir que conhecessem as ideias de um outro militar que, em 1798, por
exemplo, escrevera um relatório muito lúcido acerca da situação da ilha. São
contra os vínculos. Compram terra e querem comprar mais, todavia, parte da estrutura terratenente ainda não teria sido
suficientemente libertada. Os impostos, as infraestruturas, as associações para
proteger os inevitáveis desprotegidos do progresso que se conseguiria com o
livre comércio. José Maria comprara o antigo Mosteiro de Jesus onde estivera
Margarida.
A elite liberal local em 1856,
já em período de acalmia política, longe iam os tempos do radicalismo, era
tempo de união, simbolizada, tal como se declarava, em editorial, no primeiro
número do jornal ribeiragrandense “ A União”,
tornado órgão da “Associação Promotora do Progresso da Ribeira Grande,
pronunciou-se, a pedido da vereação encabeçada por António Manuel da Silveira
Estrela, sobre a questão sexta que tratava das subsistências.
António Manuel da Silveira
Estrela era um Antigo amigo de José Maria, nas boas e más horas da vida. Pouco
menos de uma década atrás, José Maria vira perplexo o governador
interromper-lhe um mandato à frente da
autarquia.[154]
Mas regressa de novo e pela mão do amigo que o considera, a si, pessoa
inteligente e capaz.
Fora aquele amigo que, em seu
nome, lhe adquirira o convento e seus pertences, estivera com ele em todas as
lutas do pós-Ladeira da Velha, designadamente durante a denominada revolta dos
Calcetas. Antes da Ladeira da Velha os seus caminhos haviam-se cruzado bastas
vezes. Ele era presidente da Sociedade Escolástica da Ribeira Grande quando
João Albino consagrou Madre Margarida.
O Governo Central enviara-o ao
Governador Civil que o remetera às Câmaras para se pronunciarem. Seria um mero
instrumento opinativo não vinculativo.
Podemos, assim, ter a visão que
as pessoas mais capazes da terra, segundo o declarou Silveira da Estrela,
tinham sobre o assunto. A autarquia nomeou uma comissão, constituída por
Silveira Estrela, José Maria, Manoel
Pedro de Mello e Silva, reverendo Ignácio Fer-reira, José d’Arruda Botelho e
Jorge Botelho Pacheco.
Manoel Pedro, que tratava Madre
Margarida por tia e seria seu testamenteiro, era filho de Umbelina.[155]Os
últimos dois estavam ligados aos dois jornais locais: o “Estrella Oriental” e
“A União.
Deste grupo sairiam: José
Maria, como seu presidente, José d’Arruda Botelho e António Manuel da Silveira
Estrella. A estes competiria na reunião seguinte apresentarem as conclusões por
escrito.
Seria, ao que julgamos, José
Maria a redigi-lo. A filosofia política subjacente poderia ser denominada de
fisiocratismo sócio-liberal.
Em primeiro lugar a riqueza das
nações advinha do livre comércio dos produtos produzidos pela terra. Nada de
novo, pois a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense o começara a dizer
na década de quarenta e continuaria a dizê-lo por muito mais tempo. Aliás o que
se escreveu no relatório em apreciação poderia ser subscrito por qualquer
membro da sociedade atrás mencionada.
Mas o comércio livre
acarretaria não só o progresso, traria inexoravelmente a fome e a pobreza a
muitos. Para atalhar estes problemas, o estado cobrador de impostos teria de
suportar os custos sociais. José Maria e os seus colegas conheciam demasiado
bem o sistema multissecular de controlo pela autarquia das exportações para
acudir às necessidades das populações. Aliás tinha existido sempre esta tensão
entre os exportadores e os consumidores.[156]
Para que a terra desse mais
frutos era necessário libertá-la dos vínculos que impediam a sua
desamortização. Não fora suficiente a terra que a extinção dos conventos
permitira libertar. A lei que acabaria com os morgadios viria no início da
década de sessenta.
Não só os vínculos mas também a
desigualdade na percepção dos dízimos constituía outro empecilho. José Maria e
Silveira Estrella, mais os demais comissários, conheciam por experiência
própria o que afirmavam por escrito.
José Maria, logo a seguir à
vitória liberal, empenhara-se na compra de terrenos, empenhara-se em vários
projectos, porém, por razões que não investigámos, encontrava-se, na altura em
que redige o relatório, com problemas. Recolhemos, ainda não há muito, num
trabalho de história oral, o que se diz sobre ele: ”Ficou sem nada porque Deus
o castigou por ter comprado o convento e ter destruído a igreja.”[157]
Sendo igualmente produtores de
vinho, alertaram para a quase total perdição das vinhas. Debruçam-se,
especificamente, sobre o estado miserável em que se encontravam os pescadores
de Rabo de Peixe, a cinco quilómetros a poente da vila, onde morava o Morgado
Maurício de Arruda, parente de José Maria. Aconselhavam o estado central a
aliviar os impostos que pesavam sobre a actividade piscatória.
Corajosamente, e num arremedo
de conclusão, acusam “ a legislação actual (de ser) filha da ditadura” e “ do
espirito de centralização”.
Tanto quanto julgamos saber, o
essencial do que foi sugerido não viria , por muitos e dilatados anos, a ser
implementado. Viajantes estrangeiros, por exemplo, já no terceiro quartel do século, admiravam-se dos direitos
alfandegários cobrados de ilha para ilha.
3.2.3 Sociedade
Escolástico-Philarmónica da Ribeira Grande[158]
Esta sociedade fundada por bem
intencionados mancebos, segundo João Albino Peixoto, dotados de amor à terra (
designada por pátria= terra-mãe) e ávidos de progresso, tinha por objectivo : a
instrução, o deleite mútuo e a comunicação aos que ainda não dispunham de tais
conhecimentos. Ideal romântico partilhado por António Feliciano de Castilho e a
Sociedade dos Amigos das Artes e das Letras, em Ponta Delgada.[159]
Albino escreveu- o em um
folheto editado em 1850. Desde 1848, Castilho e os amigos vinham a dizê-lo. A sociedade
da Ribeira Grande oferecia aulas de primeiras letras nocturnas aos que
trabalhavam durante o dia. Fizera-o com grande sucesso até que alguém, num meio
pequeno, lançou o boato de que tais aulas destinavam-se, encapotadamente, a
atrair mancebos para servirem “o rei”. O resultado, pelo menos ainda em 1850,
fora a debandada completa dos alunos.
Também promovia aulas de
francês, lições de dança e de música
instrumental. Estas com assinalável êxito. Organizavam-se saraus
músico-literários e pretendia-se introduzir, falava-se nisso em 1850,
“prelecções de Botânica” e talvez lições de Desenho e Poesia.
Acreditava-se na possibilidade,
como vimos, de fazer avançar o homem através das luzes da instrução. Este ideal
iluminista norteava igualmente a necessidade de educação moral. Já o
referíramos quando falámos sobre a
catequese. É ainda Peixoto quem escreve:
“ Agora sim, que em Ponta
Delgada, se tem reunido, e admirado na exposição dos Amigos das Letras e Artes, todas as mais bellas producções
artísticas do solo Michaelense; por este motivo, e pelo, mais que se deixa
expendido, como se faz distinta, e eminente a Ribeira Grande tendo
produzido...” o Arcano e a sua autora.
3.2.4 Imprensa da Ribeira
Grande[160]
Já nos referimos à importância
do jornal como veículo propagador das ideias e ideais da geração
romântico-liberal, à qual pertenceu Margarida, a seu modo,[161]
também temos visto e iremos ver o papel que aqueles desempenharam na
consagração do Arcano e da sua autora, além destes servirem de veículo de
transmissão de ideias para a própria autora. Veja-se no Quadro cronológico
(XIX) a variada temática, inclusive a religiosa.
Em 1858 existiam dois jornais,
ambos semanários, ambos fundados pela família Botelho; “O Estrella Oriental”
aparecera em 1856 ( 28 de Maio) e “A União” em 1857.Com estes, não logo de
início, é introduzida uma tipografia.
José Maria que fora editor do “
Açoriano Oriental” e um dos seus fundadores(surgira em Ponta Delgada em 18 de
Abril de 1835),regressado à Ribeira Grande, continuava, segundo Supico, a
colaborar regularmente com aquele jornal. Seria uma espécie de correspondente
na vila.
Talvez o "Avizo” que Madre
Margarida fez publicar naquele tenha o dedo de José Maria. O mesmo se diria das
legendas dos quadros do Arcano anteriores à tipografia da Ribeira Grande. Uma
legenda diz: ”Anno de 1853”[162].Em
1857 Margarida publica no “Estrella Oriental” novo Aviso.
Atalhemos a nossa história,
registando que, pouco depois, José Maria tornar-se-ia editor do jornal, para
logo a seguir o adquirir. Mantê-lo-ia até `a sua morte na década de sessenta.
3.2.5 Escola de Educação de
Meninas na Ribeira Grande em 1848[163]
A educação de Margarida, tal
como na época, fizera-se em casa. O conceito de educação moral e cívica
encontra-se subjacente ao Arcano e explicitado nos objectivos de Margarida. Era
também, mas não exclusivamente, um ideal romântico-liberal.
Existia, pelo menos em 1848
existiria, uma escola do sexo feminino, segundo o que veio a lume n’ “O Correio Michaelense” de sábado 22 de
julho de 1848.[164]
Aí, em edital do Governo Civil,
lançava-se concurso público para professoras de meninas. Como requisitos
exigidos tinham que ter trinta anos completos, apresentar atestado de bom
comportamento moral, político e religioso, passado pela Câmara Municipal, pelo Juiz
de Paz ou pelo Administrador do Concelho em que haviam residido nos últimos
três anos. Tinham ainda que fazer comprovação de não padecerem de nenhuma
doença contagiosa. Após a apresentação desta documentação as candidatas ainda
seriam submetidas a exame.
Dez anos volvidos, José Maria,
referindo-se à educação de Madre Margarida, e, lateralmente, à educação de então,”..., e ainda hoje desgraçadamente,
o não é n’esta villa, não obstante acharse melhorada a este respeito.”[165]
A Ribeira Grande de então seria
uma comunidade ligada à terra, tradicional. A
administração municipal mudara, tinham-se fechado as portas dos
conventos, melhorara-se a instrução pública. À terra começavam a chegar alguns
benefícios da nova “civilização”. O Arcano era rei e senhor. Era também uma
questão de identidade.
Recapitulemos. Qual seria então
a ligação da vida da autora, da obra e da comunidade.
É filha da elite e mantém-se
física e ideologicamente próxima da elite
local. Madre Margarida não seria célebre sem o Arcano. Deve-lhe isso. A
comunidade consagrou-a. A obra é dela e por ela feita e nela ocupou parte
substâncial dos anos fora do convento. Só por isso teria algo a ver com a vida
da autora. Desde a concepção, passando pela concretização. Num primeiro momento
quase em exclusivo. Num segundo, a partir da preparação do altar e da festa de
São João, em segundo lugar. A fama obtida pela obra deu-lhe, como vimos,
reconhecimento social. Ter-lhe-ia dado igualmente, no diálogo constante entre o
pensamento e a sua concretização, a sua própria ideologia, os seus modelos
positivos e negativos. Nesta fase foi inevitável, sendo uma pessoa
desperta e inteligente, a contaminação
pelas preocupações do momento tanto as do mundo à sua volta como do seu próprio
mundo interior. Não era preciso exprimi-las de um modo realista. A própria
escolha do tema, dentro de preocupações catequéticas da época, já pressupõe uma
forte ligação com a realidade. O aceitar ser visitada, outra; o ter sido
aclamada, ainda outra. Esta relação é mais difícil de estabelecer sem o recurso
à psicosociologia. A influência recíproca da obra e da criadora. O Arcano é
também a sua galeria de bons e maus caminhos para a Salvação. Retrata-se nisso,
em segurança, como sempre gostou de fazer, evidentemente. Já não falando das cores,
das formas, dos trajes, etc., que constituíram modelos, ou matéria-prima, de
onde partiu para inventar coisas novas. Inovou na composição das massas e na
amplitude que conferiu àquela obra sagrada plástica tridimensional. Pelo menos
nisso. Muito mais podemos saber através de um estudo iconográfico.
“Le secret d’une oeuvre n’est
pas dans le récit d’une vie, mais elles s’eclairent mutuellement.” [166]
IV
A
Criadora
4.0 Explicação inicial
Não se trata da biografia mas
do tratamento daqueles elementos biográficos considerados relevantes para o
esclarecimento da obra da autora.
Uma esposa com filhos e com a
vida do casal para tratar decerto não teria tido a oportunidade de o fazer. Se
os tivesse tido, conjecturamos, sendo tão racional, pragmática, metódica e,
sobretudo pela entrega e dedicação às suas “criaturas”, como o podemos ver em
tudo aquilo que fez, decerto que se dedicaria de alma e coração ao marido e aos
filhos. Tê-lo-ia feito ( o Arcano), mas de outro modo. Se ainda estivesse no
convento talvez por falta de tempo e de espaço não o fizesse. Se não tivesse algumas posses, também não. Talvez só possa ter sido
a obra de uma freira egressa. Em todo o caso foi a obra de uma egressa.
Para perceber a sua vida e obra, temos de ter em conta quatro
fases. Uma primeira, da qual pouco sabemos, ou seja daquela em que formou o seu
carácter, o período da sua adolescência. Fase crucial. Uma segunda, a partir da
entrada no convento até à exclaustração. Nesta, além das obrigações inerentes,
nem sempre cumpridas devido às suas doenças crónicas, dedicar-se-ia à confecção
de flores e ao altar de São João Evangelista. Começa a destacar-se pelas suas
obras. O rei honrá-la-ia com os seus comentários. Parece ter sido um período
não tão feliz como o quarto. Uma terceira de transição, desde a saída do
convento até ao começo da sua instalação. Ou seja de meados de 1832 a 1833.É
uma fase expectante mas serena. Uma quarta que começará pouco antes da morte do
irmão e acabará quando começa a preparar a sua morte. É a sua fase mais
criativa, mais trabalhosa e talvez a
mais feliz É serena também. A quinta é a preparação mais activa da sua salvação
eterna.
“ Dans toute vie, ce sont les
points de rupture qui comptent. Rien n’est passionant comme de guetter les
rares moments où un homme passe la ligne. Ils sont exceptionnels par leur
intensité. Les gents ont alors le sentiment que leur destinée s’arrête, bascule
et repart. Généralement, on ne distingue ces instants-charnières que bien plus
tard, avec le recul. Car comme disent les Chinois, le poissson est le plus mal
placé pour juger de l’existence de l’eau.”[167]
Tendo em conta, evidentemente,
aquilo que os documentos sobreviventes parecem indicar, tentaremos, tendo em
conta o que enunciamos, encontrar e discutir alguns destes pontos. Não perdendo
de vista estas rupturas, embora sem poder ir muito longe por aí, visto não
termos um estudo iconográfico, ou ainda a cronologia dos quadros do Arcano,
iremos tentar abrir caminho por outro lado. Vamos partir da obra que vemos, tal
qual. É impossível, neste momento, tentar a cronologia. Quanto ao primeiro só
será possível depois deste. Em todo o caso é bom não perdermos isso de vista.
Um outro estudo terá que ir a outro patamar.
4.1 Esboço de um retrato
4.1.1 Com que conhecimentos?
Pelo que disse José Maria,
Margarida teria sido uma menina precoce. Esperta. Do tipo da menina que sabe
portar-se à altura das ocasiões. Criada no seio de uma família com
responsabilidades no governo da terra, habituada a mandar e a ser obedecida,
pelos que não pertenciam ao seu estatuto social, veja-se a sua relação com as
criadas, e a ser respeitada e a respeitar os da sua situação, veja-se a sua
relação com o público. Público selecto. Daí retiraria poder e prestígio. Mas a
julgar pelo governo do tio Caetano, da postura do irmão e do modo como negociou
o altar e o Arcano, haveria muita habilidade. Habilidade social que se destaca
mesmo do grupo a que pertencia. Há carisma. Daí se perceberá a razão da sua
consagração sendo mulher e freira. Era preciso ser e parecer
Aprendeu a ler e a escrever e
tudo o mais que uma dama do seu estatuto e estrato social aprendia. Fê-lo em
casa, não indo até onde a sua inteligência viva, acima da média, a poderia ter
alcandorado.[168]
Versou-se na leitura das
Sagradas Escrituras e mais livros “apropriados”, continua a mesma fonte, o que
não só seria raro como invulgar, segundo nos foi dito, já que o estudo daqueles
textos só foi oficialmente encorajado pela hierarquia católica após o Concílio Vaticano II.
Possuía na sua biblioteca uma
História Sagrada e vários outros livros sagrados, como veremos em apêndice,[169] de
onde deve ter retirado as legendas, bem como, provavelmente, parte da
inspiração icónica.
Júlio de Castilho, filho de
António Feliciano de Castilho, que viveu com os pais em Ponta Delgada em finais da década de quarenta do século
passado, dá-nos o testemunho de dois aspectos essenciais para a compreensão das
fontes iconográficas do Arcano.[170]As
fontes, registe-se, são plausivelmente várias. Antes do mais é necessário
dizermos que a fonte escrita não teria sido só a Bíblia, teria sido também,
entre outras obras, o Missal Romano[171] e o
Devocionário Mariano,[172]
como veremos adiante.
E qual seria a versão bíblica
utilizada por Me Margarida? J.J. Ro quette , contemporâneo
dela e autor de uma tradução oficial da Bíblia, refere na sua introdução que:
“ Em todas as linguas modernas,
correm impressas varias Historias do Antigo e do Novo Testamento: a portugueza
so possue uma tradução da de
Royamont..., seguindo não a Royamont, hoje pouco estimado, mas ao P.e Couturier
e ao Allemao Overberg”[173]
Aqui estão pistas para se procurarem algumas fontes directas de Me. Margarida.
Registe-se que a representação da Sagrada Família traduz uma influência
nórdica. Surge-nos, pois, no Arcano, um São José, uma Maria e um Cristo loiros
e de tez branca.[174]
Retomemos o fio à meada. Júlio
de Castilho descreve-nos algumas procissões de Ponta Delgada nas quais se
costumavam encenar, ao vivo, diversos quadros dos Testamentos e nos quais
alguns intervenientes exibiam letreiros explicativos quer do conteúdo das
situações quer de identificação de personagens.[175]Não
podemos esquecer que a quaresma, como veremos, constitui um dos pontos fulcrais
do Arcano.
Além da Quaresma, o Natal ocupa
, ainda no mesmo contexto, um espaço importante. A este respeito, Júlio de
Castilho descreve-nos o modo de armar o presépio em Ponta Delgada. O seu
estilo, sobre um estrado, representando elementos da natureza e utilizando
vidro para representar os cursos de água, parece não andar longe do estilo do Arcano”[176]que,
dentro dele, congrega de um modo que nos parece algo disperso( suspeitamos que
haja uma outra arrumação inclusive fora do móvel) uma série de quadros à volta
de temática natalícia.
Todas as festas de rua ou no
interior dos templos poderão eventualmente ter fornecido elementos iconográficos a Madre Margarida, em
todos os aspectos, incluindo os trajes e os penteados contemporâneos. As
próprias visitas às grades dos conventos, uso estabelecido não só entre os
familiares como entre os estrangeiros de passagem,[177] bem
como as visitas, que mais tarde foi em sua casa recebendo enquanto fazia o
Arcano, poderão igualmente ter-lhe-ia fornecido tais elementos. Tal como até a
própria azulejaria com temática historiada mariana na Igreja Matriz, e quiçá no
próprio mosteiro de Jesus, hoje destruído, lhe poderia, também, ter fornecido
outras pistas, influência de outros elementos pictóricos, por exemplo, os
quadros de “Via-Sacra” e os demais painéis religiosos que o mosteiro possuía.[178]
Resumir-se-ia, talvez, este
aspecto com uma citação de tais elementos. Félix José da Costa:
“,- é porque convergio para isto todas as suas saudosas
lembranças do claustro, as queridas reminiscências do seu livro, da cruz, e da
oração; é porque atoou a esta prenda do seu engenho todo o seu futuro...” [179]
Tal frase poderá ser bastante
elucidativa. Independentemente de as
recordações do claustro serem ou não saudosas, cremos que talvez não tivessem
sido assim tão saudosas, ela teria voluntária ou involuntariamente concentrado
a sua atenção , no momento, no instante mesmo da criação, experimentava e
criava e recriava tudo o que experimentara, a todos os níveis, desde o seu
pensamento.
4.1.2 Perfil da
Crente-Explicação
Antes de avançarmos neste
capítulo julgamos conveniente continuar a
traçar o perfil da autora da obra, tendo em conta a relação estreita,
como temos visto, entre ambas.
E fazemo-lo, tanto mais que, e
infelizmente, Madre Margarida não nos deixou nada dito ou escrito , tanto
quanto pudemos apurar, que explicitasse a mensagem do Arcano, além do que já
foi dito muito sumariamente.
Tentaremos analisar o melhor
possível os documentos que temos, designadamente o testamento, o rol e o seu
codicilo, uma carta autógrafa dirigida à sobrinha, os “Avizos” publicados no “Açoriano Oriental”
e na “Estrella Oriental.”[180]
Apesar das circunstâncias
confessionais, talvez até por isso, expressas no citado testamento, já que este
se destinaria a “ lavar escrupulosamente a consciência “ preparando-a para a
última viagem. Talvez haja um exagero nas auto-inculpações, porém não nos
parece crível que face ao temido juízo de Deus, Me. Margarida deixasse algo por
dizer. Face à morte e ao juízo (Novíssimos do Homem:
Morte/Juízo/Inferno/Paraíso. O quadro nº71-1(1), objectiva-os) a confissão
seria forçosamente o reflexo exacto daquilo que ela acreditaria ser.
Será um meio de tentar aceder
um pouco mais ao íntimo da autora :
“ Le testament, cette
confession d’autrefois; nous, moyen de tricher avec le silence de ceux qui se
sont point exprimés par eux mêmes.”[181]
Legitimados e animados pelo
êxito de outros que já utilizaram este instrumento de trabalho continuemos a
explorá-lo.
Vemos, desde já, assim nos
parece pelo menos, um paralelismo programático entre o objectivo
comemorativo-didáctico e de louvor da sua festa de São João Evangelista, que
pretende celebrar “ enquanto o mundo for mundo” e “enquanto houver Igreja
Católica”[182]
e os do Arcano. Na escala de interesses, entre a edificação promovida pelo
Arcano, algo transitório, e a festa perpétua de São João Evangelista seu
padrinho e intercessor, face à proximidade eminente do fim da “vida presente”,
o segundo suplantará o primeiro. Tanto assim foi que tudo fez, inclusive deu-o
e às suas casas, para conseguir que a Confraria do Santíssimo Sacramento da
Igreja Matriz fosse a promotora e guardiã de tal festa. De 1854 a 1856
concentrou-se no arranjo do altar e na organização da festa.
Outro paralelismo evidente
descortina-se na ênfase que Me. Margarida dá no Testamento à “Paixão, Morte e Lei
da Graça”( onde interpreta, os dez mandamentos, atribuindo-os àquela lei e não
ao Mosaísmo?). Passará igualmente pela ênfase dada à figura de Cristo, a Maria
sua mãe e intercessora eficaz dos pecadores e ao seu já referido padrinho e
discípulo dilecto.[183]Todas
as “simbólicas” que ela aplica ao altar de São João, como veremos, corresponder
também a uma linguagem implícita do Arcano.[184]
4.1.2.1 Me Margarida a crente:
esboço de retrato
Filha da élite local, entrara para o convento em 1800 mais por obediência filial,
diz Vasconcelos, do que por resoluta vocação.
Baptizaram-na em 1779 na fé
católica, apostólica, romana, única reconhecida na freguesia de Nossa Senhora
da Conceição da vila da Ribeira Grande, na ilha de São Miguel.[185] Em
1832, depois de ter permanecido três décadas na clausura, saiu, tal como as
companheiras por força legal do decreto de 17 de Maio daquele ano.
Estabelece-se na freguesia da Matriz, vizinha da sua freguesia natal. Foi
considerada pelos seus conterrâneos coetâneos como uma senhora séria e
recatada, até mesmo pelos liberais.
Prestemos atenção ao seu
auto-retrato :
“... sou Religioza Egressa do
extincto Convento de Nome de Jesus, désta Villa, n’esta qualidade confesso ser
Christaã elêjo tódos os Mistérios da Santa Fé Catholica Romana, em cuja fé vivo
e protesto morrer, e salvar a minha Alma, não pelos meus merecimentos mas sim
pela Paixão, e Morte de Nosso Senhor Jesus Christo, e pela intercessão de Sua
May Maria Santissima, Senhora Nossa, a quem imploro seja minha advogada na
morte, e que todos os Anjos, e santos do Céo intercedam por mim peccadora em
especialidade invóco e rogo aos da minha particular Devoção, me assistão, e
deffendão dos inimigos, de minha Alma, que ansioza dezeja utilizar o infenito
preço de sua Benção”[186]
Ninguém se salva sem uma boa
intercessão e sem os merecimentos da Paixão e morte de Jesus Cristo, sem
esquecer o seu padrinho: “pelas virtudes do Vosso Amado Evangelista São João
meu Padrinho por cuja protecção me provem a vossa clementissima Piedade, pela
qual espero ser restituida á Graça do Baptismo, conservando-me em augmento a
Fé, Esperança e Caridade em grau de perfeita Christaã, para que por vosso Amor
e Ley ame meus Irmãos, a quem pelo Amor vosso, peço muitos perdoens o não ter
cumprido o vosso mandamento tão recomendado em a Ley da Graça, por esta falta,
e pelo máo comportamento de Religioza (?) a caridade que me faltou para os meus
proximos, Senhor amar-vos quero sobre todo o criado, pois vos me criastes,
Senhor de todos os meus bens presentes e futuros que por justo dever meu e
Direito vosso, como Providente e Bemfeitor mos destes, e conservastes para o
bom uzo athe ao presente, quero dar para o vosso Divino Culto na terra o que
vos pertence, como a Deos se dá, que he de Deos, hum; por que assim he da minha
vontade offerecer-vos do vallor das Cazas...”[187] No
codicilo doará o seu Arcano.[188]
O que ela tinha ou teria, só a
Deus pertenceria, por conseguinte só a ele deveria retornar. E voltaria, no seu
caso, sob a forma da festa que pretendeu instituir. [189]
4.1.2.2- Relações marcantes.
A Margarida que nos chega pela
documentação que conhecemos autoriza-nos a conjecturar que teria sofrido a
influência, enquanto no mundo, e antes de professar, do pai, da mãe, da avó mater-na, do tio Caetano e dos confessores.
Desconhecemos tudo sobre os seus confessores concretos. Porquê escolhemos estes
como prováveis formadores do carácter dela? Aos sete anos Margarida começaria a
confessar-se e a comungar por volta dos doze, qua-torze anos. Já antes começara
a aprender as coisas sagradas, mas a partir daí desenvolveria uma relação que
se manteria até à morte. O confessor era uma personagem-chave no plano de
salvação de todo o crente. Enquanto Margarida esteve no convento, segundo José
Maria, especializou-se na Bíblia e em
outros textos Sagrados. A exemplo de Madre Francisca do Livramento,[190] não
vemos Margarida fazê-lo sem a autorização nem o acompanhamento do seu
confessor. Tanto mais que o estudo da Bíblia não era um tema muito habitual na
época, tanto quanto sabemos. Francisca do Livramento exercita e explora a
oração, numa postura mística. Madre Teresa da Anunciada tudo faz para promover
o culto do “Ecce Homo.”[191] Na escritura de dote de Margarida, em 1800,
encontramos como primeiro confessor do convento Frei José do Menino Jesus, em
1802, ainda encontramos o mesmo, em 1805,
já é Frei Francisco do Menino Deus (?). Ainda em 1802 aparece menção a
um antigo primeiro confessor, Frei Lázaro da Ressurreição. Em 1808 aparece como
segundo confessor, Frei Bruno da Pureza, em 1811, primeiro confessor, surge-nos
Frei António da Sagrada Família, em 1814, já é Frei António de Santa Clara. Em
1827, surgem Frei José do Carmo como Pregador e Frei Plácido da Ponte Pulquéria
como segundo confessor. Como teriam sido estes homens? Estes e os padres da
paróquia de Nossa Senhora da Conceição a que Margarida pertenceu antes de
professar? Thomas Ashe, em livro editado em Londres em 1813, transmite-nos
episódios entre algumas orientandas e alguns orientadores espirituais. A este
respeito consulte-se o Quadro Cronológico (XIX).A teoria dos sacramentos fora
fazendo progressos entre os séculos XIII e XVI. “ Esta literatura ( manual de
Confessores ) espelhava a nova função dos sacerdotes, transformados em
directores de consciência de homens e mulheres, em juízes das suas relações
tanto no foro externo, como interno. E expressava ainda o eixo da sanção
exterior presente nos Penitenciais, para a contrição interior, para o terreno
psicológico do pensamento e da intenção.”[192]
A confissão e os confessores
tiveram sempre os seus críticos e os seus reformadores, mesmo no interior da
igreja. “No século XIX, um historiador português já declarara que a confissão
era uma arma de poderio do clero, que tanto poderia ‘ encaminhar ovelhas
perdidas para o redil’, como ‘ desencaminhar a solteira e a casada’. ... Também
em Portugal, ainda em fins do mesmo século, o ex-padre Guilherme Dias escreveu,
na introdução a uma obra, provavelmente apócrifa, que a confissão era uma
‘fraude piedosa’: ‘ cofessar-me sacramentalmente ao ouvido de um padre, talvez
grande pecador, isso é que não faço, nem consentirei o façam minha esposa e
filhos. Com que direito devassa o padre o tálamo conjugal? Com que direito, a
título de interrogar, inocula no coração virgem de crianças inocentes os mais
perigosos germes da corrupção e do crime? “[193] Não
somos juiz, somos aprendiz de historiador, todavia, cumpre-nos dizer: 1- A
confissão vinha ao encontro da teoria de que a pessoa tanto se salva pela graça
de Deus como pelas obras. E a confissão tratava sobretudo esse segundo aspecto;
2- Não sabemos se a regra era o abuso ; 3- José Maria escreveu que Margarida
fora negativamente influenciada pelo seu confessor que lhe era intelectualmente
inferior. Margarida acreditou e é quanto nos basta para tecer o seu perfil.
Quanto ao pai, a avó, o tio
Caetano e a mãe, parecem formar um quadrado de poder do qual Margarida
participa e é vítima . Assim parece ser. Quando Margarida nasce, já os tios
Caetano e José Teodoro tinham há muito ido tentar a sua sorte no Brasil. O avô materno
ao falecer deixara a família com problemas. Tinham nome mas não posses para
viver de acordo com a sua situação. A mãe casara nova com o pai, filho de uma
família sem nome mas com uma situação económica estável. Enquanto Caetano não
regressou, o que só veio a saber-se
muito próximo do seu regresso, a avó D. Guiomar, a paterna não era ‘Dona’,
administrou o vínculo, mais mal que bem. Um tio frade no convento da Ribeira
Grande não conseguira nem podia administrar os pequenos e maltratados vínculos.
Caetano foi o filho esperado. Tinha nove anos Margarida quando o tio regressou.
Regressou em apoteose para a família e para a vila. Entenda-se que ‘família’
então se estendia para além dos laços do pai/ mãe filhos. Neste caso, Caetano
acaba por ser o chefe. Até as leis da governação o protegem. Enquanto se mantém
na governação mais ninguém seu parente próximo poderá entrar nela. Adquirira
experiências várias no longínquo Brasil. Fora para receber ordens sacras, mas
desistira, ao invés casara-se, mas rapidamente dissolvera o casamento por
desavenças graves com a esposa e a família desta. No testamento confessa que
fugira para salvar a sua vida. Andara, tal como José Teodoro, nas milícias do
Brasil, e tal como o irmão metera-se nos negócios e nas cobranças. Não fora tão
bem sucedido como o irmão que também organizara toda uma unidade de produção e
de distribuição ligada à aguardente. Caetano, alto e bexigoso, como o descreve
o salvo-conduto passado por Pina Manique, chega à terra, com método,
persistência e muito poder, resolve os problemas do Morgadio que a mãe
governara, resolve os problemas de cobrança do mosteiro de Jesus e da
Misericórdia, entra na governação. O seu poder deve derivar do seu carisma, da
sua competência e de viver de acordo com o seu estatuto social o que lhe seria
útil socialmente mas que deixaria à família sobrevivente os seus bens livres
penhorados. Esta personagem deixaria ainda mais na sombra a já e sempre
discreta e apagada figura do pai. Este fora almotacé, fora encarregado
municipal de terras próximas das suas na Madre de Deus, mas demitira-se. Fora
progredindo nas milícias não tão fulgurantemente como o cunhado nem como o
filho Teodoro. Administrava, ao que parece com cuidado e minúcia, os seus bens
livres herdados do pai. Entraria pouco depois da chegada do cunhado em choque
com este a propósito mesmo da herança de seus pais. E é neste clima, ou pelo
menos nesta altura, que o casal se desfaz: estavam eles bem entrados nos
quarenta. Não paga o dote da entrada das filhas no convento. Nem de Ana nem de
Margarida. Quem o fez foi o capitão-mor das milícias da Ribeira Grande. Choque
entre o lavrador que trabalha a terra, conhecendo o modo de a aproveitar,
talvez influenciado ou comungando as ideias de outro seu colega de exército, o
Albuquerque, e o administrador de pequenos vínculos vivendo além das suas
posses?
A mãe escolhera o lado do
irmão? Teodoro, seu irmão, outra personagem influente, hesitaria entre um e
outro até se decidir pela mãe. Ainda hesitou quando o tio poderoso morreu
deixando-o de mãos vazias, pois o vínculo passara ao primo de Água de Pau, e
com a casa familiar empenhada. Teodoro não deveria morrer de amores pelo
sistema de vínculos. Daí talvez a sua rápida adesão, quando o momento foi
oportuno, ao liberalismo. Ele tinha tido os exemplos do pai e do tio. Também
ele seria uma personagem importante na vila.
Margarida vivera uma infância
povoada pelas cartas mágicas do Brasil, depois pelo carisma do tio, pela
postura independente e trabalhadora do pai. No seu testamento refere esta sua
virtude. Bem como na sua decisão para morar sozinha ? E orgulhosa da mãe? Ao
fim e ao cabo saíra de casa. Herdaria os talentos e os carismas do lado da mãe.
O tio provava ser capaz de governar a terra com o seu prestígio e competência.
Portanto Margarida fizera a sua aprendizagem de tudo o que era preciso para ser
bem sucedida socialmente. Tivera bons mestres.
4.1.2.3 Relação com os
concidadãos com quem entreteve tratos[194]
A quem lhe devia, perdoava, e a
quem porventura devesse, mesmo sabendo não o dever, em lhe apresentando prova,
satisfazia-lhe a dívida. Dirigiu-se tanto aos ainda vivos como aos que já
tinham partido. Fá-lo por amor de Deus e pela salvação da sua alma, perdoando
todas as perdas e danos causados tanto à alma como ao corpo nesta vida para que
na outra todos tivessem descanso eterno. Fá-lo, e neste particular, “com
reconciliação sincera de minha vontade, e coração pelo Amor, e mandamentos de
Deos” E remata,” não me troqueis os bens da vida eterna pelos da temporal, e
caduca, por que só ambiciono, e só quero gozar a vossa vista e dar-vos louvor
eterno.”[195]
4.1.2.4 Trato com outras
pessoas: os testamenteiros[196]
Elegeu por testamenteiros
pessoas em quem cria poder confiar todo o bem da sua alma, pois a execução
escrupulosa e criteriosa das disposições testamenteiras era crucial ”mercê das
suas exactas e bem verificadas consciências. Recaiu a sua preferência na prima
Umbelina e no Prior da Matriz.[197]
4.1.2.5 - Relação com a
linguagem simbólica
A linguagem católica tem por
base um pensamento não cartesiano. Uma pessoa inteligente como Margarida que
estudara a Bíblia, estudara-a, decerto, utilizando a sua razão adaptada às
premissas da época. A linguagem simbólica é fundamental para entendermos o
Arcano.
Analisemos dois outros
aspectos, a saber:
1- O simbolismo da festa de São
João ;
2- A morte, o enterro e toda a
ritualística envolvida.
Para quê? Ficaremos a saber,
pelo menos será esse o nosso objectivo, que conhecia a linguagem simbólica do
catolicismo(não sabemos até que ponto e a que nível),e, por outro lado,
avaliaremos a importância dos ritos sacramentais e da sua observância na
estratégia da salvação. Destaca-se logo o perfil de uma cristã tridentina que
encontra paralelo no Arcano e se irmana
na festa de São João Evangelista.
4.1.2.6.1 Morrendo
É um processo que encara, o
testamento é peça fundamental, a partir de certo momento, como qualquer
projecto. Encara-o como o fez para o Arcano: a festa de São João faz parte
desse plano, tal como o seu enterro. Nos últimos anos, o Arcano e a festa estão
marcados por uma urgência. Quer acabá-los porque se sente velha e doente. Às
vezes, pelo modo insistente com que o faz no testamento, parece obsessiva.
Recorrente. Sente que chegou a sua hora. Teríamos, pois, dois períodos. Um
primeiro de 1835 até começar a pensar em preparar a morte, consubstanciado pelo
Testamento e Rol de 1854. O segundo, a partir de então até 1858, ano da sua
morte. Em ambos parece ter mantido o equilíbrio e a serenidade. Há talvez uma
maior urgência e uma obsessão em fazer as coisas bem (o que sempre fez) e
depressa (o que de certo modo também terá sempre feito, pois para fazer o que
fez, Arcano, festa, tratar da sua vida, decerto não trabalharia com lentidão).
Até mesmo quando prepara a morte acredita na eficácia, convém repeti-lo, do que
está a fazer. É uma pessoa de certezas. Portanto tem de preparar tudo conforme
a lei e o costume. Outras freiras, suas antigas companheiras, a morar na vila,
fazem o mesmo pela mesma altura. No fim da vida, apesar do testemunho de José
Maria, que diz que ela fora acometida, nos últimos anos de vida, por assomos de
loucura. Tal comportamento não é detectável no testamento, no rol, em 1854, nem
no codicilo de 1857. Seria demência senil? Tê-la-ia levado a queimar e a
destruir papéis, alguns importantes, que escrevera. Também seria culpado de um
mau testamento, segundo o mesmo José Maria, por duas razões. Em primeiro lugar
fizera seu herdeiro universal alguém algures no Império do Brasil. Alguém que
talvez não conhecesse. Em segundo lugar, porque não prevenira o modo como mudar
o Arcano. À falta de melhores provas aceitar-se-á, como hipótese de trabalho,
que, já no fim da vida, não se sabe exactamente quando, Margarida fora
acometida de comportamentos violentos, talvez de demência senil. Seria por isso
que o Arcano ficara incompleto?
Falecendo da “vida presente”
pretendia que o seu corpo fosse envolto no seu hábito de Clarissa e levasse as
insígnias . Seguiria para a Igreja Matriz acompanhada “dos Reverendissimos
Collegios da Matriz e Conceição, com o toque dos sinos das ditas Igrejas para
assistencia de officio de nove Licções com Missa, tudo de Canto Cham.”[198]
Deveriam ser avisados todos os irmãos da Ordem Terceira, e dar-se-ia àqueles
que tivessem acompanhado o seu corpo à sepultura, pela sua caridade, o
estipêndio acostumado. O mesmo se daria a quem o sepultasse.
O seu enterro contrastava com o do irmão
Teodoro José, talvez por influência de ideais liberais de simplicidade
evangélica,[199]porém assemelhava-se a todos os demais que
conhecemos na sua família.[200]
Pedia ainda que a Santa Casa da
Misericórdia, beneficiária de uma pequena parte do seu pecúlio, lhe emprestasse para o enterro a imagem de
Nossa Senhora do Amparo ”a fim de servir de guia ao seu corpo”.
Se o dia fosse “embaraçado”,
rezar-se-ia missa logo no primeiro “desimpedido” somente com a assistência ”do
Reverendissimo Collegio e sinos que pertencem a Matriz.”
Mandava igualmente aos seus
testamenteiros celebrar o mais breve possível, e de uma só vez, 36 missas de
privilégio em altar de privilégio de qualquer igreja. Não sendo assim, nada
valeria.
Era uma mulher do seu tempo que
se associara, desconhecemos por que motivos, se só por cortesia se também por
simpatia, às manifestações em torno de D.Pedro; todavia, só lhe recolhemos o
desagrado pela desunião dos liberais. Tal como disse o cunhado do irmão, isso
havia sido pressagiado por ela no momento em que o ex-monarca aceitou a sua oferta mas com a
condição de a dividir.
Manteve as suas crenças e os
seus rituais ,e, no caso da festa de São João ,talvez estivesse um pouco fora
da realidade. Já naquela década se erigira nas Caldeiras uma capela. Além do
mais, só uma visão retrospectiva, que ela não poderia jamais desfrutar, poderia
ver mais longe.
4.1.2.6.2 Porquê a festa de São
João Evangelista? [201]
Existirão, porventura, razões
implícitas e explícitas. Uma implícita seria o culto familiar de Margarida
ligado ao morgadio que o tio Caetano administrava. No convento ocupara-se do
altar daquele evangelista. Outro seria o próprio nome da Província Franciscana
Açoriana. Ainda outra, no nome de
religião que adoptara constava o título de uma obra de João: Apocalipse. O
culto dos santos depois do concílio de Trento é o mais ambíguo:” Se por um lado
se pretende reforçar a devoção aos santos como intercessores dos homens junto
de Cristo, por outro muito dificilmente se alcança a separação do sagrado e do
profano nestas devoções.”[202] Não
era reprimida nem desaconselhada, tanto quanto sabemos. Era prática comum. Mas
vejamos as razões que Margarida alega em 1854.
“...para que o seu martirio não
ficasse no esquecimento e se renovasse todos os anos a memoria das suas
admiraveis virtudes.” O mesmo veremos no Arcano. Na segunda oitava de todos os
natais vindouros enquanto durasse a religião católica, no dia em que a igreja
reza o evangelista haveria missa cantada e sermão, ou então, caso não fosse
possível na primeira data, no dia 6 de Maio, dia em que a mesma igreja reza o
seu martirio “Ante a Porta Latina”. Curiosamente ela faleceria naquele dia.[203]
Além da festa, Madre Margarida
obteve na igreja Matriz um altar junto à capela do Santíssimo Sacramento, no
qual pôs à veneração dos crentes a “...Santa e milagrosa Imagem”
Os objectivos eram didácticos,
tal como no Arcano, porém, insistimos, neste caso tratava-se de obter os
favores de um padrinho.
Desconfiando dos homens e das
voltas que o mundo dava, sabia-o decerto por experiência própria, pedia a “
Deus de Eterna Justiça como Retissimo Juiz” tomasse conta do caso, se não
viessem a ser cumpridos os seus desejos.
Era uma pia devoção, útil aos
cristãos para a conservação da sua fé, pela glória que Deus recebe dos seus
eleitos, que, pelos seus merecimentos gozam do louvor eterno que é devido a
Deus. Em segundo lugar pelos trabalhos e martírios “afrontozos” que consagrara
a Deus. Por tais também gozam dos louvores dos crentes e da admiração dos que
não “professam a Santa Ley Evangelica, vendo e ouvindo a exemplar vida dos
Justos, os progressos, as maravilhas, e poder com que se empregaram na vida
temporal.”
Estas seriam, pois, as razões:
louvor a Deus e exemplos edificantes. Também aqui nos parece haver similitude
entre o Arcano e a festa e altar de São João.
Termina este rol, aduzindo uma
razão especial: “o Evangelista Dilecto foi o mais previligiado; tomei-o para
meu Amparo.”
Ninguém se salvaria sem
padrinhos, já o dissemos repetidas vezes, sobretudo sem bons padrinhos, pois
existirão uns melhores do que outros. Acresça-se ainda a crença fundada na
escrupulosa realização de rituais e de símbolos, como agora veremos.
São João Evangelista seria
ornado por um resplendor de 24 oitavas de ouro fino e teria os seguintes
símbolos:
1- Uma Mitra gravada, porque
tinha sido Bispo das sete igrejas da Ásia;
2- Duas palmas gravadas, por
ter sido por duas vezes mártir sem ter sucumbido;
3- O arco da soledade por ter
sido mártir de amor ao pé da cruz;
4- A pomba e língua gravadas,
por ter sido iluminado pelo Espírito Santo;
5- Resplandecentes raios de
ouro, porque tinha ido à cidade Santa do Apocalipse.
No mesmo altar, mas não em
lugar de destaque, de um lado a Imagem de Nossa Senhora da Ajuda com o Menino
Jesus, que, por ser mãe dos pecadores, insiste de novo Madre Margarida, era
intercessora. Como era rainha, mandara-lhe fazer uma coroa de prata e para o
seu menino um resplendor de ouro.
O patriarca São Joaquim, por
seu turno, pai de Maria, colocado no lado da Epístola, teria um resplendor e
vara de prata. Dele também esperava, em seu julgamento, “ o seu valiozo
Amparo.”
Não esquecia o “ Santo Christo
de Marfim” ( crucifixo) com o seu diadema e cravos de prata” por cuja Paixão e
morte espero remissão dos meus pecados”
A nós parece-nos
indubitavelmente que toda a intenção da festa e do altar encontra no Arcano
correspondência, inclusive o seu tipo de linguagem.
Julgamos ter ficado provado ou,
pelo menos indiciado, que Madre Margarida era conhecedora da linguagem
simbólica tal como a vemos implícita no Arcano. Orientou o restauro e a exposição do altar com a colaboração de profissionais.
Deixou dito com minúcia o que queria da festa, do altar e do seu enterro.
Talvez, a fazer fé no que escreveu Vasconcelos, nunca consigamos saber o que
ela quereria para o Arcano, todavia, o seu cotejo com a análise da festa, do
altar e do enterro, poderá apontar pistas e esclarecer dúvidas.[204]
4.2 Onde morava e como
sobreviveu?
Em primeiro lugar e antes de
mais, admiramos a capacidade de uma mulher de mais de cinquenta anos de
governar a sua vida. E governa-a com rigor, método e persistência.
Parece-nos poder afirmar que
existem duas ideias recorrentes subjacentes ao projecto do espaço de Margarida
fora do convento: sossego/refúgio e mais e melhor espaço. O convento pretendia
ser um porto seguro. Os muros altos da
cerca, as grades do coro e dos palratórios, o portão do carro, a roda, a porta
regral eram as fronteiras guardadas da comunidade eclesiástica. Madre Margarida
não parece ter sido acusada de as transgredir. Era obrigatória a frequência do
coro (a que doente faltava com frequência) e permitida a ida aos palratórios.
Margarida utilizá-los-ia com a moderação
da altura. Não se lhe conhecem acusações de excessos. Receberia as visitas da
família, de outros conhecidos, de gente com quem entretinha negócios e talvez
algum viajante. Tal como qualquer das suas companheiras tidas como sérias. Era
obrigação receber, tal como o seria já na sua casa. Mercê das suas doenças
receberia intramuros a visita de médicos e, plausivelmente, até do seu
confessor. Ainda mercê dos mesmos achaques sairia durante um ano (?) para ir a
banhos e dar passeios a ‘pé e a cavalo’. A mística teria desprezado o seu
corpo? A sua casa e a sua postura, impondo respeito, continuariam, com ou sem
grades, com ou sem palratórios, a manter a distância que a freira séria (e a
mulher, casada ou não) tinha de impor para ser considerada como tal. As regras
e os estatutos das Clarissas eram teoricamente severas, porém a prática
socialmente aceite era muito mais branda. A comunidade tinha posses, como cada
uma das freiras. Tinha criadas. Margarida não fugia ao uso e costume.[205]
O que aconteceria fora do
convento? Continuou a fazer o que sempre fizera dentro do convento, sem ter os
deveres do coro, nem a protecção económico e social da congregação. Teve de ser
o seu próprio porto seguro. Conseguiu-o através do trabalho, talvez mais
intenso do que no convento, impondo respeito e encontrando uma casa segura.
Vivia-se em plena guerra civil. Em relação ao espaço anterior, Margarida
melhorá-lo-ia. A falta dele, ou a sua exiguidade, provocara-lhe, segundo os
médicos que a observaram e trataram, os achaques. Refúgio /sossego não
significavam, pois, autismo e apartamento social. Até mesmo quando Margarida
pede para a não visitarem, pede que suspendam as visitas enquanto não completa
o Arcano. No fundo, sendo inteligente, entenderia que precisava dos visitantes
por duas razões: pelo estímulo que lhe davam e pelo que lhe compravam de flores
artificiais.
Teria de reorganizar o novo
espaço de modo a satisfazer aquilo que lhe faltara no interior do convento. Não
podia ter a largura de espaço, a cela era diminuta, para se distender e ter as
suas coisas. Teria sido até uma limitação à sua criatividade. O Arcano , como
já dissemos, dificilmente teria sido construído no convento. A compra de três
casas todas pegadas e um quarto enorme
só para o Arcano parecem confirmar esta ideia e esta necessidade, igualmente
psicológica (?), mas também física, de mais e melhor espaço do que aquele que
usufruíra no convento. Eis algumas das relações/ motivações da autora e das
suas casas. À frente veremos que o conceito e a prática de casa não era o nosso.
É preciso tê-lo em conta na nossa proposta de musealização do Arcano de Madre
Margarida. Além do mais, recebendo gente no interior do seu espaço vivencial,
já não só na cela, sendo ela freira egressa, mas sendo uma senhora da família
Botelho de São Paio, não poderia receber mal as pessoas. Teria de ter uma casa
à altura, dentro dos possíveis. Tais atitudes parecem ser confirmadas pelo seu
comportamento/desejo em fazer, a cada momento, o que estava socialmente
adequada. A resposta da sua adequação poderá estar na sua consagração
social.
Interessa-nos sempre a autora.
Sem ela não entenderíamos a obra na sua globalidade. Examinando os seus
documentos legais, cotejando-os com outras fontes, fica-nos a impressão de que
ela disporia de grandes quantidades de panos, de diversos tamanhos e qualidades.
Exibe conhecimentos acerca deles denunciando uma certa familiaridade. Que faria
com eles? Vendê-los-ia? Transformá-los-ia? Faria ambas as coisas? A julgar pelo
conteúdo do testamento, pelo menos em 1854, não os fabricava, pois nele não
consta nenhum tear.[206]
São as toalhas, os panos
bordados (ainda segundo José Maria, uma
das suas obras mais apreciadas seria a toalha do altar privado de São
João Evangelista) e as flores artificiais.
José Maria, no obituário que
lhe dedicou, desejava-lhe que a terra sobre o seu caixão fosse tão leve “ como
as flores que tão lindas sahiam de suas mãos”.[207]
Aliás a sua obra célebre, no
tempo, oferecida a D.Pedro então na ilha, fora feita com flores artificiais.
Tanto as flores, feitas de pano ou de penas, por
exemplo, quer as toalhas, quer ainda a venda de panos, seriam actividades
vulgares entre as freiras. John W. Webster escreveu em 1821:
“ As freiras são sustentadas,
em parte, pelo producto da venda de artigos de ornamentação e de phantasia, bem
como doces, e flores feitas de pennas,...”[208]
Noutro passo ” muitos artigos
são confiados a mulheres, que os vendem pelas casas da cidade e que tambem
percorrem a ilha como vendedoras ambulantes; alguns outros são mandados ás
freiras, que para elles obteem compradores.”[209]
Seria a Anna Jacintha, da
Ribeira Seca, a quem ela deixa o seu capote, a pessoa, ou uma das pessoas, que lhe vendia ou fornecia panos?[210]
Acerca das suas actividades,
M.e Margarida, ainda no testamento e rol, dá-nos pistas:
“...por serem os meus bens
livres adquiridos e arranjados só pelos meus trabalhos e pela muitta economia
conservados sem faltar ás urgentes precizoens nem á devida recompença dos que
me serviram, assim como os meus ajustes, não ter feito tratos ou contratos com
pessoa alguma com dollo de consciencia, por promessas sojeita a
responsabilidade, por esta razão não tenho dividas grandes, nem pequenas...”[211]
Recebia ainda uma renda
vitalícia de 20 000 réis anuais em trigo como legado testamentário de sua mãe e
obrigação de seu irmão ou seus herdeiros directos.[212]
Participaria igualmente,
enquanto esteve no mosteiro, das propinas e demais prebendas costumeiras da
comunidade além das prováveis ajudas familiares.[213]Em
1832, fora-lhes prometido pelo governo liberal, ainda em luta aberta com os
miguelistas, uma pensão vitalícia.[214]
Debalde procurámos em várias fontes tentar obter a confirmação do recebimento
de tal pensão. Aproveite-se a leitura da nota 179 para ver como vivia uma
freira exclaustrada em Vila Franca do Campo em Março de 1839.
Certo e seguro é que na
Quaresma de 1833 (poucos meses apenas após a exclaustração) M.e Margarida se
encontrava a residir numa casa da rua das Pedras, hoje rua de Sousa e Silva, na
freguesia da Matriz, a dois passos da igreja Matriz.[215]
Ainda naquele ano faria um
contrato de arrendamento por três anos pelas
casas altas da rua de João d’Horta, rua que intercepta a anterior, as quais viria a comprar em 1837,
e nas quais moraria até falecer, com uma cláusula que lhe permitia realizar as
obras necessárias, cujos montantes seriam deduzidos da renda do último ano.[216]
Pormenor importante este da
cláusula atrás referida, pois por ele se poderá, talvez, pensar na
possibilidade (plausível) de M.e Margarida ter efectuado obras na casa. Obras
de manutenção, ou teriam ido ao ponto de modificarem a sua organização espacial
interior?
Seja como for, sabemos que o
Arcano dispunha de um espaço próprio, com uma cozinha, um quarto de cama e, a
julgar pelo testamento, uma sala. No espaço do Arcano estariam as panelas e a
manga de vidro, onde poderia também estar o altar de São João Evangelista,
embora um dos sítios prováveis seja o do seu próprio quarto de cama. A
localização da barra de Margarida “ peça mais elementar”, significará duas
coisas. Primeiramente “A barra, é o mais primitivo dos móveis de repouso.” E
“Outro sinal de conforto, é o recuo na utilização de barras, com a preferência
pelos modelos de leitos, camas e catres”[217]
Talvez fosse a barra a que se habituara no convento. Seria um sinal de
humildade. Aos cinquenta anos não se muda facilmente de hábitos. Todavia as
criadas já tinham camas. Também poderia ter uma cama, todavia, no caso de
Margarida, por razões higiénicas mantinha a sua barra. A mesma humildade
explicaria a inexistência de espelhos na casa de Margarida. Para Madureira “De
todas as variantes de mobiliário com espelhos, uma há que é particularmente
insuportável para os moralistas, que simboliza os vícios da artificialidade, o
conflito moral entre a idealizada mulher de outrora e a frívola figura do
presente. Essa peça é o toucador.”[218]As
residências de Maria, Santa Isabel e de todos os virtuosos modelos femininos do
Arcano não possuem espelhos.
Em segundo lugar, a localização
da barra deveria obedecer à teoria de Sanctorius da circulação do ar versus
putrefacção do mesmo. A cela de Margarida teria tido falta de arejamento e tal
teria ocasionado os seus achaques. Seriam também de origem psicosomática.
Portanto estaria sensível a esta teoria. A causa da sua saída temporária do
convento, a existência de tinas e banheiras de banho no seu testamento e os
quartos de cama de Santa Ana e de Maria, no Arcano, parecem indicá-lo. A
própria descrição de objectos de quarto de cama, por um lado, e a casa, tal
como a vemos hoje, também no-lo parece sugerir. O mesmo Madureira diz-nos que “
Antes das descobertas de Lavoisier, as teorias clínicas sustentam que todos os
organismos vivos comportam um determinado movimento interno de putrefacção,
sendo necessário vigiar permanentemente os equilíbrios do organismo para evitar
a concentração de humores fétidos ou o atrofiar das fibras... Desta forma, as
estratégias de higiene assentam no primado da ventilação. Um ar fresco e
moderado contribui para as necessárias descargas internas.” Assim, “O lugar da
cama ( a parte mais perigosa da casa uma vez que durante a noite não há
movimento, e portanto não há circulação do ar) deve ser o mais arejado da caza.
Os gabinetes, as alcovas e as camaras pequenas não servem para este fim: cumpre
que o quarto de dormir tenha ao menos duas aberturas oppostas, para que se
possa admitir nelle huma corrente de ar. Não se tape a cama de criança, nem o
quarto com cortinas, armações, etc, havendo nelle estes adornos deixem-se
abertos em quanto estiver na cama.” [219]
Margarida dá-nos, no quadro do nascimento da Virgem, o interior de um quarto de
cama. Nele se desenrolam várias actividades, inclusive as relacionadas com o
trabalho. Trabalharia ela no seu quarto? Num outro, o de São José a querer
fugir, também retrata esta faceta. Possuindo no mesmo espaço um oratório. Além
de este espaço ser de descanso, de oração e de trabalho poderia ser também o
local de refeições. Veja-se o quadro dos esponsais da Virgem.
Onde dormiriam as criadas que a
serviam? Veja-se a planta actual da casa.[220]
Vive com conforto. A sua casa é a casa de alguém com posses muito acima do
pobre.
Quanto à ocupação do espaço, a
julgar pelo recheio que conhecemos do rol ao testamento de 1854, ainda pela
suspeita de ter tido já o “enxemès”, pela influência romântica visível no
Arcano, pelo modo “individualista” de Margarida, ou seja o seu desejo de querer
(re)viver fora do convento, até pela própria realidade da época,[221]
registará a confluência de duas influências. Entre a filosofia da casa de
setecentos e a casa moderna. Até por isso, o “documento casa” deverá ser mais
estudado, designadamente, deve ser feita uma intervenção arqueológica. A
existência ou não de um corredor assim como a individualização dos espaços
interiores são sinais importantes desta nova atitude. Assim como o seu recheio.
Na década de quarenta daquele
século, compra outras duas casas, pequenas e contíguas à primeira, unidas seja
pela frente ou pelos quintais.[222]Porquê?
Provavelmente porque precisaria de espaço, visto o das casas altas, apesar de
tudo, não ser suficiente.
Pelo que vemos hoje, houve
modificações de vulto nas casas altas.
Observando os alçados laterais,
virados a norte e a sul, podemos adiantar a ideia de que a casa, em primeiro
lugar, teria sido levantada de uma baixa preexistente, em segundo lugar, em
outra fase, teria sido de novo levantada, e finalmente alargada para trás. O
interior confirma o que dissemos, e leva-nos, pela observação do “enxemés”,
pela observação das paredes mestras, pela descoberta de uma porta e de uma
janela a confirmar a existência de uma organização espacial anterior ao
enxemés.[223]
Enxemés, veja-se planta, que divide e distribui os diversos espaços internos
através de um corredor.
O uso do enxemés na ilha de São
Miguel, segundo Nestor de Sousa, apesar de dois ou três exemplares conhecidos
para a primeira metade do século XIX, só se generalizaria na ilha em data
posterior à do falecimento de M.e Margarida, ocorrido em 1858.[224]
Poder-se-ia dizer o mesmo das
portas encimadas por bandeiras envidraçadas, por exemplo, como as que ainda
hoje vemos naquela casa.
Todavia, existe pelo menos um
quadro do Arcano Místico, onde nos
parece haver uma porta com aquelas características. Trata-se do
nº75-1(2)”Palacio do Rei Herodes, fallando com os Santos Reis Magnos”.[225]A
casa onde morou a família Castilho no final da década de quarenta em Ponta
Delgada, uma vulgar casa já tem essas divisões.[226] Não
dispomos de provas documentais (talvez a intervenção arqueológica que planeamos
efectuar no-lo venha a fornecer) a favor do “enxemés” durante a vida de Madre
Margarida ou após a sua morte.[227]
Onde estaria colocado o óculo
de ventilação e de iluminação que encontrámos há já algum tempo no que fora o
quintal da casa?[228] Tal
elemento leva-nos a fundamentar uma outra suspeita. Analisando outras casas
que, na cidade, sejam da mesma tipologia, desconfiamos, se o óculo pertenceu à
casa, que possa ter estado num trecho da fachada que iluminasse a escada de
acesso ao segundo piso. Talvez a porta que hoje vemos fosse o local do citado óculo, sendo, então, a
principal a que lhe fica a norte (ou a do sul). Era comum as escadas começarem
assim. Trata-se tão-só de uma possibilidade.[229]
Não será de excluir a hipótese
de ter sido mandado fazer pelo dr.º
Manuel Botelho Nobre Barboza da Veiga que a comprou em hasta pública em
27 de Abril de 1878 e a vendeu(ou seus herdeiros, desconhecemos os pormenores)
dezassete anos depois, em 1895.[230]
Tal discussão parece-nos ser
relevante para a nossa proposta de musealização. Trata-se de saber ao certo, o
mais fidedignamente possível, a relação do espaço que hoje vemos com aquele de
que desfrutou Madre Margarida. Teria havido alguma relação significante?
No tempo de Margarida,
continuemos com o rol do testamento, era uma casa habitada, quase sempre por
três pessoas: ela e duas criadas. Tinha cozinha, já o dissemos, apetrechada com
o seu forno de lenha. Confirmam-no as lenhas diversas constituídas por carrilhos,
-charamuga e rama seca, além da menção a louça de forno. Possuía apetrechos
para cozer pão de trigo ou de milho conforme as sacas que o dito rol regista, e
outros para fazer doces.
Os produtos de porco, como
chouriços, torresmos e banha, levam-nos a supor que, a exemplo dos demais
concidadãos, criasse ou tivesse criado
porco. Apesar de não mencionar galinhas, era bem possível que as criasse no quintal onde provavelmente também haveria
uma pequena horta doméstica com a salsa, hortelã, couves e mezinnhas medicinais
como a erva-luísa, o poejo e outras. Haveria a figueira, junto ao curral do
porco, ao lado da estrumeira a céu aberto? Teria alguns canteiros com flores
para ornamentar o altar e a casa ou fá-lo-ia só com as suas flores artificiais?
Precisaria das naturais para copiar com fidelidade as artificiais, supomos.
Tinha uma série de graais e de
almofarizes, mais objectos de higiene pessoal. Uma tina para nela tomar banhos de imersão com as
águas das Caldeiras, prescrição médica para as suas moléstias?[231]
Figura igualmente uma bacia de pés.
Tinha água canalizada desde
1850,o que constituiria uma prática ainda pouco generalizada na altura,
conforme documento e de acordo com a observação que fizemos no chão térreo de
uma das lojas da casa.[232]
Nada disso divergia do que tivera no convento (vide Q.XIX) ou muito provavelmente na sua casa familiar.
Não faltaria, além da água, o
vinho, todos os Domingos oferecido pela prima Umbelina, nem o azeite doce para
manter acesa a lâmpada ao seu São João.
M.e Margarida manteve uma
relação muito especial e carinhosa com aquela prima:
“...em honra do Amor, com que
me tratou com propria caridade, sem interesse, nem dependencia, que de mim
precizasse a minima gratidão...”[233]Acolhera-a
e amparara-a desde sempre, ainda quando teve de arranjar matronas para sair
temporariamente do convento, Umbelina fora uma das duas, sendo a outra a
cunhada, com quem, apesar de tudo, não manteve tamanha intimidade.
“ ...e eu com ella he que
passei nas minhas precizoes e doenças.”
Manteve, por seu turno, com a
família do irmão defunto, uma ligação que nos parece ter sido cortês e
delicada, sem ser, contudo, íntima. Aliás parece ter sido uma pessoa com muitos
conhecimentos e poucos amigos íntimos.
Do mobiliário faziam parte
caixas, baús, armários, um louçeiro, cadeiras de palhinha, tamboretes, mesas,
escrivaninha, uma “barrinha de ferro” e a cama dela própria. Além do Arcano e
do altar de São João com “os seus pertences”.
De objectos de uso pessoal,
possuía o seu hábito e insígnias, três capotes, dois xailes de lã, um
guarda-sol e cordões (linhas de aljôfar) com o Santo Cristo.
Em relação ao mobiliário e
comparando-o ao dos avós, dir-se-ia que M.e Margarida, apesar de manter móveis
de períodos anteriores, por exemplo as caixas e o armário de pau-preto,
provenientes, quiçá, do espaço local ou nacional, adquirira já objectos típicos
do período em que ela se inseria, o da laranja, decerto provenientes da
Inglaterra, como por exemplo as cadeiras de palhinha.
Sem pretender ser exaustivo, mas tão-só o quanto baste,
embora nem sempre o sejamos, muito embora o tentemos, não devemos esquecer que
Madre Margarida precisaria, para receber bem e à altura da senhora que era, as
suas bandejas de chá, os cálices, os licores e doces, tal qual se recebiam as
visitas às grades dos conventos, tal qual igualmente se receberia nas casas de
gente do seu estatuto social.[234]
A sua casa, tal como as demais do mesmo
estrato social, iluminar-se-ia, a julgar pelo mesmo rol, com velas e azeite,
seja em castiçais onde ardiam as velas seja em recipientes para o azeite.
Iluminação do altar com lamparina de azeite acesa dia e noite e velas enquanto
se orasse. Iluminariam o resto da casa com o mesmo ou haveria candeias?[235]
Seria uma casa de freira, igual às muitas mais da vila, ou seja uma casa onde
se deitariam muito cedo, mal a noite caísse, e se levantariam logo ao raiar do
Sol?[236]
A casa seria o núcleo, em
primeiro lugar, de todas as actividades domésticas normais ligadas à
subsistência diária, como sejam as de cozinhar, fazer limpezas, camas, lavar
roupas e louça, ir à praça, ou a outros locais do exterior. Em segundo lugar,
haveria as ligadas à produção para o exterior, constituídas pela feitura de
flores, toalhas, provável venda e compra de panos. E, em terceiro lugar, que
poderia ser designada por lúdica e de catequese. Desta última fariam parte o
receber as visitas ou o ir à missa ou participar em outras festas. Seria uma
vida feita de “portas para dentro”, com as criadas a funcionarem como elo de
ligação com o exterior, embora Madre Margarida saísse para as suas obrigações
religiosas e sociais. José Maria refere-nos que ela teria sido ”sempre
agradavel nas sociedades, em que se achava,”[237] Não
viveria, portanto, apartada do mundo, escondida de tudo e de todos, como ainda
no século XIX, em 1868, escreveu (romanticamente) Raimundo Bulhão Pato.[238]
Vejamos algumas das suas
interligações com a rua. A casa não era ainda aquele espaço, santuário, fechado
ao exterior, refúgio até, a partir de certas horas do noite, da justiça. O ter
criado um quarto só para o Arcano, pode significar um compromisso entre a sua
“intimidade” e a “obrigação social” de franquear as suas portas. Não poderia
dizer não, tal não seria aceite. Margarida torna-a tão íntima quanto a
sociedade de então o permitiria. Tem de alegar razões válidas para restringir o
acesso a sua casa: a doença e o sossego para acabar o Arcano.
Até porque precisava da rua
para sobreviver. Madre Margarida morou na rua de João d’ Horta a dois passos da
igreja Matriz, da praça e da câmara. A dois passos de todo o poder da vila.
Parte das suas antigas companheiras estavam disseminadas pela vila. Algumas
moravam na mesma rua dela. Vide Q.XIX. Durante uma primeira fase a comunidade,
ou parte dela, ( Margarida não aparece, fazê-lo seria dar sinais de hostilidade
às novas autoridades liberais? Não nos parece. Simplesmente ela não fora
“governanta do convento”) já fora do convento, por motivos de força maior,
mantivera-se em contacto. Esta comunidade dispersa e ilegalizada ( eram
egressas perante a lei, não freiras) encontrar-se-ia, em várias ocasiões,
sobretudo na igreja, este novo espaço aglutinador. A Igreja era o local central
para qualquer cristão que se queria salvar, para a comunidade dispersa talvez
funcionasse como um substituto possível e indispensável ao espaço conventual,
um espaço complementar. Daí se perceberá também as relações de Margarida com o
prior e com o próprio altar de São João Evangelista. Ela no convento tivera a
seu cargo o altar daquela invocação. Tal como as companheiras, Margarida teria
uma vida em tudo semelhante, exceptuando-se as variações próprias do seu feitio
e bolsa. Havia algumas passando
necessidades, ou com alguma dificuldade. Depende, tal como elas, da pensão do
governo. Mas, cá fora, enquanto todas as demais são “esquecidas”, Margarida
consagra-se como a figura mais importante da vila, não pela política, não pela
religião, mas pela sua arte. Notoriedade que só consegue obter e alimentar em
detrimento do seu sossego. Não tem saída. De vez em quando tenta atenuá-lo, com
os avisos, mas é vítima do seu sucesso social.
Perto da sua casa, podia vê-las
da sua janela, passam todas as procissões da vila. Dela avista o adro da igreja,
a uns escassos cem metros de distância. À sua porta todos os anos, até morrer,
batem os arroladores quaresmais. Todos os vendedores ambulantes, nacionais e
estrangeiros, que levavam à porta todo o género de produtos.[239]Há-os
também fixos, de acordo com o mesmo documento. Conhecémo-los para todos os anos
em que Margarida viveu fora do convento. Ainda hoje em dia, em menor grau, são
inúmeros os vendedores ambulantes na Ribeira Grande. As casas da vila, em todas
as ruas, de acordo com um levantamento de 1820,[240]
estavam pejadas de artesãos ligados ao circuito do linho. Ela faria parte deste
circuito? Tinha panos e fazia flores de pano.
Nuno Luís Madureira ajuda-nos a
perceber o que se passaria no interior da casa de Margarida quando escreve que
“O sistema doméstico [fabrico
de panos caseiros]
lisboeta apresenta alguns indícios de se basear num circuito integrado, no qual
certas tarefas domiciliárias surgem combinadas com prestação de pessoas
estranhas ao casal.”[241] Ela
tinha duas criadas. Estas a julgar por um anúncio surgido num jornal local
(vide Q. XIX ) serviriam para engomar e fazer comida.[242]
É ainda Nuno Luís Madureira
quem diz que certas fases do trabalho
podem ser descartadas em terceiros, o que vem simplificar e racionalizar o
processo produtivo. Mas num sistema integrado casa-exterior, seja num sistema
exclusivamente doméstico, a amplitude desta actividade é um facto indiscutível
na Lisboa do último quartel do século XVIII.” Antes afirmara que o fabrico de
panos caseiros não só ocorria “ nos extractos inferiores mas também em
agregados com níveis razoáveis de fortuna, caso dos militares de patente média
(o pai de Margarida era-o), dos funcionários, das profissões liberais, e dos
pequenos negociantes (Margarida era-o )”[243]
No testamento de Madre
Margarida não consta nenhum tear, mas tem panos e faz flores de pano. Portanto,
provavelmente pertenceria áquele circuito.
Mas porque se fia e tece em
casa, ou no caso de Margarida se fazem flores? Madureira responde que “ As
finalidades económicas da produção misturam-se com imperativos morais e
pedagógicos.” (p.234) E, “ Toucador e fuso, são dois extremos da cadeia moral.
À mulher ociosa, contrapõe-se a imagem da mulher trabalhadora, plenamente
ocupada com os assuntos da casa, gerindo o dia-a-dia, e acrescentando riqueza
com as suas próprias mãos.”(p.233) Foi isso que ela fez, foi isso que ela fez
fazer a Nossa Senhora do Arcano, sobretudo nas cenas de educação de Maria, ou
do interior da sua residência.Retomando o fio à meada, a produção também se
destinaria ao “... fabrico de lençóis, toalhas e camisas.”[244]
Segundo José Maria, uma das suas mais famosas obras, tão ou mais apreciada que
o Arcano, era uma toalha bordada. Deveria ter feito mais.
Tem relações com a vizinhança. A pena de água que
meteu em casa em 1850 vinha da casa da vizinha de defronte. Quando necessita de
alguém para testemunhar tratos legais os vizinhos aparecem nos textos legais.
Veja-se o testamento. As criadas devem ser de perto, pelo menos da vila e seus
arredores. Devem-lhe obediência, em contrapartida ela deve-lhes o sustento
material e espiritual, e na idade de casar o dote. Não se esquece delas e muda
com alguma frequência de criadas. Quais as circunstâncias? Exigente para os que
lhe eram inferiores e amável para os outros? Os seus assomos de loucura? Sendo
metódica e exigente, decerto que não facilitaria a vida às criadas. Como
qualquer boa senhora não deveria permitir a ociosidade nem outros desvarios. As
próprias famílias das criadas o esperariam.
O mercado ficava ao pé, como
dissemos, as criadas tinham que lá ir, à farmácia, ou acompanhá-la aos banhos
nas Caldeiras, preparar-lhe os banhos em casa, a comida, a casa, fazerem flores
de pano, toalhas bordadas, abrir e fechar o Arcano, abrir e fechar a porta. Em
troca ensinar-lhes-ia a bordar e a fazer flores.[Junho de 1997 encontrei na
Enciclopédie Française descrição iconográfica da profissão de florista]
Todavia, não divulgava os seus segredos. Elas viam-na a utilizar muito arroz e
vidro, mas não sabiam como Margarida fazia a massa do Arcano. Saber estar na
sociedade era saber situar-se na sociedade. Uma criada era isso mesmo. As
criadas, tal como tinham sido no convento, eram os seus pés, fora de casa.
Seriam elas o elo de ligação com o circuito comercial de flores. A prima , a
sobrinha, o primo, o prior, frequentavam a sua casa. Sobretudo a prima
Umbelina, a sua querida prima Umbelina.
A rua não era um local
feminino, até por isso não era seguro, não era certamente um lugar para
senhoras. No Arcano vemos as senhoras acompanhadas de suas criadas, escravas,
ou não. O tio e os avós tiveram escravos. Mas lá tinha os seus capotes e o
guarda-sol. Este último não seria certamente para atravessar os escassos cem
metros que a separavam da igreja. Teria ido com regularidade às Caldeiras,
portava-se bem em todas as assembleias em que participava, disse José Maria,
subentendendo-se pelas assembleias, junto às grades, ainda no convento, como em
outras, fora dele. Todo o material, como as conchas, os musgos, etc. , que
emprega no Arcano, não pode ter sido só trazido pelas criadas, por alguém
conhecido ou mais remotamente guardado de infância, foi na totalidade ou em
parte, por ela própria nos seus “passeios a pé ou a cavalo”, como aconselharam
os médicos em 1830. Além disso, alguns destes elementos materiais têm muito de
pessoal, no sentido de observação directa entre o que estava fazendo e o que
precisava, para ter sido possível alguém tê-lo feito em seu lugar.
Estava em contacto físico e
intelectual com o que se passava lá fora. O anúncio no “Açoriano Oriental” não
quererá dizer, por um lado que aderira a um meio por excelência dos liberais
românticos, aliás no caso daquele jornal, tinham muito a ver com ela e com a
vila, veja-se José Maria, apesar de ser publicado em Ponta Delgada por outro,
provaria que ela seria leitora ou conhecedora do potencial do jornal. Na década
de cinquenta vemo-la a fazer o mesmo com um jornal da Ribeira Grande.
Partilharia das preocupações de progresso da tal geração liberal romântica,
como o prova o Arcano. Era a sua contribuição.
A igreja Matriz onde se
processavam toda as encenações, todas as celebrações mais importantes, tanto
nacionais como locais. Mantinha uma relação estreita com o prior e com o seu
confessor. Lá era um local privilegiado de observação a par de doutrinação a
todos os níveis. As igrejas eram, vejam-se as pastorais, locais privilegiados
para a transmissão de notícias. Observar o que lá se passou é conhecer o que
conheceu Margarida. Veja-se Tábua Cronológica.
Retomemos de novo o fio à
meada. Todos os Te Deum por alma dos príncipes, pelos seus consórcios, suas
coroações, tratados, toda a biografia real, papal e familiar. As pastorais
sobre o exílio papal, o seu regresso, as notas sobre a obediência, as
catástrofes, os escritos nos jornais locais relacionados com o aparecimento do
cometa Halley, sobre a Cholera-Morbus, tudo realcionado com o pecado, a música,
o enorme interesse pela música (vejam-se as várias orquestras do Arcano e a
música para a procissão de São João e para a festa deste mesmo, as actuações da
banda, as festas na Sociedade Escolastica-Filarmónica, as Cavalhadas, as
romarias à Madre de Deus, as debulhas, as vindimas, os Passos, em suma as
festas de uma comunidade cristã ainda sincrética.[o conceito e a prática das
quintas portuguesas, local de trabalho e de lazer durante parte do ano. Os pais
de Margarida possuíam várias ]
Todavia, já algo timidamente existiam associações não típicas de uma comunidade
rural, como as que José Maria fundou ou pretendeu fundar, a Sociedade
Escolástica-Filármonica, até os próprios jornais.
A porta da rua era muito mais
porosa do que a porta do convento. Havia essa possibilidade. Por ela passavam a
Madre e as suas inúmeras visitas.
Aparece-nos como uma pessoa,
uma egressa, filha da elite, que de certo modo pertenceu ou sensível,
entretecendo laços e cumplicidades com a geração liberal romântica muito longe
do radicalismo do cunhado do irmão. A mulher não participava activamente da política.
O Arcano, embora participando numa preocupação anterior, pode inserir-se no âmbito
das preocupações didácticas de uma geração liberal romântica. A ideia de
progresso. A sua consagração foi, sem dúvida, motivada por esta geração e por
este espírito. E talvez de um bairrismo local. Talvez. Tentamos nas páginas
precedentes estabelecer o contexto onde a personalidade e os
circunstancialismos de uma pessoa concreta poderia beber. Os parâmetros entre
os quais ela se moveria.
Pensamos ter dado algo mais,
ainda que em pinceladas muito impressionísticas, sobre o ambiente e o perfil de
Madre Margarida Isabel do Apocalipse. O objecto é do sujeito, portanto,
partilha do sujeito e com ele interage. Este objecto ajudar-nos-ia a conhecer o
que a sua autora foi pensando acerca da vida e da morte. Não é para isso que
servem as religiões ? Continuemos a entrar no Arcano.
V
Construção
do documento de análise
5.0 Que se
pretende e qual a sua possível justificação?
A obra para ser objecto de
estudo tem de constituir-se em documento sistematizado de análise. Daí que
tenhamos de construí-lo de acordo com a perspectiva que queremos aprofundar.
Neste capítulo trataremos, essencialmente, da descrição física do objecto de
estudo. A ideia, fio condutor de todo o trabalho, de que o móvel e os quadros
mantêm uma relação , indissolúvel ou não, não obstante ir ser aprofundada no
próximo capítulo, percorrerá ainda assim esta caracterização. Partiremos do
geral para o particular, do móvel para os quadros, destes para as figuras. É
como o trabalho do arqueólogo no terreno, sem ele não se poderá fazer quaisquer
estudos posteriores. Em si mesma já é uma tarefa científica.
Tentaremos estabelecer, tendo
como pano de fundo o tema da dissertação e tomando o Arcano (por ora, antes de
estudar as relações entre “o conteúdo e o continente” entendido simplesmente
como um móvel ) como fonte, um corpo
sistematizado de informação imprescindível, ao que cremos, para os capítulos
posteriores.
O espaço continente do móvel, o quarto onde ele se encontra hoje,
não poderá deixar de ser, ainda que de relance, também alvo da nossa análise.
Análise tanto interpretativa como narrativa. Aliás uma não exclui a outra. Uma
e outra podem ocorrer em simultâneo ou em cadeia.[245]As
condições em que efectuámos a observação e os nossos critérios não deixam de
constituir limites.[246]
5.1 Fundamentação teórica
Seguiremos, ao menos
tentaremos, de perto a definição que Susan M. Pearce nos propõe para objecto ,[247] além de tomar em consideração os modelos de
análise de objectos culturais propostos
por Ian Hodder[248] e
Susan M. Pearce.[249]
Partiremos do que hoje podemos
observar para aquilo que tem sido o Arcano Místico desde a sua concepção,
todavia, não faremos deste pressuposto metodológico um instrumento inflexível.
Desde que achemos útil partir em sentido contrário, fá-lo-emos, afinal o que
deverá contar será a solidez da problematização.
Segundo Ian Hodder, os objectos
culturais possuem,(e, não querendo correr o risco de perder o sentido exacto
das palavras , transcrevo-as no original. ) “ three broad types of meaning”.
São eles, e por ordem : 1- “use value through their effect on the world ”, o
que lhes dará uma perspectiva funcionalista, materialística ou até mesmo
utilitária; 2- “Symbolic meanings”(objects have structural or coded meanings) ;
3- Finalmente “objects have meaningful interest through their past
associations”- ou seja“historical meaning”[250]
Pearce afirma ser mais útil aos
estudos museais ( Museum studies) “ to concentrate upon those relatively small,
movable pieces for which object or thing is our term in ordinary speech.
Artefact can also be used in the same way, and these three words are best
employed without any particular distinctions being made between
them,...Material culture is then the phrase used as collective noun”.[251]
Alerta-nos, ainda, para a dificuldade em encontrar uma definição de uma
noção que distinga entre “... studying
objects as such, and studying those groups of objects which we usually think of
as collections.”[252]
Teremos em conta o método de
análise de objectos proposto no seminário dirigido por Pearce, porém, dada a
especificidade dos casos, não respeitaremos nem a ordem nem tão-pouco algumas
das premissas. Vejamos: 1-“Material”; 2-”Construction( including physical
description) “;-3-”Provenance( History) “; 4-”Function”; 5-” Value” ( não só no
sentido estritamente monetário mas na sua relação valorativa com a sociedade).[253]
Estas serão, em linhas gerais, as trajectórias que teremos de percorrer na
análise do objecto em estudo. Daremos alguma atenção ao ponto 5, ainda que não do modo a que a temática obrigaria, pois
levar-nos-ia a outras questões laterais a esta tese, tanto quanto nos parece
perceber, no capítulo VII. Deixaremos
ainda para o próximo capítulo as questões do objecto composto versus colecção
de objectos, do Arcano Místico tão-só o móvel ou também o conteúdo.
Neste trataremos dos aspectos
mais relacionados com o conceito de exposição definido por Edward P. Alexander:
“ ...as showing or display of
materials for the purpose of commu-nication with an audience, often the general
public”[254]
Grosso modo, neste trataremos
de aspectos mais relacionados com as estruturas, no seguinte mais com a
mensagem, em suma aquilo que se pretendeu ou se presume, plausível e
comprovadamente, ter pretendido comunicar. Esta distinção, não sendo
reconhecidamente exacta, é assumidamente útil como instrumento metodológico de
sistematização. Confessamos as nossas dúvidas, porém, elas não nos parecem
colocar objecções fundamentais. Devemos a elaboração deste capítulo, além das
leituras e das observações, à ajuda de muita gente de muita e variada formação
académica e profissional.[255]
No fundo, se nos perguntassem o
que pretendíamos em última análise com este trabalho, não hesitaríamos em
confessar que queríamos encontrar, em todo ele, o palpitar das pessoas nos
objectos.
5.1.1 Que podemos saber pela técnica?
Pela técnica revela-se-nos uma
senhora de grande minúcia, paciente, com umas mãos maravilhosas, perseverante e
com uma enorme imaginação. Quanto à imaginação, teria de confrontar os modelos
do Arcano com as diversas fontes iconográficas. Mantinha sigilo acerca da
composição da massa que inventara, numa atitude que nos parece estar muito de
acordo com a mentalidade do artesão ou do artista.
Demonstra uma permanente
atitude de pesquisa. Aqui precisaríamos de ter a cronologia dos quadros. Terá
pesquisado até encontrar um estilo? Pensamos que este estilo se caracterizará,
sobretudo, tanto quanto sabemos, por esta atitude de pesquisa. Pela minúcia,
pelo detalhe, pela encenação de ambientes, como iremos decerto poder ver.
Trabalhar em modelos reduzidos
não será nada fácil. Os erros de escala” In a size where 1 in is equivalent to
1ft ( i.e. 1cm represents 12cm), an error of 1/32 in (.08mm) is a mistake of
gross proportions. One moment’s lapse in concentration at any stage can mean
starting all over again.”[256]
Acrescente-se a isso a
dificuldade em trabalhar aquela massa, o que já tinha sido dito por Leite de
Ataíde, e que foi por nós comprovado.[257]
Era uma pessoa que
experimentava, uma perfeccionista, que encontrava soluções novas para cada
problema específico. Não repetia, dava toques subtis, no dizer do pintor Tomaz,
toques de individualidade, sobretudo pelo toque nas mãos e na cabeça. Ainda o
mesmo diria que a expressão das atitudes é bastante diversificada o que
constituiria uma característica da artista. Continuaria, não usava uma receita
única, criava. E as mãos, sempre as mãos, uma enorme sensibilidade de mãos,
vendo-se isso nos dedos das mãos das personagens.[258]Assim
transformava simples bonecos em personagens: Cristo bebé, púbere, jovem,
adulto, ressuscitado, transfigurado, alegre, triste, em suma uma pessoa. O
mesmo se dirá de Deus, São José, Maria, entre outros. Parece comprazer-se em
vestir as personagens, às vezes dando a impressão de que se trataria de o fazer
para um desfile de moda. Não o faz para as figuras da Sagrada Família. Sabemos
quão importante é o traje para a distinção social. Ela fá-lo. Não só pelo
traje, como pelo tamanho do corpo e pela posição que ele ocupa em relação aos
centros do poder, seja sagrado ou não. Pela técnica se poderá também aceder à
pessoa da autora, e isto entusiasma-nos.
5. 2
Caracterização do móvel
5.2.1 O Móvel
Móvel quadrilongo com quatro
faces envidraçadas tendo o remate da moldura superior a forma de arco abatido projectado lateralmente em
segmento de recta e na base pés em forma de pata de leão.Ressalta logo o
espírito minucioso, quase milimétrico de Madre Margarida, tal qual o vemos nos
quadros do seu interior. Daí a suspeita da sua autoria intelectual.
Existem na cidade da Ribeira
Grande casas datadas de finais do século XVIII e inícios do XIX, cujos lintéis
de vergas de janelas e portas exibem a mesma tipologia de remate de moldura em
forma de canga. Na rua de São Francisco, onde algures morou Madre Margarida, a
casa nº6 de 1802, mais à frente, na continuação daquela rua, em direcção a
Nascente, já com o nome de rua de N. Sr.ª da Conceição, existem outras duas, a
primeira datada de 1780, cujo número de polícia é o 74 e a segunda com o número 50 , de 1788. Todos
os “Passos Quaresmais” são da última década do XVIII.[259]
Alguns altares de igrejas da
cidade , designadamente os de N. Sr.ª de Guadalupe, igreja do ex-convento de
São Francisco, ainda na rua da Madre Margarida, que foram refeitos na segunda
metade do século XVIII, seguem a mesma tipologia.[260]E
algumas janelas desenhadas nos diversos quadros do Arcano também exibem aquela configuração. [261]Quanto
aos pés em forma de pata de leão, seriam vulgares a partir do século XVII.[262]
Toda a moldura é em mogno,
sendo a base plana e o topo (tecto) convexo em quatro faces. A junção da
cobertura superior do móvel é “em meias madeiras” em quatro formas
convexas “em palmeta” alargando-se junto
à moldura, onde são pregadas, e estreitando-se junto ao pilarete central, onde
são “amarradas”. Pregam-se, nos lados , em travessas diagonais que partem do
pilarete e culminam em cada um dos
quatro vértices da moldura do móvel.[263]Os
pregos são em ferro forjado.[264]O
pilarete central é octogonal no interior do móvel e no exterior inferior, sendo
quadrangular no topo superior externo do mesmo móvel. Este elemento serve para
“escorar” toda a estrutura interior e exterior do móvel. O mestre marceneiro
chamou-lhe de “ponderal” e, ainda segundo
ele, nele convergiriam todas as
“forças da armação.” Tanto a
base, 1ºpiso, como as prateleiras, 2º e 3º pisos, “amarram-se” ao pilarete ou
ponderal. Aí e nas molduras verticais. A parte inferior amarra em baixo, saindo
do interior do móvel, assentando numa tábua colocada em cima de dois tirantes.[265]O
móvel está colocado sobre um estrado de 18cm de altura e aberto por debaixo .[266]
Para este técnico, o grosso da
armação parece ser em mogno “Içapel” (sic),[267] de
possível origem brasileira(“de onde vinha a madeira de cor naquela altura”). As
réguas da parte de dentro da moldura inferior ( sentido horizontal) parecem-lhe
ser de pinho. O mesmo disse da madeira da base e dos tabuleiros interiores e
tecto : ” nem resinoso, nem branco é um que não sei bem.” Manipulando uma
amostra que retirou verificou: “ ser macio e com leve cheiro a cedro”
Aconselhou a proceder-se a análises. Não tendo sido feita qualquer análise à
madeira do móvel, mas sendo a da base, prateleiras, tecto , réguas diagonais e
horizontais interiores, já referidas, da mesma madeira das pranchas dos quadros
e como esta foi objecto de estudo, podemos dizer:
“ O suporte das peças é de uma
madeira resinosa do género Pinus sp. , “[268]
Todas as uniões das quatro
molduras laterais em forma arredondada lisa, na parte inferior, além do sistema
de “ encaixe” de “ espiga e mecha”(muito do que aqui se diz só será comprovado
quando se desmontar o móvel) possuem “cotovelos em ferro forjado “ um ou dois,
em ângulo recto”.[269] Não
conseguimos ver bem na parte superior
A estrutura das portadas segue a forma do móvel(vide Planta IX ) Tem
três réguas lisas e rectas e uma quarta superior em forma de canga, ao jeito do
remate do móvel. As réguas estão unidas, aqui é bem visível, num esquema de
espiga e mecha e possuem seis fiadas de vidros quadrangulares de 2mm ( técnica
de fabrico que deixa a superfície
irregular com bolhas- alguns já foram colocados recentemente e são fruto de
outra técnica)[270] e
espessura de 32, 5x32,5 , existindo outros seis numa fiada superior de
dimensões diversas. Cada fieira em
madeira tem 12mm permitindo que o vidro
assente numa ranhura de 5mm, sendo este seguro, pelo interior da
portada, com betume tingido com “terra de Sena” cujo tom se assemelha ao mogno
envernizado.
5.2.2 Dispositivo externo do
móvel
É mesmo um móvel, não restam
dúvidas. Foi feito de modo a poder-se
mudar, como efectivamente se verificou em 1870.
Trata-se de verificar algumas
relações físicas do móvel com o quarto do coro alto da nave do Santíssimo
Sacramento da Matriz de Nossa Senhora da Estrela da cidade da Ribeira Grande.
As quatro patas de leão
assentam num estrado a 18cm acima do nível do soalho do coro alto.
O estrado corre da balaustrada até à janela do frontispício , deixando
duas tiras , de 1,10 m de lado, no lado norte, e 1,20m , no lado sul. O estrado tem c. de
2,60m de largura, mais 10cm do que o móvel medido das patas de leão. Este
dispositivo serviria para dar maior visibilidade aos visitantes. O mesmo se
dirá do banco móvel com um degrau de cada lado de c. de 1,98 m de comprimento
máximo e de 0,59m de altura. Permite uma melhor leitura do 3º piso, nas faces 2
e 4. Este dispositivo é da mesma madeira do soalho.[271] Em
1911 o quarto do Arcano foi assoalhado.[272]E
antes?
5.2.3 Sistema operatório de abertura das portadas:
Tentativa de reconstituição.[273]
São necessárias duas pessoas
para o fazer. Exige-se alguma força e perícia. No caso do coro alto, onde hoje
se encontra instalado, o espaço do quarto e as dimensões das portadas obrigam a
uma operação quase milimétrica. Seria o móvel maior? Félix José da Costa diz
que “tem mais de dez pés de largura e
perto de doze palmos d’altura.”[274] Se
as tivéssemos obtido com rigor, o que não podemos provar, concluir-se-ia o
encurtamento do móvel. Existem alguns suportes cortados, porém seria arriscado
concluirmos daí que eles corroboram aquela suspeita. Talvez o desmantelamento
do móvel nos diga algo mais.
Em todo o caso, e foram
unânimes as nossas fontes, o móvel é claramente obra de marceneiro, porém só
por si não exclui a autoria intelectual de Madre Margarida.[275]Tem
igualmente muito dela. Quem abriria e fecharia o móvel no tempo dela? Talvez as
criadas.[276]
1º Rodava-se da esquerda para a
direita a chave na fechadura de ferro forjado.[277]
Hoje não existem chaves mas subsistem algumas fechaduras, por exemplo na face
1.[278]
Ainda em 1912 encontramos referência às chaves do Arcano.[279]
A fechadura está embutida no
lado interior da régua vertical da portada, à esquerda do observador, com a sua
“caçoeira”.[280]
O buraco da fechadura é em forma de “tetina”. A lamela da fechadura encaixava
numa ranhura escavada na moldura lateral
, também à esquerda do observador.
2º Duas “tramelas”( taramelas)
de ferro forjado colocadas no lado esquerdo interior das portadas, na mesma da
fechadura, são accionadas por duas maçanetas torneadas e em forma de cogumelo,
que encaixam da direita para a esquerda, numa ranhura também escavada na
moldura lateral ainda à esquerda do observador. O sistema é idêntico em todas
as portadas.
3º Depois de aberta a
fechadura, a operação seguinte consiste em desencaixar as taramelas. O
indivíduo que está a operar no lado esquerdo tem a seu cargo as taramelas, puxa
a portada cerca de uns 10 a 15 cm, num movimento de dentro para fora , enquanto
o outro, no lado direito, segura a portada agarrando-se a outras duas maçanetas
fixas , em seguida e ainda o primeiro, faz um movimento da direita para a
esquerda. Retira-se assim a portada. O que
é que se passa no lado direito?
O sistema de encerramento das
superfícies vidradas é também reforçado pelo encaixe , à direita, no lado
oposto às tramelas, de quatro elementos
de madeira de secção circular que estão embutidos na moldura lateral direita e
encaixam em quatro orifícios, também circulares, e com secção cilíndrica
ligeiramente superior aos “pernes”
colocados na moldura da vidraça.[281]
Para fechar será o inverso. Neste caso o segundo elemento, tem de tomar a iniciativa, pois é ele que reinicia as
operações, ao acertar os orifícios da portada com os pernes embutidos na
moldura lateral direita.
A meio da moldura superior, em
canga, da portada envidraçada, nas quatro faces, existem quatro círculos
regulares escavados , de secção igual à das bases das maçanetas fixas e móveis,
que poderão ter tido , entre outras funções, a de prender “os cortinados do
Arcano”[282].Seria
como uma espécie de cortinado de boca de cena de teatro?[283]
5.2.4 Como se desmontará o
móvel? Hipótese de acordo com vários marceneiros. [284]
Depois de o abrirmos,
continuando do geral para o particular, temos
de saber como ele se desmonta peça a peça. É como que a atitude do
mecânico ou do médico, entre outros, que tem de analisar todos os pormenores.
Neste ponto, ainda que tenhamos recorrido ao conselho de marceneiros, trata-se
ainda de uma tentativa de reconstituição
especulativa. Será útil, antes de mais, dar uma vista de olhos nos desenhos.[285]
1º Retirar-se-iam as portadas.
2º Despregar-se-iam as tábuas
do tecto.
3º Retirar-se-iam as molduras
superiores em forma de canga que assentam no topo das molduras laterais.
4º As tábuas da 1ª e 2º
prateleiras( 2º e 3º pisos).
5º As molduras horizontais
inferiores.
6º As tábuas da base( 1ºpiso).
7º As molduras laterais
verticais.
8º As réguas em cruz de Santo
André ( diagonal) da base e da 1ª prateleira. As do tecto também.
9º Finalmente o pilarete e a
base que o amarra.
Em 1870 ter-se-ia passado algo semelhante, sob
a orientação de Pedro de Araújo Lima, presumível autor, coadjuvado por um
pedreiro e um serralheiro.[286]
5.2.5 Interior do móvel
Não falaremos directamente dos
quadros do Arcano, deixá-los-emos para o próximo capítulo.
O forro pelo interior(tecto do
3º piso) é de forma côncava nas quatro faces, tendo uma espécie de caixas
quadrangulares servindo de remate nos quatro vértices. Partem obliquamente do
pilarete e amarram no vértice interior da moldura superior.[287]
Ainda como reforço da
estrutura, do peso das duas prateleiras, existe um elemento metálico vertical e
móvel , não facilmente visível do exterior, ocultado pelas fieiras das
vidraças, de secção quadrangular de
encaixe em ranhura tanto no topo como na base. Esses últimos estão aparafusados
na base e no topo em tiras metálicas embutidas na madeira.[288]
Em suma, a estrutura externa é
em forma quadrangular, interiormente dividida na horizontal em três pisos
distribuídos quase simetricamente por um pilarete, exceptuando-se o terceiro
que é irregular , côncavo e oblíquo. O 1º piso é ligeiramente mais alto do que
o 2º e ambos mais baixos que o terceiro.[289] As
partes inferiores das primeira e segunda prateleiras mais o tecto interior servem de céus.[290]
Temos, como vimos, um sistema externo e outro interno de travamento, o primeiro
composto , por um lado, pelo pilarete e molduras laterais, mais as varetas
metálicas, e, por outro, o assentamento externo de todo o móvel.
5.3 Marcas [291]
No sentido de ”lettras ou
signaes que se põem nos fardos, caixas, etc. para se conhecer a quem
pertencem:”, conforme o “Diccionario Portuguez de E.Faria de 1859.[292]Estas
poderão ter servido para orientar uma remoção parcial ou total, limpeza ou
simplesmente abrir e fechar o móvel. Quanto às marcas para orientar a abertura
e fecho do móvel, podemos dizer que são suficientes, o mesmo se dirá para
quem quisesse fazer limpeza. De certo modo, apesar de algumas
reticências lícitas, poderemos dizer o mesmo
da mudança total do móvel.
Todavia, tentar apreender a
correspondência entre a ordem actual e a do tempo de Margarida esbarrará sempre em vários
obstáculos. Terá havido, no tempo dela, uma ordem fixa, ou existiram várias
ordens, à medida que o Arcano se foi construindo? Os indícios apontam, ou
parecem apontar, para a segunda hipótese. Partes de peças maiores foram
reutilizadas em pequenas. À medida que as peças iam sendo feitas, iam sendo
mais ou menos encaixados no espaço disponível no móvel. Algumas já feitas e
colocadas no móvel tiveram de fazer lugar para as novas. Aliás o mesmo se
passou e passa com o presépio movimentado da Ribeira Grande. Algumas peças
foram mudadas ou deixadas de lado, ou até destruídas. Porém, um ou outro
quadro, considerado essencial, tal como a cabana, manteve sempre a sua posição
inalterada. Ter-se-ia passado algo semelhante com o Arcano?[293]
Talvez numa escala menor.
Em segundo lugar, será que a
ordem de 1996 corresponde à deixada pela Madre quando a deixou inacabado? O que
terá acontecido em 1868 quando o móvel foi reforçado com pregos?[294]
Depois, ainda teremos de ver se a ordem encontrada por Araújo Lima em 1870 foi
respeitada quando se transferiu o Arcano para o coro alto.[295]
É bem provável que uma
observação em outras circunstâncias produzisse uma informação mais segura.
Tanto a segurança como a conservação dos quadros bem como o espaço de trabalho
disponível não facilitaram a observação
sistemática. Deste modo o que avançamos nunca deixará de ser mais do que um
primeiro e lacunar rastreio. Também aqui teremos de aguardar para outra ocasião o aprofundamento dos
nossos conhecimentos.
Em todo o caso ,
inspeccionámos, com as limitações acima confessadas, um a um todos os espaços.
Nalguns casos limitámo-nos apenas a uma fugaz espreitadela em condições quase
acrobáticas.[296]
A área que vamos tratar é
bastante sensível. Já em 1858 no “Tributo de Gratidão” publicado na “União”, o
signatário V. (Vasconcelos, quase de
certeza) opinava de fonte certa, seria concunhado da freira, que a inexistência
de um texto escrito com instruções impediria a desmontagem e de novo a montagem
do Arcano.[297]
Na altura sabia-se que o Arcano iria sair da casa pois tratavam de
rendibilizá-la.[298]Aliás
ao próprio Arcano também, como veremos.[299]As
marcas que encontramos apontam para a solução possível, muito provavelmente
feitas por ocasião da sua mudança em 1870.[300]Algumas,
as iconográficas, teriam sido feitas no tempo de Me. Margarida.[301]
Os pequenos números envoltos em
círculos e alguns formatos de suportes de quadros foram feitos por nós em
Novembro de 1987, quando aqui estiveram dois técnicos do Instituto José de
Figueiredo, conforme o relatório no-lo atesta, a proceder à recolha de amostras
dos materiais bem como à fotografia de alguns quadros.[302] Só
fizemos nalguns casos, e, para sinalização, porém, numa segunda fase, após
reflexão, optámos por processos não intrusivos, recorrendo à etiqueta
removível.
5.3.1Que tipo de marcas
encontramos no móvel?
Dividi-las-emos, ou poderemos
sistematizá-las em cinco tipos:
1- Numéricas;
2- Vocabulares;
3- Numérico-vocabulares;
4- Abstractas;
5- Iconográficas.
Encontramo-las em diversos
locais do móvel, tendo algumas, mais claramente do que outras, funções de
sinalização.
5.3.2 As de orientação das
quatro faces do móvel .[303]
Estão colocadas nas portadas e no pilarete central
octogonal. Quanto às que sinalizam as portadas, achamos permitirem a abertura e
o fecho do móvel sem sobressaltos. Actualmente cada portada só encaixa milimetricamente, registe-se, no seu lado
respectivo. Os números existentes em quatro faces do pilarete octogonal,
corroboram os números das portadas.
Situam-se todas ao nível do 2º
piso , exceptuando-se os da 4ª face, estando colocadas à esquerda do
observador, uma na moldura vertical do móvel e a outra na régua vertical ,
perto da fechadura. São marcas numéricas. Assim a virada para a janela do
frontispício da igreja, voltado para noroeste, sensivelmente, exibe uma espécie
de ”z” em que a parte central estaria na vertical. Tem também um três. No
sentido contrário ao dos ponteiros do relógio
e, no lado esquerdo, com a excepção referida, sucessivamente, 2,3, e 4.
Este último está colocado à direita, tendo à esquerda o nº1 . Parece ter
existido confusão com as portadas uma e quatro. O mesmo tipo de orientação
parece ser dado pelos números que registámos no 3º piso e no pilarete, na face
do octógono paralela a cada uma das portadas envidraçadas. Aqui a numeração não
sofre de quaisquer ambiguidades. Os seus números 2 e 3 coincidem com os
anteriores, e os números 1 e 4 confirmam, ou podem confirmar, as dúvidas
anteriores.
5.3.3 As marcas de orientação
dos quadros do móvel.[304]
No ponto 4.4.1 trataremos da
definição de quadro ou situação, neste tão-só trataremos dos aspectos mais
físicos dos mesmos. Sempre que existem marcas, dificilmente poderemos colocar
voluntariamente um quadro em outro local. Todavia, não são tão milimétricas
como as de orientação do móvel. Assim, mesmo que o quadro da “Criação do mundo”
deva ficar debaixo dos céus da “Criação...”,não existe nada que o faça de modo
rigoroso. Deve-mos colocá-lo naquele local, mas com alguma flexibilidade
espacial. Existem outros, todavia, que exigem mais rigor.[305]
As marcas de orientação dos
quadros do móvel foram feitas ou nas tábuas dos pisos, ou em algumas
pranchas(tabuleiros sob e ou sobre) soltas ou na base de quadros.[306] Nem
todos, porém, as terão. As iconográficas estão nos “céus” dos pisos, no
pilarete central ou nas molduras verticais.[307]Parece-nos
que o sistema adoptado é um tipicamente de, e para a ocasião, ficando-nos
dúvidas, se seria capaz de nos servir de base para uma mudança futura. É um
sistema que se presta a ambiguidades. Teriam retirado, piso a piso, reunindo-se
os quadros de cada um , porém, ainda assim o processo envolveria riscos de
confusões e omissões. É um sistema que exige memória fresca e proximidade
temporal entre o tempo em que a marca
foi feita , o transporte e a sua remontagem. Se calhar, teria havido um
caderninho de notas. Os números 87 de a a d-1(4) e o 89 a e b-1(4),na face 4 do
1º piso, poderiam estar um no lugar do outro. Os números 90 e 91-1(4)também. O
n.º 92-1(4) junto ao 74-1(1)poderia estar igualmente noutro local.[308]
Quanto ao resto, grosso modo,
cremos que terá uma sinalização capaz. Um exemplo de uma marca abstracta será o da “ Igreja Militante” nº84-1(3),
existente só na base do piso; vocabular e numérica a do “ Mar Vermelho” n.º
69c-1(4). Só numérica teríamos, por exemplo, o 69d-1(3/4). Registamos
caligrafias diferentes para as diversas marcas vocabulares, entre as quais umas
se parecem com as da autora. Por exemplo: 3ºpiso, 1ª face, mesmo na tábua da
prateleira, ou no 1º piso face 1 que diz respeito à Lapinha. Encontramos, junto
ao quadro n.º 73-1(1), ao lado da Lapinha, nº74-1(1) uma legenda que diz: “
Anno de 1853”. Será que naquela altura a Madre estaria a ordenar o Arcano? Os
documentos no-lo atestam.[309]
5.3.4 Que nos podem dizer estas
marcas de orientação dos quadros? (ver 2.5)
Em primeiro lugar, e repetimos,
se a mudança foi feita rapidamente , com as mesmas pessoas e um bom
coordenador, como parece ter sido o caso, as marcas teriam sido suficientes.
Vejam-se as contas das despesas da Confraria.[310] Em
segundo lugar, o 1º e o 2º pisos parecem-nos suficientemente coesos e
coerentes, ao contrário do 3º, o mais confuso e desordenado. Não se julgue,
porém, que de uma forma arbitrária. Em terceiro lugar existirão vestígios de
mudanças que parecem apontar o dedo para a autora. Referimo-nos ao presépio e
aos quadros que normalmente a ele estão associados. Veja-se o que escreveu
Júlio de Castilho.[311]
Ainda outro indício , no 2º piso, face 2, sob a tábua onde assentam os números
50 e 51-2(2), Casa de São José no Egipto e Palácio do Faraó, respectivamente,
está escrito “ Sepulchro”, todavia, o “Sepulchro” fica atrás, nada tendo a ver
com aqueles dois quadros. Teria havido uma exposição anterior do dito quadro,
exposição esta que avançaria até ao bordo do armário? Tendo, posteriormente,
precisão de espaço apropriou-se do preexistente.
Ainda outras marcas, algo
involuntárias, visíveis na base de certos quadros. Registamos dois, o n.º
14-3(2) e o 34-3(4). São essencialmente pedaços de madeira contendo fragmentos
desenhados de portas e ou janelas. O segundo caso aponta para um quadro de
dimensões acima da média que vemos no Arcano. Poderemos por aí tentar
compreender o seu processo criativo? Perfeccionista faria e desfaria quadros
até encontrar a forma que idealizara? Preferiria as transparências, teria assim
substituído a opacidade da madeira pelo vidro? Esboço?
Dá-nos a impressão de existirem
ainda outras marcas que não parecem pertencer a nenhuma das categorias que já
referimos. Exemplifiquemos. O quadro nº25-3( 3?) ou o nº73- 1(1) só poderão ,
segundo parecem, ter estado ali pelo
menos somente a partir de determinada altura. Por exemplo, o segundo caso,
assente numa “planície verde” , sem quaisquer outras marcas, pela acção dos
raios solares, o verde sob a base contrasta com o verde queimado à sua
volta. O nº67-2(4) “ Jael matou Sizara
com um prego”, escavou literalmente o espaço na esponja do nº37-2(1/2) (Transfiguração de Cristo). Estes indícios
serão necessários à problematização das relações significantes.
5.4 Povoamento do Móvel: a)
elementos não vivos[312];
b) elementos vivos.[313]
O espaço interior do móvel é
habitado por elementos[representações] não
vivos e vivos. Os primeiros incluem as estruturas construídas imitando
elementos da natureza ou humanizados, tais como casas, objectos e paisagens,
espaço no qual os segundos, animais e pessoas, desenvolvem as suas acções. Já o
vimos e dissemos anteriormente em relação a presépios descritos por Júlio de
Castilho e outros.
Cremos que não devemos incluir
neste tratamento os elementos vegetais, exceptuando talvez os do quadro “Fuga
para o Egipto.”
Neste, os elementos
vegetais-zoomórficos parecem fazer parte integrante da mensagem não-estética do
quadro. É bom repetirmos que só por questões metodológicas não tratamos ambos
os elementos (vivos e não vivos) em simultâneo. Uns e outros não se encontram
dissociados no móvel. Tanto mais que o quadro
ou situação é disso exemplo.
Quadros. Não trataremos do
levantamento temático mas tão-só ainda de aspectos formais. Primeiro: a sua
tipologia ou linguagem formal.[314]
Segundo: a tipologia formal das legendas. Terceiro: as técnicas de construção
dos quadros: a- imitação da natureza; b- culturais.[315] (
vimo-lo também em relação ao presépio que hoje está na igreja de São Sebastião,
em Ponta Delgada) Quarto: as técnicas de construção das figuras.[316]
5.4.1 Elementos não vivos. Um
modo de os identificar
Recorremos à terminologia da
história da arte, a fim de adoptar-mos um termo capaz de exprimir cabalmente as
diversas unidades dos elementos vivos e não no interior do móvel. Todavia, as
fronteiras não são, como veremos, rígidas. Uma, porque o espaço é comum, outra,
porque as mensagens, como veremos no próximo capítulo, são complexas e
polissémicas. Ao individualizá-los, fica-nos sempre a certeza de que cometemos
uma (ine)vitavel arbitrariedade. O móvel e o piso parecem ser os espaços
unificadores.
Distribuídos pelos três pisos
do móvel estão quadros ou situações. Numerámo-los de 1 a 92, saltando, por lapso nosso, o 68. Cremos
que, a fim de tornarmos, neste trabalho, o seu manuseamento mais claro e
rápido, melhor seria dar-lhes também um número de referência ao piso onde se
encontra o quadro, bem como outro para indicar a face para onde se encontra
voltado. Deste modo se tivermos o nº1-3(1), significará que o quadro nº1
“Criação do Mundo ...) está no piso nº3
e voltado para a face 1 do móvel. Se quiséssemos ser mais preciso,
talvez devêssemos escrever (1/4), pois encontrando-se aquele quadro no vértice
das faces 1 e 4, a autora, apesar de tudo pretende que ele seja lido em toda a
volta. O primeiro número diante do travessão indicará, pois, o piso, e o entre
parêntesis a face. Outro exemplo seria o do “ Gólgota”, nº43-2(1/2).
Esta organização será bastante
útil , na medida em que nos dará a visualização da localização de cada
quadro.
Tal como enunciámos na
introdução, temos casos duvidosos, porém a generalidade dos quadros parece
encaixar na nossa proposta de sistematização.
O quadro é-nos dado sempre pela temática, reconhecida pelo tratamento
iconográfico ou pelas legendas, como veremos , e quase sempre igualmente por
uma área física autónoma. Por exemplo, as diversas situações de Jonas e Cristo
no lago de Tiberíadas, estão em base comum, o primeiro nº78bec-1(2), o segundo
também 78, mas 78d-1(2). Tal como “Cristo amaldiçoando a figueira”, nº60c-2(3),
e a “Seara de Booz”, nº60b-2(3). Partilham uma base( suporte) comum mas, pelo
menos no segundo caso, contemplam temáticas distintas, a menos que um segundo
Cristo que se encontra solto encostado à seara, mas olhando para o Cristo que
amaldiçoa a figueira, tivesse estado de frente para a Seara. Tal significaria
outra coisa?[317]
Todavia, o 69a-1(1/4) e o 69b-1(1/4), demonstram à saciedade uma diferenciação entre a temática e o
espaço, neste caso sob e sobre. O primeiro “ Judas Thamar” vem no livro do
Génesis 38, 13-18, enquanto o segundo,
“Montanhas do Rei Faraó com seus exercitos” (entre outras legendas)
pertencerá ao Êxodo14, 23-28. Tal como ainda os números 89a-1(4), “ Obras da Misericórdia”,
em estrutura por cima do 89b-1(4), “Ida da Sagrada Família ao Registo”. Outros
poderão ser exemplificados pela ténue fronteira entre os “Sete pecados”,
“Ninive...” e “Jonas...”, ou dos ”prodígios de Cristo”.[318]
Portanto, a distinção, individualização dos quadros ou situações, terá de ser
essencialmente temática.
Não foi feito um levantamento a
partir de uma grelha do género das utilizadas pelos arqueólogos, foi feito por
topógrafos, nas condições já anteriormente explicadas, com medidas bidimensionais
aproximadas. Porém foi possível ser-se mais rigoroso quanto à localização das
implantações. As coberturas fotográficas já efectuadas poderão suprir esta
lacuna.[319]
Para os fins que pretendemos, o levantamento temático, recorrendo à metodologia
já referida, será o suficiente. O levantamento recorrendo à grelha será
recomendado para quando se proceder à mudança do móvel para o futuro museu.
Por pisos, diremos que os
números 69 a 92 se encontram no 1º piso, no 2º do 37 ao 67
(saltamos o 68) e no 3º do 1 ao 36 inclusive.
Casos existem em que o quadro
corresponde aparentemente a uma unidade física autónoma. Mas tal não constitui
regra absoluta. A regra parece apontar para o piso como o palco onde se
desenrolam acções e relações polissémicas. Os quadros, ainda que sejam mais
devidamente “delimitados”, no capítulo seguinte, onde desenvolveremos as
relações temático-espaciais, parecem ser unidades não totalmente independentes
do piso e do móvel.
5.4.2 Tipologia das formas das
estruturas
Não se trata, porventura, nem
de um conceito etnológico, nem de um conceito de uma outra ciência social e
humana, mas tão-só de um conceito operatório querendo significar apenas:
“objecto a reproduzir por imitação, representação, em pequena escala, de um
objecto que se pretende representar.” (conforme diz qualquer Dicionário actual)
Quanto à tipologia das formas
das estruturas dos quadros, julgámos útil seguir a distinção proposta ainda em
1850 por João Albino Peixoto.[320]Peixoto
propõe a distinção entre os que imitam a natureza e os que imitam as coisas
feitas pelos homens. Entre os primeiros, consulte-se a partir daqui a planta,
designada por “Montes escalvados” , estruturas feitas, ao que tudo parece
indicar, para os cantos, e para serem desfrutadas de vários ângulos. Veja-mos,
entre outros, os números 1-3(1/4), 7-3(1/2), 37-2(4/1), 69a-1(4/1) .[321]
5.4.3 Qual o interesse desta
tipologia?
Dar-nos-á, porventura, a chave
para a compreensão, por um lado, dos modelos estruturais de Me. Margarida[322]
(que, como veremos, se resumirão essencialmente a 2 ou 3), e, por outro lado, e
simultaneamente, às soluções que resultam da dialéctica móvel-construções. Além
do levantamento temático , a tratar no próximo capítulo, impunha-se, cremos,
este. Através das formas adoptadas chegaremos igualmente à pretendida relação
significante entre quadros e móvel.
Alguns poderiam ter sido feitos
para qualquer outro espaço, porém parte, ousaríamos dizer que parte
substancial, a título de hipótese de trabalho, parece ter sido feita a pensar
naquele móvel. Todos os “Escalvados”, como vimos, o foram, os dois “mares”
também. Só por si estes ocupam todas as faces 2 e 4 do piso 1. Todos os
centrais da “Paixão, morte e Ressurreição.[323]
Quase todo o 2ºpiso, com algumas excepções, parece ter sido feito para aquele
móvel, ou adaptado posteriormente. Os dois palácios do 3º piso, faces 1 e 3,
igualmente. Até mesmo o “Templo de Salomão” com os quatro anexos, dois do lado
esquerdo do observador e um que seriam dois, do lado direito, tematicamente
díspares. O mesmo se poderia dizer, se estivesse completa, da face oposta , 3º
piso 2ª face. O quadro nº63-2(4), “ Vinda do Espirito Santo sobre os Apóstolos”
e o nº66-2(4), também foram feitos ou ajustados para aqueles espaços.[324]Todo
o complexo de Jonas, Nínive e Cristo, números 78a,b,c,d-1(2) tê-lo-iam também
sido.[325]
Entre os quadros que imitam o
cultural, temos uma primeira tipologia que englobará quatro quadros
importantes, três dos quais reconhecidamente importantes e um quarto de
atribuição hipotética, a saber: “a Lapinha”, nº74-1(1), “O Templo de Salomão”,
nº34-3(4), “ A Igreja Militante”, nº84-1(3) e o nº18-3(2), uma estrutura de um
templo vazio que, poderia ser eventualmente “ A Igreja Triunfante”. Estes
seguem a tipologia do “Teatrinho”.[326]
A seguir temos a “das casas de
bonecas” e algumas possíveis variantes.[327]Os
números 35-3(4), “ Morte do General Olufernos pela valerosa Judith” e 75a-1(2),
“ Palacio do Rei Herodes, fallando com os Santos Reis Magnos” seguiriam o
modelo puro.[328]
5.4.4 Técnicas de construção
das estruturas dos quadros. [329]
Quanto mais soubermos avançar
nos aspectos das técnicas da obra, mais entraremos (presumimos, pelo menos) na
mente da criadora e mais perceberemos as relações (os modelos de comunicação
igualmente) que ela foi fornecendo. A técnica entendida como um documento de
estudo das mensagens, ainda que possa e deva ser utilizada como documento de
gestos. A reflexão de questões discutidas por André Leroi-Gourhan ajudou-nos a
perceber estes aspectos.[330]
Madre Margarida não foi, porém, uma mera reprodutora de gestos herdados, embora
assimilando os herdados, ela foi sobretudo uma criadora de técnicas e de
gestos.
Submetemos a uma observação
mais sistemática alguns quadros das faces 1 e 2. Escolhemo-los de acordo com a
sua representatividade no universo do móvel.[331]
Para a análise levámos não só toda a observação que fomos fazendo , enquanto se
procedia ao levantamento, mas também a opinião dos que nos ajudaram a ver
melhor o Arcano.
Podemos falar de quatro tipos,
três entre os que pretendem representar as construções do homem e um quarto que
diz respeito aos que imitam a natureza. Não tivemos em consideração os rios, os
mares etc. Consulte-se as ilustrações dos processos operatórios.[332]
5.4.5 -Modos
Imitação do homem: 1- Vidros
encaixados em réguas com ranhuras; 2- Vidros colados (desconheço com quê) sem
quaisquer réguas de madeira; 3- em que se utilizam ambas as soluções.
Pinta directamente sobre o
vidro, entre outros exemplos o n.º 2-3(1), onde não só desenha porta e janelas
mas vegetação num gosto reconhecidamente romântico. Cola no vidro a massa com
que faz “altares”. Entre outros usos, vejam-se todos os quadros que exibem
altares, por exemplo o nº84-1(3), “Igreja Militante.”
Imitações da Natureza: tem uma
estrutura interior de madeira onde se agregam e fixam, quer através da colagem
quer da fixação com pregos, quer por ambos os processos, cascas de árvores ou
outros elementos naturais para imitir montes, sobretudo. Existirão as planícies
que seguirão mais ou menos o último modelo.
O quadro do “ Gólgota”, nº43-2
(1/2), segundo o marceneiro ( Mestre Carlos)
é de feitura muito rudimentar. Parte
é uma armação em madeira, pouco trabalhada, unida por encaixes e pregos,
recoberta por elementos naturais. A estrutura do quadro do “Dilúvio” nº7-3
(1/2), com um pilarete central rasgando três níveis, lembra a do próprio móvel.
É também simples.
A casa dos “Pastos de Labão”
nº65-2(4) , é uma estrutura só em vidro colado, tal como o n.º23-3 (3), “ Rei
de Salomão entretido...”. Este último é mais complexo. Ambos assentam numa base
de madeira.
Vidros que encaixam em réguas
(4) de madeira de configuração cilíndrica ou arredondada, em um rasgo ou
fieira, por exemplo “O Mandato Novo” nº66-2(4), e em cujas bases de madeira
assentam em “cava” do mesmo formato. As bases também podem ser em vidro ou em
madeira e forrados com vidros. O mesmo se dirá das divisórias dos andares dos
quadros.
“A Igreja
Triunfante”nº18-3(2)(?) é toda em madeira e recorre ao encaixe na base,
constituído por um recorte onde se encaixam os pilaretes, estes, por seu turno,
são rasgados, decerto para a colocação de vidros (veja-se a Igreja Militante,
nº84-1(3) ). São reforçados por pregos.
5.4.6 De que instrumentos
precisaria para fazer as estruturas?
Esta pergunta pressupõe algo de
que não temos a certeza absoluta. Dividem-se os peritos consultados entre os
que são de opinião de que seria capaz de sozinha fazer todos os quadros do
Arcano e os que, para alguns casos, como
as réguas com encaixes, ou a colocação dos tabuleiros, se calhar no caso da
“Igreja Militante, julgam que ela teria tido alguma ajudado. Os contemporâneos
que se lhe referem atribuem-lhe a autoria. Somente o artigo do Dr.Urbano refere alguma cooperação.[333]
À pergunta que fizemos ao
marceneiro se eram necessários grandes conhecimentos técnicos para fazer os
quadros do Arcano e os colocar, respondeu-nos que o mais difícil seriam os
ornatos dos templos e os seus frontões curvilíneos e colocar as tábuas dos suportes
de maneira tão ajustada. Excepto nestes reparos, não careceria de grandes
conhecimentos. Mesmo os ornatos e os frontões, com moldes, poderia tê-los
feito. Só então as réguas com encaixes precisariam de carpinteiro, não
esquecendo a colocação no móvel. Disse-nos , a rematar, algo também dito de
outra forma por Tomaz Vieira, “ tem muito dela para ser feito por outro.”
Para trabalhar o vidro, se
calhar a principal matéria-prima, além da massa, segundo o pintor Tomaz Vieira
e por nós confirmado, é bem possível que ela pudesse ter utilizado o corte com
a tesoura debaixo de água. Os vidros são finos, de cerca de 2mm, havendo alguns
que nos parecem ainda mais finos. Também utilizaria a lima e a ponta de
diamante. Basta observarmos os seus cortes para nos apercebermos da existência
destes instrumentos.
No seu testamento, rol e
codicilo, além de tesouras não encontrámos quaisquer referências a outros
instrumentos.[334]
Encontrámos em pequenas prospecções que efectuamos na casa do Arcano ,em
Setembro de 1994, enormes quantidades de vidro.[335] Era
voz comum que Madre Margarida comprava muito vidro, além de arroz,[336] e o
jovem Sena Freitas, futuro cónego, ficara impressionado pela quantidade de
vidro que a Madre utilizava ao ponto de o recordar décadas depois.[337]
Precisaria de mais algumas ferramentas de carpintaria.
5.5 Elementos vivos[338]
5.5.1 Processo operatório de
reconstituição.[339]
Restringiremos a apreciação às
figuras humanas e aos animais. Não
vemos razão para não apreciarmos todo o móvel como se se tratasse de um palco
com quatro faces e vários vãos. Até a hipotética cortina do Arcano reforçará
esta ideia. Assim, tal como o disse Luís Bernardo Leite de Ataíde, as figuras
seriam as personagens que, tal como os actores no palco, se “moveriam” no
Arcano. O espaço que verdadeiramente nos deverá interessar é aquele que nos
possibilitará a compreensão das relações significantes entre eles e o móvel e a
autora.
O maior mistério, sem sombra
para dúvidas, envolveu até recentemente a composição das figuras do Arcano. Até
Fevereiro de 1995. Só então se fizeram testes específicos para identificar os
farináceos. Como resposta, o laboratório encontrou farinha de arroz, um pouco
de trigo, para dar consistência, foi-nos dito, além dos aglutinantes já
descobertos em 1987.[340]
A partir destes dados tentámos,
e com algum sucesso, conforme relatório em anexo, reconstituir todo o processo
operatório das pastas e das figuras. Socorrendo-nos de artistas e de outros
amigos, procedemos a várias experiências.[341]
5.5.2 Três hipóteses
Uma observação cuidada das
figuras leva-nos a adiantar a hipótese de que terão existido três técnicas que poderão(segundo o pintor Tomaz Borba Vieira) significar uma evolução
técnica.
“ No sentido de apurar o
material com as melhores características para a expressão que pretendia, em
termos de domínio de detalhes na escala das figuras em causa.”
1ª A do barro policromado, exemplificado no
São José e na Nossa Senhora do quadro nº74-1(1) ( Lapinha).[342]
2ª O barro cru recoberto com
películas da massa acima descrita, exemplificado nos animais da Lapinha “ A
vaquinha e o burrinho.”
3ª Partindo da massa pode-se revestir
só uma ou em simultâneo três variantes.
A- Técnica do modelação.[343]
B- Vestir a peça.[344]
C- Recorrendo a A e B.[345]
Ela , conforme a necessidade e
as exigências de cada peça, adopta diversos tipos de soluções. Encontrámos numa
das patas de um cavalo do séquito dos magos, nº75c-1(1/2), um “graveto de
arbusto” a servir de estrutura. Porém nas figuras analisadas em 1987, pelo
Instituto José de Figueiredo, não foram detectadas quaisquer estruturas
metálicas.
Na Lapinha( assim designada no
Arcano. Vide Pl. XXIV b- XXVI b) encontrámos todas as técnicas acima referidas.
O quadro da “Criação”, n.º 1-3(1/4) pode também exemplificar a 2ª técnica. A
maioria das figuras do Arcano parece adoptar a 3ª. O nº12-3(2), que não pertence ao Arcano, como
o disse Madre Margarida, “..., e a manga de vidro que contem o Menino Jezus, e
a criação do primeiro homem”[346] tem
um enorme Menino Jesus que não pertence a nenhuma destas técnicas e que deverá
ter sido feito por outra pessoa. Apesar de o conjunto o ter sido, e de ser
considerado o resumo do Arcano. A ele nos referiremos mais detalhadamente mais
adiante.
Madre Margarida “ faz por
partes onde quer incluir mais detalhes e não, onde prescinde deles.”[347]
5.5.3 Como pinta as figuras?
Parece de dois modos. Ou na
massa, ou então sobre aquela. Utiliza-os, por vezes, simultaneamente na mesma figura.
5.5.4 Texturas
Observando a figura de Moisés,
nº37-2(1/4), sobretudo o tecido das
vestes, Tomaz Borba Vieira adiantou a hipótese de Me. Margarida ter sugerido a
sua textura recorrendo a um estilete que produziu linhas tracejadas na
vertical, formando “ bandas caneladas” onde, numa sim noutra não, se desenhavam
traços paralelos e oblíquos. Grande sensibilidade nas mãos e nos olhos. Talvez
usasse óculos e ou lentes, não excluindo a hipótese de ter uma boa vista. Os
borbotos das barbas são conseguidos com riscos paralelos e rectos. Também na
mesma observação, com o auxílio de lupa, se distinguiu dois tipos de furos: um
primeiro na vertical e um outro obtido pela entrada do estilete na oblíqua.[348]
5.5.5 Volumes
Sobretudo obtidos na confecção
de panejamentos, alguns bem agitados. Destes destaca-se o Cristo da Ascensão,
nº51-2(2/3).
5.5.6 As mãos
Os toques nas mãos e nos
rostos, talvez seja a característica mais importante, conferem individualidade
aos elementos vivos do Arcano.
As mãos parecem ser feitas à
parte, pois detectámos as emendas. Aliás o Gilberto, ao fazer o “ Gilbertinho”[349], já
o tinha percebido. As cabeças, as mãos e
os dedos, são usados para dar o máximo de expressão às figuras. Assim
conseguimos distinguir, por exemplo, Cristo, onde quer que ele esteja, e
distinguimos o Cristo em diversos estados de espírito.
5.5.7Que instrumentos
utilizaria para trabalhar os elementos vivos?
Além da imensa e, ao que parece
inesgotável, persistência, de inteligência, perspicácia e habilidade manual,
precisaria de almofariz, um forno [350]e
muitos outros instrumentos feitos e afeiçoados, plausivelmente, para cada
situação.
Como tinha escrito paciência o
Tomaz Vieira replicou:
“A
paciência (a pachorra) que é preciso para fazer certos trabalhos que são
“fretes” está fora de causa, quando, em situação de criação artística, o
entusiasmo com que se actua absorve a ponto de se não dar pela passagem das
horas.”
Utilização
de vários tecos, disse-nos Tomás Vieira, que poderiam ter sido até feitos de
rachinhas de canas de certas plantas, que, neste caso, dariam bons pincéis.
Enfim, “Craftspeople working in such small size need to be both practical and
innovative...”[351] Porém, o seu melhor instrumento seriam as
suas próprias mãos.
5.6 Materiais.[352]
O primeiro , tanto quanto
sabemos, a falar do assunto é João Albino Peixoto e refere-se-lhe como uma
”massa alvíssima e sólida a que se aplica as cores devidas imitadas da
natureza”, quanto à técnica diz apenas
que coloria depois a massa. Bulhão Pato vai mais longe ao registar o que
se afirmava que a criada da Madre afirmava acerca de grandes quantidades de
arroz e de vidro. Sugere o seu envio para análise laboratorial. Isto em 1868.
Refere a técnica de modelação. À origem da massa, baseada no testemunho da
criada, e na concomitante extrapolação de que ela utilizaria o arroz para
aqueles fins,[353]
juntaram-se duas outras hipóteses. A primeira, em 1949 de Ezequiel Moreira da
Silva, que diz ser de farinha de batata, sem mais explicações [354],e a
nossa já na década de oitenta. Esta última apontava para a farinha de trigo
baseado no facto de a Madre receber uma renda vitalícia em trigo de legado da
mãe. Acrescia ainda o facto de o laboratório ter confirmado a sêmola de cereais.[355]Um
novo exame cujos resultados nos chegaram recentemente confirmou o arroz, não
deixando de lado uma pequena percentagem de outra farinha, talvez trigo.[356]Luís
Bernardo refere especificamente que os terrenos foram feitos em papel e que a
arquitectura recorre a vário material, entre o qual as lâminas de vidro,
inclusive utilizadas na imitação de pregos minúsculos, de ferramentas e de
águas. Urbano Mendonça Dias alude a um aspecto relevante que deve ser
explorado. Segundo o testemunho do neto de Pedro de Araújo Lima, Ezequiel
Moreira da Silva no ano seguinte repeti-lo-á, o avô teria feito a armação do
Arcano e fazia outras obras à freira[357].
Moreira da Silva acrescenta “... e foi
quem tudo condicionou dentro dele ( oratório)“[358]
Teria sido um tal mestre Victorino Balança quem teria ensinado à madre o método
de numerar as peças em grupos para depois as poder ordenar.
5.6.1 Outros materiais
Além do vidro, da madeira e dos
componentes utilizados na confecção dos elementos vivos, utiliza os que abaixo
transcrevemos. É capaz de utilizar ou reutilizar tudo, o que decerto denotará,
no mínimo, um espírito fervilhante de imaginação e de criatividade. Para cada
caso, parece ter uma solução concreta. Não adopta sempre a mesma fórmula.
Utilizará um arbusto para fazer uma árvore, um espinho de rosa para um capacete
militar, e assim por diante. Um dos construtores do presépio movimentado da
Ribeira Grande confessou-nos que “Por vezes via um graveto, um papelão, ou
outra coisa qualquer e já sabia o lugar dele,”[359]num
quadro que tinha entre mãos.
Em bruto da natureza ou já
transformados. Dos primeiros, e só para dar alguns exemplos, adiantamos: musgos
e líquenes, algas marinhas, folha de araucária ou de criptoméria, “temos
dúvidas”, esponjas, diversos tipos de conchas, desde a lapa até à amêijoa, (?),
carapaças de ouriços-do-mar, sem os picos, pequenos seixos, areia, ramos secos.
Exceptuando os seixos, as conchas e pouco mais, recobre tudo com a massa .Dos
segundos: pregos, cavilhas, ouro, prata, latão, cobre, arame (finge arbustos) e pamponilhas que mistura com areia. Quanto
ao resto, poder-se-á ver no relatório do Instituto José Figueiredo.[360] Uma
outra observação, sobretudo, aquando do seu restauro pretendido, decerto trará
novidades.
Existem três quadros que
dispõem de um considerável número de elementos marinhos: nº59-2(3) “Baptismo de
Cristo no rio Jordão”, nº69c-1(4) “ Travessia do mar Vermelho” e nº78c e d
-1(2) “ Episódios com Jonas e Cristo no lago Tiberíades”. Daremos o exemplo de
outro de que faz uso “prodigioso”, no dizer de Bulhão Pato, de ervinhas secas,
imitando uma seara ondulante: nº69b-2(3). O n.º 48-2(2) “ Fuga para o Egipto”
exibe árvores cujos troncos são de arame. Finalmente, o nº70-1(1) “ Lila vendeo
a Saçam que matou os inimigos de Deos” tem árvores cujos troncos são feitos de
paus torneados cobertos de massa, sendo os ramos de arame, como muitos mais. Há
também cartão, como no quadro do “Dilúvio”, nº7-3(1/2).
5.6.2 Mais alguns apontamentos
sobre o seu presumível método de trabalho.
Das duas uma. Ou ela fazia os
bonecos e depois as construções onde os colocava, ou fazia as estruturas
primeiro. Haverá ainda a hipótese de o fazer em simultâneo. A existência de
quadros vazios leva-nos à comprovação de que utilizaria o segundo método,
porém, não exclui os outros. Aliás, uma das características técnicas de
Margarida é a diversidade. Não vemos razão plausível para aqui acontecer de
outro modo. É crível que à medida que ia interagindo com o espaço do quadro
poderia acrescentar ou anular elementos.
Encontrámos, pelo menos, três tipos de suporte de grupos de personagens.
Ia encenando, ao que parece, tal qual uma encenadora teatral, utilizando muito
bem o espaço que dispunha. Um primeiro em que os bonecos são colados
directamente ao chão do quadro (vejam-se por exemplo os soldados em frente do
palácio de Caifás) , um segundo em que o suporte é uma tira de vidro (entre
outros a “Igreja Militante”)e um terceiro em que o suporte é em cartão
(Vejam-se os dois carros números 58a e b-2(3) )[361]
5.6.3 Para que servem as legendas do Arcano?
Parecem servir para titular os
quadros, como por exemplo ”Igreja Militante”, para identificar personagens,
nº5-3(1) “Rei”, surge em cartazes, como nos profetas no “Portal de Belém”,
nº74-1(1), para transmitir toda a carga religiosa do quadro, ou empunhados por
personagens menores plausivelmente para atingir os mesmos fins. São a voz
directa da autora. Outras aproveitam “livros”, “pautas” para marcar passagens
de salmos. Existe ainda um outro em que a própria personagem parece falar sem
intermediários. É o balão ou filactera. Vejam-se as falas de Deus no
nascimento, no baptismo, entre outros, ou no baptismo de Santo
Agostinho(“Igreja Militante”).[362]Não
esqueçamos os exemplos já apontados para o tempo de Margarida.
O que presumivelmente ficamos a
saber neste capítulo IV? Tentámos, seguindo o exemplo do arqueólogo no terreno,
transformar o objecto Arcano num objecto adequado ao nosso estudo das relações
no seu interior, e deste com a sua envolvente física externa. Quanto a nós é
uma extraordinária encenadora, sobretudo pelo modo como consegue recriar
ambientes e situações. Está na hora de entrarmos na discussão de alguns dos diálogos temáticos que aí ocorrem.
VI
A Obra
Algumas
relações significantes
6 O que pretenderia a autora.
Após termos constituído o nosso objecto de estudo,
partimos para a análise de algumas relações significantes tanto temáticas como
espaciais.
Parece-nos claro que este
capítulo não está, nem deveria estar,
desligado do anterior, nem aquele deste, assim, ainda que neste se vá
focar de outro ângulo o mesmo objecto, por vezes se dirá o mesmo de outro modo.
Como justificaremos a sua pertinência? Talvez porque tentaremos ir mais fundo
nas estruturas, no aspecto mais físico, para entrarmos em alguns aspectos da
mensagem. Queremos, e é necessário precisá-lo, conhecer basicamente a natureza
da ou das mensagens do Arcano. Só depois de o fazermos poderemos propor uma [nova]
musealização do mesmo.
6.1 Explicação
As relações significantes em
questão exercitam-se no âmbito do modelo de comunicação ou de interpretação
concreto: o Arcano Místico a partir do que hoje vemos.
Entendemos por relações
significantes aquelas conexões temático-espaciais entre os quadros, por um
lado, e por outro entre aqueles e o móvel. Essas ligações, na óptica da nossa
dissertação, tanto quanto vemos, deverão ir só até ao nível daquilo que Ian Hodder
designa por “Symbolic meanings”, um dos três componentes da análise contextual
do objecto.
Sena Freitas ao propor a
análise do Arcano em três vertentes (refere-se a presépio), uma estética, outra
de inteligência e uma terceira dita pia, já apontaria porventura para uma visão
mais abrangente do objecto .[363]
Não devemos esquecer a
tipologia psico-simbólica de Félix José da Costa, parecendo-nos passível de se
enquadrar no “ symbolic meanings” de Ian Hodder. Dir-se-ia o mesmo da tipologia
“ do estado psíquico das figuras” adiantado pelo Dr. Luís Bernardo Leite de
Ataíde.[364]
Não iremos, todavia, descer aos
níveis mais complexos da descodificação e de estruturas, tarefa aliciante,
convenhamos, mas fora do âmbito deste trabalho. Ficaremos em níveis mais
superficiais.
Nem tão-pouco entraremos a
fundo na iconografia, a não ser naqueles aspectos que Erwin Panofsky designa por descrição pré-iconográfica,
análise iconográfica e interpretação iconológica.[365]
E ainda assim talvez nunca
recorramos ao segundo, muito menos ao terceiro. Pretendemos não só identificar
com segurança os diversos quadros do Arcano, é certo, mas também descobrir
parte da sua mensagem, muito em especial da sua natureza. Adoptaremos a atitude
do observador que é simultaneamente sujeito e objecto, porquanto faremos uso da
nossa cultura, herdeira da que estudámos,[366]ao
mesmo tempo que não nos coibiremos de tomar
a distância que for necessária para termos outras perspectivas do nosso
objecto. Equilíbrio talvez periclitante, todavia, ao que cremos, necessário.
Neste capítulo, a hipótese
operatória procurará centrar-se em torno do tipo de arrumação do Arcano, que
nos parece ter algumas semelhanças em relação à organização dos gabinetes de
curiosidades. Que eram os gabinetes de curiosidades?
“ The cabinet( italian
Gabinetto) was usually a square shaped room filled with stuffed animals,
botanical rarities, small works of art such as medallions or statuettes,
artifacts, and curios;...”[367]E
mais à frente “... Both types of collections rarely were open to the public and
remained the playthings of princes, popes, and plutocrats”[368]
Registe-se, todavia, desde já, que Madre Margarida, ao contrário dos
“curiosos”, fabricava cada um dos seus quadros, aproximando-se aqui do Museu de
Cera de Madame de Tussaud.[369]
O catálogo de 1655 do “Musei Wormani” do Físico
dinamarquês Olaf Worm[370],
publica uma gravura deste museu. Nele existiria uma seriação, seguindo um
critério provável de proximidade espacial dos elementos tematicamente afins,
enquanto o espaço disponível o permitisse. Baseamos esta hipótese tão-só na
limitada observação do citado documento gráfico. Nem sequer temos dados que nos
forneçam as suas características globais. Será um fragmento? Será
representativo? Parece-nos ainda poder detectar-se, não esquecendo as mesmas
cautelas, a existência de uma certa preocupação na encenação, encenação que
continuaria a existir entre os elementos
que só nos parecem ter em comum uma aproximação de formas e de volumes.
Haveria, eventualmente, de cores? Luís Alonso Fernández refere-se a este
catálogo como ”los madrugadores catálogos Museum Wormiarum ( Worm,
1655),catálogo de la colección del físico danés Olaf Worm (1588-1654), un sortido
de espécimenes de historia natural y arqueología pre-histórica...”[371]
O mesmo parece também suceder
no Arcano Místico. Aquela arrumação poderá ter a ver, tal como no Arcano, com a
ordem de aquisição (no caso do Gabinete) ou de feitura, no do Arcano.[372]
Rearrumações, em alguns casos plausivelmente radicais, deverão ter ocorrido,
mais no primeiro caso do que no segundo, porquanto seria mais fácil fazer uma
peça à medida do móvel preexistente, do que, se calhar, escolher um espécimen zoológico, botânico ou
mineral que encaixasse nos metros disponíveis, no local certo, entre, por
hipótese, dois crocodilos. Em alguns casos,como veremos, tal parece acontecer.
Mais um elemento comum entre
ambos poderá ser a coerência temática definida pelo proprietário do Gabinete e
pela autora do Arcano. Obviamente que existem diferenças nítidas, além das já
referidas, sendo a maior, a nosso ver, o propósito de edificação religiosa que
nos parece ser menos elitista no Arcano, muito embora o público do Arcano fosse
constituído pelas principais famílias.[373]
Fiquemo-nos por aqui, já que
não necessitamos de ir mais longe para tratar o tema que propomos. Entremos na exposição, ou seja:
“ a showing or display of
materials for the purpose of communication with an audience,...”[374]
Continuado, a fim de
melhorarmos a nossa discussão, parece-nos ser útil adiantar aquilo que
Alexander designa por “ Preparing the Exhibit Script”.[375] Diz
ele que “ the exhibit starts with a concept, an idea, or a point of view that
is developed in one of two ways. First, it may be stated as a theme and through
careful study and research analyzed and divided into subthemes. Then objects
can be sought and arranged in exhibit units to elucidate the story. A second
approach begins with a collection of objects and from them develops a theme and
subthemes. Often both approaches are used simultaneously, and a kind of
storyboard arrangement results,...”[376]
6.1.2.1 Que pretenderia Madre
Margarida?
No “Tributo de Gratidão”
publicado em Dezembro de 1858, o autor atribuía a Madre Margarida, a partir de
1835, data da morte do irmão Teodoro, o desejo de “ entreter-se o resto de seus
dias e ao mesmo tempo louvar n’ ella o Omnipotente Deos Creador de todas as
cousas”, [377]acrescentando
que a ouvira muitas vezes dizê-lo. A este duplo objectivo, já em 1848, parece
estar ligado um terceiro” para a relegiososa(sic) edificação das pessoas que
lhe fizeram a honra de o verem”[378].
Confirma-o em 1853[379] e
repete-o em 1854.[380]
Edificação
religiosa, a fazer jus ao Dicionário de Eduardo de Faria, 4ª edição,1858, seria
o “ sentimento de piedade e virtude que alguém inspira aos outros com as obras
e palavras; exemplo virtuoso que inclina a obrar bem, imitando a pessoa
virtuosa.”[381]
Segundo o mesmo dicionário, entreter significaria “divertir, recrear o animo de
alguem com algum divertimento ou pensamento, suavizar, distrair”[382]
Quanto a louvor, e ainda citando a mesma fonte seria “elogio, gabo, approvação,
palavras em honra de acção meritoria”[383]Percebe-se,
cremos, que o entretenimento, o louvor, tal como a edificação religiosa, seriam
tanto para benefício da autora como dos que passaram a visitá-la. Cremos ainda
ser compreensível, após o falecimento do irmão, ter de entreter-se para passar
o resto do que a vida lhe reservaria. Seria sua intenção pôr em
relevo todas ou tão-só algumas das
passagens bíblicas, segundo os nossos testemunhos? Pensamos que as opiniões que
mais plausivelmente se aproximam da vontade de Madre Margarida serão as de Félix José da Costa e de José
Maria da Câmara de Vasconcelos. “ Da creação do mundo até ao ultimo remate da
emancipação religiosa dos povos” e acrescenta “ É muito mais porque está ali
uma verdadeira representação de tudo quanto nos transmitte os codices dos dois
testamentos da Ley velha e da Ley da graça.”[384]José
Maria fala, por seu turno, das “...
principaes passagens da creação e vida do mundo desde os seis dias até ao
presente.”[385]
Assim lho ouvira muitas vezes, como já o dissemos. João Albino Peixoto, em
1850, que a conheceu, diz por outras palavras o mesmo: “ Todos os quadros mais
necessários, tocantes, sublimes, tanto do Antigo como do Novo Testamento.”[386]
Bulhão Pato escreveu em 15 de Maio de 1868 que a autora ( já falecida) tinha
concebido a ideia “de pôr em vulto todas
as passagens do Antigo e do Novo Testamento”[387]Muito
mais tarde em 1944, Leite de Ataíde, escreveu: “composição que representa
passagens do Novo e do Antigo Testamento.”[388]
Inclino-me a aceitar, como adiante tentarei demonstrar, ou melhor a subscrever
o que disseram Félix e José Maria, acrescentando, porém, que as directivas da
Igreja Católica, extra-bíblicas, tal como as vemos no missal (consultei um de
1760) têm muito a ver com o Arcano. Todas as festas marianas, entre outras,
serão disso exemplo.[389]
Nunca poderiam ser todas as passagens até porque no móvel se
encontram quadros inacabados. Eventualmente serão todos os mais importantes
para a autora. A “Manga”, segundo José Maria e muitos outros, ainda segundo o
mesmo, sendo o putativo resumo do Arcano, poderá esclarecer a questão. Em
primeiro lugar, dependendo de quando foi feita, saberíamos ou não se houve um
projecto amadurecido. Só podemos conjecturar que tivesse sido feito ainda no
convento ou ainda nos primeiros tempos de exclaustrada, ainda em 1830 quando
saiu a banhos, ou entre 1832 e 1835. Vejamos a mensagem. O que dizem as
legendas e a autora da Manga? A Madre diz “... a manga de vidro , (?) que
contem o Menino Jezus, e a criação do primeiro homem...”[390]
Todavia, uma análise à iconografia faz-nos concordar com José Maria. É o homem
entre o bem e o mal. Caiu mas Nossa Senhora, ao gerar Cristo, apontaria o
caminho a percorrer até à salvação. No Paraíso vivia-se o reino de Deus, a
expulsão deu início ao reino da morte. A queda trouxe a morte (na manga aparece
coroada e enorme, apesar de não ser maior do que o Menino Jesus), os trabalhos,
as guerras civis e todo o sofrimento. Portanto será todo um programa da
história da Salvação.[391]
6.1.2.2
Que é o Arcano para a autora e para os que a conheceram
Arcano,
nome do móvel, do conteúdo do móvel ou de ambos? Arcano, quarto? Como quarto do
arcano. A questão de o móvel estar ou não desligado do conteúdo é central para
o nosso trabalho, porém, não parece ter tido interesse nem para a autora nem
para os seus contemporâneos. Primeiro teríamos de saber o que diziam os
dicionários de então sobre “encerrar, comprehender e conter.” Em segundo lugar,
teríamos de averiguar a prática. Não obstante a
temática do Arcano não corresponder à definição de presépio contida nos
dicionários de então, alguns contemporâneos cultos de Madre Margarida
classificaram-no como tal. Qual seria a realidade coetânea equivalente ao
Arcano? Não poderão os presépios ser
incluídos neste grupo? Se assim for, o móvel será simultaneamente a estrutura
que guarda e o palco. E a esta realidade chamaram Arcano Místico.Tal como
acontecerá, ao nível dos quadros do Arcano, com os suportes ou estruturas das
cenas e os seus elementos vivos e não vivos? Eis a questão.
Mas porquê Arcano? Comecemos por aí: “ Os meus cicerones
não souberam explicar-m’o. Seria pelo mysterio com que foi feita, ou pelo
segredo com que manipulou a massa para modelar as figuras, ou pela profundez
das scenas que representa?” Interroga-se Raimundo Bulhão Pato.[392]
Compulsámos três dicionários de língua portuguesa, escolhendo-os por
representarem, tanto quanto sabemos, uma amostragem cronológica coerente: o
“Vocabulário Portuguez e Latino...” do Padre Rafael Bluteau, editado em 1716; o
“Novo Diccionario da Lingua Portugueza,” da Livraria Rolandiana de 1835 e o
“Diccionario da Lingua Portuguesa” de António Morais da Silva de 1858.Bluteau
diz de Arcano:” s.m. Segredo, mysterio, as cousas que se occultão,...” E de
segredo diz que ”não se diz de qualquer Segredo ordinario, mas de Segredo de
Deos, ou dos Principes.” Quanto a “Místico” será”...Figurado, allegorico,
mysterioso.” Pensamos que “Arcano Místico”, tal como o dicionário o define,
corresponda ao que a sua autora pretendeu. Todavia, dar nome à obra, tal como
distinguir móvel e conteúdo, não parece ter constituído preocupação que afligisse a autora.
Arcano ou presépio? Já em 1856, com Supico, de novo
em 1897, com o cónego Sena Freitas, se
instala a ideia de presépio. Luís Bernardo fala de 71 quadros em torno do
presépio. Em nosso entender, ainda que o dicionário da época não os autorize a
tal, pensamos ser defensável sustentar
que o “Arcano” é, pelo menos para os
seus conterrâneos, um presépio, ainda
que a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo ocupem um lugar de primordial
destaque no todo da obra. Isto só para acrescentar este aspecto à já conhecida
temática da mesma, ou seja a história desde os seis dias até à emancipação
total do homem.
Tentemos analisar a primeira questão. João Albino Peixoto
referiu “...a magnifica Obra, a que dá o nome de Arcano, o qual encerra por sua
ordem...”[393]Encerrar
no dicionário de 1858 significa: ”metter alguma pessoa ou cousa em parte onde
fique fechada ou segura; conter, incluir, comprehender.” Compreender significa,
por seu turno, ”conter, encerrar em si, abranger na sua extensão physica ou
moral; perceber, alcançar.” Portanto, mesmo no dicionário há uma relação não só
física como temática, ou “moral.” Portanto, O móvel chama-se Arcano Místico e
Arcano Místico é tudo. Admitimos que possa haver uma distinção de conteúdo e de
continente, porém, não será da mesma natureza da dos presépios?
“Oh! é muito mais ainda o que ali encerrado está nesse
pavilhão quadrilongo,”[394]
Disse Félix José da Costa. Também aqui parece que o conteúdo e o continente se
distinguem. Porém, implicitamente, Félix, na sua descrição do Arcano , dá-nos
uma relação mais íntima entre ambos. Os céus da Criação do mundo estão pintados
no móvel, os do dilúvio igualmente, bem como os do Gólgota.[395]
Vasconcelos diz que a Madre ideara “... o Arcano, em o
qual, singindo-se às licões da escriptura...”[396]Parece
permitir a interpretação de que existe
um interior e um exterior da
mesma coisa: O Arcano. Tal como verso e anverso da mesma moeda. Vejamos.
A
própria autora em 1848 diz ”para ver o Arcano,
ou como melhor nome se lhe possa dar, em que mostra, com pequenas figuras ao
seu modo, os misterios da Lei Natural escripta, e da Graça, afim de que, livre
por em quanto da grande affluencia de pessoas desejosa de o ver,..., o possa
completar, aperfeiçoar, e collocar;”[397]O
Arcano é a obra, e a obra é o duplo móvel/quadros? Parece ser esta a
leitura. Madre Margarida, quando escreve
em 1857“Tenho como meu hum movel, chamado Arcano Mistico que contem os
Misterios mais importantes do Antigo e do Novo Testamento,”[398] diz
isso mesmo.
Em
1893, Gabriel de Almeida, “Na egreja Matriz existe um grande oratório com o
trabalho de uma freira, a que chamam o arcano...”[399]
Em
1944, Leite de Ataíde interpreta-o de outro modo: “Trata-se de uma manifestação de arte
conservada em amplo armário...”[400]Terá
ocorrido aqui, ou em data indeterminada, a clara distinção entre uma realidade
que até então não estivera?
Independentemente de quaisquer
conclusões a que cheguemos, julgo pertinente adoptarmos o nome de Arcano
Místico não só por razões metodológicas, mas também porque a sua autora assim o
designa. [401]
Utilizá-lo-emos para designar a obra tal qual ela se nos apresenta:
móvel/quadros. A autora na sua ,talvez, aparente ambiguidade, talvez nossa
ambiguidade, não nos desautorizaria. O móvel
não é um qualquer “armário”, pois estabelece relações dialécticas
evidentes com o“conteúdo”, sendo ele próprio, por vezes, igualmente “conteúdo”;
para além de mais de século e meio de relação. Constranger-nos-á tal a não
mexermos no modo como o Arcano se nos apresenta hoje de modo a ,porventura, torná-lo mais
compreensível ao visitante actual? Vamos ver. É preciso amadurecer bem as
ideias.
6.1.3 E como pretendeu fazê-lo?
Confissão explícita de concretização.
Ainda que corramos o risco de
nos repetirmos, pois ainda no ponto precedente utilizámos a informação que
produziremos neste, cremos ser clarificador inserir este ponto. Para lhe dar ênfase.
No testamento, datado de 1854,
a páginas 4, confessa ”Digo eu testadora que tenho como meu hum movel, chamado
Arcano mistico que contem os Mistérios mais importantes do Antigo e Novo
Testamento, que comprehende as trez Leys que o Senhor Deos deu ao Mundo para
que por figuras melhor pudecemos entender o dever, a que estamos obrigados, e a
escolha que devemos fazer da Ley da Graça que por Graça nos foi dada...”[402]
José Maria da Câmara
Vasconcelos, que a ouvira várias vezes e era cunhado do irmão, como já antes
vimos, acrescenta um programa implícito, não explicitado nos documentos que
dela possuímos:
“Commemorasse figuradamente as
principaes passagens da creação e vida do mundo desde os seis dias até ao
presente”.[403]
Félix José da Costa, em 1856,
que , tudo leva a crer, a conheceu, explicita um pouco mais: “da creação à
última emancipação do homem.”[404]
6.1.4 A primeira interrogação:
Qual a correspondência entre o que hoje vemos no móvel e aquilo que a autora
via e pretendia?
Quais as possíveis alterações
que ocorreram no tempo dela e depois dela? A maior parte do que se dirá
pertencerá ao reino das suposições, apesar de serem, ao menos assim o
desejaríamos, plausíveis. É imprescindível problematizar a questão se queremos
chegar à autora e à sua mensagem.
Poderiam bem ter ocorrido
mudanças no tempo dela pelo simples facto de, tanto quanto nos parece poder
depreender, ir introduzindo novos
quadros, no meio dos já existentes, à medida
que os ia construindo. Tê-los-ia disposto de uma maneira tal que
permitisse a sua melhor visualização,
ajeitando-os de outro modo, após uma nova inclusão, dispondo-os em outras
condições espaciais, já não da maneira
ideal, mas da possível.
Não será de excluir a hipótese
de ter talvez excluído ou transformado quadros como já indiciámos em relação a
fragmentos de quadros anteriores. Vimo-los no nº14-3(2), base, e 34-3(4).
Ou ainda onde manteria os
incompletos (números 45-2(2); 3-3 (1); 10-3(1);16,17,24-3(3) e 28-3(4)), hoje
quase todos no 3ºpiso.[405]
Estarão incompletos, mas
estariam então?
Sabemos que de 1854 a 1856
ocupou-se quase exclusivamente da festa e do altar de São João, sabemos
igualmente que, nos últimos anos de vida, era acometida de ataques de loucura,
talvez tenha sofrido alguma forma de trombose ( ou artrose) e permaneceria
retida na cama.[406]
Diz-se que ofereceu a Pedro de
Araújo Lima e ao mestre Victorino Balança algumas figuras do Arcano, segundo o
dr.º Mendonça Dias,[407] o
que não comprovámos, e que ofereceu outros à família, o que comprovámos.[408] Em
todo o caso estariam fora do móvel a
aguardar retoques e acabamentos ou estariam , ainda assim, já no móvel? Fizera
tal quando se vira acometida pela doença? Teria sido ela ou então quem os teria
lá posto e com que critérios? As criadas a seu mando?
A manga e as duas panelas de
vidro que não são do Arcano já lá estavam, postas pela autora, conforme no-lo
revela o codicilo de 1857.[409] A
um ano da sua morte e doente teria dado por terminada a obra, pois ao colocar
aqueles três elementos citados, estava implícita e explicitamente a ocupar o
espaço que, em outras circunstâncias, teria de ser utilizado pelos que ficaram
incompletos. É notório que ocupam o espaço que sobrou.
É possível, é pelo menos
crível, supormos que com o avolumar das
doenças e com o peso dos seus anos, até por ter perdido a paciência ou o
interesse, Me. Margarida “tivesse arrumado” mais ou menos o móvel, não como o
poderia ter feito em outras circunstâncias, mas simplesmente “arrumado”. Já não
“completar, aperfeiçoar, e collocar”
A inclusão dos incompletos
teria obrigado a mudanças nos outros pisos?
O que acabámos de conjecturar, sobretudo a
última parte, poderá ter ocorrido após a sua morte, ainda no tempo em que o
Arcano se mantinha na casa dita do Arcano, entre 1858 e 1870, ou então na sua
transferência, organizada ou supervisionada por Araújo Lima, conhecido dela e
muito provavelmente mestre de que se serviria Madre Margarida; consta por
exemplo como testemunha no testamento de 1854,[410]cujas
marcas, conforme nos referimos no capítulo anterior, teriam sido feitas ou
aproveitadas por ele.
Alguns termos usados nas
marcas, como já vimos, divergem dos utilizados nas legendas, sinal evidente de
que outra pessoa que não a mesma das legendas as fizera.
Seriam as suficientes para se evitarem
confusões? Já se disse que sim, mas tal dependerá das condições que apontámos
anteriormente.
Há também memória de roubos de
figuras, entretanto recuperadas, segundo relato que ouvimos, conforme já referimos.[411]
Dois quadros parecem ter sofrido um rearranjo ou foram, então, recolocados
descuidadamente. Terá havido pudor?[412]
Estão ambos no 3ºpiso, o primeiro com o número 25-3(2), o segundo, com o número
19-3(2), apesar de estarem voltados para a face 2 não são visíveis para o
observador. Enquanto ainda se pode ver
as “costas” ao primeiro, do segundo, nem lhe suspeitávamos a existência. O
primeiro trata da “Casta Suzana” ( reconhecemo-la apesar da inexistência de
legendas) - Dan13,1-63- que surge de seios nus e o segundo- Mt1,19-21-” São
José de Maria Santissima quer fugir por que ignora o Mistério da Encarnação”.
Quando, quem e porquê os tornou
invisíveis? Haverá casos de eliminação física de quadros por deterioração
irremediável ou por outra qualquer razão ainda não referida?
Tudo isso que nos sirva, ao
menos, de base, de dúvida metódica, para podermos, até aos limites permitidos,
extrapolar a possível (plausível, registe-se) mensagem de Madre Margarida.
Da ordem original que não
podemos ao certo confirmar dependerá a solidez ou a fragilidade das nossas
conclusões.
Existirão vestígios, observação
plausível, de alguma mudança. Alguns quadros não estarão milimetricamente nos
sítios, sobretudo os do 1º e 3º pisos. É neste último que encontramos uma maior
possibilidade de movimentos dos quadros.[413]
Talvez devêssemos preocupar-nos mais com as possíveis trocas de
piso, de face de piso, de um quadro por outro, em que se colocariam antes ou
depois, não somente um pouco mais atrás ou mais à frente, um milímetro à
direita ou à esquerda.
Sinceramente não encontrámos
vestígios que nos comprovassem a troca de pisos. É uma questão em aberto.
6.2.2 Critérios de ordenação:
pressupostos e dificuldades
Qualquer que seja a ordem ou
ordens do Arcano , não possuímos outra palavra, talvez mais neutra, enquanto
não chegarmos a uma conclusão acerca da relação conteúdo continente, dependerá
de pressupostos, alguns dos quais, explícitos no discurso de Madre Margarida,
outros, porém, somente implícitos não só no seu, mas no de outros.
6.2.3 Todo o Antigo Testamento
proclama o Novo
O primeiro grande critério decorrerá da
verdade insofismável de que todo o Antigo Testamento prepara e justifica, na
perspectiva católica, o Novo Testamento, ou a Nova Aliança. Cristo torna-o
bastante claro ao dizer:
“ Depois disse-lhes: “ Estas
foram as palavras que vos disse, quando estava convosco: Que era necessário que
se cumprisse tudo quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e
nos Salmos” [414]
Lc24,44-9.
Talvez devêssemos, a
pretendermos uma ordenação, tomando o Novo e o Antigo Testamentos como ponto de
partida, propô-la antes em termos daquilo que se passou no tempo de um e do
outro.[415]
Ainda assim tal levar-nos-á para o confronto com as noções de tempo, implícitas
ou explícitas, no Arcano como nas Escrituras. Em primeiro lugar, o autor da
História é Deus, sendo este simultaneamente Alfa e Omega, percebe-se que o
tempo cristão pode ser, tal como acontece no nº74-1(1)-”Lapinha” (Portal de
Belém como consta da legenda) ”anacrónico”- fora do seu de tempo próprio. No momento da Encarnação concentra-se o tempo
tradicionalmente subdividido em passado, presente e futuro, pois, nele culmina
a concretização do anúncio daquele momento e de todos os momentos futuros do
“Encarnado. ”Pela presença dos Patriarcas será a chegada, mas, pela presença
dos símbolos da Paixão, será também o que virá.
Não deixa, contudo, de existir
um tempo linear. Vejamos a Paixão. Primeiro Cristo é preso, depois é julgado, e
por aí adiante numa ordem cronológica. Todavia, muitos episódios do Novo
Testamento, de acordo com os diversos Evangelistas, têm cronologias díspares.
Temos de ter em conta a origem, a sua génese, dos livros do Novo Testamento.
Passa-se o mesmo com o Antigo
Testamento, pois a ordem que lá encontramos não é necessariamente cronológica.
Se tomarmos a Bíblia como critério ordenador do Arcano, teremos de precisar que
é uma ordem nem sempre cronológica.
Mas é também cíclico, visto
comemorar-se todos os anos. E é um tempo ascendente, pois a perfeição é uma
subida, o caminho inverso da queda. No quadro nº1-3(1/4), “A criação”, Deus
cria o homem do alto. Cristo sobe aos céus, sendo ele o caminho, aponta-o,
ascende no topo de uma montanha (nº51-2(2/3) ), ora ao Pai no monte Tabor (
nº37-2(1/4) ) é tentado no cimo de outro monte
( 61a-2 (3/4). Por seu turno,
Maria sobe aos céus (nº26-2 (3), o mesmo acontece ao Patriarca Elias
(nº79-1(2/3). O limbo é representado abaixo do nível habitado pelos vivos(
nº6-3(1) e 44b-2(2) ).
6.2.4 As três Leis[416]
A ordenação pelas três leis
poderá , porque cada uma foi “dada” em tempos diferentes, ser sugerida
cronologicamente, porém a seguir o critério da perfeição, ascendente como
sugerimos, a da Graça no 1ºpiso( nº74-1(1) ) deveria estar no 3ºpiso. E,
implicitamente, cada piso trataria de uma lei, como afirma o cónego Sena Freitas.[417]
Para chegarmos perto da
mensagem do Arcano teríamos pois de tentar perceber a natureza da História
Sagrada assim como a linguagem em que ela se exprime.
Já vimos antes algumas noções
de tempo, de espaço e de autor da História, vejamos se existirá algo mais a ter
em conta. O objectivo do Arcano, já o dissemos, seria a edificação dos fiéis e
o louvor dos mesmos a Deus criador de todas as coisas. Também iremos ver que o conceito de mistério se prende com os
sinais que Deus, Senhor da História, manifesta aos homens suas criaturas.
6.2.5 Por que teria escolhido
alguns Santos da Antiga Lei?
“ ; no fim do Antigo Testamento
vai, em Appendice, a história de alguns santos da antiga lei, como Job, Ruth,
Jonas, Tobias, Judith, Esther”[418].
Vejamos no Arcano Místico.
Estes antigos santos estão nele representados: Job=nº2-3(1); Rute=nº60a-2(3) e
60b-2(3); Tob=81-1(3) e 82-1(3); Judite= 35-3(4) e 36-3(4); Ester=32-3(4) e
33-3(4)e Jonas já o citámos. Nem todos estão no terceiro piso.[419]
O modelo das “Horas Marianas”
engloba tanto os trechos marianos não tratados nos Mistérios do Rosário,
anteriores a estes em termos cronológicos, como também alguns daqueles. Assim
se explicam todos os quadros da vida de Maria, que, como se sabe, não constam
da Bíblia.[420]
Deu ênfase às duas festas maiores da Igreja.
Daqui se poderá inferir a
polissemia das mensagens do Arcano Místico, e talvez se possa legitimar a
hipótese da interpretação tipo gabinete de curiosidades como logo adiantámos de
início.
O modelo interpretativo dos
“Mistérios do Rosário”, a sua temática, ajudará inclusive a explicar as
composições dos quadros sobre a Paixão.[421] Por
exemplo, o Senhor coroado, açoitado, atado à coluna, entre outros aspectos.
Daqui se destaca igualmente o
facto de a Bíblia não ser a sua única fonte.
A multiplicidade de sentidos e
de percursos (veja-se que, ainda dentro da Paixão, se poderia seguir” A Via
Sacra”) implícitos ou explícitos, impossibilitaria ou dificultaria uma
sequência unilinear, unívoca, e propõe-nos uma leitura desdobrada em
itinerários múltiplos.
6.2.6 Que será a História
Sagrada? Que nos ensinará ela? Sua pre-eminência.
A “ História Sagrada, isto é, a
narração fiel dos maiores successos que vírão os seculos, o thesouro das mais
relevantes e sublimes verdades, a fonte purissima das mais santas inspirações,
e o penhor infallível de eternas recompensas?!”[422]
E mais adiante:” (A) História
do Antigo e do Novo Testamento nos ensina a conhecer a Deos á sua (?)
perfeição, o fim para que fomos criados, e os meios que nos são dados para o
alcançarmos. Propondo-nos os exemplos dos justos e dos peccadores, no
cumprimento das promessas e ameaças de Deos, offerece-nos poderosissimos
motivos para fugirmos o mal e nos darmos á pratica da virtude”[423]
Madre Margarida decerto não
divergiria do que acima se transcreveu. E o mesmo autor continua, agora,
realçando a preeminência da História Sagrada
sobre a profana:
“ Deos, sem dúvida, dirige
igualmente os successos da história profana; porêm o segredo de suas vistas não
nos é manifestado, como na História Sagrada, por Prophetas a quem o Senhor se
dignou de revelar elle mesmo seu pensamento, Assim, que, aprendemos neste
admiravel livro a confiar-nos em tudo á Providência, e a crer que ella é quem
dirige, para nosso bem, os successos mais ordinários de nossa vida, então mesmo
que não podêmos comprehender seus motivos.”[424]
6.2.7 Que tipo de linguagem é utilizada na História Sagrada?
São exemplos positivos
utilizados na época de Margarida.
Continuemos com o mesmo autor:
”Ao mesmo passo que a História Sagrada encerra mysterios sublimes e verdades
estupendas, que dão elevado assumpto à meditação de engenhos transcendentes,
expende com ingénua clareza, verdades praticas e conceitos moraes, que sem
custo se adaptão á capacidade dos mesmos doutos; sublime e arrebatadora quando,
com inimitável poesia, celebra pela boca de Moisés e David a grandeza e
magestade de Jehova, falla-nos em tão singela linguagem pela dos Patriarchas,
de Ruth, de Tobias, e do mesmo Filho de Deus, que as crianças a entendem e
folgão de a ouvir”[425]
Em suma, para além dos
pressupostos orientadores atrás referidos, conviria acrescentar os decorrentes
do tipo de linguagem religiosa simultaneamente simples e complexa entendível
tanto por crianças como por doutos. Qualquer quadro, é bom que o retenhamos,
pode igualmente edificar os fiéis do e no presente, podendo no entanto existir
correlações implícitas entre acontecimentos profanos do presente de Madre
Margarida e a História Sagrada, sobretudo ao nível dos modelos positivos ou negativos,
ao nível ainda das respostas e das posturas que os fiéis são obrigados a ter.
Mas tal como escreveu Jacques
Le Goff na biografia de São Luís:
“Pour un chrétien, il peut
exister plusieurs façons de réagir aux provocations de la Providence tout en
lui obéissant.”[426]
Desconhecemos se “A Igreja
Militante”conterá uma mensagem óbvia às dificuldades contemporâneas da Igreja
Católica. Ou ainda se acontecerá o mesmo com o quadro “Conceição de Maria
Santíssima sem peccado”(nº15-3(2) ) e a polémica acerca do dogma da Imaculada
Conceição que acabou por ser definido em 1854.
Todo e qualquer quadro poderia
ter uma dupla leitura: a que se refere ao tempo em que aconteceu mesmo, seja no
do antigo seja no do novo Testamento, e a que se refere à possível leitura
aplicada aos acontecimentos de todos os tempos.
Madre Margarida coloca Cristo
no centro da sua História Sagrada, ele é o herói cuja vida está marcada de
presságios, de dons miraculosos e demais atributos que caracterizam a figura do
herói sentido, pela crença, como vivo e real.Um cheiro a herói romântico?
A sua morte foi o culminar
necessário que abriu o caminho à salvação do homem pecador. A traição de Judas
foi necessária. Uma análise estruturalista de um herói mítico, John F. Kennedy,
define aqueles atributos.[427]
Não devemos deixar de meditar
naquilo que Roland Barthes demonstrou acerca do “ texto gerador de uma
multiplicidade de leituras sustentadas por um conjunto de códigos sobrepostos e
imbricados: Voix de l’Empire, voix de la Verité, voix de la Science, voix de la
Personne.”[428]
O objectivo da crítica
(análise) seria o de “libertar o texto e restituir-lhe a sua multiplicidade
semântica reconstituindo os códigos e os modos de significação que a
subtendem.”[429]
6.2.7.1 E o tipo de linguagem
além da alfabética?
Existe todo um alfabeto formal
simbólico como sejam os símbolos da Trindade, juntos ou por si sós (triângulo
com o olho, pomba, línguas de fogo, Antigo bonacheirão de cabelo e barbas
brancas e de olhos azuis, homem ou menino de auréola e resplendor), os dos seres
sobrenaturais, os angélicos com asas e antropomórficos, os diabólicos com asas
, zoomórficos, em figura de bode negro com chifres, cascos, rabo e forcado, de
vermelho, as do poder temporal com o ceptro, o trono, a coroa e o manto de púrpura. Os seres
semi-sobrenaturais, entre o céu e a terra, com excrescências iluminadas nas
suas cabeças. Os símbolos do princípio e do fim
(alfa e omega), as chaves de Pedro, a escada, os símbolos da Paixão. A
linguagem metafórica dos altos, da Assunção, da Ascensão, local da
Transfiguração... Como veremos para além
destes sinais concretos (não esquecer as cores ou a figuração das obras da
misericórdia, os pecados mortais, os sacramentos, os novíssimos do homem...)
teremos toda uma linguagem metafórica implícita segundo nos diz Lois Réau.[430]
6.2.8 O Tempo Cristão
A existir ligação, como se
depreenderá, a ordem do móvel, pelo menos nesta situação, terá de respeitar
aquele outro tempo bíblico. O 1º, em princípio ocorrido no tempo do Antigo
Testamento, teria de anteceder imediatamente o 2º.
O quadro do “Portal de Belém”,
como vimos, seria outro exemplo, tal como o seriam, entre outros possíveis, os
do enterro de Cristo e o da Purificação de Maria, respectivamente números
44a-2(2) e 38-2(1).
Pode ainda levantar-se uma
outra questão, que é a de saber se o móvel e os seus pisos e a posição dos
quadros neles constituirão um critério unificador ou não.
Podemos argumentar, supomos com
alguma lógica, que o móvel só por si, independentemente do local exacto onde se
encontra o quadro, conferirá unidade. Portanto, assim sendo, justificaríamos o
Arcano como um objecto composto. Além disso existindo uma temática comum, a
História Sagrada, e sendo impossível justificar um só critério de ordenação,
mais reforçaríamos esta hipótese.
6.2.9.1 Relação estreita com as temáticas globais
Terá a ver também com a
História Sagrada e a sua ordem dependerá do modelo de interpretação.
Explícito por ela, temos as
três leis e os principais quadros do Antigo e do Novo Testamento.
As três leis” Aliança cósmica:
É outro grande tema teológico introduzido pela narração do Dilúvio. A Aliança,
coluna vertebral do judeo-cristianismo, é um contrato ou pacto que Deus faz com
o homem. Fá-lo com Noé, sobre as leis da natureza; fá-lo com Abraão sobre a
descendência e a promessa (Gn 15 e 17); fá-lo com Moisés, constituindo um novo
povo (Ex19,ss); fá-lo com a Humanidade em Cristo(Mt26,28) “[431]
As primeira e segunda promessas
encontrar-se-ão, porventura, e no que concerne ao Arcano, no 3ºpiso, mas, no caso da segunda, não pertencerá ao Arcano. Em
relação a Moisés, estaria no 1º piso, “Travessia do Mar Vermelho”, e, quiçá,
ainda no terceiro, “ A Sarça Ardente”, cuja atribuição como vimos é meramente
hipotética.[432]
Assim, não seguiriam a ordem dos pisos.
Explícito por outros que a
conheceram temos “ dos seis dias até à emancipação do Homem.”[433]
Explícito na obra, por seu
turno, temos as “ sete palavras que Cristo proferiu no Calvário”,[434] “O
Julgamento de Cristo”[435] Ou
ainda aquilo que poderíamos designar por catequese explícita (1ºpiso com todo o
seu peso normativo): “os sete pecados”[436];
“Os novissimos do Homem”;[437] “Os
dez mandamentos”[438](versão
católica); “as sete obras da misericórdia”;[439] “Os
sete sacramentos”;[440] os
dogmas da Encarnação, da paixão e Ressurreição (estes últimos no 2ºpiso), entre
outros.[441]
Da catequese implícita fariam
parte os modelos, bons e maus, que lá surgem (ver quadro), como a mulher
traidora, Dalila; a heroína, Judite, ou a salvadora, Maria mãe de Cristo;
profetas, santos, apóstolos, guerreiros da fé, não esquecendo o traidor Judas e
o apóstolo dilecto João. Ao escolher alguns destes modelos a autora decerto
reflectirá o pensamento da comunidade mas eventualmente o seu próprio, as suas
motivações.
Também implícito teremos o
modelo dos missais; do devocionário mariano ; do Natal; dos antigos santos.[442]
Cada uma destas perspectivas
implícitas ou explícitas proporcionará uma ordem e um itinerário nem sempre linear ou
convergente. É como se num mesmo espaço pudéssemos e devêssemos andar por
troços diferentes consoante os pontos que quiséssemos tocar. Vejamos.
Que poderá estar a fazer a
“Fuga para o Egipto” (nº48-2(2) ) colocada ao lado do “Gólgota”? Que fará,
ainda, “A apresentação do menino no Templo...” ( nº38-2(1) ) próximo do
complexo da Paixão? Que farão os “prodígios de Cristo” defronte do Gólgota?
Todo o 2º piso ( o 1º
parece-nos ser normativo e explícito) poderá ser explicado ( nada nos garante,
é certo, que seria o que ela pretenderia) pelas “ 7 Dores”; “pelo Julgamento de
Cristo” e pela “Paixão, Morte, Ressurreição, Ascensão e Pentecostes”. Uma
explicação possível seria: “Cristo perseguido(Egipto e Calvário); Cristo
Salvador(pela palavra, no Templo, pela morte, na Paixão); Cristo é condenado
também pelos prodígios que faz (atribuídos por alguns ao poder do Demónio- e o
maior prodígio de Cristo é ter-se deixado matar).”
Exceptuam-se os “Pastos de
Labão”, “A seara de Booz” e os números 50-2(2); 52/55,56,57,58a e b-2(3) e o
nº67-2(4), ),mas que, em termos de espaço, se traduzirá numa pequena porção
daquele piso. (Vide Pl. XLII) Ainda segundo o mesmo:” Não será simbólico? A
paixão de Jacob por Lia (Cristo pelo seu povo) e a seara de Booz talvez a
imagem de que Cristo se servia ao dizer que “são precisos ceifeiros”, referindo
a Humanidade como messe madura”.
O 3º piso segue desde a
“Criação” passando pelo “Dilúvio”, “Torre de Babel” e “Antigos patriarcas”,
grosso modo, exceptuando-se as cenas marianas,
os três conjuntos que não pertencem ao Arcano e o já referido templo.
Neste piso existe uma maior fluidez de espaço e heterogeneidade temática, ao
que nos parece, já o disséramos.
Porém, se a orientação for a do
modelo dos “Mistérios do Rosário”, abarcaremos
toda a vida mariana distribuída pelos três pisos.
A sistematização do “Julgamento
de Cristo”, repetimos, ocupa toda a face 1 do piso 2, a das “7 Dores”, todo o
2º (biografia da mãe e do filho) e a da Paixão não extravasa o 2º.
“O Natal é uma festa celebrada
em toda a Christandade com o maior jubilo,- e a mais antiga na Egreja, depois
das da Paixão, Resureição, Ascenção, e Pentecostes, instituidas logo nos
primeiros tempos da nossa era, ...” [443]
6.2.9.2 Que significa Mistério?
Antes de prosseguirmos torna-se
útil definirmos mistério: “ O conceito bíblico de «mistério» não é o de
segredo, arcano, ininteligível mas o de acontecimento sinal- sacramento que na
história revela o plano de Deus” (Rom16, 25-27; 1Cor2,7-10; Ef.3, 1-12) Por
conseguinte” o Mistério de Cristo é o cumprimento do plano de Deus na vida e na
Humanidade de Cristo” (Ef1, 9-10; 3, 1-9; Col 4, 3).[444]
Esta anotação da 6ª edição da
Bíblia Sagrada de 1973, pós-Concílio Vaticano II, poderá não ter
correspondência anterior. Não deixa,
porém, de lançar luz sobre o desejo de Margarida de, em vez de ocultar os
planos de Deus, os divulgar.
6.3 Levantamento. Alguns
aspectos das legendas do Arcano.
Que serão “Labels”? Edward P.
Alexander diz-nos que são “ a basic means by which a museum transforms a
collection of objects into a story telling exhibition that communicates
effectively with its chosen audience”.[445] E
continua adiantando, como sendo seus objectivos, ”They must attract the viewers
attention, convey information about the objects on display in a concise, yet
understandable way, and, by successfully provoking his curiosity, motivates the
visitor to look at the whole exhibition.”[446]
George Brown Goode em 1895
dizia que as legendas tinham que focar dois aspectos: 1º- O literário,em que se
verificava ou não a concisão e a linguagem em que o leigo pudesse entender, e
2º -a sua legibilidade topográfica.[447] Ora,
apesar das legendas do Arcano estarem voltadas para o visitante, não são
reconhecidamente de tamanho que facilite a sua legibilidade. Para avaliarmos se
a linguagem do Arcano seria acessível (será?), precisaríamos de saber o nível
de instrução de quem o visitava. Eram as principais famílias da vila, da ilha e
de fora dela, entre estas muitos
estrangeiros. Saberiam latim? O latim do Arcano é a língua do alto, do sagrado.[448]Caso
curioso no nº69b-1(4) encontrámos uma legenda em latim e aquilo que parece ser
a sua tradução para português. O latim , com alguns erros à mistura, não nos
parece difícil de perceber. Confirmámo-lo com um latinista.[449] Os
quadros, em todo o caso, percebem-se pela sua iconografia. Não esquecer que a
maioria das legendas é em português.
Resta-nos a concisão.
Continuemos a analisar o quadro 69b,c e d-1(3). Torna-se perceptível ,
sobretudo no 69d, uma capacidade de síntese que, em termos actuais, dir-se-ia
que se aproxima da linguagem da banda desenhada. Aliás este parece ser o fio
condutor. Veja-se “O Mandato Novo”.[450] Aí
se encontram várias acções diferentes no
tempo mas que aconteceram no mesmo espaço. A explicá-las as legendas bem dentro
da tradição católica. Júlio de Castilho fala-nos das procissões de Ponta
Delgada e dos dísticos e letreiros que explicavam quadros bíblicos.[451]A
literatura religiosa também o ilustra à saciedade.
6.3.1-Instrumento de análise às
relações temático-espaciais.[452]
Tentemos um levantamento
temático-espacial que recorrerá à identificação das legendas existentes na
maioria dos quadros e à iconografia, ao nível mais elementar para, em primeiro
lugar, identificá-los e, em segundo lugar, tentar perceber o seu sentido ou
sentidos, sem ir, já o dissemos, à análise das formas das mensagens.[453]
Recorremos, no primeiro caso, à
Bíblia, versão contemporânea de M.e Margarida,[454]
confrontando o texto com a imagem dos quadros; no segundo caso, onde só existe
a imagem, fizemos o inverso. Em qualquer das circunstâncias partimos daquilo
que Erwin Panofski designa por fase pré-iconográfica, tanto mais que a nossa
familiaridade com a iconografia dos mesmos, na maioria dos casos, bastou para
os identificar. Confirmámo-lo sempre com
as fontes literárias conhecidas (de novo a Bíblia, Missal e Devocionário
Mariano), o que correspondeu a uma segunda fase, denominada análise
iconográfica. Nunca atingimos, como já foi dito, a interpretação iconológica.[455]
Dispensar-nos-emos, por já o
termos feito, de definir o que se entende por quadro ou situação.
Deter-nos-emos tão-só na análise de algumas dúvidas que permanecem.
6.3.2 Questões concretas da
identificação dos quadros do Arcano Místico.
O quadro nº8-3(2)-
(relembremos: O quadro 8 situa-se na segunda face do terceiro piso- para a sua
localização exacta consulte-se a Planta XXXV e reveja-se a sua definição no
ponto 1.5), sem legendas, foi identificado pelo P.e DrºHerminio Pontes como
sendo “Noé e os filhos”, correspondendo, grosso modo, ao Gn9,18-28 (livro do
Génesis, capítulo nono, versículos 18 a 28).
È plausível pensar-se que o
nº18-3(2), sem legendas nem figuras, visivelmente a estrutura de um templo,
semelhante ao de Salomão ( nº34-3(4) ), poderia ser a “Igreja Triunfante”,
completando-se assim a trilogia. O Arcano possui “ A Igreja Padecente”, parte
do quadro nº44.b-2(2) e “A Igreja Militante”, nº84-1(3).
O nº20-3(2/3) (Monte com o que aparenta ser um sol vermelho
que se projecta no tecto/céu do móvel de cujo cume saem labaredas ) não tem, desconhecemos se já teve, quaisquer
figuras ou legendas. Talvez possa corresponder ao “Monte Sinai onde ardia a
Sarça enquanto Deus falava a Moisés”.
Os quadros 58a-2(3) e 58b-2(3),
sem legendas, constituídos por duas carruagens independentes, tendo atrás o que
parece ser um poço e ficando próximos de um rio, por um lado e, por outro,
juntos a três quadros que dizem respeito a três episódios da vida de José do
Egipto e da sua família, dividiram a opinião de dois dos nossos informadores.
Se se relacionar com os últimos, poderá ser identificado com o Gn46,28-30 “José
manda buscar o pai.” Neste caso, e a julgar pela figura principal, seria ele
próprio.
Todavia, o P.e Edmundo Pacheco,
corroborado pelo P.e dr.º José António Piques, adianta outras possibilidades.
Seria o apóstolo Filipe e o eunuco etíope (At 8-26ss)? Ou seria ainda o profeta
Eliseu a curar Naaman da lepra (2ºRs5, 1-19)? São dois objectos pequenos, com
base de cartão, não tendo quaisquer marcas que lhes dêem direitos indiscutíveis
àquele espaço. Inclinámo-nos, todavia, para a primeira hipótese, seja pela
proximidade entre estes e os episódios de José, seja ainda pela semelhança
física entre o José e a personagem importante das carruagens. Deixemos, porém,
a dúvida.
Num espaço que nos parece
ambíguo, entre o nº60b-2(3) e o 60c-2(3) ( partilham o mesmo suporte), entre a
“Seara” que tudo leva a crer seja a de Booz, já que um quadro contíguo
(60a-2(3) ) intitulado “Rudit e Boó”(sic), aponta para tal, além de a iconografia
corresponder à descrição de Rut 2,1-23, surge um Cristo solto igual ao que
amaldiçoa a figueira(nº60c-2(3) ). Se estiver virado para a seara, já o
disséramos, significará uma coisa, se estiver de costas para a mesma e voltado
para o outro, provavelmente não será
mais do que a mesma situação em desdobramento de cenas: Cristo antes e perante
a figueira.
Tais desdobramentos existem em
outros quadros, por exemplo, “No Templo de Jerusalém Jesus entre os Doutores e
Rabinos” (nº62-2(4)- Lc2, 46-49), vemos no mesmo quadro o menino com os pais a
ver o mesmo menino entre os doutores.
Contudo uma observação
pormenorizada da iconografia inclina-nos a admitir que a “Seara” estará
relacionada com Booz e que Cristo deve anteceder, no espaço, o que amaldiçoa a
figueira.
Os números 77-1(2?)e 88-1(4?)
junto ao pilarete octogonal e por detrás da Lapinha (74-1(1)), somente
elevações montanhosas, mais o 92-1(4), junto ao lado esquerdo do observador do
piso um face um (da Lapinha) igualmente uma elevação montanhosa, ainda o
nº80-1(3), este último exibindo um anjo e pastores (Lc 2,8ss ?-Anúncio aos
pastores?) parecem estar ou terem estado ligados espacialmente de um modo mais
homogéneo e articulado com o 74-1(1) ( Lapinha. Na legenda Portal de Belém).Os
números 75a-1(2), 75b-1(2) e 75c-1(1), ligados aos “reis Magos” (sabe-se hoje
que não eram reis), também poderiam ter
feito parte deste conjunto.
Júlio de Castilho, como já
vimos, com a sua descrição dos presépios de Ponta Delgada leva-nos a admitir
essa possibilidade. O próprio aproveitamento do espaço no piso um reforça-nos a
suspeita.[456]
O nº81-1(3) foi identificado
iconograficamente com Tob 8,1-5, ou seja “Sara fica livre do Demónio”. Aliás o
nº82-1(3), junto ao último, representa inequivocamente a “ casa de Tobias
curando o filho, e segueira do Pai com o fel do Peixe”, Tob11, 10-13.
6.3.2.1 Não conseguimos identificar
O nº72-1(1), muito deteriorado,
com a legenda ”Casa de mulher.” Qual mulher? Seria a da autora? Parecendo que
Me.Margarida apõe a sua assinatura na obra ao presumivelmente colocar-se junto
a Maria, na Lapinha, não seria, pois, por esta ordem de ideias, inverosímil
admitir que a “Casa de mulher” pretendesse retratar a sua. Aquele quadro poderá
corresponder a Prov. 31,10ss.
O nº76-1(1) a que demos o nome
de diversos[457]
poderá estar interligado à “Conversão de S.Paulo”, nº73-1(1).Os números 52-2(3)
e 31-1(3/4), este último com três personagens sendo duas masculinas e uma
feminina num ambiente bucólico, sem quaisquer legendas, não nos dizem nada. O
último referido, colocado no vértice das faces 3 e 4 no piso um parece ter por
missão tapar ou compor aquele recanto. Nenhuma das personagens se parece com qualquer
das outras identificadas. Fica-nos a dúvida.
Os números 12-3(2), 13a-3(2) e
13b-3(2), como a própria Madre Margarida nos confessa no seu testamento, não
pertencem ao Arcano Místico. Contudo tematicamente, como veremos, até dariam
jeito que pertencessem, pois o 13a-3(2) “ contem o sacrifício de Abraham”,
passagem importante da História Sagrada, que não está figurada no dito Arcano.
6.3.3 Alcance e limite deste levantamento
O grande limite é o não
sabermos a ordem cronológica da sua feitura. Além do explicitado na alínea
anterior, convém referir desde já o interesse em estabelecer com este
levantamento um documento-base. Não fizemos, repetimos, um milimétrico,
tridimensional, pelas razões já aduzidas que cremos serem válidas. Fizemos um
bidimensional, pretendendo compensar esta lacuna com o registo fotográfico, a
fim de podermos analisar as relações temático-espaciais dos quadros entre si e
na sua relação com o móvel.
No fundo, reformulando o duplo
objectivo inicialmente adiantado, visamos obter duas respostas: 1-Que tipo de
objecto é o Arcano, se é composto ou não, pois tal permitir-nos-á legitimar uma
outra exposição; 2- Qual a mensagem de M.e Margarida ou a do Arcano tal como
hoje o vemos?
Qual será pois o interesse em
proceder a um levantamento espacial? Cremos que este critério, aliado à
temática dos quadros, talvez nos permita aceder à tipologia, a existir, de
ordenação dos mesmos. Como veremos, tal revela-se complexo e dependerá do critério
inicial de ordenação.
6.4 Diálogo; móvel, quadros e fontes
6.4.1 O lugar dos quadros no
móvel e nas fontes.
1-A sequência imediata da
fonte: ou seja quadros que estão tanto juntos no móvel como no texto ou outra
fonte que lhes deu origem.
Destes fazem parte, por
exemplo: os números 69b-1(4); 69c-1(4) e 69d-1(3/4) que correspondem à
“Travessia do Mar Vermelho”. Estão seguidos no livro do Êxodo e estão colocados
na face 4 do móvel.
2- Sequência espacial imediata
entre dois quadros do Arcano, saltando, de acordo com as fontes, e,
hipoteticamente, outros que poderiam eventualmente ter sido representados por
M.e Margarida.
Por exemplo: a seguir aos
números 58a e 58b-2(3) ( cuja atribuição é problemática, como vimos) poderiam
vir representações do Gn47, 1ss ou Gn48,1ss, trechos a seguir ao Gn 46, 28-30
(quadro em apreço). Porém, compreende-se, já que se trata de seleccionar “ os
principais acontecimentos”. Entendamos esta selecção como uma opção cultural
não exclusiva da autora mas da cultura católica da época. Entendamos essa
afirmação mais como uma hipótese de trabalho.
3- Sequência imediata dos
quadros, porém em locais diferentes do móvel:
a) Ou no mesmo piso mas ao lado
de outros quadros.
b) Ou em outro piso.
Todavia, ainda assim, surgem
alguns problemas. Vejamos. Existirá uma ligação voluntária, portanto
deliberada, de Madre Margarida ao colocar Jonas (78c-1(2) ) e Cristo (78d-1(2)
próximos espacialmente, partilhando do mesmo mar? Será o “Sinal de Jonas” (Lc11,
28ss e Mt12, 38ss)?
“ Pois, assim como Jonas foi um
sinal para os ninivitas assim o será também o Filho do Homem para esta geração”
(Lc11, 30ss liga-o ao 78a-1(2)).
Ou “ Assim como Jonas esteve no
ventre do cetáceo três dias e três noites (Jon2,1), assim o Filho do Homem
estará no seio da terra três dias e três noites. Os ninivitas hão-de
ressuscitar no dia do Juízo com esta geração e condená-la-ão, porque fizeram penitência
ao ouvir a pregação de Jonas” (Mt 12, 40-1).
Não serão, por seu turno, “a
manga e as duas panelas de vidro”, três objectos que, relembremos, estando
colocados no Arcano, todavia não lhe pertencem, continentes unificadores dos
respectivos conteúdos também tematicamente afins? Tal como o Arcano? Não
necessariamente.
Nos polípticos de São Vicente
de Fora, controvérsia à parte, sabemos quão importante tem sido desvendar a sua
ordem original. Nos painéis azulejados em geral existirão duas situações algo
diferenciadas. O enorme painel das batalhas do Palácio Fronteira (terceiro
quartel de seiscentos) e na mesma óptica o de São Francisco na igreja de São
José em Ponta Delgada parecem demonstrar que, apesar de existirem vários
quadros num mesmo espaço, este acaba por constituir a sua força atractora.
Um outro modelo apontará para
outra conclusão. Os painéis historiados (azulejos) de Nossa Senhora das
Necessidades divididos por cercaduras rectangulares individualizadoras, no
interior das quais se representam cenas marianas, seguem uma ordem visível indiscutível diferente da anterior.[458]
O Arcano possui estes dois
tipos de espaços. Exemplificaríamos o primeiro caso com os espaços mais fluidos
onde decorrem “os prodígios de Cristo” ( 2ºpiso 1ª face) e os segundos com o
“Gólgota”, entre outros. Qual seria a sua intenção? Não podemos, pois, de ânimo
leve, decidir esta questão. Vejamos algumas razões.
6.5 Diálogo móvel e quadros
6.5.1 Quadros e móvel
Na nossa óptica poder-se-á
estabelecer três tipos de ligação com o móvel.
1- Ligação temática na qual a
linguagem do quadro se completa no móvel. Os céus da Criação (nº1-3(1/4)) estão
indissoluvelmente ligados ao quadro. Eles têm o Sol, a Lua, as estrelas, o
firmamento, o dia e a noite tal como diz a passagem do Génesis, e só poderiam
figurar sobre ele, na parte inferior da abóbada do tecto. O mesmo se dirá do
Dilúvio(nº7-3(1/2) do 20-3(2/3), do 37-2(1/4) do céu do Gólgota (43-2(1/2):
“ Por volta da hora sexta, as
trevas cobriram toda a terra, até à hora nona, por o Sol se haver eclipsado. O
véu do templo rasgou-se ao meio,...” (Lc23,44-5)[459]
Ainda o nº51-2(2/3), entre
outros.
2- Uma ligação plástica- os
tamanhos e as formas claramente em função do móvel. Nestes incluir-se-iam todos
os cantos, mais todos os quadros da Paixão, Morte e Ressurreição no 2ºpiso, e
os palácios e templos centrais do 3ºpiso, mais o Portal de Belém e a Igreja
Militante no 1ºpiso, bem como a Travessia do Mar Vermelho e todo o complexo de
Nínive e Cristo ainda no mesmo piso, o 1º, na face 4 e o último na 2ª.[460]
Até aqui já nos referimos a um
número substancial de quadros do Arcano.
3- Existirá ainda uma linguagem
que decorre de uma preocupação cénica multi-quadros, que parece obedecer a uma
certa tipologia.
Grosso modo teríamos quatro
tipos de arranjos cénicos.[461]
a)- Os vértices das faces 1/2
dos pisos 1 e 2( que englobam o complexo da Paixão no 2ºpiso e o da Encarnação, no 1º) sugerem
um olhar tanto na oblíqua, a partir dos vértices, como circular.[462]
b)- Um segundo tipo poderia ser
exemplificado no 1ºpiso e nas faces 2 e 4, ocupando-as em toda a sua largura, o
qual se caracterizaria pela existência, no meio de uma superfície líquida, e,
nos extremos, elevações. Por detrás destes, em ambos os casos, e fazendo parte
desta encenação, dois dispositivos sobrelevados (Nínive e os sete pecados, na
face dois e as sete obras da misericórdia mais a ida a Belém na face quatro).
Neste modelo o olhar deve percorrer da direita para a esquerda ou vice-versa.[463]
Deixemos um aparte a propósito,
ao que cremos, no que concerne uma possível ligação temática entre o Moisés, na
face quatro, na Travessia do Mar Vermelho, e Cristo, na face 2, considerado o
novo Moisés.
c)- Um terceiro poderia ser
exemplificado observando-se as faces 2 e 4 do 3ºpiso e a face 4 do 2ºpiso.
Conjuntos de temas não seguidos, mas dispostos conjuntamente formando aquilo
que nos parece ser um padrão cénico. Constituir-se-ia por um conjunto de
construções colocadas nos extremos, ladeando um quadro central acentuando-lhe a
importância.
No 3ºpiso, 4ª face, temos o
exemplo do templo de Salomão, e, na face oposta, o templo que poderá ser a
representação da Igreja Triunfante.
Na face 4, e no lado esquerdo
do observador, os números 32 e 33-3(4), do lado direito, os números 35 e
36-3(4) ( este último, sem figuras mas com legendas, foi colocado atrás, porém,
tematicamente seguiria o 35). Ao fundo o templo de Salomão, como vimos.
No 2ºpiso teríamos os conjuntos do “Lava pés”
(nº66-2(4) de um lado, e “A vinda do Espirito Santo” (nº63-2(4), do outro,
ladeando o palácio de Caifás, ao fundo(nº64a e b-2(4). Neste último “Os pastos
de Labão” intrometem-se(nº65-2(4), mas não cortam a linha de visão.[464]
d)- E, talvez, um quarto tipo,
visível nas faces 1 e 3 do 3º piso. Um palácio central prolonga-se para o
exterior, colocando-se à sua frente elementos que o completam . O nº4-3(1)
“Palacio do Rei Salomão, entrada da Rainha Sabá” Deste palácio partem duas
filas de “mulas carregadas”. À sua volta foram colocados de uma maneira mais ou
menos livre, dispostos em círculo imperfeito, outros quadros. O mesmo se dirá
da face 3 daquele piso, só que, neste particular, e por estar menos completo, o
esquema, eventualmente, será menos evidente.[465]
Existem outros quadros, tal
como “ Jael matou Sizara com um prego” nº67-2(4), que parecem ter sido ali
postos por não haver outro espaço.[466]
Tal como qualquer outro
material, seja o vidro, a massa que inventou, ou a madeira, o espaço concreto
do móvel, no espaço preciso do quarto continente, condicionou o seu tamanho e,
ao que parece plausivelmente, promoveu uma relação dialéctica precisa seja na
execução seja na colocação dos quadros. Parece-nos também evidente que esta
relação nem sempre é milimétrica.
6.6 No interior do quadro
Muito embora Margarida consiga
tirar algum partido cénico do diálogo quadros/móvel, é no diálogo intra-quadros
que ela verdadeiramente se excede.
6.6.1 Linguagem intra-quadros
Esboçaremos apenas algumas
linhas, faremos uma incursão numa área que, muito embora seja aliciante,
pertencerá a outra pesquisa. As primeiras análises da obra (Félix e João Albino, já o disse-mos bastas vezes)
focaram questões decorrentes da sua mensagem simbólica.
Precisaríamos, para apurarmos
como “fala a imagem” em relação ao
texto, de nos embrenhar na semiologia ou na iconologia. Aproveitaremos, como
ponto de partida, e como termo de comparação apenas, o que se tem escrito sobre
a Banda Desenhada.
Fazemo-lo, é bom que o
precisemos, não porque achemos que a B.D. tivesse servido de modelo a Madre
Margarida, o que seria incorrer em anacronismo, pois a primeira B.D. terá
aparecido em França c. de 1836 e nada nos comprova que tenha, desde logo,
chegado aos Açores, mas porque este meio de expressão, que se aproxima, na
nossa óptica, à do Arcano, tem sido objecto de estudo sob o ponto de vista da
comunicação.[467]
Évelyne Sullerot dá-nos uma
definição útil: “A história aos quadradinhos é uma engenhosa combinação
imagem-texto em que a linguagem só desempenha o papel exactamente limitado que
goza na vida: o da palavra.”[468]
Diz ela ainda que o texto se
insere livremente, dormitando por baixo da imagem, sendo claro que o processo
mais frequente seja o do balão.[469]
Devemos ir além e tentar
observar o ritmo da sucessão das imagens. O Arcano, por exemplo nos quadros da
Paixão, possui claramente ritmo. Vejam-se, ainda entre outros, o Calvário.
“ A imagem já mantém com o
texto uma relação dinâmica. Mas o ritmo essencial da história aos quadradinhos
é dado pela relação entre as diferentes imagens. A história aos quadradinhos é
absolutamente o contrário dum álbum de desenhos onde cada qual constitui um
todo. Numa gravura, cada desenho tem um valor relativo e o problema da historia
aos quadradinhos, desde a origem, foi organizar um ritmo de maneira a sugerir
movimento.”[470]
Pretendemos tocar, ao de leve,
em quatro pontos. Em primeiro lugar, e referindo-nos ao Arcano, parece-nos que
a imagem dos seus quadros diz mais do que o resumo constante nas suas legendas.[471]
Em segundo lugar, fala,
recorrendo à autora como narradora ou a outra personagem, por exemplo a Moisés
na Travessia do Mar Vermelho.[472]
Em terceiro lugar, as legendas
explicam resumidamente as situações ou caracterizam personagens. Algumas
personagens ilustram as falas recorrendo à filactéria ou balão.[473]
Em quarto lugar, existem casos
de multiplicação sequencial de episódios num espaço próximo. Por exemplo,
Cristo a caminho do baptismo, nº59-2(3), cenas no Gólgota, cenas no monte das
Oliveiras, Jesus aproximando-se da figueira, entre muitos outros. Ainda, e para
não deixarmos de referir as mais importantes, a de Jonas , a Travessia do Mar
Vermelho, os “reis Magos”, todas as sequências da Paixão. Esta quarta
observação corresponde a uma tendência sempre presente na linguagem do Arcano.
Toda a linguagem se percebe em
relação aos referentes livros sagrados,
às disposições conciliares e a outros escritos. De pouco adiantará
referirmos ou inventariarmos, tanto quanto o entendemos, o tipo de símbolos
utilizados. Já nos referimos aos números, poderíamos acrescentar, ao que foi
dito na parte final do capítulo anterior, os símbolos gráficos tais como Alfa e
Omega, os geométricos
(o triângulo com o olho
inserido), e todos os instrumentos da Paixão. Toda a iconografia, por se
cristalizar em grandes durações, pode, ela própria, ser tida como linguagem
simbólica. Não esqueçamos a representação dos sete pecados, dos sacramentos e
das obras da misericórdia.
Depois de termos somente
insinuado a existência de uma linguagem inter e intra quadros, temos a perfeita
consciência de mais não termos feito do que abrirmos um caminho a um estudo de
semiologia do museu.
Porém, que fique bem claro e
como fio condutor de todo o capítulo que agora encerramos e em resposta às
perguntas que enunciamos, ou seja:
1- Qual a relação entre o móvel
e os quadros?
2- Quais as mensagens?
Existem, como foram existindo,
a vários níveis, entre ambos, relações fortes. Sobretudo existirá uma incógnita
que, mau grado a pesquisa persistente, nos leva a ser prudente. Desconhecendo a
sua mensagem inequívoca, afigura-se-nos perigoso mexer no móvel, muito embora
não deva ser tabu.
Finalmente, a interpretação
parece apontar para uma polissemia, já que poderão existir múltiplos
critérios e múltiplas matrizes que
promoverão múltiplos itinerários para o olhar, assim como múltiplas ordenações
.Poderão ser cíclicas, biográficas, cronotemáticas etc. . O que nos torna ainda mais cauteloso.
6.7 Relações significantes
6.7.1Relações significantes
entre a autora intérprete e o visitante
Entraremos mais a fundo nesta
temática no próximo capítulo. Entretanto, convém ao menos esboçarmos algumas
linhas na importante relação significante (elo atractor) da autora com a sua
obra face ao visitante. Todavia estamos convicto de que tudo o que possamos
dizer, lamentavelmente, não andará muito além da conjectura.[474]
Aquela ou outra ordem, admitamos que diverge da que
deixou, seria interpretada pela própria. Sena Freitas refere-se directamente a
este aspecto.[475]Ou
ela própria.[476]
José Maria Vasconcelos também o referirá, ainda que não explicitamente.[477]
Com o seu desaparecimento e sem
o seu “guião”, queremos dizer
sem o registo directo do que
dizia durante as visitas, talvez só nos reste
tentar analisar os depoimentos daqueles que no tempo dela a visitaram.
Talvez naqueles registos ecoe de certa maneira a voz da autora. Talvez tão só
pudessem receber a sua aquiescência; ainda assim eles valer-nos-iam. O de Félix
José da Costa, somos tentado a pensá-lo, assemelhando-se a uma estrutura de
visita guiada, poderá eventualmente reflectir o que pretendemos.[478]
6.8 Algumas notas sobre a
temática observada e analisada
Toda a linguagem do Arcano,
simbólica ou não, será, foi-nos dito, facilmente apreendida por um católico que
ainda tenha vivido sob os ditames e os rituais anteriores ao concílio Vaticano
II.[479]
Respira-se nele uma certa
ambiência romântica, embora muitas das fontes iconográficas denunciem várias
escolas artísticas. Sente-se, o que é por demais confirmado, a visão tridentina
do catolicismo, na qual se realça e dá ênfase aos sacramentos da confissão e
comunhão
(veja-se a enorme hóstia na
Igreja Militante) e à hierarquia nitidamente monárquica (como também se verá no
mesmo quadro). A julgar pela análise do testamento da madre, como vimos, dariam
grande importância aos aspectos ritualísticos da religião, tal como em grande
número de situações existentes no Arcano.[480]
Cristo e sua mãe aparecem
indissoluvelmente ligados, seguindo-se de perto São João Evangelista, seu
padrinho. Registe-se que M.e Margarida sublinha a passagem do Evangelho, no
Gólgota, em que Cristo, já na cruz e prestes a expirar, diz, voltando-se para João,
e apontando para Maria, sua mãe, “eis a tua mãe”, e, para Maria, apontando para
João, “eis o teu filho”. (Jo19, 26-7) Coloca-os em episódios que não encontram
suporte nos evangelistas. Veja-se “ Em o senaculo Maria S.ma
em sua soledade”, nº63-2(4) (piso um do
quadro).Por que será que o faz?
Registe-se que dos dois altares
laterais da “Igreja Militante” , um corresponde a Nossa Senhora das Dores
(trespassada por uma espada- note-se as “sete dores”), o outro, Cristo
Crucificado, patrono do convento onde esteve três décadas. Face a face duas situações
da Paixão, face a face mãe e filho. Outras fontes por nós consultadas foram
peremptórias e unânimes na apreciação que fizeram: “ Vê-se logo que ela era
franciscana” e, “ porque foram os franciscanos os grandes mentores da Paixão,
do culto mariano e das celebrações natalícias nas ilhas dos Açores. ”Outros
porém disseram: “Se não fossem eles, eram outros...”[481]
Todo o Antigo Testamento existe
em função do Novo, o centro está em Cristo. Todavia, uma das nossas fontes
recomendou-nos prudência nas nossas tentativas de correspondência entre o Novo
e o Antigo testamentos.
Moisés, o grande profeta
anterior a Cristo, tal como Cristo, foi para o Egipto e aí por diante como
anunciavam os profetas. A este respeito são elucidativas as cenas do nascimento
e da morte e ressurreição; pontos-chave da vida de Jesus e da sua Igreja.
Parece-nos possível
sistematizar o Arcano organizando-o em diversos grupos temáticos.
Num primeiro grupo teríamos a “
Criação do mundo, a sua destruição e a sua reconstrução com Noé, considerado o
Novo Adão.” Cristo é tido, às vezes,
como o novo Noé. Uma segunda unidade viria de Abraão até à saída do povo
Israelita do cativeiro egípcio, liderado por Moisés. Cristo também seria
apelidado pela igreja como o novo Moisés, já o dissemos.[482]
Um terceiro bloco agruparia os
quadros de Saul a Salomão, o construtor do Templo. Cristo fez várias
referências àquele templo e foi considerado o templo vivo. Depois teríamos
vários modelos comportamentais, tanto masculinos como femininos, ao longo do tempo
do Antigo Testamento.
Temos a vencedora do pecado
original, Maria; heroínas de Deus, Judite; virtuosas, Casta Suzana; velhacas,
Dalila e vingativas, Tamar. Homens virtuosos como Job, Tobias, Jonas e um
traidor irremediável e imprescindível: Judas o “ Iscariotes”. No quadro
nº41c-2(1), “ O Sr. perdoa a Adultra; /”Conversão da adultara” surge Cristo a
escrever no chão: “Iscariotes” sinal de que ela dá importância à traição poderia ser também documentado não
só na última ceia como no beijo de Judas, respectivamente 66-2(4)- 1º e 2º
pisos do quadro em apreço e 53b-2(3). Madre Margarida regista uma situação
veiculada fora dos textos bíblicos, o primeiro caso, porém, não regista (pelo
menos não sobreviveu) o tradicional “Enforcamento de Judas”. Porquê? Este
último não consta dos Evangelhos.[483]
Quanto ao primeiro: “Judas terá beijado Cristo, não na face, como é comum
ver-se (anacronismo ou interpretação livre) mas na mão, em sinal de respeito.
Mas é bíblico.”[484]
Jesus Cristo participa na
Trindade, surge-nos no ventre, como criança, adolescente, jovem e adulto.
Deus participa mais outros
seres sobrenaturais. Este aparece, cerca de vinte e sete vezes (veja-se Q. II),
o Espírito Santo vinte e três e os anjos catorze. Estes últimos quase sempre
anunciadores da proximidade da
divindade, seja como mensageiros seja como defensores dos eleitos de Deus ou
simplesmente como membros da corte divina.
Os profetas, e surgem-nos
diversos, são também a voz de Deus. Estes aparecem, por exemplo no Nascimento, naquilo que os
teólogos chamam por “Teofania”.
O mal está sempre presente: o
Diabo surge pelo menos doze vezes.
Há um destaque especial dado a
José do Egipto e à sua biografia edificante.[485]
Os resultados destes quadros de
personagens confirmam o que Madre Margarida disse no seu testamento acerca da
sua crença religiosa, muito em especial as suas devoções preferenciais
distribuídas em hierarquias de eficácia.
Confirma a ideia de que se
vivia num mundo que acreditava que as forças sobrenaturais coabitavam com
regularidade com o mundo dos vivos, tanto as forças do bem como as do mal.
Junto aos vivos, os mortos, que se sepultavam sete palmos abaixo das lajes das
igrejas.
Cristo é visto como o
continuador indiscutível e o auge da reforma iniciada por Moisés. É
sintomático, a este respeito, o quadro da “Transfiguração”- Moisés e Elias são
figurados junto de Cristo. Tal como diz o Evangelho.
A autora, suspeitamos, não quis
deixar-nos sem a sua como que assinatura, retratando-se, talvez o termo seja
forte de mais, junto a Maria no “Portal de Belém”.[486]
6.9 Ponte para o capítulo seguinte
Que relações foi a autora e a obra desenvolvendo
com alguns dos seus intérpretes desde então até hoje? Qual o valor, qual a
apreciação que lhe deram? Analisemo-lo tomando como ponto de partida, como
paradigma, aquilo que pretendeu a autora.
VII
A Obra
e a criadora:
Pequena
súmula analítica do que terão sido as diversas interpretações do Arcano Místico
e subsídios para uma interpretação
inserida numa estrutura museológica
7.1 Explicação
Neste capítulo tentaremos
aprofundar os nossos conhecimentos acerca das
interpretações passadas do Arcano Místico, jogando com todos os documentos de que dispomos. Assim,
servimo-nos da nossa experiência e de relatos de vida de artistas. Em parte,
não passarão de conjecturas mais ou menos plausíveis. Devemos levar a
sério os alvitres de Jacques Le Goff quando diz que o
historiador (refere-se à biografia) ”doit être capable, grâce à sa familiarité
avec les sources et avec la période où vit son personnage, de mettre dans les
documents eux-mêmes, grâce à un <démontage approprié>, des <effets du
réel> à la vérité desquels on peut conclure.”[487] Mas
adverte-nos para os silêncios, para a liberdade das personagens, para as suas
incertezas, incoerências, coerências, em suma, para a humanidade da pessoa. Daí
o limite da plausibilidade baseada em linearidades. Daí o perigo de preencher
os silêncios com o ” verosímil quanto baste. ” Tem de haver prudência.
O Arcano Místico na óptica do
passado, como iremos tentar ver,
terá de servir de base de reflexão ao presente. Analisá-lo-emos na
qualidade de modelo de interpretação ou de comunicação visando
um público (a partir de c. de
1835).
Recorreremos a um modelo
simples de “emissor e receptor”, entre os quais circulam mensagens num
determinado código e num determinado contexto através de um canal.
A obra, já o dissemos no ponto
1.4 da Introdução, todavia parece-nos importante repeti-lo na íntegra, estaria
consubstanciada num agregado de sinais visuais (linguagem não verbal, ou seja: gestos,
atitudes, ademanes, indumentária, cores, outros símbolos, iconografia) aliados
à linguagem verbal escrita (legendas) e falada (intérprete - a autora,
primeiramente, os diversos cicerones, depois).
O canal, talvez o principal,
por onde circularia a mensagem, seria o móvel e os quadros no seu interior,
numa relação dialéctica assaz dinâmica enquanto a autora viveu, e cristalizada,
após a sua morte em 1858.
Veremos que, além do móvel,
existirão dois outros conjuntos em relação significante, ou seja, a “ manga e
duas panelas de vidro” mais o altar de São João Evangelista, não omitindo a
relação do espaço
concreto da casa, dita do Arcano, como outro interlocutor válido, nem
tão-pouco, a partir de 1870, o espaço do coro alto, onde ainda hoje e desde
então se encontra o Arcano.
À medida que a voz do emissor
se vai perdendo na memória, alguns receptores (os que escreveram sobre a obra),
tornam-se, talvez não obstante eles mesmos, em emissores. A sua versão
transforma a mensagem, passando a ser a própria mensagem; modificando-lhe as
perspectivas e o acento tónico iniciais.
No início terão coexistido,
naturalmente, os aspectos de “edificação religiosa” com os artísticos. A partir
da década de sessenta do século passado, de acordo com os documentos que
possuímos e tal como já o dissemos em capítulo anterior, dá-se mais ênfase aos
segundos, e, nalguns casos, somente àqueles.
Numa segunda fase (com o
desaparecimento da autora) parte do canal (móvel e seu conteúdo) passa a
funcionar como fonte exclusiva da mensagem, sem que lhe sobrevivesse o elemento
catequético.
As diversas escolas artísticas,
recordemo-lo, têm fornecido, desde então, os parâmetros avaliadores da obra.
Estes quase nada consideram da autora e da sua época. Julgamos que tais
tendências têm de ser avaliadas, agora e aqui, criticamente. Até ao presente,
terão existido, porventura, quatro situações. Situação entendida como o estado
em que o Arcano e o que se fazia e dizia à sua volta se encontrava num
determinado período.
7.2 Óptica do passado
7.2.1 A 1ª
Situação[488]
Num espaço próprio da casa alta
da rua de João d’ Horta, onde desde 1835 até falecer moraria, o Arcano foi-se
construindo, estamos em crer até 1854, pouco antes ou pouco depois, já o
referimos. Em qualquer dos casos não nos parece que ela tenha, depois daquele
período, trabalhado consistentemente e com o empenho e a dedicação de outrora,
nem a idade, nem a doença, nem o tempo que dedicou ao culto de São João,
repita-se, o permitiriam. Aí o ia mostrando, talvez inicialmente num contexto
diferente daquele do móvel. Tomemos, sugerimo-lo, como modelo de análise o que
se diz na definição por nós já referida de interpretação, ou seja, grosso modo”
What’s said, done or shown...”[489]
A) Fazia
Ia plausivelmente mostrando o
resultado do que fazia, sem contudo, explicar como o fazia, sobretudo como
descobrira a receita da massa das figuras.
Recebia, por delicadeza: “ ...,
seria offença escandelloza (sic) negalhe (sic) a linça que pedem tendo eu por
condição Natural não offender as Pessoas que mereçem Respeito e atenção...” [490]
Sobretudo nos últimos anos da
sua vida. Parece que já em 1848, pelo menos, o Arcano atinge a fama, muito
provavelmente por influência directa ou indirecta do magistério de Castilho e
da Sociedade Escolastico-Filarmónica da Ribeira Grande.[491]
Quiçá, já por alguma
responsabilidade perante as pessoas, como se depreenderá do Avizo publicado no
“Açoriano Oriental” em 1848.
“ A abaixo assignada , n’estas
poucas, e desarranjadas linhas, com o maior respeito faz saber ao Publico, que,
conhecendo a sua avançada idade, e moléstias incuraveis, não pòde (sic)
franquear-lhe a sua casa” Repetilo-ia em 1856 no “Estrella Oriental.”[492]
Talvez os tratasse com a mesma
cortesia que, por exemplo, e já o insinuáramos, os viajantes estrangeiros no-lo
descrevem para as visitas às grades conventuais: chá e doces e muita
disponibilidade para entreter as visitas. Tendo sido freira conventual, e sendo
tal considerado um acto de cortesia, sendo ela considerada cortês, decerto que
o faria. Para que necessitaria, se assim não fosse, dos tabuleiros de chá e dos
cálices?
B) Mostrava
Um pavilhão quadrilongo
envidraçado, no dizer de Félix José da Costa, dividido em três pisos, onde a
autora colocara em simbiose os quadros. Não sabemos se teria sido sempre assim
desde o início.
Estaria o móvel em cima de um
estrado tal como o vemos hoje? Estava, sabemo-lo, “num dos melhores quartos da
casa,”[493]
mas desconhecemos se já tinha o banco ou
cortinados.[494]
Mostrar-lhes-ia não só o Arcano
Místico mas igualmente o altar da sua devoção, com a sua imagem milagrosa, onde
apreciavam, como nos disse José Maria, a toalha, e as panelas e a manga de
vidro, sendo esta última considerada como que o resumo do Arcano e, por muitos,
ainda segundo o mesmo informador, como a sua melhor obra. Seria o resumo do
projecto de M.e Margarida? Teria sido ela a dizê-lo?
Como boa anfitriã, mostraria inclusive as
peças de pano e as flores que fazia e não recusaria vender-lhas, se assim o
pretendessem. Também não poderia recusar mostrar-lhes a casa, na parte de trás
da qual se descortinaria uma imponente vista da baía.[495] ”As
pessoas que nos pareciam (a José Maria) mais habilitadas para faze-lo
estremavam com as suas mais delicadas
obras uma toalha com que ornava o altar de São João, e o como desenho, ou miniatura do Arcano...”[496]
Servia um refresco, sobretudo
para os que de fora vinham. Ponta Delgada ficava a mais de duas horas de distância, no dorso de uma mula
e por caminhos poeirentos, tornava quase obrigatório.
Di-lo de novo José Maria,
cunhado do irmão: “Como pessoa de tanto espirito foi sempre agradavel nas
sociedades, em que se achava, e com quem a procurava; e a delicadeza,
affabilidade[sic] e boas
maneiras, com que tratava a todos, unidas á gravidade, com que sempre se
conduzio, a tornaram respeitada por quantos a conheceram.”[497]
Não cobrava entrada para se ver
o Arcano pois , segundo ela, seria pecado fazer comércio com as maravilhas que
Deus obrou.[498]
A quem mostrava a sua obra? Às
principais famílias da vila e da ilha e aos estrangeiros curiosos, segundo José
Maria, João Albino e Félix José da Costa.[499]
Segundo a autora e, repetimos,
“as Pessoas que mereçem Respeito e atenção...”[500]
E a quantidade de visitantes?
Não possuímos números, tão-só impressões não quantificadas. Há quem diga que,
dada a natureza das comunicações internas na ilha, nunca seria possível esperar
grande número de visitantes. Todavia, temos que fazê-lo inserindo-nos no
contexto da época em questão. Em primeiro lugar seria bom perguntarmo-nos quem
seriam as pessoas que se deslocavam? Os estrangeiros. Além destes, aquelas
pessoas que podiam sair dos seus afazeres ou que tinham afazeres e lazeres por
estes lados, seja nas Caldeiras seja nas Furnas. Nunca, ou raramente, seriam
camponeses, por exemplo.
Madre Margarida refere-se a uma grande afluência de gente.[501]
José Maria diz “ Senhora cuja casa foi
bastantemente frequentada nos últimos annos da sua vida”[502]
C) Dizia[503]
A aceitarmos a natureza
polissémica das mensagens do Arcano Místico, torna-se plausível, supomos,
imaginarmos uma certa relação explicativa da autora, para além das legendas, e
ao contrário destas, que são de natureza fixa, com um carácter variável.
Variabilidade que decorreria de vários vectores, designadamente dos
itinerários, como vimos, mas também de acordo com o interesse dos visitantes,
expresso pelo tipo de perguntas que formulassem, pelo cansaço da autora, ou
pelos seus interesses pessoais.
A emissora funcionaria também
como receptora, sobressaindo o seu carácter amável e simpático, que a impeliria
a ouvir os outros. Trocar-se-iam ideias, haveria oportunidade de diálogo, seria
útil até ouvir a opinião dos que, tendo visitado outras curiosidades, em outros
lugares, poderiam ajudar a ver a autora, quer por comentários quer por
alvitres. O processo criativo fertiliza-se, bastas vezes, em pequenos
fragmentos de coisas aparentemente sem importância, mas que, associados a uma
grande imaginação, acendem-se, encaixam-se na peça que faltava.
Pode-se, por este processo
hipotético, mas plausível, conjecturar que a ordem da feitura dos quadros tenha
também a ver com a ordem das sugestões que o contacto com o público,
provavelmente, proporcionaria, mesmo indirectamente, a uma mente tão criativa
como a de Me Margarida. Ainda presumivelmente o período mais estimulante teria
sido aquele à volta das duas exposições de Ponta Delgada.
Nem que fossem tão- só os
encorajamentos recebidos pelos inúmeros elogios que recebia. Estes funcionariam
como o estímulo que a manteria interessada na realização da sua obra.
De que se falaria? A julgar
pelos testemunhos coevos que chegaram até nós, falar-se-ia de aspectos
catequéticos, que poderiam levar a falar da contemporaneidade da mensagem
religiosa, de aspectos artísticos , técnicos e biográficos.
Não devemos esquecer que a
autora era considerada uma conhecedora profunda das Sagradas Escrituras, ao
ponto de José Maria desculpar-lhe o confessor por saber menos do que ela.[504]
O mesmo lhe era reconhecido em relação à
sua imaginação e capacidade artística.[505]
Mas, para uma boa mulher católica, esta seria uma vaidade que deveria ser
temperada com humildade.[506]
Não temos, e provavelmente
nunca teremos, nenhum guião da exposição feito por M.e Margarida. Tanto mais
que, tal como nos disse José Maria, ela teria queimado papéis e não se teria
nem a teriam preocupado com tal, porém temos ecos de quem a ouviu. Di-lo J.
Maria, repete-o Félix e João Albino.[507]
Era a História Sagrada desde a
criação do mundo até à emancipação do homem, que, no seu interior, implícita ou
explicitamente, promove uma diversidade de olhares .
Era a apreciação da obra-prima
digna, segundo Félix, de figurar em Exposições Universais. No ano antes ou no
seguinte fora ou iria uma representação de São Miguel. Que saibamos nunca o
Arcano terá saído da Ribeira Grande. Não é contudo de excluir que algum dos
seus quadros tenha.
Era a obra que sobressaíra, das
que tinham sido expostas em 1848 e 1849 em Ponta Delgada por iniciativa dos
Amigos das Artes e das Letras, não obstante ter, tanto quanto sabemos,
permanecido na vila.
7.2.2 2ª Situação
De 1858 a 1870 o Arcano Místico
passa de privado à posse da Confraria do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz
da Ribeira Grande que o recebe e às casas para, em troca, promover enquanto o
mundo fosse mundo e a religião católica durasse, o culto de São João
Evangelista. Culto que, como vimos, consistia na manutenção do altar e na
promoção anual da festa.
Que distinguirá esta da 1ª
situação?
A emissora morrendo, acaba-se a
relação dinâmica com o canal, acaba-se a obra, ainda que incompleta, que, pura
e simplesmente, cristaliza. Também já não havia o altar de São João, que fora
transferido para a Igreja Matriz.[508] As
panelas e a manga de vidro tinham sido colocadas no interior do móvel, ainda em
vida da autora. A casa deixara de ser a
casa de Madre Margarida Isabel do Apocalipse, freira egressa do mosteiro de
Jesus.
Além do mais, sem quaisquer
directivas escritas, como guiar doravante as visitas? Vejamos.
Dois anos após a morte de M.e
Margarida, a casa é alugada a D. Eudeviges de Vasconcelos.[509]
Esta senhora era a viúva de Manoel António de Vasconcelos, irmão de José Maria,
cunhado de Teodoro José, irmão de Margarida, cunhada da cunhada de Margarida.
Deve ter tido oportunidade de visitá-la, ainda em vida, e o mesmo deveria ter
sucedido a seu marido já falecido e fundador do jornal “Açoriano Oriental” para
onde Madre Margarida enviara um Avizo. Teria tido ainda oportunidade de ouvir os
cunhados falarem da autora e da sua obra. A esta distância, e sem provas, a não
ser as circunstanciais, eis que se nos depara uma boa cicerone. Era culta e
viera da cidade de Lisboa onde o marido a conhecera quando fora deputado às
Cortes.[510]
Receberia a nova inquilina,
viúva e recatada, como a moral o exigia, os visitantes como Me. Margarida o
fez?
A nova proprietária do Arcano,
a Confraria, tenta desde logo vendê-lo.[511] Não
o conseguindo com a celeridade que desejaria, decide, tal como as casas, pô-lo
a render.[512]
No seu relatório de contas a
Confraria regista na sessão de 29 de Julho de 1865 ” Arcano e renda da Casa em
que o mesmo está collocado/119$020 (réis).”[513] O
aluguer da casa era 15 000 réis anuais, pelo que se depreenderá que os
restantes 104$020 digam respeito às receitas do dito Arcano. Seria uma quantia
apreciável a julgar pelos 300 000 réis que em 1837 pagara pela casa alta M.e
Margarida e, pelos 341 000 rs. que em 1878, pela mesma casa, pagara o drº
Manuel Botelho Nobre Barboza da Veiga. Portanto, pelo menos a partir de 1865,
confirmamos o recebimento de dinheiros relacionados com o Arcano.
De uma fase, em que a autora e
proprietária deixava por delicadeza franquear a sua porta às principais
famílias e estrangeiros, passou-se “ a permitir o uso”, como já em 1885 o
registamos.[514]
É, porém, neste período, que a
mensagem, mercê das opiniões dos Marqueses da Ribeira Grande, em 1867,[515] e
de Raimundo Bulhão Pato, no ano seguinte,[516] é
recebida e interpretada só, a julgar pelo que escreveram, a partir de
parâmetros das Belas Artes.
Seriam ou teriam os inquilinos,
primeiramente Dona Eudeviges de Vasconcelos, em seguida e já em 1866, Inocêncio
Paulo da Rocha, um papel na recepção e interpretação do Arcano aos visitantes?[517]
Este último, segundo dados
obtidos junto a familiares,[518] e
segundo o testemunho do drº Luís Bernardo Leite de Ataíde, teria sido um
talentoso e “artístico” serralheiro.[519]
O provedor deveria ser o
cicerone em casos que exigissem maior cerimónia. Além dos cicerones da ilha que
acompanhavam igualmente personagens ilustres como o registámos para Bulhão
Pato. Dos outros casos ocupar-se-iam, por favor, supomos, pois não conhecemos
nenhuma cláusula a este respeito, os inquilinos da casa.
A necessidade, por parte da
Confraria, de capitalizar todos os bens legados, enquanto não os vendessem,
deve ter, sem dúvida, contribuído para “permitirem o uso” de visitar o Arcano a
um maior e mais diversificado leque de
pessoas. Haveria, por esta altura, por outro lado, uma enorme curiosidade, por
parte daqueles que, e seriam em grande número, ainda não o tinham visto.
A afluência desejada pela
Confraria entraria decerto em conflito com o sossego pretendido pelos
inquilinos, que, além do mais, se viam privados do uso de um dos melhores
quartos da casa, ocupado pelo Arcano. A renda mais baixa, segundo documento da
confraria, compensá-lo-ia.[520]
Lembremo-nos
de que nem todos entrariam na casa da freira.
Os telhados da casa e alguns
soalhos vão-se degradando, reflectindo-se no seu recheio, ao ponto de em 1868 o
Arcano ter sido reforçado com imensos pregos.[521] São
igualmente feitas outras obras de manutenção.[522]
Nesta segunda situação,
caracterizada desde logo pelo desaparecimento da autora como elemento fulcral,
algumas personalidades fortes, ao opinarem, marcam e recriam, assim nos parece,
a mensagem inicial. Por seu turno, os intérpretes humanos vão fazendo eco , por
um lado, daquilo que recordam, por outro lado, daquilo que vão de novo ouvindo,
sobretudo dos primeiros.
Alteram-se as relações entre o
Arcano e o altar de São João, como vimos; começam-se a cobrar entradas
(desconhecemos se já existiria, como existirá mais tarde, uma tabela) e o
público aumenta e diversifica-se. Parte daquilo que hoje se designaria por pacote
da visita, ou seja o chá e os doces, já não farão parte da visita. As relações
tornam-se menos imediatas.
A julgar pela análise que
fizemos aos testemunhos deste período, Marqueses da Ribeira
Grande e Bulhão Pato, começa-se a ver a obra, embora ainda ligada à autora e ao
seu contexto, de uma forma pejorativa.
Ao avaliarem o Arcano,
avaliam-no tendo como termo comparativo as Belas Artes, e, para o caso de
Bulhão Pato, liberal, o Arcano seria o eco de uma época obscura ultrapassada.
Já neste século assistiríamos a uma reacção, também exagerada, mas de sinal
contrário.[523]
7.2.3 3ª Situação[524]
Dá-se uma mudança de cenário e
desiste-se, o que é um factor decisivo, da sua venda. Inicialmente, logo em
1858,[525]
fora dada autorização para tal operação, porém o último pedido, feito ao
governo central, não obtém, pelo menos desconhecemos, resposta. O que se
conhece é a vontade de o manterem.[526] Que
os teria feito mudar de ideias? Tê-lo-iam, de alguma forma, a comunidade, as
pessoas mais influentes, impedido? Não vemos que os rendimentos do Arcano
tenham tentado seja a confraria a mantê-lo seja qualquer cidadão ou instituição
a adquiri-lo.[527]
Já em 1858 se falara do seu valor de estimação.[528]
Teria a própria família, que
continuava influente no meio, dissuadido a confraria? José Maria, no muito
citado artigo, refere que uma das possíveis causas da perda, para ele provável,
do Arcano, seria uma má disposição testamentária.[529] Estaria
ele, por outras palavras, a lamentar que este importante móvel não tivesse ido
parar às mãos da família? Teria a iniciativa partido do governo central?
São tudo conjecturas. Este
aspecto é muito importante porque talvez indicie o início de uma nova atitude
oficial perante o património. Talvez também
indicie uma apropriação patrimonial por parte da comunidade ribeiragrandense.
Segundo nos foi dito pelo dr.º Jorge Custódio, o governo central estaria por
essa altura a preparar legislação a este respeito.[530] Não
esqueçamos o papel, então desenvolvido, por Alexandre Herculano.
Seja como for, o móvel,
considerado importante, foi transferido, salvo erro em Maio de 1870, para o
coro alto, onde ainda hoje se mantém, sob a orientação de Pedro de Araújo Lima,
alguém, como vimos, que conhecera de perto a sua autora. Inclusive, teria,
suspeita-se, sido o autor do dito móvel. Nada mais plausível do que pedir ao
autor que o desmontasse e remontasse.
Um outro aspecto a que já nos
referimos sobejamente prende-se com a rigorosa transferência do conteúdo do
móvel. Verificámos, quanto a este último, ter havido certa confusão, a julgar
por algumas marcas. Quanto ao recheio, se já tínhamos algumas dúvidas em
relação ao ocorrido na 2ª situação e em finais da 1ª, neste avolumam-se as
interrogações. Todavia, não cremos estar perante um caso de mudanças de vulto.
Esta situação, a 3ª,
manter-se-á, no essencial, até hoje. Não fora a mudança em 1912 de um uso em
permitirem-se visitas para a obrigatoriedade e gratuitidade de um serviço
público, e não proporíamos, com algumas reticências, uma quarta situação.[531]
Aqui, e comprovadamente, o
móvel é colocado, veja-se nota de mudança, sobre um estrado.[532]
Temos notícia documental de quinze metros para cortinados do Arcano, porém não
sabemos como os colocariam e se se referem ao móvel ou ao quarto. Com uma porta
e uma janela e uma balaustrada, não vemos por que no documento não se
explicitasse : cortinados para a janela e porta do coro do Arcano. Tanto mais
que, como já dissemos, o recurso a cortinados parece ter conhecido um enorme e
variado uso.
O banco que hoje vemos também
poderia ter sido feito então, pouco depois, ou vir do tempo de M.e Margarida.
Se era e é imprescindível, para quem queira chegar ao 3º piso, o uso desta
peça, ainda mais o seria para quem tivesse que manusear os seus quadros. Alguém
com menos de 1,70 não veria, sem banco, o 3º piso. Por esta altura, a julgar
pela média de alturas dos soldados dos exércitos napoleónicos, as pessoas
seriam mais baixa do que hoje.[533]
O intérprete/guia,
exceptuando-se os casos de maior pompa e circunstância, presumivelmente da responsabilidade do
provedor ou do prior da igreja, gente familiarizada com a História Sagrada e
herdeiros directos da memória de Madre Margarida se não mesmo contemporâneos
, passa a ser, a partir da década de
oitenta do século passado, o coadjutor
da confraria, Leocádio José de Sousa
que acumula esta com outras
funções. Quem seria? Como aprendera? Encontrámos há dias no cemitério local um
mausoléu, que nos parece ser deste Leocádio. É tão-só a ponta do novelo que
poderá ser investigada noutra altura. Teria conhecimento directo da Madre, por
um lado, por outro, acompanharia, pelo menos para abrir e fechar a porta, o
provedor e outras personagens ilustres; assim, iria ou poderia ir formando uma
ideia acerca do que significava o Arcano.
Neste período, sem sombra para
dúvidas, diversificam-se os visitantes. Estipula-se em 1885 uma tabela de
preços.[534]
Era mais ou menos assim: Uma visita constituída por uma a três pessoas custaria
120 réis. Além daquelas, todas as demais que as acompanhassem pagariam de
acréscimo, cada uma, 20 réis. Todas as pessoas além das já citadas, embora não
pertencessem ao último grupo, enquanto a porta estivesse aberta, pagariam, cada
uma, os mesmos 20 réis.[535]
Em 1883 e de novo em 1890 a
confraria restringe o acesso ao Arcano.[536] No
primeiro caso, somente às famílias mais responsáveis, que na opinião do
provedor seriam raras, no segundo caso, proibindo quaisquer visitas nos
Domingos de Passos e dias de São Pedro.
Em 1903, e pelos mesmos motivos
invocados anteriormente, e como não se tivesse conseguido pôr cobro à situação,
incómodo e interferência com os actos de culto, a confraria decide construir de
raiz um quarto para nele alojar condignamente o Arcano.[537]
O Arcano, e a sua mensagem
séria, de edificação religiosa, apropriado por um novo público menos educado (registe-se
que só seria possível ao grosso da população, constituída por mestres e
camponeses, ver o Arcano em dias de festa; proibindo-se a visita naqueles dias
estava-se a proibir aquela gente de o ver) era aprendida com a descontracção e
irreverência características dos ajuntamentos festivos do povo. A este respeito
seria elucidativo ler-se, por exemplo, o que diz Arruda Furtado, ou algum dos
viajantes estrangeiros da época.[538]
A mensagem parecia ser
interpretada mais nos seus aspectos lúdicos e artísticos, paradoxalmente,
quando se encontrava o Arcano a escassos metros do altar de São João, no
período em que aquela festa ainda se fazia.
Não obstante as proibições e
restrições já mencionadas, por pressão do coadjutor, cujo complemento salarial
dependia da receita do Arcano, ou pela pressão do público, o Arcano continuou a
ser visto, conforme se poderá constatar pela consulta da folha de receita da
confraria.[539]
Continua-se a permitir a visita “por uso”. [540] A
abertura inicialmente sem restrições tinha produzido atropelos. Esta abertura,
em princípio, fora favorecida, desde 1870, pelo novo espaço do coro. O anterior
era limitado pela intimidade e conforto dos inquilinos. Este sê-lo-ia pela
obrigatoriedade de conciliar o espírito do templo com o espírito festivo de que
se revestiam as visitas da gente simples.
Será ainda em 1893, que o
Arcano virá a ser incluído num roteiro turístico publicado naquele ano, onde se
começará a divulgar de um modo esquemático e simples a sua complexidade.[541] O
canal, ou seja o móvel e o seu conteúdo, é tomado pelo receptor como um
emissor, e fá-lo-á, à medida das suas necessidades e cultura, desligado, cada
vez mais, do contexto concreto da autora e da sua época. Fala-se do “famigerado
Arcano”[542]e
refere-se, a dado passo, tão-só os aspectos artísticos.
É a fase da comunidade geral,
já não só o escol. Aqui só existirá o canal e o intérprete, coadjutor, que abre
e fecha a porta por dinheiro. O mundo mudara, o Arcano tinha outros
concorrentes, já não estávamos na década de quarenta.
O “Estrella Oriental”de 2 de
Novembro de 1858, menos de seis meses depois da morte de Margarida, anunciava
que:“Francisco Rodrigues Gomes ultimamente chegado a esta Villa morador na rua
da Praça número 2-e de nação Hespanhola,offerece ao respeitavel publico
requissimas vistas de camara optica, todos os dias, e de noite desde as 8 até
ás 9, sendo o preço de 50 réis.”[543]
E, no ano de 1877,dezanove anos
depois,ainda “O Estrella Oriental” anunciava um Cosmorama, um circo e o senhor
Gualberto Soares Vargas lançava a ideia
da construção de um teatro.
“Está n’esta villa um cosmorama
com vistas ultimamente vindas de Paris.”[544]
“A companhia gymnastica e
zoologica que se acha nesta villa tem dado alguns espectaculos variados e
cheios de difficultosas sortes ...”[545]Os
espectaculos efectuaram-se num granel da “Sociedade de Instrução e Recreio.”
“A idea,que em nosso ultimo
numero expendemos sobre a creação d’uma commissão que emprehendesse a
construcção d’um theatro n’esta villa, não foi mal recebida.”[546]
7.2.4 4ª Situação
Muda aqui essencialmente o
costume de permitir-se a entrada e o pagamento obrigatório para o serviço
público gratuito introduzido em 1912.[547]Não
excluía, no entanto, a possibilidade de se poder aceitar ofertas.
A I República pretendeu
transformar a confraria numa associação
com fins culturais.[548] Não
o conseguiu, todavia fez vingar o princípio de serviço público.Com a
classificação pelos Monumentos Nacionais da Igreja Matriz, considerada, desde a
década de cinquenta deste século, como Imóvel de Interesse Público, cremos que
a prática de tal princípio se terá
reforçado. Não obstante o fenómeno turístico, segundo nos informaram,[549] ter
crescido em S. Miguel na viragem da
década de sessenta para a de setenta.
A exposição manter-se-á sem
quaisquer mudanças, apesar de o quarto ter vindo a ser reparado.[550]
É também o período em que o
dr.º Luís Bernardo literalmente se apaixona pelo Arcano. Continua-se a dar
ênfase aos aspectos artísticos, porém Luís Bernardo avaliá-lo-ia à luz de
outros parâmetros. Aproveita a vinda da embaixada de intelectuais continentais,
na década de vinte, entre os quais Leite de Vasconcelos, para por um lado pedir
opiniões, e por outro divulgá-lo.[551]
Em 1961 foram colocadas no
frontispício de duas casas onde se presumia ter M.e Margarida morado, por
iniciativa autárquica, placas interpretativas, as quais, segundo o seu
proponente, pretenderiam dar a conhecer
à vila uma sua ilustre filha esquecida.[552]
O público local distanciara-se
a tal ponto que seriam poucos os que o conheceriam, ainda segundo o mesmo.[553]
Fazem-se alguns estudos, como
vimos em capítulo anterior, entre os quais Leite de Ataíde e Urbano Mendonça
Dias, na década de quarenta.[554] O
primeiro, ainda antes.
Naquela década, Leite de Ataíde
alertaria para a necessidade de restaurar e conservar o Arcano.[555] Em
artigo de 1971, o dr.º Carreiro da Costa retoma aqueles alvitres e sugere a sua
mudança para uma sala do rés-do-chão, fora do ambiente religioso, e em local
mais acessível ao público. Cuidar-se-ia de “dotar o conjunto de adequados
arranjos luminosos.”[556]
Já na década de oitenta,
aproveitando-se o entusiasmo à volta da elevação da vila a cidade, alguns
elementos ligados à autarquia e ao clero chegaram a sugerir que se fizesse um
pedido de apoio técnico-científico e financeiro à Fundação Calouste Gulbenkian,
a fim de se cuidar do Arcano. Apesar de não o terem feito, foram discutidas
duas hipóteses. Na primeira o Arcano seria transferido para o actual arquivo,
onde se exporiam os quadros fora do móvel, seguindo-se uma ordem bíblica.[557] Pretendendo-se
dar acesso pelo exterior, abrir-se-ia uma porta para o lado do jardim sul da
igreja. A segunda previa a transferência do Arcano para a sacristia, onde
integraria, como tal, e sem outra exposição, um museu de Arte Sacra.
7.3. Óptica do presente
Quisemos saber o que pensam as
pessoas mais influentes da comunidade. Assim poderemos perceber as suas
expectativas acerca do novo museu. Num regime democrático, o património não
pode ficar fora do alcance do cidadão. Aliás a constituição portuguesa é clara
a este respeito.
7.3.1 Explicação inicial
Fizemos uma pequena sondagem
qualitativa, método snow-ball, elitista, semi-dirigida.[558] Entrevistámos,
assim, guias de turismo, arquitectos, sacristães, jornalistas, um historiador
de Arte, artistas e museólogos. Além destas pessoas, fazemos uso do
conhecimento que fomos adquirindo ao longo do período em que vimos estudando o
Arcano e demais assuntos relacionados com a Ribeira Grande.
Quisemos saber o que é que as
pessoas perguntavam aos guias e o que estes lhes respondiam. Quem eram e de
onde eram os visitantes do Arcano e quando vinham com maior frequência.
O público, foi-nos dito, é
esmagadoramente de fora das ilhas, sendo raras as pessoas da ilha, muito menos
as da Ribeira Grande que o querem ver. Tal foi corroborado pelos dois ex-sacristães entrevistados. “De cá só algum
emigrante, mais nada.” “Ou então alguma velha curiosa depois da missa.”[559]
A maior parte vem integrada em excursões que ” começam a
partir do mês de Junho até Setembro”[560]
“Explico-lhes em grupo, antes de subirem ao coro, quem fez o Arcano, quando e
como, não entrando nos pormenores de religião, pois aprendi a separar a parte
religiosa da artística.”[561]
Que querem saber? “ A primeira
coisa que perguntam é a de que material é feito “ Depois,” sentem curiosidade,
por um ou outro quadro e perguntam o que quer dizer”, “Explico-lhes que aquele
é o lava-pés, por exemplo, e que aquele outro é a subida aos céus.”[562]
O sacristão mais Antigo
explica-lhes coisas da religião. Quando os turistas falam português, o que
acontece em grande número de há alguns anos a esta parte, di-lo directamente,
se são estrangeiros o “língua” traduz.[563]
São vários os guias.
Normalmente visitam de manhã e à tarde, quase todos os dias. As
apreciações são quase todas do âmbito artístico.
Que gostariam de ver melhorado?
Para alguns guias bastaria ter a chave a tempo e a horas; para outros, haveria
que lhe dar outra visibilidade. O arquitecto começou por focar a importância de
lhe dar outro espaço e de permitir uma melhor leitura do interior do móvel.[564]
Fazer com que o visitante visse os três pisos sem os contorcionismos habituais.
Procuraria uma solução que não interferisse com o móvel nem o
descaracterizasse. O mesmo veio a dizer o historiador de Arte. O muséologo
focou aspectos directamente ligados com a comunicação como sejam as legendas, o
espaço de circulação, as explicações exteriores.[565] O
jornalista, por seu turno, falou-nos da necessidade de se explicar sucintamente
“ quem, quando, onde e como”.[566]
7.3.2 Desideratos e
pressupostos de proposta
1-Pretende-se sugerir que o Arcano e as suas
relações sejam devolvidos à sua terra, fornecendo-lhe o que ela precisa de
saber para conhecê-lo, conforme algumas experiências que se têm vindo a
desenvolver no Reino Unido.[567]
Já não se tratará só da
exposição mas de um museu. Trata-se igualmente de uma questão de identidade, ou
melhor de um objecto de identidade. Ainda na elevação a cidade, o Arcano
serviu, tal como as Cavalhadas, de porta-estandarte.[568]
Não se tratará ainda do museu
de um móvel e do seu conteúdo, aliás ao que tudo parece indicar, verso e
anverso da mesma realidade, o Arcano Místico, mas também da casa da freira do
Arcano, enquadrada num contexto de espaço e tempo relevante para o conhecimento
desta comunidade concreta.
2- Religar os aspectos
religiosos, artísticos e técnicos. Desenvolver os que foram ocultados pela
autora.
3-Religar o Arcano ao São João,
à manga e panelas de vidro, bem como ao percurso biográfico da autora inserido
no seu contexto sócio-cultural.
4- Mudar o móvel para a casa de
onde veio em 1870, onde viveu Madre
Margarida.
5- Aperfeiçoar a interpretação
exterior ao móvel tanto na casa como fora dela.
6- M.e Margarida e sua família
como uma família que viveu no séc. XVIII e XIX, uma época de primordial
importância para a compreensão de quem hoje somos. Trata-se da época da laranja
e das reformas que conduziram à mudança político-institucional e social da
comunidade.
7.3.3.1 Tendo
como pano de fundo estes “desejos”, propomo-nos discutir vários cenários
possíveis de musealização
O móvel e a sua relação com o
conteúdo já foi objecto de análise nos capítulos precedente. Neste haverá que
retomar o ponto onde ficámos; qual o cenário ou cenários de musealização?
Em segundo lugar, tratar-se-á
de problematizar esta relação com a casa onde foi feita e para onde regressará.[569] Não
esquecer que esta talvez já não seja a mesma, pode ter sofrido alterações. Além
do mais, também aqui, ou aceitamos a casa como um documento mais o Arcano, ou
não, e tal acontecerá tão-só com o conteúdo da obra e a vida.
Em terceiro lugar, qual a
relação com a cidade onde se encontra a casa? Porquê? Trata-se da questão dos
itinerários exteriores.
E, por último, todas estas
relações com o museu que propomos. Já não se tratará apenas de uma simples e
parcelar intervenção museológica, mas de um museu tal como o ICOM o define.[570]
Este último “desejo” parece-nos
ser o menos controverso, porquanto só a institucionalização da “Casa do Arcano
da Freira” poderá tratar, em todas as suas vertentes, a vida e a obra de M.e
Margarida; recolha, estudo, exposição para fins de educação e de deleite,
aberto ao público e sem fins lucrativos.
Não discutiremos aqui, não
seria este o espaço certo, as questões de organização. Julgamos ser tão-só
necessário manifestarmos este desejo, legitimando-o, tal como já se disse, pela
necessidade de tratarmos aquela herança patrimonial a um nível de instituição
museológica. O espólio recolhido, a obra de que dispomos, as possibilidades de
pesquisa, de exposição e de animação, parecem-nos não só a nós mas a quem temos
auscultado, óbvias. A sua gestão só será possível naquele enquadramento
institucional.
Como interpretar a vida e a
obra? Em termos sucintos, diríamos que nos parecem existir aspectos (quem/como/
quando/ onde ...) que não serão explicáveis no interior dos quadros estejam
eles no móvel ou fora dele.
Ter-se-ia então:
1- Coisas que se podem
interpretar no interior dos quadros / ou móvel.
2- Coisas que só o podem ser no
exterior:
a)- no espaço físico do museu.[571]
b)- no espaço físico da cidade.[572]
3- Só poderão ser explicados em
tempos diferentes.
Exemplifiquemo-lo: comecemos
pelo último. Uma primeira exposição explicaria certos aspectos, porventura
biográficos, técnicos e das mensagens do Arcano. Seria uma exposição
simultaneamente inaugural e de síntese. Outras deverão seguir-se-lhe, mais
temáticas e mais aprofundadas.
Convém sempre repetir que Madre
Margarida servirá de exemplo concreto (não o único, apenas o primeiro caso
estudado) de um modo de viver nos séculos XVIII e XIX na nossa cidade, então
vila. Isto não entrará em contradição com a musealização de um modelo de
interpretação concreto, queremos crer, pois as pessoas que o viram, a pessoa
que o fez, que as recebeu, sempre estiveram implícita e explicitamente
presentes. Modelo de interpretação em que, tal como sabemos, a autora
comunicava com uma audiência através da obra. Quanto mais percebermos estas
ligações mais perceberemos a obra. É, será, discutível, aceitamos, mas será um
caminho a trilhar.
Coisas fora do móvel e da casa
do Arcano: Entre outras, e em primeiro lugar, incluirão os locais por onde a
autora e a sua família e relações sociais significantes fortes andaram (onde
nasceram, se baptizaram, trabalharam, andaram nas cousas públicas, ingressaram
no convento e se enterraram) o altar de São João, não excluindo mesmo o local
onde o Arcano esteve desde 1870 de onde se pretende retirá-lo.
Coisas fora do móvel ou fora
dos quadros (na eventualidade de as tirarmos de lá) serão, por exemplo, as
respostas a “ Quem é que construiu as estruturas de suporte e acessórias do
Arcano, como o fez, quando e porquê, entre outras”.
Finalmente, as relações
significantes entre os quadros do móvel e a sua autora não poderão sair daquele
âmbito espacial.
Detenhamo-nos, agora, um pouco,
na questão de tentar saber-se se os
quadros deverão manter-se no móvel. A visibilidade de cada um dos três pisos, a
altura em que se encontram, torna-o difícil, por um lado, e por outro, as
relações entre o móvel e os quadros não são tão ténues nem são umbilicais. Se
os retirássemos (seguindo que critério?) não destruiríamos “ o Arcano, ou seja
o móvel constituído por um determinado conteúdo.”
Comecemos pelo mais óbvio e
talvez menos problemático. “ A manga e as duas panelas de vidro” não pertencem
ao Arcano, disse-o Madre Margarida,[573]portanto,
poderíamos retirá-los. Poderíamos, pois, retirar todos os elementos
incompletos, pelo menos os
incontroversos, o que, decerto, aliviaria o conjunto. Menos controverso seria,
se calhar, retirarem-se um ou dois para exemplificarmos aspectos técnicos.
Ainda outra intervenção que nos
parece não controversa seria a de tornarmos visíveis, no interior do móvel, os
números 25-3(2/3) (Casta Susana) e 19-3(2) (São José quer fugir...)
Poderia criar-se uma estrutura
leve para permitir a visibilidade no interior do móvel. Porquê este cenário? Tentámos
ver alguns prós e contras.
1-Prós
a) Sendo a linguagem do Arcano
polissémica, torna-se difícil dar-lhe uma ordem que não seja arbitrária,
incorrendo assim nos riscos de uma intervenção descaracterizante.
b) Por prudência. Se não lhe
conhecemos a ordem, não será insensato da nossa parte propormos uma outra?
c) As marcas feitas no móvel
apontam para uma relação significante.
d) O peso da história - Ou
seja, mesmo que, aparentemente, não existissem quaisquer relações, o que não é
o caso, mais de século e meio de coexistência conferir-lhe-ia a legitimidade de
presumir relações. Aliás, parece-nos que os quadros foram “nascendo”,
plausivelmente, em diálogo com o móvel.
2- Contras
a) As relações significantes
existentes não são determinantes, portanto podemos muito bem legitimar outra
exposição e interpretação.
b) A visibilidade é má e só
poderá ser melhorada noutra interpretação.
c) Conhecem-se exemplos de
casos semelhantes, cuja solução foi a de uma nova musealização.[574]
Pontos fracos de ambos, em nosso
entender
No primeiro caso será o de
conseguir-se a visibilidade desejável. No segundo, qual será o critério
ordenador adoptado?
Não se trata de fugirmos à
questão, tentando encontrar uma ”média via tomista ”, nada fácil, convenhamos,
que a solucione. Nem tão-pouco nos sossegará saber que o móvel, caso
quiséssemos de novo regressar à mostra inicial, tal como ainda a vemos hoje, o pudéssemos fazer,
depois teríamos o seu registo minucioso. Se optarmos pelo segundo modelo,
resta-nos saber o que fazer com o móvel.
Será unicamente por questões
sentimentais que hesitamos? O móvel, não sendo muito provavelmente da autoria
material de M.e Margarida, será, plausivelmente, da sua autoria intelectual.
Assim sendo, será também “obra sua”.
Se partirmos do enunciado do
modelo de interpretação, que hoje terá de ter outra legibilidade, aí talvez o
móvel não nos surja como um empecilho sentimental.
A partir destes dados propomos
outros dois cenários:
Cenário um
O da permanência- Será que não
se poderá conseguir mais e melhor leitura (mantendo-o com as alterações que
adiantámos- manga e panelas, mais os incompletos fora - talvez com um
dispositivo acessório exterior) com itinerários interpretados do exterior de
acordo com os vários critérios ordenadores. (7 Dores/7 Palavras/ ...) ?[575]
Inclusive dispositivos que permitam, com segurança, a ampliação de pormenores
do interior.[576]
Cenário dois
a) Retirar tal qual cada um dos
três pisos expondo-os assim no exterior do móvel Para continuar a dar-se uma
ideia de conjunto o móvel seria preenchido com réplicas dos retirados ou outra solução aproximada.[577]
b) Retirar tão-só o primeiro e
o terceiro pisos e expô-los conforme a sugestão da alínea precedente. Este, por
seu turno, poderia, no que concerne ao móvel, dividir-se em duas outras
sugestões:
a’- O 1º e o 3º pisos do móvel
ficariam vazios. Aproveitar-se-ia para mostrar as marcas e as soluções cénicas
de M.e Margarida.
b’’- Aqueles pisos seriam
preenchidos com réplicas.
Evitar-se-ia a desordem temida,
simultaneamente, permitir-se-ia a continuidade da relação entre o móvel e o seu
conteúdo.
Evitaria, igualmente, a
concepção difícil e onerosa de dispositivos a criar para tentar tornar mais
visíveis cada um dos três pisos.
Temos vindo a problematizar,
pelo menos explicitamente, tendo em conta a mensagem catequética. Não
esquecemos, porém, nem temos vindo a fazê-lo, as mensagens artísticas e
lúdicas.[578]
7.3.3.2 Qual seria a relação
com a casa de agora e de então?
Não temos em mente recriar o
ambiente (neste momento o espólio documental e material de que dispomos
torná-lo-ia difícil). Além do mais, o modelo de Madre Margarida é irrepetível,
embora existam elementos que serão ainda hoje válidos. Falamos da hospitalidade
e a relação com o exterior, neste caso, a festa e o altar de São João. Agora,
hoje, torna-se necessário aprofundar, provavelmente, ao contrário daquele
tempo, por ser óbvio, supomos, outras relações com o exterior: as casas e os
diversos locais, como já anteriormente dissemos.
Sopesemos alguns argumentos:
1-Prós
a)- A casa, como espaço
referencial da autora e da sua obra, deve ser tida em conta.[579]
b)- Mesmo que haja, agora,
poucas e conclusivas provas de que aquele espaço corresponda àquele em que M.e
Margarida viveu, a remoção das argamassas e a sondagem arqueológica ao seu
interior talvez nos forneçam mais dados.
c)- Mesmo que só conheçamos o seu recheio através do
testamento, rol e codicilo, não será nunca de excluir que, no futuro,
consigamos obter, em algum daquele recheio, objectos coevos ou mesmo réplicas.
d)- Uma mudança radical do
interior poderia vir a destruir, por um lado, informação importante, por outro,
tornaria difícil regressar, caso no futuro se desejasse, ao princípio. Sabemos
que os critérios e as suas verdades têm mudado ao longo dos tempos.
2-Contras
a) O documento é o Arcano, não
a casa.
b) Não há recheio, mesmo que a
quiséssemos documentar.
c) É provável que a casa que
hoje vemos venha do tempo do dr.º Manuel da Veiga.[580]
Pontos fracos
1- Falta de provas no primeiro
cenário.
2- Não se estabelece qualquer
significado relacional entre a casa e a obra. Também não há provas concludentes
para este cenário.
Ainda aqui tendemos a
inclinar-nos para a “media via”. É curial dizer-se que, e de acordo com as
conversas que temos tido, a linha de
discordância passa sempre por aí. Nós não temos, neste momento, conhecimentos
suficientes para afirmarmos que a casa não será representativa da vida de M.e
Margarida ou que não os possamos ter no
futuro.
” A Casa do Arcano” (como a
registou a placa de azulejos de 1961), onde a freira trabalhou, descansou,
rezou, comeu, divertiu-se, padeceu, recebeu visitas, em suma, viveu, não deve
ser excluída de um modelo de interpretação que queira ir ao encontro da vida e
da obra.
7.3.4 Da musealização ao museu:
“ A casa da freira do Arcano.”
Confrontando-se o título desta
dissertação, com alguns dos princípios enunciados nos pontos 2.4 e 2.6 e o seu
desenvolvimento nos capítulos posteriores, tentaremos esboçar o perfil do nosso
museu.
Devendo ser essencialmente o
museu de uma vida e de uma obra, que tipo de “casa” deverá ser, que tipo de
objecto parece conter (composto, presépio, Arcano), que tipo de interpretação
deverá ser proposta? Por outras palavras, quais as implicações técnico-práticas
de tudo o que se disse ao longo desta dissertação?
Tratar-se-á logo de uma
integração de objectos (altar/Arcano/ testamento) e da transformação de uma
realidade (o espaço significante da casa e seu contexto espácio-temporal
externo) na instituição “ casa da freira do Arcano.”
“Casa da freira do Arcano” pelo
que a tradição oral e escrita local fixou e pelo que queremos fazer.
Tratar-se-à igualmente do
tratamento de “testemunhos, ”parcial ou totalmente fora do contexto
institucional do museu. Aqui tratar-se-à, por exemplo, da musealização da “casa
e da envolvente das termas” nas Caldeiras, que Margarida frequentou. Ou ainda o
espaço do convento. Talvez para este
último caso chegue a colocação de uma placa interpretativa.
Como será a “casa da freira do
Arcano”?
Retomemos os exemplos contidos
nos pontos 2.4 e 2.6.
Na “Casa - museu Fernando
Pessoa”, uma das muitas casas em que o poeta viveu, temos o exemplo de um
espaço onde só existem alguns objectos do autor. Haverá algumas semelhanças com
o caso da “Casa da freira do Arcano”, pois esta foi igualmente uma das casas em
que Margarida morou, na qual teremos alguns objectos seus. Porém, enquanto o
interior da casa - museu Fernando Pessoa foi propositadamente mudado, no nosso
caso, não o faremos para já por duas razões:
1- Queremos estudar aquele
espaço através da arqueologia.
2- A casa deverá ser
simultâneamente o local da instalação do museu e documento da vida de Madre
Margarida.
A ideia de realizações em torno
de actividades literárias e não só, deverá ser adaptado à “casa da freira do
Arcano.” Seria redutor excluir esta possibilidade. Temos espaço que não
pertence à casa original onde poderemos intervir mais livremente.
“A casa-museu José Relvas” pretende mostrar a casa e as colecções
daquela figura proeminente do republicanismo português, tal qual se encontrava
à data do seu falecimento. Não será o caso da “casa da freira do Arcano.”
Talvez o altar de São João, o Arcano, a “manga e as duas panelas de vidro ”se
aproximem daquela realidade. O mesmo se poderá dizer de alguns espaços da casa.
Na essência será igual à
casa-museu do M.P.L.A., testemunho da vida de uma instituição, e igual à
“historical house,” testemunho de uma vida.
Através do estudo daquele imóvel (Mount Vernon- Casa de George
Washington) e de parte das suas propriedades, tentou-se no século XIX, recriar
a vida naqueles espaços no período ocupado por George Washington. Tentou-se
recriar o período recorrendo-se ao uso de peças da época ou, em último, caso, a
réplicas. A fim de se recriar o ambiente a prática anglo-saxónica inclui ainda
a animação patrimonial com o recurso a autores/ intérpretes.
No caso concreto da “casa da
freira do Arcano”, possuímos parte das propriedades que Margarida foi
adquirindo e adaptando de 1834 a 1858. Já não temos o quintal (vendido há três
anos) nem as duas casas baixas. Temos
uma casa baixa que não lhe pertenceu. Desconhecemos se a casa alta, tal como a
vemos hoje, corresponde àquela em que viveu Madre Margarida. Mas sabemos como
era “entendido e vivido aquele espaço domiciliário.” Parece ter sido uma casa
entre o modo “antigo e actual.”
Em todos os casos de
casa-museu, casa de determinada pessoa, “historical house”, temos como
denominador comum a sua dupla relação significante. Por um lado é acervo
testemunhal da vida e da obra de alguém, por outro, é o local da instalação do
museu. Teremos que conciliar e desenvolver esta relação, como deveremos ter em
conta alguns aspectos da prática de animação patrimonial intra e extra-muros
preconizada pela “historical house.”
O museu do Vasa, cujo edifício
feito de raiz, não tem nada a ver com os objectos nele integrados, fornece-nos
um exemplo de tratamento temático espácio-temporal que recorre a toda uma gama
de técnicas de interpretação patrimonial. Ao tratar do Vasa, trata-se a vida a
bordo naquele vaso de guerra seiscentista, de outros vasos de guerra, da
Suécia, das técnicas de construcção naval, do modo como foi recuperado, etc. .
Só poderemos explicar razoavelmente a “casa da freira do Arcano” se a explicarmos nos moldes em que o Vasa tem
sido explicado.
Aqui entraremos na prática dos
itinerários urbanos e rurais e na musealização de sítio. A ligação que deverá
haver com a comunidade paroquial no presente,
poderá levar-nos a certas práticas e princípios do ecomuseu, ou seja, do
trabalho com esta comunidade. Sendo um museu paroquial com parcos recursos económicos, a sua
sobrevivência deverá implicar uma conjugação de esforços da comunidade: Esforço
de voluntariado. Por exemplo, os guias/intérpretes, pessoas familiarizadas com
a história da Salvação, deverão ser
catequistas. O mesmo se dirá dos que deverão[poderão]
trabalhar na oficina de réplicas. Deverá ser um museu de identidade local, simultaneamente paroquial e concelhio.
Aliás a comunidade católica confunde-se historicamente com a concelhia. Um
museu preocupado e participando no
desenvolvimento local. Trata-se de propor um novo modelo de desenvolvimento .[581]
Deverá ser um museu que trate o tempo e o espaço em conjunção com a comunidade no presente.
Que tipo de objecto temos?
Apesar de não ser só um objecto
composto, parece ser básicamente um objecto composto. É um modelo de
interpretação catequético, polissémico. Tal como a casa, também o objecto
Arcano terá simultaneamente elementos de local de instalação de exposição
(utilizado pela autora) e será
acervo testemunhal. Também aqui, como
temos vindo a demonstrar, coexistem as duas situações. Assim, o objecto
só poderá ser cabalmente explicado, do mesmo modo da casa que a casa o será.
Recorreremos a itinerários fora e dentro do espaço, seguindo os diversos tempos
históricos.
Onde se situará este objecto em
face da arte popular, tradicional e religiosa? Pensamos que ideologicamente
terá a ver com a hierarquia da igreja católica, apostólica e romana da época,
recorrendo porém a práticas formais (tipo construção natural e cultural)
existente na época. Todavia, existem aspectos muito pessoais, ou seja as
composições das massas, as opções dos quadros, não sabemos até que ponto as
iconografias, e a projecção psíquica da pessoa. Aqui também se verifica a
confluência de várias influências.
Os contemporâneos que
escreveram sobre a obra classificaram-na de presépio, apesar de a autora a
considerar como história da Salvação.
As mensagens religiosas são
veiculadas pelos livros Sagrados e pela hierarquia. A forma, ou as formas,
terão a ver, repetimos, com realidades vividas e vistas, eruditas, mas seguindo
fórmulas popularizadas.
É inevitável que tendo
assentado este trabalho no tratamento de certos aspectos biográficos da autora
e dos objectos que tenhamos de dizer algo acerca disso. À biografia, tal como
aos objectos (Arcano, casa, altar, etc.), aos quais está interligada subjaz um
contexto espácio-temporal mais vasto. São destas relações que nasce a “casa da
freira do Arcano: ”A casa de uma pessoa que fez o Arcano na rua de João d’
Horta, paróquia de Nossa Senhora da Estrela, na então vila da Ribeira Grande,
entre 1835 e 1858, aproximadamente, pertencendo a uma família poderosa da
terra, num determinado contexto cultural.
Destacou-se da análise da
documentação que compulsámos, uma “pessoa, freira egressa,” considerada e
aclamada pela comunidade, seja pelo seu valor artístico seja pela sua postura e
maneira de ser.
Parece ter sido, ouso arriscar,
uma pessoa brilhante, bem adaptada às circunstâncias, tão serena quanto
possível. A haver uma ideia chave neste trabalho, seria a de que se deverá
estudar/ seguir as relações que se desenvolvem em torno de um objecto com os
seus autores, não só com os contemporâneos, mas ao longo do tempo.
Será, assim, um museu aberto ao
tempo e ao espaço. Aos diversos tempos, incluindo o nosso, e aos diversos
espaços significantes, seja no interior do móvel, da casa, na rua, na igreja,
ou nas ruas e demais locais da comunidade.
Terá que estar voltado para o
exterior (como que verso e anverso da mesma moeda) pelos itinerários com troços simplesmente musealizados ou com
objectos integrados no museu. Incluirá o altar de São João, a festa do mesmo, o
trabalho com a catequese, o banco de dados e a oficina de réplicas. Deverá ser
um centro de estudos multidisciplinares dos séculos XVIII e XIX locais.
Pensamos que a prática de um
conceito de abertura ao espaço e ao tempo facilitará a apreensão das diversas
linguagens e relações daquela vida e daquela obra. Assim se deverá entender a
implementação de um certo centro expositivo (alguns aspectos do Arcano e da
casa) em torno do qual se deverão lançar olhares inter e multidisciplinares.
Será também uma tentativa de ir
conhecendo mais relações. Quais as relações que se foram desenvolvendo? Sabemos
que mesmo em vida de Madre Margarida, tanto o Arcano como a casa da freira do
Arcano, foram adquirindo várias ordens. Então em que ficamos? Deveremos
nortear-nos pela coerência das interpretações. Por outras palavras, pensamos
que, por exemplo, alguns quadros em torno do presépio (lapinha/anúncio aos
pastores, etc.) teriam tido uma forma expositiva coerente fora do móvel, assim
sendo porque não fazê-lo temporariamente fora do móvel, desde que seja possível
voltar a colocá-lo tal como o vemos hoje. Será o princípio da reversibilidade.
Se se quiser explicar aspectos técnicos do Arcano Místico e da casa, ou do
altar, teremos legitimidade para o fazer. E assim sucessivamente. Como explicar
o abstracto sem o recurso a modelos abstractos? A modelos que sejam compreensíveis.
Por exemplo as “três leis que Deus deu ao mundo”?
Deve haver ponderação e
prudência, pois as linguagens ( Arcano/casa etc.) são polissémicas e as
perspectivas de abordagem multidisciplinares.
Quando dizemos que queremos
abrir a “casa da freira do Arcano” à comunidade queremos significar não só que
esta deva participar no esforço de infraestruturação do museu mas ao nível das
sugestões e das iniciativas temáticas.Aspectos que reflictam interesses da
comunidade. Por exemplo, a culinária dos séculos XVIII e XIX, o traje, a relação entre a “dona daquela casa”
e as criadas, etc. .
Um museu ligado à rede
municipal e de ilha das demais organizações patrimoniais.É claramente uma
infraestrutura imprescindível a um novo modelo de desenvolvimento harmonioso
baseado nas potencialidades endógenas do espaço onde está inserido.
Ao falarmos do trabalho com a
catequese queremos significar o confronto entre a catequese tridentina e a
contemporânea. O que era ser-se então e hoje católico.
São tudo temas que interessarão
à identidade local. O mesmo se deverá dizer dos aspectos estéticos e vivenciais
que giram em torno da vida e da obra.
Aqui vem à colação o perfil
desejável do museu interdisciplinar. Não deveremos classificá-lo de museu de
história de arte, ou museu de história social, mas da “casa da freira do
Arcano.” Será uma determinada casa-museu, contendo elementos e características
de diversas tipologias. Seguirá alguns aspectos da filosofia e da prática do
ecomuseu nas suas vertentes de museu do
tempo, do espaço e do trabalho com a comunidade em que está inserido. O mesmo
se dirá da filosofia e prática da musealização de sítios.
Também aqui os conceitos de
património cultural se interligam. Será o património humanizado no qual
interagia uma determinada comunidade nos séculos XVIII, XIX e XX.
Em suma tratar-se-à da
tentativa de abordar o objecto patrimonial de um modo conscientemente global e
contextualizado. No espaço e no tempo sincrónico e diacrónico de então até
hoje.
VIII
Em
aberto
8.0-Súmula dos principais
pontos.
Conclusão, não no sentido de
ponto final, de uma descoberta última e irrefutável, mas de um parêntesis que
se abriu e que, por necessidade, temos de suspender.
Isto acontecerá por várias
razões. Primeiro, a componente de investigação do museu do Arcano terá de
alargar-se a outras áreas disciplinares. O que decerto contribuirá para o
fornecimento de material para novas mostras, nas quais, por seu turno, se darão
perspectivas múltiplas da relação do objecto, da autora e do seu tempo.
A estas investigações,
seguir-se-ão sempre exposições e novas interpretações. Será deste jogo dinâmico
que sairão os contornos do objecto “Arcano e autora” como uma realidade global,
plurifacetada e polissémica. Jogo ocorrido, não só na época em que foi feito,
mas igualmente nas épocas subsequentes desde então até agora, entre aqueles e
os seus diversos interlocutores.
Não pretendemos traçar a
biografia da autora nem porventura tratar de todas as conexões possíveis,
confessámo-lo logo de início, cingimo-nos a um determinado modelo de
interpretação.
Não numa perspectiva semiótica
mas tão-só na medida em que pudéssemos esclarecer alguns aspectos daquele
objecto para sugerirmos uma interpretação honesta, adequada às novas
possibilidades técnicas .
Ficámos aquém quando não
conseguimos ir mais fundo no estudo dos quadros e do móvel. Aí nem sequer o
facto de ser uma primeira tentativa nos deve ilibar, porém pensamos ter aberto
caminhos e apontado pistas.
Ficou-nos a ideia entranhada de
que um objecto feito por alguém adquirirá
tanto mais compreensão quanto mais explorarmos as ligações que ele foi
entretecendo ao longo dos tempos. Não o dizemos apenas por nos assumirmos como
historiador, dizemo-lo porque estamos convencido das potencialidades desta
perspectiva.
A biografia do objecto e da
autora, sem a descoberta das técnicas e do modo em que a autora se reflecte
nelas, ficará sempre aquém do que se pretende; ou seja, descobrir o pulsar
humano da obra.
Gostaríamos de ter explorado
mais as relações entre a contemporaneidade coetânea da obra e a obra; a relação
das ocorrências sísmico-vulcânicas, as exposições dos Amigos das Artes e das
Letras de Ponta Delgada, as relações entre a Santa Sé e o Estado português, a
vida da Ribeira Grande. A obra como uma resposta tácita a todas as questões e
vivências do quotidiano.
Ir além nas técnicas,
comparando as de M.e Margarida com as que então se utilizavam.
Tornar-se-ia útil aprofundar as
linguagens do Arcano. Não só a sua
estrutura como também a sua
iconografia.Para atingir tais desideratos seria imprescindível proceder a uma
pesquisa iconográfica e semiótica. Haveria que penetrar na doutrina e na
prática
religiosa do catolicismo na
ilha nos séculos XVIII e XIX.
Tentámos, desconhecemos se o
conseguimos, tratar unicamente da problematização de questões que nos pareceram
pertinentes. Evitámos a discussão de aspectos considerados mais práticos, já
dentro do âmbito da concretização do programa museal. Tentámos circunscrever-nos
a aspectos, talvez impropriamente designados por filosofia de interpretação.
Colocámo-nos prudentemente numa
posição de “media via” em relação ao móvel e o seu conteúdo, não obstante
existirem relações entre ambos. Relações, é certo, nem sempre, não umbilicais,
mas fortes. Devemos pois mostrar o conteúdo e o continente com cuidado. Sê-lo-á
também porque não dominamos toda a sua mensagem, sendo ela reconhecidamente
polissémica.
Deste modo, julgamos melhor
explicá-lo não fugindo à ordem que encontramos hoje, ainda que, repitamo-lo,
esta possa não corresponder à que M.e Margarida quis deixar. Haverá diferenças
entre a pretensão e o que hoje vemos.
Pensamos ainda que o Arcano e o
seu conteúdo (verso e anverso da mesma realidade. Melhor termo para os definir,
supomos), tal como no tempo de M.e Margarida, deve ser interpretado na sua
dimensão estética e religiosa, interligando-os, tal como dantes, ao altar e
culto de São João e às panelas e manga de vidro.
E para finalizarmos como
começámos: demos tanta ênfase a esta obra,
como o daríamos ao estudo dos presépios de Machado de Castro. Porquê?
Porque ele tem sido um objecto importante na identidade da vila.Porque é um
documento de história social e mental bem como de outras áreas
disciplinares.Porque a autora foi sendo considerada pela vila como um vulto
invulgar.
História de gente sem
importância para o progresso da humanidade, do país, da arte, excepto para a
terra onde viveu e morreu?
Não será importância que baste? A resposta, demo-la nas páginas
anteriores.
8.1- O que julgamos ter
atingido.
Antes de mais, julgamos ter
provado razoavelmente a pertinência da escolha deste tema, assim como da
perspectiva que analisa-mos. Pensamos igualmente que o fizemos com a
exequibilidade possível.
Sugerimos relações relevantes
entre a autora, a obra e o seu tempo e espaço. Estas reflectir-se-ão não só de um modo realista mas de um modo
intimista e existencial. Intimista porque consciente ou inconscientemente partem
da biografia da autora, da sua vida. Existencial, à falta de melhor termo,
querendo nós com isso significar as coisas que decorrem quase forçosamente do facto de ela ser quem foi na época em que
viveu. Significando ainda que ela reflectirá as preocupações catequéticas de
então, as técnicas, as modas com que veste as suas personagens, os materiais da
época, as imagens. Acontecimentos da actualidade de então, designadamente a
definição do dogma da Imaculada Conceição de Maria. Não de um modo imediato,
tipo fotocópia, mas mediático, pelas suas impressões, vivências, gostos,
desgostos, enfim passando pela pessoa concreta que se chamou
Margarida.Projecta-se na escolha e no tratamento das cenas.Tinha liberdade para
escolher outras. Talvez se projecte na escolha e no tratamento de cenas de
famílias em crise, tal como a sua, nomeadamente o desejo de São José fugir por desconhecer o mistério
da Encarnação, ou as peripécias de José do Egipto, ou ainda na cena da freira
com o seu coração numa bandeja, ou a separação de Ismael e Agar.É tão arriscado
afirmá-lo como o é, ou será, negá-lo. Encontraremos a autora, insistimos, no
provável leque de opções que fez e no modo como o fez, apesar de o tema não ser
original.Pelo mesmo motivo que se diz do Cristo de Velásquez. A própria escolha
de cores poderá eventualmente espelhar igualmente os seus estados de alma. Como
também a escolha de temas.
A própria escolha das formas,
tanto as que sugerem formas feitas pelo homem ou pela natureza, o estilo do
móvel, entre outros, são escolhas daquela época. É inevitável que ela
reflectisse, apesar de sabermos ainda pouco a este respeito, consciente ou inconscientemente,
o seu quadro mental, toda a panóplia de valores.
Sugerimos igualmente algumas
linguagens polissémicas do Arcano: as mudanças no tempo das interpretações da
obra e da autora. Seja por ela própria seja pelos que a conheceram, seja ainda
pelos que não a conheceram. Como disse Jorge Luís Borges “a memória e o
esquecimento são igualmente inventivos.” Tal como todo o analista, no diálogo
heurístico/hermenêutico, e nós não
fugimos à regra, se projecta tal qual Velásquez se colocou/projectou no centro
de “As meninas.”
O Arcano terá sido a obra da
maturidade de Margarida, um ser inteligente, seguro de si mesmo muito hábil
tecnicamente e adequado socialmente. A sua construção terá conhecido duas
fases: uma primeira abrangendo o período de 1835, melhor dizendo o período à
volta do falecimento do irmão, no qual a autora pensava e vivia
preponderantemente no quotidiano e, um segundo, que começará quando Margarida
começou a planear a sua morte, no qual pensaria mais no futuro da sua alma além
da vida terrena. Sabemos pouco deste último e das implicações que poderá ter
trazido à obra em si mesma, para além da sua construção ter, pelo menos,
reconhecidamente, abrandado, com a inclusão de um novo projecto bastante
absorvente. Plausivelmente teria havido uma gestação anterior, como se poderá
suspeitar pela “Manga” que para muitos e para José Maria era o resumo do
Arcano.
A intenção que presidiu à
elaboração do Arcano teria sido tripartida: louvor de Deus, ensino das leis
divinas e entretenimento da autora. O Arcano seria uma História Sagrada, ou a
biografia da Igreja de Cristo, tal como Madre Margarida a via, em imagens
tridimensionais prenhes de um estatismo quase movimentado, desde a Criação do
Homem até à sua emancipação. A julgar pelo putativo resumo do Arcano, contido
na “Manga”, reforçar-se-ia a ideia de História da Salvação: a criação, a queda, e o caminho de regresso apontado
pela vinda de Cristo nascido do seio de uma mulher anunciada já logo após a
queda. Tal como no Arcano, a “Manga” tem as três leis.
Este resumo, mais as duas
“panelas de vidro”, teriam sido possivelmente obras anteriores ao Arcano,
talvez ainda provenientes do período conventual, ainda hipoteticamente,
voltamos a insistir. Certo é não pertencerem ao Arcano. Tendo o putativo resumo
sido feito antes (quando e onde?) teríamos de concluir que o Arcano foi não só
pensado como resumido antes da sua execução. Teria sido como que a “maqueta” do
arquitecto. Pelo que dela conhecemos, uma pessoa metódica, que planeava tudo
com uma minúcia espantosa, tal hipótese não seria de excluir. Pelo menos com
demasiada ligeireza.
Seria então um projecto que
teria sido concretizado em um momento e em circunstâncias favoráveis. Tinha
amplo espaço, o que não teria acontecido no convento, e todo o tempo, o que
igualmente não teria tido no convento.
De modo algum acreditamos na
possibilidade de ela só ter descoberto o talento exclaustrada. Pelo facto de
ela ter oferecido ao rei e à rainha uma composição floral simbólica. Não o
faria sem que tivesse já algum valor socialmente reconhecido. O desejo de ser
adequada socialmente que sempre a acompanhou parece dar-nos razão, ou
autoridade para tal afirmarmos com alguma plausibilidade. E as “panelas de vidro”
também parecem corroborá-lo. São
pequenas estruturas que caberiam no espaço da cela conventual. Sem provas,
contudo, até poderão ter sido feitas depois ou enquanto o Arcano se fazia. A
vida é feita da coerência das incoerências. É como ter-se cara de culpado sem o
ser.
Poder-se-á também concluir,
melhor dizendo, deixar em aberto, que a musealização da arte (do que foi criado),
e tal constitui no fundo o cerne deste nosso trabalho, ganhará com o recurso
aos contextos que decorrerão de uma abordagem multidisciplinar que não se quede
pelas visões do historiador da arte, pelas do antropólogo, do etnólogo, do
museólogo, mas que inclua as perspectivas do semiótico, do psicossociólogo, do
químico, do arquitecto, entre outros. Não haverá nada mais seco do que a secura
de certas exposições de arte. Filas intermináveis de quadros geométricamente
alinhados interpretados em pequenas e geométricas tabelas.As exposições do Vasa
e de Rembrandt apontam para outro sentido. O objectivo primordial deste
trabalho, como o título anuncia, é a musealização do Arcano Místico de Madre
Margarida.
Também achamos ter dado uma
resposta razoável à pergunta que, há anos e anos, nos vinha, de quando em vez,
bailando na mente: seriam as freiras, como maliciosamente a tradição oral local
ainda nos transmite, mulheres dissolutas, ou, ao invés, como nos transmitem
alguns escritos locais conservadores, umas santas, vitimas dos pedreiros-livres
e dos liberais?
Quanto a Madre Margarida,
pensamos ter reencontrado uma “pessoa” concreta, fascinante, inteligente,
senhora de si, aclamada pela terra, tida como digna e genial. Mulher
prestigiada que não tendo começado a viver fora do convento parece ter, fora
dele e na casa dos cinquenta, ter adquirido uma nova vontade e gosto de viver.
Viveria ainda 26 anos. Não tinha professado por vocação, mas por obediência,
mesmo assim comportara-se com dignidade. A sua postura, no mínimo, parece ter fascinado os seus contemporâneos.
Ainda quanto à questão da
relação relevante da obra, autora e seu tempo, e as suas implicações
expositivas, cremos ter dado a entender suficientemente, tendo em conta a
polissemia das mensagens já descodificadas, a inevitabilidade e desejabilidade
da multiplicidade de olhares e de percursos. Tanto mais que só um estudo mais
aprofundado nos poderá abrir mais portas. Também por isso é prudente ser-se prudente.
Aliás, como é óbvio, para se
explicar o Arcano, os vários itinerários, as suas relações com a sua autora num
determinado tempo e espaço, é necessário irmos estudando, explicando e expondo.
É necessário um centro de estudos. Essencial será pois acrescentar-mos ao
princípio da polissemia o da reversibilidade das exposições. Da sua
necessidade. Além do mais, a exposição é , em si mesma, também uma expressão de
arte. As técnicas mudam, mudam as modas, mudam os tempos, cada autor de
exposição tem um estilo. Por tudo isso devemos ter em conta a reversibilidade
das exposições.
Julgamos ter dado razões
suficientes para se estudar este tema local. A escolha do tema foi não só
relevante, para a comunidade e para a museologia, como exequível. De acordo com
as condições que dispusemos.
8.1.2- Pistas para novas
investigações.
Tentámos encetar um diálogo
interdisciplinar adequado à nossa problemática. Aconselhamos a prossegui-lo. O
que fizemos, sem quaisquer imodéstias, foi tão só reconhecer a superfície.
Procedemos à recolha de achados de superfície, como se diz e faz na
arqueologia. Tão-só um levantamento das potencialidades do terreno.
É importante explorar a
iconografia para confrontarmos as imagens existentes (as que estariam á
disposição da autora) na época e aquilo que efectivamente Madre Margarida fez.
Entendido pelo que nós dela conhecemos e lhe sobreviveu. Decerto descobriremos
aspectos relacionados com a variação pessoal. Poderíamos entrar pela psicossociologia
e pela história para tentarmos penetrar fundo na projecção da autora na obra e
na sociedade de então na obra. A semiótica ajudaria, é claro, com a iconografia
a descodificar as linguagens. Devemos aprofundar os estudos da Bíblia e dos
livros sagradas utilizados na época. Serão necessários mais estudos sobre a
sociedade de então.
É bom não esquecermos que só
falámos de alguns aspectos biográficos. Necessitar-se-á, por conseguinte, de
alargá-la ao período da adolescência de Margarida, período crucial na formação
da sua personalidade, crucial na análise do Arcano. Pois, segundo alguns
psicólogos, aos cinquenta anos, o indivíduo recua à sua adolescência.
Sendo mulher e tendo tido uma percepção e uma
intervenção, directa e indirecta na comunidade seria bom confrontar a sua vida e a sua obra numa
perspectiva de vida de mulheres. Embora lhe reconheçamos o potencial, e não sendo um objectivo
essencial deste trabalho o tratamento nesta perspectiva, na prática não
deixamos de o fazer. No fundo é a biografia de uma mulher.
Deve-se continuar com o diálogo entre o
laboratório e os artistas na tentativa de encontrarmos a combinação das massas.
O historiador das técnicas ou o etnólogo, sobretudo este último, decerto
quererão saber muito mais acerca do que a este respeito dissemos. Esses terão
de esperar pela anunciada mudança do Arcano para a casa onde foi feito e esteve
exposto até 1870.
Nessa altura o arqueólogo terá
de nos ajudar a construir uma grelha espacial dos quadros (método de Harris?),
bem como, dada a fragilidade destes, técnicos de conservação nos terão de
apoiar na sua mudança. A arqueologia pesquisará igualmente o interior e o
quintal sobrevivente das casas de Madre Margarida onde ficará instalado o novo
museu. O biólogo deverá estudar a fauna parasitária que parece ter existido ou
ainda persistir no interior do móvel. Dever-se-á prosseguir com o registo e
interpretação da climatologia do espaço interior e à involvente do Arcano.
Assim como o deveremos fazer para o local onde será mudado, antes de ser
mudado.
8.1.3- Fumo ou fogo?
Serão os passinhos dados,
passos em direcção ao museu? Não. Quanto
a nós, bem ou mal, fizemos o nosso trabalho. Está feito.
Há uma pequena e quase
simbólica verba inscrita no orçamento municipal, o responsável pelo bispado, na
última visitação pastoral classificou o museu do Arcano como uma prioridade da
paróquia, por enquanto é segunda ou terceira prioridade, os responsáveis pela
paróquia também o afirmam, foi criada uma segunda comissão instaladora que já
reuniu uma vez. O coro alto onde está instalado o Arcano é um dos locais mais visitados na
ilha. A crise económica e política em que já vivemos, os adiamentos no passado,
quiçá outras prioridades, fazem-nos antever dificuldades. Este projecto já
conheceu 2 bispos, 4 priores, 2 presidentes e duas comissões instaladoras.
Tomé, por menos, duvidou.
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1.Lista
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Testemunho de D. Alda Simas
-Fev. 1994.
Testemunho de D. Ana Lisete - Fev. 1994
Testemunho de Artur de Sousa Martins, Out. 1985
Testemunho de Carlos Sousa - Dez. 1994
Testemunho de Edmundo Pacheco, Dez 1994
Testemunho de Ezequiel Moreira da Silva, 1992
Testemunho de Fernando António Baptista Pereira, Dez.
1994
Testemunho de Germano Melo- Dez 1992
Testemunho de Gilberto Bernardo - Fev. 1994
Testemunhos de guias do ecomuseu de Valls de Aneu- Ago.
1995
Testemunho de Helena Moura, Mar. 1996
Testemunho de
Henrique Coutinho Gouveia, Fev. 1996
Testemunho de Hermano Oliveira, 19 de Ago. 1987
Testemunhos de Herminio Pontes - 1994
Testemunho de Igor França, Set 1994
Testemunho de Ildeberto Piques Garcia, 1990
Testemunhos de Joaquim Forte de Sampaio Rodrigues, Set. 1995
Testemunho de Jorge Custódio, Maio 1994
Testemunho de José António Piques Garcia, Dez. 1994
Testemunho de José
Manuel Cabral, Set. 1995
Testemunho de José Virgílio da Rocha Borges, Dez. 1994
Testemunho de Jusep Maria Boya, Ago. 1995
Testemunho de Licínio Tomás, Fev 1996
Testemunho de Luís Cabral , Nov- 1990
Testemunho de Madalena Paiva, Out. 1993
Testemunho de Manuel Ferreira, Jan. 1995
Testemunho do Prior Manuel de Medeiros Sousa, Dez. 1994
Testemunho de Manuel Viveiros, Set. 1994
Testemunho de Mariano Alves, Out. 1994
Testemunho de Nestor de Sousa, Universidade dos Açores,
Out. e Nov de 1994
Testemunho do “Tio Batata”- 1992
Testemunho de Tomaz Borba Vieira, Dez. 1994
Testemunho de Vitor Hugo Forjaz, 1990
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Provence au XVIIIe siècle . Paris,Seuil,1978
WEBSTER, John W. - A Ilha de S. Miguel em 1821 . ”Arquivo
dos Açores”, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, vol.13, 1983, p. 38-50;
128-155; 347-373
WOODHEAD, Peter
Woodhead; STANSFIELD, Geoffrey - Keyguide to Information Sources in Museum
Studies . London and New York, Mansell, 1987
3. Lista das obras inéditas
citadas
ABELLA, Jordi; MOURA, Mário F.
O., - Conclusions . Estérri d’Àneu, Ecomuseu des Valls d’àneu, 8 Ago.
1995
ABELLA, Jordi; Mário F. O.
Moura, - Conclusões . Ribeira Grande, Museu Municipal, Nov. 1995
BORBA, Alfredo - Relatório,Universidade
dos Açores .Ciências Agrárias, Terra Chã, 1995
CASAL, Adolfo Yánez - Identidades e desenvolvimento-
CONSTANTINO, Vera M.
Guerra Teixeira - Carmelitas descalças em Portugal. Vocação intacta na
renovação . tese de Licenciatura em Antropologia, U. Nova de Lisboa, Dez.
1985
MIRANDA, Sacuntala de, - Quando os sinos tocavam a rebate. Notícia
dos alvejantes de 1869 na Ilha de S. Miguel (no prelo)
MOURA, Mário Fernando Oliveira
- Memórias do presépio da Ribeira Grande .1996(no prelo)
______________________ - Afinações, reparações e acrescentos aos moldes
interpretativos da vida de Madre Margarida: comentários autocríticos. Novo
ponto da situação. Maio 1994
_______________________ - Proposta da secção de azulejos na Ribeira
Grande- Ponto da situação doa setecentistas figurados, 1990 (dactilo.)
_________________________ - A
vida e a obra de Madre Margarida Isabel
do Apocalipse mais notas sobre a sua musealização e restauro . Nov.1990
____________________________ - Arcano
Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse - Considerações acerca da sua
conservação e musealização. 25 Out.1993
_____________________________ -
Museu paroquial Madre Margarida Isabel do Apocalipse - Uma proposta
académica de gestão do projecto de musealização. 14 Jan.1994
______________________________
- Caderno de notas, observações. Out. 1994, Jan. 1995
________________________________-
Comentário autocrítico. 19 de
Maio 1994
________________________________-
Madre Margarida Isabel do Apocalipse: tentativa de biografia ( alguns
modelos de interpretação).1 de Maio 1994
_________________________________-
Modelo de interpretação do programa museal da vida e da obra de Madre
Margarida Isabel do Apocalipse- Quatro condições prévias e duas propostas
iniciais concretas. Breve ensaio sobre a política patrimonial da igreja e o
Arcano - Conversas preliminares com o museologo. 10 de Jun.1994
_________________________________-
O Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse: de seu a nosso
(tentativa de história diacrónica comentada de uma identidade). 10 Fev.1994
__________________________________-
Rascunho que há-de servir de base para o estudo e definição de uma política
de conservação preventiva e a elaboração de uma carta deontológica . Jun.
1994
__________________________________-
Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse-Considerações acerca
da sua musealização (preparação da conversa preliminar com o meu colega
arquitecto). 23 Jan. 1994
__________________________________-
A identidade da freira do Arcano (manuscrito. Escrito em 1988)
PARREIRA, Henrique do Rego
Botelho - Observação á lupa binocular
de 2 figuras do Arcano da igreja Matriz da Ribeira Grande . Angra do
Heroísmo, Centro de Estudo Conservação e Restauro dos Açores,18 de Dez. de 1995
RIBEIRO, Maria Isabel
- Estudo científico do Arcano Místico
. Instituto José de Figueiredo, Lisboa, 1988, [6]p.
ROMÃO, Paula Maria Soares
- Arcano Místico - Igreja Matriz da
Ribeira Grande - Relatório de prospecção . Angra do Heroísmo, Centro de
Estudo Conservação e Restauro dos Açores, 24 de Out. de 1994
4. Lista dos arquivos consultados
A) Arquivo Agnelo Borges
A.A.B.,[Terça
dos pais de José Francisco Pacheco, pai de Madre Margarida],1772,
Ribeira Grande
AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha, 21
de Setembro de 1853
B)
Arquivo Histórico do Ministério das Finanças
AHMF, Inventário do Convento de Jesus da Ribeira
Grande, Inv. nº12485/Inventário nº475 (Cópia do Inventario feito em 1832)
C)
Arquivo Municipal da Ribeira Grande
AMRG, Acordãos de
1791 -1810, lv.15
AMRG, Acordãos de
1830 a 1834, lv.19
AMRG, Acordãos de
1834 -1837, lv. 20
AMRG, Acordãos de
1845 -1847, lv. 27
AMRG, Acordãos de 1850 -1852, lv. 29
AMRG, Acordãos de
1852 -1853. lv. 30
AMRG, Acordãos de
1856 -1858 ,lv. 32
AMRG, Livro de Audiência de Chancelaria 1820 ,
fl.2-87 v.
AMRG, Maço de contas de 1774, 1828 e 1833
AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv.13
AMRG, Relação das licenças expedidas no anno de 1853 a
1854 pela Câmara das Ribeira Grande , fl. 1-18
D) Arquivo
Paroquial da Matriz da Ribeira Grande
APMRG, Confraria do Santíssimo, Documentos avulsos[1 de
jul. de 1870 ]
APMRG, Confraria do Santíssimo ,mç 93
APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 2 (13 Jun. 1868-12 Out.1874)
APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 3 (24 Jan.1875-12 Ago.1888)
APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 4 (29 Ago. 1888-12 Fev.1893)
APMRG, Confraria do Santíssimo, Conta da receita e
despesa ano 1870-71, fl.[ 3]
APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro das Eleicõens
desta Confraria do Santíssimo Sacramento... , 24 Maio 1761-13 Maio 1868
APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro de Contas,
28 de Jun. de 1911
APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro de contas-1870-1871
APMRG, Confraria do
Santíssimo, Livro dos Foreiros nº1
APMRG, Igreja Paroquial,
Notas para o livro do Tombo da Matriz, fl. 130-152
APMRG, Junta da Paróquia, Registo de correspondencia,
lv. 2
APMRG, Rois de Confissão 1833-1842, freguesia
Matriz
APMRG, Rois de confissão -1842-1852, freguesia Matriz
APMRG, Visitas e
Pastorais, lv. 4 (1828-1859)
APMRG, Confraria
do Santíssimo, Actas,1858
APMRG, COnfraria
do Santíssimo, Despesas, (Out. 1868)
APMRG, CONfraria do Santíssimo, Editais , lv. 1
APMRG, CONfraria
do Santíssimo, mç 83
APMRG, CONFraria do Santíssimo, mç 93, Legado de Me
Margarida Isabel do Apocalipse, escritura de compra de moradia (8 de Fev.
de 1837)
APMRG, CONFraria do Santíssimo, mç 93, Legado de Me
Margarida Isabel do Apocalipse, escritura de compra de moradia (16 de
Outubro de 1847)
APMRG, CONFraria do Santíssimo, mç 93, Legado de Me
Margarida Isabel do Apocalipse,
escritura de compra de moradia, (20 de Mar. de 1844)
E) Arquivo Paroquial de Nossa Senhora da Conceição
APCRG, Rois de Confissão 1833-1838, freguesia
Nossa Senhora Conceição
APCRG, Livro de
Visitas nº1,29 Mar. 1780
F) Arquivo da
Ouvidoria da Ribeira Grande
AORG, Ouvidoria da Ribeira Grande, mç de
1828
APNSC , Ouvidoria da
Ribeira Grande, mç de 1819-A
G) Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do Heroísmo
BPAAH, Cartório da
Mitra, [Processo
de egresso temporário de Madre Margarida Isabel do Apocalipse para ir a banhos
nas Caldei-ras-1830], mç
562, doc. 42
H) Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada
BPAPD, Fundos
Monásticos, nº221,Convento de Jesus Ribeira Grande, mç Diversos Papeis
(1829-1842)
BPAPD, Fundos
Monásticos,nº220,Convento de Jesus Ribeira Grande, Livro de Contas
(1812-1823)
BPAPD, Paroquiais,
Paróquia da Estrela (Matriz)- Ribeira Grande, Registo de Óbitos, lv. 17
(1850-1860)
BPAPD, Paroquiais, Paróquia da
Conceição - Ribeira Grande, Registo de Baptismo, lv. 8, (1770-1782)
BPAPD, Paroquiais,
Paróquia da Conceição - Ribeira Grande, Registo de Óbitos, lv.5,
(1821-1851)
BPAPD, Tabelionato R. Grande,
Tab. José Firmino de Oliveira, Dote de Margarida Isabel Narciza, mç 17,
lv. 100
BPAPD, Tabelionato R. Grande,
Tab. António José Bento Moniz, Dote de Ana Jacinta Teodora, mç 17, lv.
101,
BPAPD, Tabelionato R.
Grande, Tab. Mariano José Ferreira, Contrato de arrendamento de moradia,
mç 24, lv.144
BPAPD, Tribunal da Relação dos Açores, Testamentos ,, Testamento de D. Inês Eufrázia Botelho,nº2886
BPAPD, Tribunal da Relação dos Açores, Testamentos, Testamento do Capitão João Caetano Botelho
, nº 3085
BPAPD, Tribunal da
Comarca da Ribeira Grande, Crime , mç 3 (1834-1835), procº nº132
BPAPD, Tribunal da Comarca da
Ribeira Grande, Inventários Orfanológicos, Marianna Amalia Narciza (7
Jan. 1834), mç 39, procº nº 1367
I) Arquivo da Repartição de
Finanças da Ribeira Grande
APFRG, Matriz Predial
Urbana- freguesia Matriz, Ribeira Grande, vol.1, nº 316
J) Arquivo da Santa Casa da
Misericordia da Ribeira Grande
A.S.C.M.R.G., Livro
de Acordãos-1743-1815, lv. 6
ASCMRG, RECEITA -
Conta da Farmácia 1840-1844, lv. 253
APENSO GRÁFICO
Pl. I-
Arcano- Relação quarto móvel.
Pl. II-
“ - Implantação.
Pl. III-
“ - Alçado poente.
Pl. IV-
“ - Alçado sul.
Pl. V-
“ - Alçado nascente.
Pl. VI-
“ - Alçado norte.
Pl. VII-
“ - Relação banco móvel.
Pl. VIII-
“ - Planta do banco.
Pl. IX-
“ - Portada.
Pl. X-
“ - Fechadura do lado esquerdo da portada/
Parte
de dentro
Pl. XI-
“ - Puxador e tramela.
Pl. XII-
“ - Sistema utilizado para
fechar o arcano.
Pl. XIII-
“ - No coro- Corte A; B- (
escala 1:5o)
Pl.XIV-
“ - Corte A;B ( escala
1:20).
Pl.XV-
“ - Cobertura do Arcano.
Pl.XVI-
“ - Parte sob o Arcano.
Pl.XVII-
“ - CorteC, D/ A/B/ alçado
lateral direito e
esquerdo.
Pl.XVIII-
“ - Encaixe superior e
inferior da vara de ferro.
Pl.XIX-
“ - Ferragem da base.
Pl.XX-
“ - Pata de leão- Base do
Arcano.
Pl.XXI-
“ - Divisões interiores.
Pl.XXII-
“ - Marcas no móvel e nas
portadas ao nível do
2º piso
Pl.XXIII-
“ - Marcas no móvel ao
nível do 3ºpiso.
Pl.XXIV a -
“ - Marcas na base do
1ºpiso.
Pl.XXV a -
“ - Marcas nas tábuas que
servem de base aos
quadros do 1º
piso.
Pl.XXVI a -
“ - Quadros do 1º piso.
PL.XXIVb; XXVb; XXVIb- Marcas no 1º piso do Arcano
Místico.
PL. XXVIIa- 2ºpiso.
PL. XXVIIIa- 2º
piso: tábuas que servem de suporte aos quadros.
Pl.XXIXa-
Quadros do 2º piso.
PL.XXVIIb; XXVIIIb; XXIXb- Marcas no 2º piso do Arcano Místico.
PL.XXXa- 3ºpiso.
PL.XXXIa- 3º
piso: tábuas que servem de suporte aos quadros.
PL.XXXIIa-
Quadros do 3º piso.
Pl.XXXb; XXXIb; XXXIIb- Marcas no 3º piso do Arcano
Místico.
PL.XXXIIIa-
Números atribuídos aos quadros do 1ºpiso.
PL.XXXIVa-
Números atribuídos aos quadros do 2ºpiso.
PL.XXXVa-
Números atribuídos aos quadros do 3ºpiso.
PL.XXXIIIb; XXXIVb; XXXVb- Quadros nos três pisos do
Arcano Místico ( modo como se vê
actualmente ).
Pl.XXXVI- Casa do
Arcano - Alçado principal.
Pl.XXXVII-
“ - Alçado lateral
esquerdo.
Pl.XXXVIII-
“ - Corte.
Pl.XXXIX-
“ - Planta do 1ºpiso.
Pl.XL- “ - Planta do 2ºpiso.
Pl.XLI-
Modelos de interpretação do
arcano: Tempos do Novo e Antigo Testamento
PL.XLII- Modelos- 1- Sete Dores de Maria Santíssima; 2-
Santos da Nova Lei; 3- Catequese explícita
PL.XLIII- Modelo dos Mistérios do Rosário
PL.XLIV- Modelos: 1- Presépio e Natal; 2- paixão, Morte,
Ressurreição, Ascensão e Pentecostes
PL.XLV- Ordenação
dos quadros do Arcano Místico tendo como
referência a ordem bíblica católica romana ( eclesial e tradicional)
Apêndice
fotográfico
F.1-
Frontispício da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela; no seu interior encontra-se
desde 1870 o Arcano Místico.
F.2- O Arcano
Místico no coro alto, nave lateral do Santíssimo Sacramento a cuja Confraria
pertence por legado testamentário desde
1858.
F.3- Vista
do mesmo através da porta de acesso .
F.4- Marcas - Céus do quadro da
criação(nº1-3(1/4).
F.5-
“ - Céus do dilúvio.
( nº7-3(1/2).
F.6-
“ - Céus do
Gólgota.( nº43-2(1/2).
F.7-
“ - Céus da Sarça ardente(?) (nº20-3(2/3) )
F.8-
“ - céus do vértice das faces 3 e 4,terceiro
piso. Não parece estar relacionado com nenhum quadro.
F.9-
“ - Céus da
Transfiguração. ( nº37-2(1/4) )
F.10- 1ºpiso
face 2.
F.11- 1ºpiso
face 4.
F.12- Gólgota
( nº43-2(1/2)
F.13-
Idem
F.14-
Idem
F.15-
2ºpiso-4ªface.
F.16- Lapinha
( nº74-1(1) )
F.17-
Idem
F.18-
Purificação de Maria no38-2(1)
F.19- Templo
de Salomão-nº34-3(4).
F.20- Matança
dos inocentes-nº6-3(1).
F.21- Casa de
Zacarias- nº11-3(2).
F.22- Salomão
entretido- nº23-3(3).
F.23- Sarça
ardente(?) -nº20-3(2/3).
F.24- “Igreja
Triunfante” (?)-nº18-3(2).
F.25- Exemplo
de pintura sobre o vidro.-nº 16-3(3) (?).
F.26- D. Ana
Lisete Paiva.
F.27-
Ingredientes utilizados nas experiências descritas sobretudo no relatório anexo.
F.28- Idem-
massas.
F.29- Idem-
massas.
F.30-
Primeiros elementos feitos à mão
pela D. Ana Lisete.
F.31- Pormenor.
F.32- D. Alda
Machado ao fazer a sua primeira tentativa
recorrendo à técnica do desbaste .
F.33- Idem.
F.34- A massa
com a farinha de trigo com fermento ao fim de certo tempo.
F.35- Massa só
com farinha de trigo.
F.36- Com miolo
de pão.
F.37- Massa
nº3.
F.38- Sr.
Gilberto Bernardo.
F.39- Mulher
com cesto- D. Alda Machado ( com bolores)
F.40- Primeiros
elementos feitos ao fim de certo tempo.
F.41- a “
Gilbertinho”- Técnica do vestir a figura.
F.41- b
Idem
F.42- a Boneco
feito pela Dona Alda Machado - Técnica do desbaste.
F.42- b
Idem
F.43- a Figura
examinada no Instituto José de Figueiredo - Técnica- nica de vestir.
F.43- b
Idem
F.44- a Figura
examinada no Instituto José de Figueiredo --(Moisés)- Veja-se o pormenor da
textura.
F.44- b “Toque”
da mão da autora.
F.44- c
Pormenores da construção da figura.
F.45- a Mesma
técnica.
F.45- b De
costas.
F.46- a Técnica
mista. Moldar e vestir.
F.46- b
Idem
F.47- a Técnica
mista. Massa colorida separadamente.
F.47- b
Idem
F.47- c’ Figura
da colecção do srº Luís Agnelo Borges, descendente do irmão de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse. Costas.
F.47- c’’
Parte da frente.
F.47- d’
Idem (frente)
F.47- d’’
“ (costas)
F.47- e’
Idem (frente)
F.47- e’’
“ (costas)
F.47- f’
Idem (costas)
F.47- f’’ “ (frente)
F.47- g’
Idem (frente)
F.47- g’’
“ (costas)
F.48- Parte
superior externa do Arcano Místico (móvel).
F.49- Parte
inferior externa do Arcano Místico (móvel).
F.50- Marca
feita no 2º piso, vértice das faces 2/3.
F.51-a Marca no
2º piso, face 2.
F.51-b Marca no
1º piso, face 4.
F.52-a Marca na
armação vertical junto ao vértice das
faces 4/1 no 2º piso.
F.52-b Marca na
armação vertical da 2ª face junto ao vértice do 1/2 no 2º piso.
F.53-
Fotomontagem de toda a 1ª face do Arcano Místico.
F.54-
Fotomontagem da 2ª face.
F.55-
Fotomontagem da 3ª face.
F.56-
Fotomontagem da 4ª face.
F.57-a Estado
actual de parte do frontispício da casa
do “Arcano Místico.” Fotografia tirada do lado norte.
F.57-b
Fotografia tirada do lado sul.
F.58-a Alçado
sul.
F.58-b Alçado
norte.
F.59-a Interior
do maior quarto da mesma casa situado no lado nascente e no 1º andar. Fotografia tirada de poente
para nascente.
F.59-b Do mesmo
quarto. Tirada de nascente para poente.
F.60- Quarto
do 1º andar situado no vértice poente da casa.
F.61- Vestígio
de porta situado na parede poente do corredor que ladeia o quarto maior da
mesma casa.
F.62- Vestígio
de janela ou copeira encontrado na parede norte do quarto mencionado na
fotografia anterior.
Apêndice
de Desenhos
Des.1-
Como se faz uma figura: Técnica do vestir a figura.( hipotética
reconstituição)
Des.2/3-
Técnica de desbaste e mista.
Des.4- Barro recoberto com a massa.
Des.5-
Barro policromado.
Des.6-
Como se faz uma construção imitando a natureza.
Des.7-
Imitações das construções do homem: vidro e madeira.
Des.8-
Só vidro colado.
Des.9-
Como se desmonta o móvel ( hipótese)
Des-10- Idem
Des.11- “
Des.12- “
Des.13- “
Des.14- “
Des.15- “
Des.16- “
Des.17- “
Des.18- “
Des.19- “
Des.20- “
Des.21- “
Des.22- “
Des.23-
Proposta de tipologia formal dos quadros do
Arcano.
Des.24- Idem
Des.25- “
Des.26-
“
Des.27- “
Des.28- “
Des.29- “
Des.30- “
Des.31- “
Des.32- “
Des.33- “
Des.34- “
Des.35- “
Des.36- “
Des.37- “
Des.38- “
Des.39- “
Des.40- “
Des.41-
Tipologia cénica. Tipo A.
Des.42- Tipo B.
Des.43- Tipo C.
Des.44- Tipo D.
Des.45-
Hipotética reconstituição da Casa do Arcano Místico (1ª fase).
Des.46- 2ª
Fase.
Des.47- Acesso
primitivo.
Des.48-
Interior da casa do Arcano antes do enxemés.
Des.49-
Hipotética exposição na casa do Arcano no tempo de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse.
Des.50- No coro
alto com o cortinado.
Des.51- Uma proposta de musealização. Mantê-lo tal
qual o encontramos.
Des.52- Outra
hipótese. Manter o móvel com réplicas retirando-lhe os
quadros.
Des.53- Retirar
alguns quadros incompletos para
documentar aspectos técnicos.
Des.54- Retirar
a manga e as duas panelas colocando-as num expositor à parte.
Des.55- Banco de
dados informático.
Des.56- Sala de
audiovisuais.
Des.57-
Oficina-escola de conservação, restauro e de construção de réplicas.
Des.58- Ribeira
Grande: “Itinerário da vida e da obra de Madre Margarida Isabel do Apocalipse.
ÍNDICE DE
QUADROS
Q. I-
Levantamento temático-iconográfico do Arcano Místico de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse.
Q.II- Índice
onomástico das personagens dos quadros do Arcano Místico, da Manga e das duas
Panelas.
Q.III- Origem das
legendas dos quadros do Arcano Místico e sua frequência no tempo do Antigo
Testamento.
Q.IV- No tempo do
Novo Testamento.
Q.V- Livros não
directamente referidos nas legendas.
Q.VI- Festas
Marianas e Jesuínas de acordo com o Missal de 1760.
Q.VII- Outras
festas religiosas de acordo com o Missal de 1760.
Q.VIII- Excertos retirados do calendário de Festas de
Santos da
Ordem Seráfica de São Francisco.
Q.IX- Tabela de
preços para visitar o Arcano Místico.
Q.X- O
rendimento do Arcano e de mais outros bens pertencentes à Confraria do
santíssimo Sacramento da Igreja Matriz da Ribeira Grande.
Q.XI- Rendimento
do Arcano e de mais outros bens da
Confraria para o período do coro alto.
Q.XII- Livros da
biblioteca de Madre Margarida Isabel do Apocalipse.
Q.XIII- Obras feitas ou atribuídas a Madre Margarida
Isabel do Apocalipse.
Q.XIV- Algumas correspondências
entre o Antigo e o Novo Testamento.
Q.XV- Casa alta da
rua de João D’ Horta( local do proposto museu do Arcano).
Q.XVI- Casa de Madre Margarida da Canada dos Cabidos(
ligada pelo quintal à alta ).
Q.XVII- Casa baixa de Madre Margarida da rua de João D’ Horta.
Q.XVIII- Obras nas casas de Madre Margarida
posteriormente da Confraria do Santíssimo Sacramento da Matriz da Ribeira
Grande.
Q.XIX - Quadro cronológico da vida, obra, tempo e
espaço de M.e Margarida Isabel do Apocalipse.
Diário de experiência:
Tentativa de reconstituição da massa das figuras dos quadros do Arcano Místico
de Madre Margarida Isabel do Apocalipse.
Caderno de notas
[1][João Albino Peixoto],Hymno offerecido á Sociedade
Escholastico-Philarmonica da Ribeira Grande...,Ponta Delgada, Tipografia da
rua das Artes, 1850, p.35
[2]AMRG, Administração do Concelho, Registos de
testamentos, 1857, lv. 13, fl. 189
[3] Ibid., fl. 189
[4][José Maria da Câmara Vasconcelos ],Tributo de gratidão,“A União”,Ribeira Grande, [s.n.], nº 61, 16 Dez. 1858, p. [3]; Id., Tributo de gratidão,“A União”, Ribeira Grande, [s.n.], nº 62, 28 Dez. 1858, p. [3]
[5]Félix José da Costa, O Arcano da freira,
”Estrella Oriental”, Ribeira Grande, [s.n.], nº3, 11 Jun. 1856, p. [1] ; José
Joaquim de Sena Freitas, Um presépio , “O Norte”, Ribeira Grande, [s.n.], nº 89, 23 Jan. 1897, p. [1] . Apesar de Eduardo Faria no seu “Diccionário
Portuguez”, 4ª edição, 1859 definir presépio como”...oratório que representa o
nascimento de Jesu-Christo em uma estrebaria, ”ou de F.J. Caldas Arlete no seu
”Diccionario Portuguez” em 1881 tê-lo definido como ”Retabulo ou esculptura com
varias figuras que representa o episodio biblico do nascimento de Christo e
muitas vezes tambem a adoração dos pastores, a dos tres magos,etc.” Tanto
Francisco Maria Supico já em 1856, ou o cónego Sena de Freitas na década de
noventa daquele século, se lhe referem como presépio. Esta questão é lateral ao
tema que estamos a tratar, todavia, registe-se que para os dicionaristas
presépio significaria uma coisa diferente.Teria havido uma evolução não assinalada
pelos primeiros ou pelos segundos. Madre Margarida utiliza o vocábulo “Lapinha”
para identificar o local onde Cristo nasceu. À obra total chama Arcano
Místico.
[6]Paula Maria Soares Romão, Arcano Místico-Igreja
Matriz da Ribeira Grande-Relatório de prospecção, Angra do Heroísmo, Centro
de Estudo Conservação e Restauro dos Açores, 24 Out. 1994; Henrique do Rego
Botelho Parreira, Observação á lupa binocular de 2 figuras do Arcano da
igreja Matriz da Ribeira Grande, Angra do Heroísmo, Centro de Estudo
Conservação e Restauro dos Açores,18 Dez. 1995; Maria Isabel Ribeiro, Estudo
científico do Arcano Místico, Lisboa, Instituto José de Figueiredo,1988;
Alfredo Borba, Relatório, Terra Chã, Universidade dos Açores, 23 Fev. 1995
Maria Isabel Macedo Ribeiro, Op. cit., p. [10]. Aliás diz
“ ...constituída por miolo de pão e goma arábica (Fot.9); “ Em 1994 conversámos com a autora
detalhadamente sobre o assunto tendo-nos sido dito então que o exame descobrira
o glúten de amido mas que não se fizeram estudos de identificação específica.
Tal tinha sido deduzido da tradição. Recentemente, em 1995, pedimos à
Universidade dos Açores, pólo de Angra de Ciências Agrárias, que nos fizesse
uma análise aos glútenes. Aponta para a farinha de arroz e porções de trigo
para lhe dar consistência.
[7] Hugo Moreira, O presépio da Matriz de Ponta
Delgada, “Correio dos Açores”,nº21 602, 25 Dez.1993, p.[14-15]
Este tipologicamente é dos que imitam as construções humanas que “... faz
recordar os da Escola de Machado de Castro, ou António Ferreira,...” Contém
cenas tais como a Anunciação do Anjo a
Maria, a Visita da primeira a Santa Isabel, o menino entre os doutores, a
Apresentação do Menino no Templo e os reis Magos no palácio do rei Hero-.des, a
Matança dos Inocentes. Ultrapassam os acontecimentos da gruta de Belém. Aliás
tudo o que está aqui representado encontra-se no Arcano. O seu proprietário
faleceu em 1807. A Lapinha ( assim designada no museu ) do Museu Carlos
Machado, no coro alto do convento onde o museu está instalado, segundo o Dr.º
Nestor de Sousa será do século XIX, imitando as formas da natureza, tem os temas seguintes: Baptismo de Cristo,
degolação dos Inocentes, Anunciação aos Pastores, Apresentação de Jesus no
templo, Adoração do menino por gente local levando presentes ( parecida com a
do Arcano) e Adoração dos Reis Magos. Porém, na Igreja Matriz de S. Sebastião
em Ponta Delgada, existe uma tela (setecentista?) representando Nossa Senhora
do Rosário (?) ladeado por São Domingos e São Francisco .À volta destas figuras
centrais estão em 15 pequenos círculos, quinze temas da vida de Cristo e de
Maria, tal como os encontramos no Arcano: Anunciação, Nascimento, Menino entre
os Doutores, Jesus Açoitado, Jesus a caminho do Calvário, Baptismo de Cristo
(?), Descida do Espírito Santo, Coroação de Nossa Senhora, Ascensão, Assunção,
Jesus Crucificado, Jesus coroado de espinhos, Jesus orando no Horto,
Apresentação de Jesus no Templo, e Visitação a Santa Isabel. A identificação
foi feita com muita dificuldade e com muitas dúvidas. O quadro está muito sujo.
[8] É uma História da Salvação em imagens. Nalguns
quadros, pela desmultiplicação das cenas de episódios bíblicos, dá a impressão
de querer quase mover-se. Madre Margarida tira partido da sua
tridimensionalidade conferindo-lhe uma encenação intra-quadros deveras
fascinante. Em certos casos consegue-o inter-quadros. Dizer-se que tem técnica
e que possuía modelos iconográficos não basta para explicar o seu sentido
cénico. Talvez as encenações ao vivo nas procissões. Ainda assim...
[9]Félix José da Costa, Op.cit., p. [1]
[10]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
Testamentos, 1857, lv. 13 fl. 181
[11][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, [s.n.], nº 61, 16 Dez. 1858, p. [1] ;Id. ,
Tributo de Gratidão, Ribeira Grande, [s.n.], nº62, 28
Dez. 1858, p. [1]
[12]Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo,
“Açoriano Oriental”, Ponta Delgada, [s.n.], nº 710, 9 Set. 1848, p. [3]
[13] BPAPD, Paroquiais, Paróquia da Conceição -
Ribeira Grande, Registo de baptismo,
23 Fev. 1779, lv. 8, fl. 162 v. ; BPAPD, Paroquiais, Paróquia da Matriz
- Ribeira Grande, Óbitos, 6 Maio 1858, lv. 17, fl. 118
[14] Jean-Louis Flandrin, Famílias, parentesco,
casa e sexualidade na sociedade antiga , Lisboa, Editorial Estampa, 1992,
p.12-18
[15]BPAPD, Tabelionato R. Grande, Tab. José Firmino de
Oliveira, Dote de Margarida Izabel Narciza, 18 Fev. 1800, mç 17, lv.
100, fl. 91-92 v. ; BPAPD,Tabelionato R. Grande, Tab. António José Bento Moina,
Dote de Ana Jacina Teodora, 18 Fev. 1800, mç 17, lv. 101, fl. 57v.
[16] A ideia de “obediência” é nela recorrente. Teria
aderido ao liberalismo por obediência à lei legitima. D. Miguel fora o
usurpador. O Arcano fora feito para que as pessoas conhecessem as leis divinas
que eram obrigadas a conhecer. Aceita racionalmente a lei e tira partido dela.
Veja-se a possibilidade de testar, outrora ilegal para uma freira. Veja-se a
possibilidade que as novas leis sobre a propriedade lhe deram para administrar
a capela de São João. Tendia a aceitar o que era socialmente aceitável. Assim
se entenderá a sua reputação nos mais diversos quadrantes da sociedade. Tal
como o tio e o irmão saberia portar-se em todas as situações sociais.
[17][Thomas Ashe] History of the Azores,or the Western Islands,London,
Sherwood, Neely, and Jones, Paternoster Row,1813, p.129
[18] Testemunho de Isabel Neves, Março 1996
Esta psicóloga
ajudou-nos a dirigir o olhar para aspectos da obra de Madre Margarida.
[19] De um modo racional e não místico? Parece que
sim.
[20]BPAAH, Cartório da Mitra, [Processo de egresso temporário de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse para ir a banhos nas Caldeiras-1830], mç 562, doc. 42
“...padese a muitos annos obstruções Limphaticas e Continuos achaques
reumaticos, e de hum fluxo alvo immoderado, e d’uma phlegmasia (?) Cronica
Sobre a região umblical (sic), e p.a Cujas molestias tem uzado de remedios
proprios Sem que tenha obtido milhoras, e para o que lhe recomendo Sahir da
Clauzura a uzo d’Agoas thermaes passeios de Campo a pê (sic) a Cavallo, unicos
remedios de que deve uzar a fim de poder obter algum alvio (sic)...”(Assinado
pelo médico Joze Antonio Caza Nova e datato de 19 de Abril de 1830)
BPAPD , Fundos Monásticos, nº 220, Convento de Jesus da Ribeira Grande, Li,vro
de Contas (1812-1823), fl.149
“Despeza do Mez de Março de 1821.......O Medico que Curou a M.e Margarida
Izabel, e Remedios Vinte Seis mil e Outo Centtos.”
[21] Testemunhos do drºJoaquim Forte de Sampaio Rodrigues e do drº José Manuel
Cabral, Setembro de 1995
[22] Iremos incluir Madre Margarida Isabel do
Apocalipse no grupo social influenciado pelo clima romântico e liberal de
então. Não temos estudo aprofundado sobre o assunto. Assim sendo só a título de
hipótese de trabalho. Mesmo assim só se
o entendermos como uma
sensibilidade/variante local do arquétipo liberal/romântico. Além do
mais sendo mulher pouco teria a ver com a política. Alguns elementos da
sensibilidade de Margarida são do passado.
[23] Francisco Maria Supico, Escavações, 2
vol., Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1995, p.817
“ A loja dos Gatos,
também por informação do dr. Henrique era ao tempo... Era venerável o Barão das
Laranjeiras... Manoel António de Vasconcelos e José Maria da Câmara
Vasconcelos...”
[24] Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, p. [3]; Id., Arcano, p. [3]
[25]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha
(Maria Teodora), 21 Set. 1853 (pertence ao arquivo da família do srº Luís
Agnelo Borges, descendente de D. Maria Teodora sobrinha de Madre Margarida. O
Arquivo não está organizado)
[26] Artigos nos jornais locais falam / revelam desejos minoritários de alguma religiosidade
mais pura. Contra o culto dos santos. O irmão teve um enterro muito sóbrio.
José Maria arredara-se da igreja. O António Manuel Silveira Estrela vivera anos
com a senhora com quem viria a casar e de quem já tinha tido filhos. A
sociedade mudava. Ela não o partilharia. Racional obedece à Igreja tal como ela
é. Veja-se o testamento. Apesar de ter tido dúvidas, guardou-as, ou
partilhou-as muito discretamente. Ver Tábua cronológica.
[27]Nuno Luís Madureira, Lisboa
1740-1830.Cidade:Espaço e quotidiano, Lisboa, Livros Horizonte,1992, p.113
e segs.
[28]José Eduardo Horta Correia, Liberalismo e
Catolicismo (1820-1823 ) , Coimbra, Universidade de Coimbra, 1974,
p.263-281
Sempre existiram
movimentos de reforma das ordens religiosas. Em Portugal, e para o período que
nos interessa, o estado vinha tentando reformar e em alguns casos extinguir
certas ordens monásticas. Veja-se a expulsão dos Jesuítas. Aparece no
“Investigador Portuguez em Inglaterra” em 1814 um projecto de extinção das
ordens religiosas em Portugal. O projecto de reforma dos regulares de 1822 não
lhe fica atrás. A má fama dos conventos e a cobiça das suas posses facilitou a
tarefa. Madre Margarida deveria estar ao corrente de algo. Os ecos da Revolução
Francesa chegaram à vila. Veja-se a Tábua cronológica. Segundo o dr.º Hugo
Moreira, Bento Alves Viana, nascido na Ribeira Grande, tradutor de
Chateaubriand, viveu em Paris durante o período pós-napoleonico.
[29] Mesmo assim não seria agressiva. Recebe com
cortesia a sobrinha. Se tivesse existido verdadeira inimizade entre Margarida e
a cunhada ter-lhe-ia o irmão desta, José Maria, traçado o elogio fúnebre do
modo que o fez? Duvidamos.
[30] É tanto ou mais notável porquanto os regulares
gozarem de má fama na vila. Por outro lado as notáveis do Mosteiro continuaram,
por imperativos das Finanças Públicas, novos proprietários dos bens da extinta
ordem, extramuros o governo da casa. Apesar e não obstante tudo isso Margarida
suplantá-las-á em notoriedade positiva. “Quem sai aos seus não degenera”,
poder-se-ia acrescentar.
[31]Fonseca, Ana Paula, A Casa da Vila ,
“Açoriano Oriental”, Ponta Delgada, nº 12 050, 24 Mar. 1996, p.4
A continuação do
primeiro estava assegurada pelo interesse que despertava na vila e fora dela, a
festa não estava assegurada. Precisaria
de se aplicar. Talvez porque , por um lado, a festa seria mais importante no
seu plano de Salvação ( ainda a racionalista realista ), em segundo lugar
porque longe iam os tempos de Madre Teresa da Anunciada. Algo estava a mudar na
sociedade. O estrangulamento financeiro que o estado exercia sobre as
confrarias viria a reduzi-las a um papel insignificante. Mas seria difícil a Margarida saber isso. Há pouco
construíra-se uma ermida nas Caldeiras da Ribeira Grande e Madre Margarida Teodora
do Coração de Maria, a freira do Senhor do Bom Jesus da Pedra de Vila Franca do
Campo, continuava activa fora do mosteiro de Santo André. Portanto estaria em
boa companhia. Tanto era assim que durante o processo para a definição do Dogma
da Imaculada Conceição o governo e a rainha D.Maria II, e não seria só
retórica, sustentaram num documento oficial que Maria era uma poderosíssima
intercessora do reino. Margarida tinha São João.
[32] Vide Tábua cronológica em anexo.
[33]Jean Poirier; S. Clapier-Valladon ; P. Raybaut, Histórias
de vida-Teoria e prática, Oeiras, Celta, 1995, p.30
[34]Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque ; Ignacio
Pitta de Castro Menezes, Observações sobre a ilha de S. Miguel recolhidas
pela Commissão enviada á mesma ilha em Agosto de 1825, e regressada em Outubro
do mesmo anno,” Lisboa, Impressão
Régia, 1826
[35]Artur Teodoro de Matos, Transportes e
comunicações em Portugal, Açores e Madeira (1750-1850) ,Ponta Delgada,
Universidade dos Açores, 1980, p.55-56
[36] Consulte:
Tábua Cronológica em anexo para a Ribeira
Grande.
António Machado
Pires, O Século XIX em Portugal. Cronologia e Quadro de Gerações, Amadora,
Livraria Bertrand, 1975, p.15-109 ( para o âmbito nacional)
[37]Avelino de Freitas Meneses, Instituições e
economia nos Açores:1740-1770,Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1992
[38]José de Medeiros da Costa Albuquerque, Relatório
de 1797,“Arquivo dos Açores,” Ponta Delgada, Universidade dos Açores, vol.
12, 1992, p.492-507
[39]Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano. ,
p.1
[40]Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, p. [3]
[41][José Maria da Câmara Vasconcelos],Op. cit.
, p. [1]
[42] Luís Bernardo Leite de Ataíde , Organização de
museus em Ponta Delgada, “Revista Michaelense,” Ponta Delgada, nº3,
Set. 1921, p.1253-1254
[43]Id., O Arcano. , p.1
[44]Claude Dervenn, Les Açores, Horizon de France, 1955,
p.55-6
[45]Gabriel de Almeida, Op. cit. , p. 61-2
[46]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit. , p,
[1]
[47]Jacques Le Goff, Op. cit. , p. 24-25
Segundo um artigo saído recentemente em periódico local o dr.º Carlos Riley
cita Jorge Luís Borges “a memória e o esquecimento são igualmente inventivos.”
[48]Urbano Mendonça Dias, Madre Margarida do
Apocalipse...
[49][José Maria da Câmara Vasconcelos ], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº 61, 16 de Dez. de 1858, [1] p. ;Id. , Tributo de Gratidão, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, [1] p.
[50]Hugo Moreira, A Madre Margarida Isabel do
Apocalipse, freira do Arcano
[51]Ventura Rodrigues Pereira, A Ribeira Grande,3ª
ed., [S.l., s.n.],1984, p. 63-65
[52] Luís Bernardo Leite de Ataíde, Etnografia,
arte e vida antiga dos Açores, p. 293-474
[53] [João Albino Peixoto], Op. cit., p.31
[54]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit. , p,
[1]
[55] Vide apêndice documental Q. I
[56]Raimundo Bulhão Pato, Op. cit. , p.52-55
[57] Ibid. , p.52-53
[58]Luís Bernardo Leite de Ataíde , Organização de
museus em Ponta Delgada, p.1253-1254
[59] Ibid. , p. 1243
[60] Ibid. , p. 1243
[61] As plantas fazem parte do cenário.
[62] Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano.
p. 1-3.
“ Assim temos, primeiramente, A Arca da Aliança, O Cordeiro Pascal, Joel
matando Izac(sic), Judas, Ruben, Neftali, Manacés, Simão, Levi, Izaac, Zaulon,
José e Benjamim, Jacob e esposa, Sara e Lia, O Templo, Labão; Sua Casa e
Família, Maria Santíssima em sua Soledade, Vinda da Espírito Santo sobre os
Apóstolos, No Templo de Jerusalém, O menino entre os Doutores. Depois, a
tentação do Senhor pelo demónio, A Descida do Espírito Santo, A Visão das sete
vacas e das sete espigas, Conciliação de José com seus irmãos, O Palácio do
faraó, José beneficiando todos com o precioso alimento, O Profeta Moisés e
Arão, Jeremias, A Conversão do Centurião, A Conversão de Longinus, José
d’Arteméa(sic), José Nicodemus levando a mortalha e A descida da Cruz, O Senhor
e a Adúltera, A Ressurreição de Lazaro e a cura dos leprosos. Seguidamente, A
Paixão, A Conversão de São Matheus, a Apresentação , (?) Igreja Militante, Casa
de Tobias, Passagens diversas da Vida de Moisés, As Obras de Misericórdia, O
Templo de Salomão, ( com cerca de duzentas e cinquenta figuras), Morte dos dez
filhos de Job , O dilúvio universal, Montanhas da Judea, Conceição de Maria
Santíssima, O Mistério da Encarnação, José do Egipto e a mulher de Putifar, o
palácio de Salomão, as tábuas da lei, a Assunção da Virgem, a Conversão da
Adultera e a Representação do Limbo. Por fim, a Magestade da Igreja, a
Sumptuosidade do Templo de Salomão, A Ceia, O Lava pés, Jacob fugindo a Labam,
Briga de Jacob com um anjo, pastos casa e família de Labam, Desposórios da
Virgem, S.José e a Virgem pagando tributo a Augusto César, Faraó e o seu
exército entrando no mar Vermelho e nêle perecendo, a casa de S.Joaquim e
St.Ana, Jonas salvo pela Baleia, Morte Amon (sic), o portão da Rainha
Vesta(sic) repudiada pelo Rei Azuero e o Presepe.”
[63] Ibid. , p.1
[64] Claude Dervenn, Op. cit. , p.55-6
[65] Mário Moura, Proposta da secção de azulejos na
Ribeira Grande- Ponto da situação doa setecentistas figurados, 1990
(dactilo.)
[66] Observamos as pinacotecas do Museu do Prado,
Nacional de Arte Antiga Municipal de
Setúbal ,Carlos Machado e diversos outros , inclusive igrejas. Foi útil
igualmente a visita de estudo efectuadas no museu Nacional do Azulejo e Museu
da Cidade de Lisboa. Jun-Ago- 1995.Os retábulos góticos, toda a pintura
religiosa sobre tábua ou em tela. Veja-se, por exemplo, entre outros, a igreja
de Nossa Senhora de Fátima, da Avenida de Berna e os vitrais de Almada
Negreiros.
[67] Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[68] [Despedida de Félix José da Costa ], “A União, ”Ribeira Grande,15 Out. 1856
“Hei vivido algum tempo nesta antiga e grande Villa. Famoza, lhe chamou há
dois seculos, um historiador nomeado, que serve de farol nas cousas insulanas
passadas, em longas eras_ Famoza então era com justiça alcunhada n’aquelle
tempo: hoje pela sua antiguidade e população, não duvidam disso os presentes,
que a visitam, e lhe observam as Vastas proporções d’uma cidade! Hei vivido
entre Seus habitantes. Levo delles, apreciavel consideração; cortezia,
attenção, e estima immerecida...”
[69] Urbano Mendonça Dias, Literatos dos Açores,
Vila Franca do Campo, Empresa Tipográfica de Vila Franca do Campo, 1931, p.66
[70] José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit. ,
p, [1]
[71]Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[72]Daniel de Sá: ” Não desconheces... É com certeza
aquele de que me falaste, onde há uma criança morta e um pastor.” Trata-se da
“manga”.
[73] João H. Anglin, Padre Sena Freitas. Apologia,
Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1968, p. X
”Como nota curiosa registe-se a circunstância de haverem nascido na mesma
década e na mesma pequena cidade Sena
Freitas, Teófilo de Braga e Antero de Quental, mais tarde adversários no campo
das ideias, sendo Teófilo, como se sabe, ardente discípulo de Augusto Comte e
do Positivismo e Sena Freitas irredutível opositor de tal sistema filosófico.”
[74] Jean-Claude Bouvier; et al., Tradition orale
et identité culturelle - Problémes et Méthodes, Paris, Centre National de
la Recherche Scientifique, 1980, p. 54-5.
“ Le discours sur le passé enfin, et nous l’avons précedemment dit en
filigrane, n’est pas forcément “passeíste”. On le comprend aisement: le passé
peut être conçu comme définissant une dynamique à venir, un ressourcement qui
n’exclut pas les données actuelles mais simplement les corrige , les repense et
les enrichit, cherche à les percevoir comme le fait d’une évolution et non d’une
rupture.”
[75][João Albino Peixoto], Op. cit., p.31
[76]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit. , p,
[1]
[77] Ibid. p.[1 ]
[78]Raymond Boudon, L’art de se persuader des idées
douteuses, fragiles ou fausses , Paris, Fayard, 1990, p.12-13
[79] Rui de Carvalho, O navio Fantasma,
“Expresso” ( Revista), Lisboa, nº1195, 23 Set.1995, p.106-113
-Lars-Ake Kvarning, Sibylla Haasum, Dois
Museus e uma Memória , “ Oceanos”, Lisboa, Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, nº22, Abr./Jun. 1995, p. 81-93
[80] Carta do Director de exposições do Rijksmuseum
datada de 1 de Novembro de 1995:
“ Dear Mr. Moura
My friend and colleague, Mr. Wim van der Weiden, forwarded your letter
about Rembrandt’s Nightwatch to me to answer. I hope the following will be
sufficient information for your Masters Degree. The Nightwatch by Rembrandt,
painted in 1642, belongs to the collection of the city of Amsterdam which gave
it on loan to the nation, the Rijksmuseum, in 1808. Since the new
Rijksmuseumbuilding was opened in 1885 the Nightwatch is the centerpiece of the
collection of painting. In fact it occupies the main room in the museum leading
up to it is the so-called Gallery of Honour. This display has reminicences of
an altarpiece in a catholic church. Since the Nightwatch is the most famous
painting by Rembrandt and the most famous painting in the Rijksmuseum we placed
in the small room next to the Nightwatchroom an ample explana-tion on the
painting and its history ...”
Segundo o Daniel a “cena é diurna. Seria preferível talvez lhe chamarmos ‘
A Ronda do capitão Banning Cocq’ “
[81] Raymond Quivy, Luc Van Campenhoudt, Manuel de
Recherche en Sciences Sociales, Paris, Dunod, 1988, p.3-17
[82]Trabalhos que apresentámos :no IV Ciclo de Cultura
Açoriana, na cidade de Ontário, Canada, “A vida e a obra de Madre Margarida Isabel do Apocalipse
mais notas sobre a sua musealização e restauro,” Nov. 1990; e outras nas
diversas cadeiras curriculares do mestrado em museologia e património;
Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse-Considerações acerca da
sua conservação e musealização, 25 Out. 1993; Museu paroquial Madre
Margarida Isabel do Apocalipse-Uma proposta académica de gestão do projecto de
musealização, 14 Jan. 1994; Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse-Considerações acerca da sua musealização (preparação da conversa
preliminar com o meu colega arquitecto), 23 Jan. 1994; O Arcano Místico
de Madre Margarida Isabel do Apocalipse: de seu a nosso (tentativa de história
diacrónica comentada de uma identidade) ,10 Fev. 1994; Afinações,
reparações e acrescentos aos moldes interpretativos da vida de Madre Margarida:
comentários auto-críticos.Novo ponto da situação, Maio 1994; Madre
Margarida Isabel do Apocalipse: tentativa de biografia(alguns modelos de
interpretação), 1 Maio 1994; Comentário autocrítico, 19 Maio 1994; Modelo de interpretação do
programa museal da vida e da obra de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse-Quatro condições prévias e duas propostas iniciais concretas.Breve
ensaio sobre a política patrimonial da igreja e o Arcano-Conversas preliminares
com o museólogo, 10 Jun. 1994; Rascunho
que há-de servir de base para o estudo e definição de uma política de
conservação preventiva e a elaboração de uma carta deontológica:
Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse, Jun. 1994; Relatório, 30 Set. 1995; Discussão do critério de
numeração a aplicar ao Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse,
30 Set. 1995; Os estudos etnológicos e a musealização de objectos
etnológicos no arquipélago dos Açores (até finais da década de setenta deste
século)-Tentativa de resenha histórica, Outono 1993; Tentativa de
identificar Madre Margarida Isabel do Apocalipse, 1988; Subsídio para o
conhecimento e musealização da vida e da obra de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse, Dez. 1994
[83] Em Julho e Agosto de 1995 fomos a Ésterri d’Áneu
nos Pirenéus catalães para estudar o ecomuseu local.
[84] Assistimos a várias conferência na Fundação
Calouste Gulbenkian em 1994 que versavam sobre a interdisciplinaridade.
Recentemente saiu a lume as actas intituladas “ Para abrir as ciências
Sociais.” Já nos Estados Unidos da América do Norte, na década de oitenta,
enquanto estudantes, tínhamos participado em trabalhos multidisciplinares.
Felizmente.
[85]Paula Maria Soares Romão, Op. cit.
[86] Dorathy H. Dudley, et al., Museum registration
methods, 3ª ed., Washington, D.C., American Association of Museums, 1979,
p. 41-56
Colin Renfrew; P. Bahn, Archaeology: Theory, methods and practice,[2 ª ed.], London, Thames and Hudson, 1994, p.35-36
Como registar a localização exacta do objecto ? Tema actual da moderna
arqueologia que poderá ser aplicado a situações semelhantes. No nosso trabalho
curricular de “Sistemas e políticas de documentação” intitulado “Discussão do
critério de numeração a aplicar ao Arcano Místico...” tratamos do assunto.
Também sobre o mesmo se debruçou o Prof. Doutor Rui de Sousa Martins da
Universidade dos Açores conforme se lê em carta datada de 2 de Maio de 1995.
[87] Jean-Louis Flandrin, Op. cit. , p.12-18
[88]Pierre Bourdieu,Fieldword in philosophy,
Choses dites, Paris, 1987, p.43, cit. Jacques Le Goff, Saint Louis,
Paris, Gallimard, 1996, p. 27
[89]Norbert Elias, Mozart Sociologia de um génio,
Porto, Edições Asa,1993, p.21
- Testemunho de Licínio Tomás, Fev
1996 ( colega de sociologia)
[90]Jean Poirier; S. Clapier-Valladon ; P. Raybaut,
Op. cit., p. 150
[91]Jacques Le Goff, Saint Louis, Paris,
Éditions Gallimard, 1996, p.15
[92] Lucien Febvre,Martinho Lutero, um destino,
Porto, Edições Asa, 1994;
Georges Duby, Guilherme o Marechal, Lisboa, Gradiva, 1986.
[93]Jacques Le Goff, Op. cit. , p.19
[94] Peter L. Berger, Thomas Luckmann, A construção
Social da Realidade, 8ª ed. , Petrópolis, Vozes, 1990, p.35-53
Estamos “convictos” de que Margarida se reflecte na obra de várias
maneiras. 1- No objectivo didáctico; 2- nos materiais e formas que utiliza; 3-
o ambiente em torno da definição do dogma da Imaculada Conceição, problemas
familiares, etc... Tal como ela se ocultou na composição da massa das figuras,
também inevitavelmente ela reflectirá de
algum modo os seus estados de alma, o seu pensamento, as suas técnicas , entre
outros aspectos. Porque teria escolhido as “Tribulações de Job”? Escolheu
porque era um quadro que teria forçosamente de escolher. Pela tradição? Teria
algo a ver com as crises sísmicas que então afligiam várias localidades do
arquipélago? Veja-se Tábua Cronológica. Toda a sociedade rural agrícola e
pastoril estava na Bíblia, mas do modo como está no Arcano ( pelos verdes,
pelos materiais ) reflecte o local, o vivido localmente por ela. Os rebanhos de
ovelhas, de cabras, as eiras, e outras cenas campestres, podem ter sido vistas,
tal como decerto o foram as procissões e todas as celebrações litúrgicas nos
interiores dos templos, as missas, os Te Deum, os baptizados, os casamentos, os
enterros, os desfiles a cavalo. Nas roupas, nos gestos, nos ambientes que tão
bem consegue encenar. É evidente que só saberemos até que ponto é que ela
inventou, quando fizermos um estudo iconográfico mais profundo. E as cenas de
educação de Maria, não reflectirão as dela própria? O modo como o autor,
consciente ou inconscientemente, se deixa ver na obra, é tratado num artigo do
“L’Express”, Paris, n.º 2330, 29 Fev. ,p.46-50, intitulado “La vérité sur
Hergé.” Ou em outra obra que poderá parecer deslocada deste contexto, por
tratar de uma personagem hedionda, mas que nos abriu portas à tentativa de
compreender uma pessoa que ninguém até hoje identificou pelo seu
comportamento/obra. Neste se fala no modo como a policia actual traça perfis de suspeitos a partir do modo
como cometeram o crime (a sua obra).
Olivier Le Naire, La vérité sur Hergé , ”L’ Expies”, Paris, n.º
2330, 29 Fev. ,1996, p.46-50
Pierre Assouline, Hergé , Paris, Plon, 1996, p.11-14
Projecção pessoal também na freira que oferece o seu coração numa bandeja a
Maria e a seu filho. nas cenas de famílias divididas? tal como o tinha sido a
sua? É tentador pensá-lo. O que haverá na obra que possa de algum modo
reflectir o estatuto social da autora? Em primeiro lugar só alguém que soubesse
ler teria estudado os livros Sagrados. Saber ler fazia parte da educação da
elite social local. A cena de educação de Maria exibe toda uma panóplia de
aprendizagens das “Donas. ”O facto de ter tempo e dinheiro para investir na sua
obra é revelador do seu estatuto, tal como o foi a escolha da instituição festa de São João. Ela assimilou e transmitiu
a tradição católica já assimilada pela hierarquia. Veja-se a Imaculada
Conceição. O Espírito Santo de Margarida não é o que ainda hoje celebram as
confrarias é o a igreja clerical celebra. Onde vai buscar modelos formais?
Existem lapinhas e presépios. Ela inovou mas não se desligou dos modelos
existentes. Deu uma amplitude nova e encontrou soluções técnica e cenicamente
novas. Este diálogo entre o novo e a tradição manter-se-à constante em tudo o
que ela faz: altar, recheio da casa etc.
Philip Sugden, The complete
History of Jack the Ripper, London, Robinson, 1995, p.1-13
Jacqueline de Romilly, Alcibiade, Paris, Editions de Fallois, 1995,
p.9-16
Neste, tal como já o fizéramos com o “Saint Lois” de Le Goff, ou o Lutero,
ou Guilherme o Marechal, vimos na prática como a autora em torno de
características da personalidade do
biografado consegue um modelo de interpretação que aproxima a investigadora da
pessoa de Alcibiades. Sempre com a mediação de documentos. Fá-lo com a intuição
científica de que fala Le Goff. Para fazer esta aproximação foi igualmente útil
ler a monografia sobre as Carmelitas descalças em Portugal de Vera Constantino.
Como é o ambiente dentro de um convento?
Vera M. Guerra Teixeira Constantino, Carmelitas Descalças em Portugal.
Vocação intacta na renovação , tese
de licenciatura, Dez. 1985
[95]Paul Thompson, La voz del pasado.La Historia
Oral, Barcelona, Edicions Alfons el Magnànim,1988
-Jan Vansina, De la Tradition Orale. Essai de Methode Historique ,
“Belgique Annales”, Tervuren, Musee Royale de l’Afrique Centrale, nº 36,1961
[96]Jean Poirier, S. Clapier-Valladon e P. Raybaut, Op.
cit., p.149
“Falar de “arte” e de “talento” nas ciências humanas parece, ou provocação,
ou moda retrógrada (é de 1819 o texto mais importante de Schleiermacher). Nos
nossos dias, só os médicos com muita prática se atrevem ainda, por vezes, a
dizer que a sua prática é uma arte. No entanto, parece-nos capital retomar a
reflexão epistemológica a este nível, quer dizer: ao nível da distinção entre
ciência da natureza e ciência do homem, entre explicação e compreensão,
distinção enriquecida pelos trabalhos de W.Dilthey, K. Jaspers e M. Weber, que
nos permitem ultrapassar as antíteses do singular e do geral, da causa e do
sentido, do quantitativo e do qualitativo.”
[97] Num trabalho que recorre também à metodologia da
História devemos ter em conta a maior permanência das estruturas mentais
vis-à-vis as estruturas políticas, administrativas, económicas, etc Assim se
entende que o decreto de 17 de Maio tenha acabado com o Mosteiro de Jesus, mas
não tenha acabado com a freira Madre Margarida.Assim a até há pouco designada
sem hesitações sociedade do Antigo Regime, no que concerne à parte administrativa,
política e económica, foi caindo, mudando, mais rapidamente do que as
mentalidades. Mas esta também ia mudando a ritmos diferentes.
[98]Statuts-Code de déontologie profissionelle, Paris, Conseil International des Musées, ICOM,
1987
[99]Henrique Coutinho Gouveia,A musealização de
Sítios-Questões relativas à formulação do programa interpretativo”,
Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Porto, Sociedade Portuguesa de
Antropologia e Etnologia, vol.32, fasc.1/4, 1992, p.86-100; Henrique Coutinho
Gouveia; José Valle de Figueiredo, Margarida Chorão de Carvalho, Os fornos
de cal de Paço de Arcos, Lisboa, Instituto Rainha D. Leonor, 1993; Musealização
dos fornos de cal de Paço de Arcos-Bases para a elaboração do programa
preliminar, [ s.l., s.n., s.d. ]
[100] Aproveitámos, obviamente, toda a orientação
prestada pelo nosso orientador de tese durante a elaboração deste trabalho.
[101] Testemunho de Helena Moura, Março 1996. É
responsável pelo Parque Arqueológico do vale do Côa.
[102]William T. Alderson; Shirley Payne Low, Interpretation of Historic Sites, Nashville, American Association for State and Local History, 1985, p. 28
[103] Como explicar no museu as três leis, sem o
recurso à escrita, o perfil racional e metódico da autora, ou a ideia dos
vários percursos temáticos do Arcano, ou seja da linguagem polissémica, da sua
linguagem não cartesiana, de uma noção de anti-história ? O museu na definição
mais recente tem de ter objectos, mas nem todos aceitam alguns museus de
ciência por estes não utilizarem
modelos originais. Aqui a autenticidade
residirá no princípio e não no objecto em si mesmo. Teremos que ter isso em
conta. Pelo menos a polémica.
[104]Já nos referimos a este assunto no 1.1
[105]Encyclopaedia Universalis, vol.13, Paris, Encyclopaedia Universalis,1973,
p.336
[106] Ibid., p. 336-338
[107]Adolfo Yánez Casal, Identidades e
desenvolvimento-Contribuições ,1993, [fotocópia]
[108] Encyclopaedia Universalis,vol.
14, p. 36
[109] Também aqui falaremos de relações. As que se
desenvolveram em vida da autora, entre esta e os visitantes, devem ter sido
importantes para o próprio desenvolvimento da obra. Através do diálogo da
autora com os visitantes, verbal ou visual. Ela tinha, parece ter tido, melhor
dizendo, uma enorme e aguda capacidade de observação.
[110] Sendo nós aprendiz de historiador ( esperamos
bem que não aprendiz de feiticeiro),
fomos estimulados por visões e perspectivas diferentes das nossas. Muito mesmo.
Uma delas era a de que o historiador ia invariavelmente a “Adão e Eva” sempre
que queria explicar qualquer coisa. Tentamos tratar o passado relevante à
explicação das questões colocadas. A questão central, essencial, será , pois,
saber-se o que será relevante? No caso da biografia, julgamos que aparentemente
será tudo mais fácil. Será todo o passado familiar e pessoal? Mas em famílias
como as de Margarida a genealogia é importuna-te e vital. Deixamos só o alerta.
[111] Não trataremos de soluções concretas mas tão só
de princípios. Assim sugerimos , tal como se depreenderá ao longo desta
exposição, implícita ou explicitamente, a interactividade. O que não significa,
logo à partida um complexo dispositivo multimédia, logo informático. A
interactividade já se praticava quando Madre Margarida ouvia e falava da sua
obra.
[112] Porfírio Pereira da Silva, A Batalha da
Ladeira da Velha, ”Insulana”, Ponta Delgada, Instituto Cultural, vol.39,
1983, p. 73-92
[113] AMRG, Acordãos de 1830 a 1834, lv. 19, Vereação
de 22 Out. 1831, fl. 42 v.
É seu presidente Teodoro Botelho de São Paio “Nesta se deliberou que todos
os inpregados deste Conseilho digo desta Camara aprezentem Justificação
autentica da sua adezão ao governo da Rajnha e Carta Constitucional, Sendo lhe
intemado pelo Secretario da mesma, que o devem fazer athe ao fim de Dezembro do
prezente Anno para poderem Receber Seus emolumentos.”
- AMRG, Acordãos de 1830 a 1834, lv.
19, Vereação extraordinária de 24 Jan. 1833, fl. 119 v.
“Nesta Veriação pelo Prezidente foi proposto que vindo lhe a noticia que se
tratava de se fazer vir para esta Ilha os prezos d’Estado q.e se havião daqui
deportado p.a saaim convir ao Socego publico da mesma Ilha, e por asistir estas
mesmas circonstancias achou a mesma Camara que era mais util sentar (?) esta
Ordem;”
[114] AMRG, Maço de contas de 1774, 1828 e 1833,
[ 6 Maio 1832]
[115]Collecção de Decretos e Regulamentos -15 de Junho
a 28 Fevereiro de 1832, Lisboa, Imprensa Nacional, 1836, p.150-154
No Titulo II acerca das religiosas, artº 1º diz que”Ficam supprimidos os
seguintes Mosteiros de Religiosas, a saber:............................ Na Ilha
de S. Miguel o de Nossa Senhora da Conceição, e o de S. João Ante Portam
Latinam, ambos em Ponta Delgada, assim como o de Jesus na Ribeira Grande, e o
de Santo André em Villa Franca do Campo” e no artº 2º diz-se que “Ficam
conservados:................ Na Ilha de S. Miguel o de Nossa Senhora da Esperança,
e o de Santo André, ambos em Ponta Delgada.” no artº 3º “As Religiosas dos
Mosteiros supprimidos..., que elegem a vida commum, e regular, ... e as de
S. Miguel serão recolhidas no Mosteiro
de Nossa Senhora da Esperança, e de Santo André, da cidade de Ponta Delgada.”
[116] BPAPD, Fundos Monásticos, n.º 221, Convento de
Jesus Ribeira Grande, mç Diversos Papéis, Caderno dos Escriptos para
se Lançarem no Livro do Refeitório-1829-32 , 30 Ago. 1832
“P.a Comprimentar os Soldados, q.e estiverão de sentinella do Egresso ---
1$200 P.a 700 pregos p.a concerto antes do Egresso--- $980”
[117]Capitão Boid,Descrição dos Açores ou ilhas
ocidentais, trad. João H. Anglin, “Insulana”, Ponta Delgada, Instituto
Cultural, vol. 7, 1951, p. 325
Parte por volta das sete da manhã com amigos montados em burros no dia 8 de
Junho de 1832 sendo sua intenção passar por Vila Franca .(p.314)A páginas 325
escreveu que ”Os conventos haviam sido dissolvidos na véspera da nossa chegada
(a Vila Franca) e todas as freiras mais velhas, que visitámos numa casa
particular, ainda se encontravam chorosas e deploravam a mudança, para elas
funesta, pois que, passados já os sentimentos e
atractivos da mocidade, se lhes estancara a sede dos prazeres do mundo; os seus hábitos, ocupações e afectos
abrigavam-se adentro dos muros do convento e entre a comunidade que haviam
deixado.”
Do original: Captain Boid, A description of the Azores or the Western
Islands from personal observation by Captain Boid, London, Edward Church,
1835
[118]APCRG, Rois de Confissão 1833 - 1838,
freguesia de Nª Srª da Conceição, rol de 1833
Por exemplo: ”Rua d’Alcaide Nº 35.... A m.e Abadeça M.a Urçula...” Ou na
“Rua de São Seb.am Nº 170... a R.da M.e Albina Irmã ( de Bento José
Batista)...”Ou ainda na mesma freguesia na “Lomba das Rozas nº 278... A R.da
M.e Mariana Mag.da...”E outras espalhadas pela freguesia da Matriz.
[119] APMRG, Rois de confissão 1833-1842,
freguesia Matriz, rol de 1833
“Rua das ‘Pedras’ 148- A M.e Margd.a Izabel...”
[120] APCRG, Rois de Confissão 1833 - 1838,
freguesia de Nª Srª da Conceição, rol de 1833
- O irmão Teodoro mora na rua de São Sebastião, Conceição, com a
família:”Nº 162 O Major Thed.o José Bott.o... D.Maria Augusta m.er... “
[121] BPAAH, Cartório da Mitra, [Processo de egresso temporário de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse para ir a banhos nas Caldeiras-1830], mç 562, doc. 42
“ Diz a M.e Margarida Izabel do Apocalipse Relegioza professa no Mosteiro
de Jezus desta V.a, que tendo a nomiar por Matronas, que acompanhem no egreço,
que pertende fazer p.a tratar de Sua Saude, a D.Maria Augusta de Vas.los cazada
com seu Mano Theodoro Joze Bo.ho de S. Pajo, e sua Prima D. Anna Ombelina
cazada com Joze Duarte Pacheco, freguezes da Parochial de N. Senhora da
Conceição desta V.a...”
[122] Francisco Ferreira Drummond, Anais da Ilha
Terceira, (reimpressão fac-similada da edição de 1864),vol. 4, Angra do
Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, 1981, p.253-256
[123] Capitão Boid, Op. cit. , p.323-325
[124] AORG,Ouvidoria da Ribeira Grande, mç
1819-A, (Auto de Proclamas: oTenente Theodoro Joze Boteilho de Sam Pajo e D.a
Elena Peregrina de Sá viuva do Morgado J.e Leite de Arruda desta V.a; 22 de
Nov., 8 de Dez. e 13 de Dez. de 1818)O casamento é em 18 Janeiro de 1819.
- AORG, Ouvidoria da Ribeira
Grande, mç 1828,fl.1
“Autoação de huma Petição Justeficativa em que ....Diz o Capp.am Teodoro
Joze Bott.o de S.Paio desta V.a que hauendo fallecido no dia sette d’Abril de
1819 sua Mulher D. Helena Peregrina de Sá...”
[125] No decorrer do seu processo de egresso temporário
da clausura em 1830 “... que sendo o numero das Religiozas do dito Mosteiro o
de trinta e quatro com a M.e Egressanda todas Votantes, ao Som de Campa tangida
se congregarão...”
[126] AMRG, Acordãos de 1830-1834, Vereação de 31
Out. 1832, fl.103
[127] BPAPD, Tribunal da Comarca da Ribeira Grande,
Inventário Orfanológico, Marianna Amalia Narciza, mç 39, procº nº1367, 7
Jan. 1834, fl.17 v.-18
“...pella haverem por arrematação em
asta publica... em nome do Provedor Interino do Conselho desta Villa, e que foi
nesta mesma Villa Antonio Manoel da Silveira Estrella por quem se acha
assignado e sobscripto pello escrivão da mesma provedoria... com data de
quatroze (sic) de Dezembro do anno de mil outo centos trinta e tres
...”(Mariana fora esposa de José Maria da Câmara Vasconcelos)
[128] BPAPD, Tabelionato-Ribeira Grande, Tab. Mariano
José Ferreira, Contrato de arrendamento de moradia, mç 24, lv.144, fl.
115v. -116
[129] Cardeal Patriarca de Lisboa, A todo o clero, e
a todos os fieis deste Patriarchado... ”Chronica dos Açores”, Angra, [s.n.], nº 39, 6
Out. 1833, fl.1 v.
“Fazei-vos dignos da continuação das suas vistas benignas(da monarquia) e
compassivas, pelo exacto cumprimento da Sagrada obrigação que temos de prestar
mais prompta obediencia e submissão a todas as ordens e disposições do Augusto
regente, em nome de S.M.F. , e as Authoridades que elle constituir, ou tiver
constituido. He esta uma obrigação que nos impõe a mesma Santa Religião que
temos a felecidade de professar, de que o Seu Divino Author nos deo o exemplo,
e os seus Discipulos pregarão em todo o Mundo, dizendo-nos o Apostolo S. Paulo,
que quem resiste á disposição de Deos Qui resistil potestati, Dei ordinationi
resistit ( ad Rom. C. 13. v.9) ; que os seus Mandados, e as Suas Leis,
revestidas de um caracter Sagrado, estendem o seu imperio até á consciencia do
homem; e que por isso devem ser obedecidos, não só pelo temor do castigo, mas
também porque a tanto nos obriga a Lei Divina.”
[130] BPAPD, Tribunal da Comarca da Ribeira Grande, Crime,
mç 3 , procº nº 132, 1834-1835, (146 folhas)
[131] No processo acima mencionado:”...Merda mais tão
bem pera o Hospital, aonde sou Merda
(riscado) Provedor Pois tu és
Merda/Provedor e Merda/Eleitor de Deputados...-(sic) Sim Sr. já lá estou nessas
alturas, por que huã corja de vis desmoralizados com o Sentido no meu d.ro e
vinho, me encherão de honras, que eu não merecia, e estão promptos a dar-me
does beijos no cú com tanto que lhes dê o d.ro e o vinho.Tu Baptista Como que
mentes...Fallo Verdade; porque os taes meus amigos São dannados por d.ro e
vinho; como o diabo por almas, e até me dizem que Heu heide ficar Provedor em
lugar de Jozé Maria( da Câmara Vasconcelos, cunhado do irmão de Margarida),...
em ...(?) que fui hum pobre burriqueiro, mas o outro tão... foi pescador e este
Juiz de Dirto. Adeus Baptista não quero ouvir mais.O sal e as pucaras. Fran.co
B.to Burro/ Florencio Motta Sem Caract(er)”
[132] Vide processo supra
[133] APMRG, Igreja Paroquial, Notas para o livro do
Tombo, 12 Fev. 1846, fl. 27 v.
“Em os cinco de
7.bro de 1834 desabou o tecto do centro desta Matriz pelas 11 horas do dia, e
he de notar; que principiando-se os enterram.tos no Cemiterio no mez d’Abril do
dito anno hum certo Antonio Francisco Alves Cabral desta freguezia, disse, que
visto não ser já permettido enterrasse (?) alguem na Igreja, que a Matriz
cahisse no dia, em que elle morresse, o que de facto aconteceo;...”
[134] No Minho provocaria , ou seria mais uma das
razões, a revolta da “Maria da Fonte.” Madre Margarida , como veremos,
preocupou-se com o seu funeral e morte, tal como as suas companheiras
disseminadas pela vila, mas ao contrário de uma ou duas delas, não comprou terreno no cemitério. O ter de se
enterrar fora do contexto que tinha sido até então o normal ( as igrejas tanto
particulares como paroquiais ou conventuais), onde toda a sua família estava
enterrada, excepto Teodoro que já se enterrara no cemitério público, criaria no
mínimo inicialmente alguma perplexidade. Racional como foi teria tido tempo
para reflectir e aceitar o assunto. Adepta, ou a par das vantagens sanitárias
em manter o ar limpo ( a podridão do ar era causa de doenças), aliás estaria
sensibilizada pelos seus próprios achaques agravados no interior do convento,
não lhe seria difícil aceitar tal facto. A sua saída recomendada por uma junta
médica indicia-o. Para que serviria a tina de banhos? Porque morara numa casa
com diversas janelas? Porque tinha uma cama sem ornatos que impedissem o
movimento do ar?
[135] Catequese mas também deleite ( entretenimento) e
louvor a Deus. O modo sereno com que parece ter feito o Arcano ( sempre
planeado, metódico ...) para além de ser uma outra forma de relacionar a vida e
a obra, teria sido um exercício pessoal de onde retiraria enorme prazer. Porquê
o louvor a Deus? Para além da retórica da época poderá significar o aproveitamento
seguro de algo socialmente correcto, ou seja dentro do âmbito do sagrado, para
fazer-se algo que abarca todas as esferas da vida. Um nu no Arcano, ao abrigo
da Casta Susana, não era o mesmo que um nu da vizinha do lado. A comunidade
sincrética, onde o sagrado e o profano estão juntos, é típico deste período.
Até por isso o Arcano é obra do seu tempo. Dentro deste quadro socialmente
asei-te Margarida deu largas às suas
escolhas. Brincou literalmente a vestir e a despir inúmeras figuras,
exceptuando-se disso a Sagrada Família e os apóstolos, mais alguns outros,
brincou com os materiais e com as formas das estruturas. Parecia uma jovem a
brincar serenamente com as casinhas de bonecas ( teria tido algumas ) , com teatrinhos...
Ainda que existissem outras formas mais próprias de uma esposa de Cristo
dedicar o seu tempo. Ela não era uma mística, era uma prática. Ainda assim,
seria uma pessoa que atraía outras, impondo distância e respeito. Como explicar
que ela conseguisse projectar na comunidade uma imagem altamente positiva?
[136] APCRG, Livro de Vesitas nº1,29 Mar. 1780, fl.52
“Por haver...(?) a Nossa prezensa, com a maior certeza a sencivel noticia
de que, não so muitos dos póvos Rusticos mas ainda dos Urbanos deste Nosso
Bispado viver inteiramente faltos da indispensavel Siencia da Doutrina
Christã,..., a tanto a sua ignorancia que, nem os principais e inperteríveis
actos de hum Christão sabem fazer; Ordena-mos com perceito formal de obediencia
emquanto não damos outra providencia aos Reverendos Parachos, e aos mais
Reverendos Sacerdotes, que dicerem Missa nas Ermidas que antes della, em todos
os dias de perceito fasão(?) dizer em vos alta ao povo os Actos de Fé,
Esperansa Amor de D.o, Amor do Proximo Atrição, e contrição indo-se dizendo
...”
[137] “Chronica dos Açores”, Angra, [Sn.], n.º 15, 21
Abr. 1833, p, 2
“Da instrusão depende muitas vezes a tranquilidade publica, e actividade da
administração, o estabelecimento da liberdade, e independencia; e para se
tirarem della todos os resultados, que necesariamente se devem esperar, he
preciso que a Religião, e a Moral Seja a sua principal base;pois que he
essencial, que o coração, e espirito dos homens seja continuamente dirigido
para Deos, como a fonte da Moral, e por conseguinte dos deveres do homem na
sociedade. O estudo destes deveres, e os conhecimentos para os desempenhar,
somente se podem obter pela instrucção publica, fundada na Religião, e na Villa
da Horta, devem fundar-se Collegios d’educação para Meninos e Meninas, e
Escholas maiores, aonde se ensine a Latinidade, a Philosofia racional, e moral,
Rhetorica, Mathematica, Fyzica, Chimica, e Botanica, estabellecendo-se um
Jardim Botanico.Em cada Parochia deve haver uma Eschola primaria.O methodo deve
ser o do -ensino mútuo- e os fundos devem sahir das Confrarias, e Irmandades,
satisfeitos os legados pios, e as despezas do Culto Divino a que estiverem
sujeitos. ”Este jornal era o órgão dos liberais.
[138] APMRG, Visitas e Pastorais, lv. 4,
1828-1859, fl.33
“24 de Junho de 1841-Esta Pastoral determina preces por tres dias por causa
dos terramotos da 3ª”E mais à frente:”...Sentindo-se Amados filhos, penetrado o
nosso Coraçam da mais viva e pungente dôr pelo desastrozo acontecimento, que
acaba de ter Logar na Ilha Terceira, em cuja horroroza prezença huã grande
parte do Nosso Amado e Querido rebanho se vê submergido na mais deploravel
consternação pelos grandes males, que já tem cauzado ás frequentes e reiteradas
commoções subterraneas em cinco para seis dias, as quaes nam so hão reduzido a
hum montão de ruinas huã das principais Villas daquella Ilha, mas abalado toda
a Cidade reciando-se a cada momento o tornar-se victima de igual flagelo,
parecendo ate que o Nosso Deos Justamente indignado pelos nossos repetidos
crimes quer descarregar sobre nós todo o pezo da sua ira, e conciderando-nos ao
mesmo tempo merecedores de castigo tanto que devemos fazer, Amados filhos, em
taes circunstancias a fim de poder-mos escapar á Sua Divina Justiça e de o
tornarmos mezericordiozo e compassivo!? Verdadeira e Severa penitencia continuas
Supplicas, ferverosas Orações, obras de misiricordia (sic), e actos de mais
ardente Caridade.”
[139]David K. Chester, Volcanoes and Society ,
London, Edward Arnold,1993, p.228-237
Testemunho de Vitor
Hugo Forjaz, 1990
A nossa própria
experiência. Trata-se de saber como é que ela se revelou na obra. Seria mais
uma razão para fazer o Arcano. Se as pessoas cumprissem a lei Deus não castigava. Para além disso é
tentador pensarmos que a cena de “Job” terá tido esta influência. Houve uma
série de catástrofes que mantiveram a população expectante.
[140] Occorrencias, ”Açoriano Oriental”, Ponta
Delgada, [s.n.],nº 718, 4 Nov. 1848
“Tremores de terra. Desde as 1 horas da tarde do dia 30, tremores de terra
se fiseram sentir amiudadamente até o dia 1º do corrente, sendo mais sensiveis
suas ruinas, nas Freguezias dos Ginetes-Feteira, Mosteiro, e Varzea, nesta as
habitações de seus consternados habitantes ficaram quasi de todo destruidas:
assim como a sua Egreja.”
[141] O Açoriano, ”Açoriano Oriental”, Ponta
Delgada, [s.n.], nº 899, 24 Abr. 1852
“O terror que deixou impressionados todos os animais ainda se não dissipou
de todo, nem é possivel; por quanto o terramoto violento da noite de 16 de
Abril que ameaçava subverter toda esta ilha causou impressão e effeitos
terriveis. Não é para as curtas dimensões d’um artigo o enumerar todas as
fatalidades ocorridas, o que seria querer collocar a ordem na desordem, e por
isso n’outro logar desta folha vão mencionados os desastres de q.e vamos tendo
conhecimento e que iremos continuando em numeros seguintes, limitando-nos por
tanto a observações gerais, que cumpre serem apreciadas. A primeira coisa de
que devemos tratar, é cuidar de remediar no possivel os males causados; mas as
nossas forças não são para tanto, porque os estragos do terramoto foram
grandiosos, e todos, grandes e pequenos soffreram mais ou menos nas suas
propriedades; havendo tambem a lamentar a perda de muitas vidas. Todos os
edificios publicos soffreram; mas o que d’entre elles ficou em estado mais
ruinoso foi o que serve da cadêa publica, e casa da camara, ao que é
urgentissimo acudir-se.Tambem se torna necessario que o governo providenciêe à
cerca dos templos parochiaes damnificados, mandando os reparar, bem como os
caminhos publicos, muitos dos quaes ficaram intransitaveis. Para tanto não
preciza o governo de grandes sacrificios, basta que mande publicar para esta e
outras despezas de que carecemos as sobras dos rendimentos publicos do
districto de Ponta Delgada.”
[142] Occorrencias, ”Açoriano Oriental”, Ponta Delgada, [s.n.],nº 714, 7 Out.
1848
[143] Veja-se a Tábua Cronológica. Até mesmo o aparecimento do cometa Halley é
explicado também por causas divinas. Alguém não propriamente um ortodoxo da
ideologia comum explica no jornal a União (?), do José Maria, talvez ele próprio
ou alguém do seu grupo, explica-o recorrendo aos sinais divinos mas
introduzindo já elementos extra-religiosos. Não devemos esquecer que as
pastorais liberais não foram sequer aplicadas em Portugal. Estava-se em plena
guerra civil.
[144] Sacuntala de Miranda, Quando os sinos tocavam
a rebate. Notícia dos alevantes de 1869 na Ilha de S. Miguel (no prelo)
[145] Fizemos uma recolha nos jornais ribeiragrandenses
“ A União” e “A Estrella Oriental” das festas aí anunciadas de 1856-1858.
[146] APMRG, Igreja Paroquial, Notas para o livro do
Tombo, 12 Fev. 1846, fl. 130-152
[147] AMRG, Acordãos de 1834 - 1837, lv. 20, Vereação
de 31 Jan. 1836, fl. 117
“Foi prezente hua Portaria do Menisterio do Reino ... que anunciava a grata
noticia do Conçorcio de S.M.F. com o Serenissimo Principe D.Augusto Duque de
Saxonia; pelo que p.r tão plauzivel noticia foi deliberado ouvesse em todo este
Concelho Illuminação Geral em todo o Concelho, em os dias de hoje the dois de
Fevereiro proximo e neste ultimo Te Deum em acção de Graças na Igreja Matriz(de
Madre Margarida), sendo convidado o Revd.º Prior, e o Mestre da Capella para o
mesmo fim, cuja festividade será feita com todos os Signaes de Regozijo
Publico,...”
-AMRG, Acordãos de 1834 -1837, lv. 20, Vereação extraordinária de 29
Mar. 1836, fl. 127 v.
“... em regozijo dos Annos Natalicios de S.M.F. a Rainha ...”
-AMRG, Acordãos de 1834 -1837, lv. 20, Vereação de 27 Abr. 1836,
fl.133
“...em Regozijo do Aniversário da Carta Constitucional...”
[148] Centro Cultural de Belém, A Magia da Imagem
, Lisboa, Centro Cultural de Belém,1996, p.33-45
Conforme se poderá
constatar pela consulta da tábua cronológica a Ribeira Grande era uma
“comunidade” que partilhava nos espaços públicos as suas festas e romarias. Uma
das mais fortes fontes imagísticas
prováveis de Margarida. E as festas e trabalhos rurais, como as
vindimas, a debulha, etc Há dias ( 2 Abr. 1996) o Prof. Doutor Gustavo de Fraga
definia assim comunidade diferenciando-a de sociedade para falar do tempo de
Antero de Quental em Ponta Delgada. Fazia-o pelo tipo de festas. Não resistimos
a usar mais este argumento para provar a ligação de todo o criador, nós nesse
momento, e o que nos acontece e vemos, a entrevista citada, à obra que estamos
a criar, neste caso, esta tese. O mesmo se teria passado com Margarida.
Para fazermos uma
ideia de como evoluíram estas técnicas.
[149] A este respeito é elucidativo o que transmite
Júlio de Castilho da tradição oral que encontrou em Ponta Delgada: “Ora mas em
1847 a verdadeira e principal causa da apathia da cidade , era a política, a
enredadeira sem pudor, que lavra como peste, e derruba, e transforma os bons e
vigorosos em maus e fracos. O que essa ignobil velha de soalheiro tinha
conseguido, é indizivel. Guelphos e Gibellinos não se odiaram melhor nas praças
de Florença, ou nas viellas de Padua, do que no Club de Ponta-Delgada tomando
chá, ou no campo de S.Francisco ouvindo musica regimental, os Setembristas e
Cartistas. Era um horror. Desunidas as famílias! malquistados os antigos
amigos! morta a convivencia! “ Júlio de
Castilho, Op. cit. , p.25 Ter-se-ia passado o mesmo entre Margarida , a
cunhada e o irmão? Quem foi fiança dela foi um irmão do marido de Umbelina.
Quererá isso dizer algo?
[150] António Pedro Manique, Mouzinho da Silveira.
Liberalismo e administração pública, Lisboa, Livros Horizonte, 1989, p.9-18
[151] APMRG, Igreja Paroquial, Notas para o livro do
Tombo, 12 Fev. 1846, fl. 130-152
Trata-se do registo da resposta no supracitado livro a um questionário do
Governo dirigido aos párocos no ano de 1858 e preenchido na Matriz de Nossa
Senhora da Estrella, Ribeira Grande, em 15 de Agosto daquele ano pelo Prior da
mesma, Manuel Cabral de Mello.
[152] APMRG, Igreja Paroquial, Notas para o livro do
Tombo, 12 Fev. 1846, fl. 152
[153] AMRG, Acordãos de 1856-1858, lv. 30, Vereação
de 18 Set. 1856, fl.35 v.
[154] AMRG,Acordãos de 1845-1847, lv. 27, Vereação
de 8 Set. 1847
Por Alvará do Governo provisório foi suspensa a Câmara anterior e nomeada
outra.
[155] AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv.13, 1857, fl.178-191
- APNRG,Confraria do Santíssimo Sacramento, mç 83, fl.1-12 v.
Em ambos os casos trata-se de registos do testamento e rol do testamento de
28 de Março de 1854 do codicilo ao mesmo
datado de 16 de Março de 1857 e da sua abertura em 18 de Maio de 1858 após o
falecimento de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse em 6 de Maio de 1858.Não encontramos o original na Biblioteca
Pública. O testamento e o rol teriam sido feitos pelo punho de Madre Margarida.
Os dois documentos conferem.
[156] Maria M. de M. Dias Vaz do Rego Machado,
Produções agrícolas. Abastecimento. Conflitos de poder , Ponta Delgada,
Jornal de Cultura, 1994, p.137-141
[157] Testemunho de Hermano Oliveira, 19 de Ago. de
1987
[158][João Albino Peixoto, Op. cit., p.31
[159] Sobre a “Exposição Industrial Micaelense do Natal
de 1848 a Janeiro de 1849”, Júlio de Castilho transcreveu o que o pai, António
Feliciano de Castilho, escrevera: ” foi mais que um espectaculo imprevisto e
maravilhoso: foi imponente efficacissimo ao trabalho e natural habilidade dos
habitantes. Quatro grandes salas continham apenas os productos, que ahi se
apinharam, oferecidos à admiração de cerca de vinte mil visitadores, incluindo
n’este numero os repetentes. Em todos os generos appareceram primores, e
muitos: em desenho e pintura; em gravura; em esculptura; em flores artificiaes,
de sêda, de lã, de cabello, de pennas, de cera, de conchas; bordados; obras de
ourives, de galvanisador, de doirador, de ferreiro, de serralheiro, de
cuteleiro, de carpinteiro, de marceneiro, entalhador, e torneiro, de machinismo,
de tecelagem, de fiação de linho, de algodão, e de sêda; de encadernação, etc.,
etc. A Ilha mesma ficou admirada das riquezas industriaes, que possuia sem o
saber; acenderam-se-lhe novos brios com este documento irrefragavel de suas
forças, e tudo nos faz esperar que a seguinte Exposição não cederá a este
esplendor.” ( Júlio de Castilho,
Memórias de Castilho, 2ª ed. , tomo 5, Coimbra, Instituto de Coimbra, 1932,
p.148 ) Como se vê “accenderam-se-lhe” (às pessoas da ilha e à Madre Margarida
,decerto) novos brios”. Estas exposições, poder-se-á conjecturar, provavelmente
estimularam de duas maneiras a obra de Madre Margarida. Em 1832 o
reconhecimento real teria sido o primeiro e o decisivo incentivo. Pela parte do
público tornou-se visível na consagração de 1850, portanto, entre as duas
Exposições Industriais de Ponta Delgada. Aliás fá-lo notar. Pela parte da
autora. Em Setembro de 1848, quando já se planeava a 1ª Exposição, Madre
Margarida estava a preparar a conclusão do Arcano. Até avisa o público no
Açoriano Oriental, jornal de Ponta Delgada. Em 1856/7 faz o mesmo. Haverá pois
uma correlação entre as Exposições e o Arcano. Não interessa se ele foi ou não,
ou outra obra qualquer da autora. Consultando a lista dos concorrentes às ditas
exposições, pudemos verificar que deveriam circular pela ilha imagens/gravuras
de ambientes e paisagens românticas ( tê-las-ia conhecido Margarida ? É
provável.) ,que se faziam presépios ( tipo construções naturais, um em barro e
conchas, outro com figuras e flores) e muitas
flores artificiais. Há um quadro titulado “Jeroglíficos do homem natural, ou
árvore dos desvarios do Homem largado à
Natureza, ou o furor das suas paixões.” Tal como pensava Margarida. Umas
anónimas do Convento da Esperança de Ponta Delgada apresentaram trabalhos em
pano e cera. O que deveria também ter feito Margarida no convento e fora dele.
Há também “cestinhos com flores e frutos em cera, ramos de “saudades” em pano,
camélias em penas... “Tudo materiais que Margarida utiliza. no catálogo não
consta o nome de Margarida. Veja-se lista em Luís Bernardo Leite de Ataíde, Etnografia,
arte e vida antiga nos Açores , Coimbra, Biblio. Ger. da Universidade,
1974, p.301-303
[160] Manuel Jacinto Andrade, Jornais Centenários
dos Açores, Ponta Delgada, Gabinete do Subsecretário Regional da
Comunicação Social, 1994
“O primeiro título de ‘A Estrella Oriental’ foi fundado na Ribeira Grande,
em 28 de Maio de 1856 e terminou em Março de 1866.Foi o primeiro jornal
publicado na Ribeira Grande.”(p.67)
“O outro título ‘A União’ foi o semanário político, fundado, na Ribeira
Grande, em 19 de Fevereiro de 1857, editado por João Jacinto Botelho e tendo
José Maria de Vasconcelos como redactor. Apresentava-se em folha pequena, de
quatro páginas a três colunas. Terminou em 6 de Junho de 1861, com o n.º
187.”(p.123)
A propósito da Revolta dos Calcetas em Abril de 1835:”É remetido para
ali(Ribeira Grande) um destacamento, e aí vai o editor de ‘O Açoriano
Oriental’(Ponta Delgada) , José Maria da Câmara Vasconcelos,...”(p.30)José
Maria tinha-se para lá transferido há pouco. Regressaria à Ribeira Grande na
década seguinte aqui permanecendo até à sua morte em 1861.
[161] José Maria no-lo diz. Não seria uma radical, mas
seria liberal. Os objectivos do Arcano no-lo indicam, o seu gosto para viver a
sua própria vida, a adesão materializada pela oferta de flores a D. Pedro.
Neste período, como sempre, os gestos são mais do que simples gestos. Não iria
ao ponto que foi o António Manuel da Silveira Estrela que vivia conjugalmente
com a sua futura esposa antes de casar com ela, nem com a posição anti-clerical
do mação José Maria, nem partilhou a simplicidade do enterro do irmão. Mas nos
liberais abrigavam-se todos os que não queriam D. Miguel. Havia de tudo e de
todas as sensibilidades. No fundo para uma senhora não seria fundamental tomar
posição, até porque a política era uma actividade masculina. Era aceite por
aquele grupo e definida como liberal.
[162] Cf. nosso Caderno de notas, observações de Out.
,Nov. , Dez. de 1994 e Jan. de 1995 ao Arcano Místico de Madre Margarida Isabel
do Apocalipse no coro alto da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela-Cidade
da Ribeira Grande.
[163] Sendo mulher e tendo tido uma percepção e uma
intervenção, directa e indirecta na comunidade, seria bom confrontar a sua vida e a sua obra numa
perspectiva de vidas de mulheres. Embora lhe reconheçamos o potencial, e não sendo um objectivo
essencial deste trabalho o tratamento nesta perspectiva, na prática não
deixamos de o fazer. No fundo é a biografia de uma mulher.
[164] Publicado em Ponta Delgada.
[165]José Maria da Câmara Vasconcelos, Tributo de
gratidão,“ A União”, Ribeira Grande, n.º 61, 16 de Dez.de 1858, p. [3] ; Id., Tributo
de gratidão,“ A União”, Ribeira
Grande, n.º 62, 28 de Dez. de 1858, p. [3]
[166] Pierre Assouline, Op. Cit. , p.13
[167] Pierre Assouline, Op. cit. , p.13
[168] Cf. nota anterior
[169] Vide apêndice documental Quadro XII
Conforme o Rol anexo ao Registo de testamento de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse.
[170] Júlio de Castilho, ,Memórias de Castilho,
2ª ed. , tomo 5, Coimbra, Instituto de Coimbra, 1932, p.255-6
Vejamos o presépio. “ Outra forma da devoção dos Michaelenses, era a
lindeza dos presepios, com que certas familias celebravam o santo Natal.
Penetrava-se na sala do presepio com ar respeitoso, e insensivelmente
abaixava-se a voz. Ao fundo, sobre um estrado de meia braça de altura, e ás
vezes tres e quatro de largura, descortinava-se a paizagem montanhosa de uma
Judêa convencional, mas muito amena, regatos de vidro, azenhas em movimento,
caminhos serpenteando entre arvoredos de carqueja pintada de verde, montanhas
carranqueando ao longe, pontes unindo as margens oppostas de um ribeiro, tudo
isso, amalgamado, aproximado sem perspectiva aerea, tinha seus quês das illuminuras de um pergaminho do seculo
XV, ou dos fundos de certos quadros de Raphael. Ao meio, em logar conspícuo,
avultava a cabana de Nazareth, com muitas flores de roda, muitas vellasinhas
accezas, e ás vezes uma caixa de musica escondida, celebrando o nascimento do
Filho de Maria ao som do Hymno da carta, de uma sonata de Beethoven, ou do
ultimo pensamento de Weber. De toda a parte d’esta grande Palestina de poucas
braças, viam-se caminhar, aforçurados mas immoveis, em direcção ao presepio,
pastorinhos com rebanhos de algodão, reis a cavallo, bonitas camponezas de
lenço na cabeça, e pretos com charamellas; tudo presidido, ao que parecia, por
uma estrella de espelho, que pendia do tecto ( digamos antes do céo), entre
passaros empalhados, tambem pendentes e oscillando. Tudo isso, todo esse
conjunto historico, devoto, anachronico, burlesco, e sagrado, era um verdadeiro
encanto, como o são ainda hoje as illuminuras dos antigos livros-de-horas!
encanto e enlevo para as creanças. Pergunto: de todo esse espectaculo não
ficara no espirito um perfume de saudades, uma noção archaeologica do Novo
Testamento””
Procissões. “ As procissões, que iamos ver para alguma casa amiga, tinham
feição mui outra da Capital. Juncavam-se as estreitas ruas com areia,
espadanas, e muitas flores; o publico assistia serio, descoberto, em silencio,
muita vez ajoelhado, ao desfilar do prestito. Succediam-se, magnificamente
vestidas, as Imagens de tal ou tal Santo, sahidas de tal ou tal convento, as
irmandades, onde se contava a aristocracia insulana, as scenas, ao vivo
representadas, do Antigo Testamento, scenas mudas, rapidas, que passavam entre
commentarios respeitosos, e tornavam concretas á vista as mais sublimes
allegorias dos Livros Sacros. Que coisa era, senão pura edade-media, o vistoso
apparato d’essas Procissões religiosas, frequentes ali, quando os mosteiros
femininos, ainda em todo o seu esplendor, contribuiam para ellas com
ornamentos, imagens, magnificos templos abertos, cantoria primorosa, e, em
summa, com o exemplo do bem!Eram as quatro casas monachaes para senhoras (não
falando nos Recolhimentos) ; a saber: a Esperança, onde se venera a Imagem
popularissima do senhor Santo Christo; Santo André; S.João; e a Conceição; “
[171] Missale Romanum, Lisboa, Michaelem M. da
Costa, 1760
[172] José Ignacio Roquette, Novas Horas Marianas ou
officio Menor da SS. Virgem Maria..., Paris, J.P.Aillaud, [18--] Roquette é tradutor. Não há referência, tanto
quanto sabe-mos, ao seu autor. A primeira edição, conforme consta do prefácio
desta edição “... saío á luz em 1849,...”
[173] José Ignacio Roquette, A Historia Sagrada do
Antigo e Novo Testamento enriquecida com notas e reflexões moraes, para
instrucção e santificação dos Fieis,4ª ed., tomo I, Paris, Aillaud,
Guillard, 1863, p.XII
A primeira edição terá saído ou estaria pronta em 1850.O autor vivia em
Paris.
[174] Vide apêndice documental Quadro XII
[175]Júlio de Castilho, Op. cit., p.255-6
[176]Cf. nosso Caderno de notas, observações de Out.
,Nov. , Dez. de 1994 e Jan. de 1995 ao Arcano Místico de Madre Margarida Isabel
do Apocalipse no coro alto da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela-Cidade
da Ribeira Grande.
[177] John W. Webster, A Ilha de S.Miguel em 1821,”Arquivo
dos Açores”, Ponta Delgada, Universidade dos Açores,vol.13, p.144 (o original “A
description of the island of St.Michael, Boston, R.P.William, 1821.Tradução
de César Rodrigues. O autor casou e viveu na ilha durante mais de um ano)
“A freira frequentemente convida algumas das suas companheiras a cantar ,
ou tocar guitarra, a fim de entreter os hospedes, sentando-se ellas de pernas
cruzadas no chão para dentro das grades; não lhes sendo permittido uso de
cadeiras. Ha sempre bancos ou cadeiras para comodidade das visitas,
............ A uma hora da tarde, cedo da tarde, as freiras preparam chá no
quarto interior, que collocam numa bandeja, com a sua provisão usual de bolos,
abundancia de doces, etc., em ...”
-Francisco Carreiro da Costa, Grades de doces,” Insulana”, Ponta
Delgada, Instituto Cultural, vol.31-32,1975/76, p.185-186
“Há duzentos e mais anos, em pleno século XVIII, eram os conventos os
pontos de reunião predilectos para a gente do tempo e sobretudo para os
estrangeiros que, em quina-tos brigues e escunas demandando os três principais
portos aí se demoravam por dias e semanas. Daqui a fama de que então gozavam
alguns conventos de freiras...”
[178] AHMF, Inventário do Convento de Jesus da
Ribeira Grande, Inv. nº12485/Inventário nº475 (Cópia do Inventario feito em
1832)
[179] Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
Mas sobretudo, sendo atenta e inteligente, a sua atenção deveria perscrutar metódica e
sistematicamente todo o objecto, toda a situação, todo o gesto, todo o esgar.
Assim ela é uma grande encenadora de ambientes e de estados de espírito das
suas personagens. O rosto e as mãos são o suficiente para atingir tal
desiderato. As roupas dão outro toque. A postura do corpo reflecte decerto as
convenções sociais da sua época. O corpo e o lugar que ele ocupa hierarquiza a
importância social da pessoa. O padre no altar tolera naquele espaço restrito,
como serviçal, o sacristão. Os escravos, ou os africanos mulatos ou não, estão
junto aos seus “donos” ou à entrada da porta da rua. As mulheres estão
segregadas. Conhecem-se as pessoas, a sua posição, pelo traje e pelo gesto. Ela
não poderia tirar tudo isso de uma simples observação, ainda que cuidada, de
fontes gráficas. Aí residirá também a sua criatividade. Teria ela estado
envolvida, no convento, na preparação de festas tal como Júlio de Castilho
sugeriu para Ponta Delgada? Certamente. Veja-se o altar de São João
Evangelista. Tinha que ver a “comunidade”. José Maria refere-se que ela se
portara à altura nas demais assembleias em que participara. Julgamos até, pelo
tipo de pessoa que parece transparecer nas fontes, mas isto será tão-só uma
conjectura arriscada, que uma aparentemente inocente conversa com os seus visitantes faria disparar a sua
imaginação.
[180]Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, p. [3]
- Id., Arcano, p.
AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha (Maria Teodora),21 Set.
1853
[181] Michel Vovelle, Piété Baroque et
déchristianisation en Provence au XVIIIe siècle, Paris,Seuil,1978, p.9
[182] AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13, fl.180 v.
[183] Vide apêndice documental Quadro II
[184]Estevão de Castro, Breve Apparelho, e modo
facil para ajudar a bem morrer hum Christão , Évora, Officina da
Universidade, 1672, p.149159
O testamento falará mais dela na sua última fase. Aquilo que ela pensa
naquele momento ter sido até ali. Em 1835 tê-lo-ia feito diferente. Dir-nos-à
algo sobre a sua personalidade. Até a preparar a morte ela é metódica,
veemmente e serena. Prepara-o com tanto rigor e detalhe tal qual fez o Arcano.
Parece que segue as instruções de um “manual de bem morrer.” O dar a cada uma
das confrarias, o fazer as contas com aqueles a quem se deve, o fazer as pazes,
dar a todos os que a serviram. Aspectos legais. Tudo isso vem no manual e tudo
isso fez Margarida. Ela fez escrupulosamente tudo o que a Igreja diz para se
fazer. Adoptou uma atitude saudável perante o mistério da vida. Acreditava na
vida eterna e acreditava que se fizesse tudo conforme a lei e o costume se
salvaria. De novo a racional. A salvação, tal como tudo o que fazia, tal como
fazer a massa do Arcano, a festa, tinha que cumprir escrupulosamente um
receituário preciso. Um ritual um rito de passagem purificador.
[185] BPAPD, Paroquiais, Paróquia da Conceição- Ribeira
Grande, Registo de Baptismo,lv.8,1770-1782,fl.162 v.
[186]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.178
[187]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.183 v.
[188]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.188 v. -189
[189] Domina-a o sentimento de culpa. Acredita que
todos se salvam pela Graça de Deus e pelas suas obras. Todo o Arcano é isso. Os
longos anos que leva. Estava então ainda estudando/fazendo o Arcano teriam
tornado a sua consciência mais sensível a este aspecto. Veja-se a obra a
condicionar a criadora. Ela reconhece ser pecadora, o que poderia,
evidentemente, só ser um lugar comum, os
santos nunca se reconheceram “não pecadores”, porque fora má religiosa (
faltava a deveres do coro), não teria sido uma mística consagrada à oração e ao
sacrifício ( era uma intelectual da Bíblia) e faltara-lhe a caridade para com o
próximo. Tendo ou não razão para ter uma
consciência intranquila, julgamos que o cristão nunca a terá completamente
tranquila, prestou-se a compensá-lo de modo a salvar a sua alma. Qual a maneira
mais eficaz para o fazer? Tal como para qualquer quadro do Arcano, parece-nos,
ou para a massa dos bonecos, ela encontrou a solução mais eficaz: uma festa
perpétua. Assim prepararia, sabia-se lá quando o mundo iria acabar, só Deus o
saberia, a sua salvação através do louvor de um poderoso intercessor, nada mais
nada menos que o filho adoptivo de Maria, São João Evangelista. Não poderia
pretender ser mais eficaz. Tinha também alguns meios para isso. E era uso corrente, ainda que já não tanto como
dantes.
[190] Frei Manoel de S. Luís, Instrucções Moraes, e
asceticas deduzidas da vida, e morte , da Veneravel Madre Soror Francisca do
Livramento...” , Lisboa, Officina Augustianna, 1731, p.10-24
[191] José Clemente, Vida da Veneravel Madre Teresa
da Annunciada... , 4ª edi. , Lisboa, Typographia Carvalhense, 1840, 1-5
[192] Ângela Mendes de Almeida, O gosto do pecado.
Casamento e sexualidade nos manuais de confessores dos séculos XVI e XVII ,
Lisboa, Rocco, 1992, p.19
[193] Ibid. , p.27
[194] Continua a ser metódica, pragmática e racional.
Sabe o que quer e o que fazer para o conseguir.
[195] AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.183
[196] Não é ingénua. Querendo assegurar-se da
continuidade da festa que instituía, mas conhecedora da alma humana e das
vicissitudes da vida, ameaça os destinatários com as leis das suas consciências
e os poderes de Deus e dos Homens. Também seria eficaz. Era igualmente um acto
de poder. Tal como o foi a festa, tal como o seria o enterro. O poder tem que
se ver e sentir para ser poder.
[197]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.179
[198]AMRG,
AdmInistração do Concelho, Registo de testamentos,liv.13,fl.179
[199] BPAPD, Paroquiais, Paróquia da Conceição-Ribeira
Grande, Registo de Óbitos, lv.5,1821-1851, fl.81
“...foi Seu Corpo
involto e(m) hu(m) habito preto, e Sepultado no Cimiterio desta villa da
Ribeira Grande/ metido em hu(m) Caixam/, para onde foi conduzido aCompanhado do
Reuerendo Cura desta freguesia da Senhora da Conceição, Como fregues...,Sua
mulher encomendou Missas por Sua álma, de que fiz este termo.”
[200] BPAPD, Tribunal da Relação dos Açores,
Testamentos, Testamento de D.Inês Eufrázia Botelho, nº2886, 5 Maio
1819,fl. [1-2]
[201] Ela , ao professar, adoptara o nome “do
Apocalipse” e a provÍncia franciscana dos Açores chamava-se “Província de São
João Evangelista .” Poderia ter tido como modelos:
- [João Albino Peixoto], Op. cit. , p.32
“Entre as
prerogativas, que a ennobrecem[Ribeira Grande], é a mais relevante ser glorioso berço da
veneravel Madre Theresa da Annunciada[institui o culto público ao Senhor Santo Cristo em
inícios do século XVIII-É hoje a maior festa dos Açores a seguir ao Espírito
Santo].”
- APMRG, Igreja Paroquial, Notas para o livro do Tombo, 12 Fev.
1846, fl. 139
“[ermida]10ª Situada nas Caldeiras,[onde Madre Margarida Isabel do Apocalipse foi
ou ia a banhos termais] a trez quartos de Legoa ao Sul da Parochia; da
invocação de Senhora da Saude; fundada, ha poucos annos, [na margem do texto 1850? ]por Dona Izabel Margarida Botêlho, sua familia [Margarida era Botelho-teria tido algo a ver com
esta capela?]e outras pessoas devotas, a instancias do Sabio, e virtuoso Padre Mestre
Frei José da Purificação, da extincta Ordem de San Francisco, meu [Prior Manoel Cabral de Mello em 15 de Ago. 1858]Sancto Patriarcha.”
BPAPD, Tribunal da Relação dos Açores, Testamentos, Testamento do
Capitão João Caetano Botelho,nº3085,Maço 31,5 Maio 1819,fl. [3]v.
Era um culto familiar:”...,Como Tanbem (sic) lhes intregaram huma imagem de
Cristto Curseficado, humã Imagem de N.Srª da piedade e outra de S.Joam
evangelistta q.e tenho em hum orattorio, por pertenserem com os dittos
vincullos ao ditto Meo Subrinho[primo de Água de Pau, ao sul da ilha, de Madre
Margarida ] por Virem da Insttettuisam de D.Anna de Arruda.”
- José Maria da Câmara Vasconcelos,Tributo de gratidão,“A
União”,Ribeira Grande, nº 61, 16 de Dez.de 1858, p. [3]
“[ Madre Margarida no convento] , e concluio delicadamente varias obras d’ornato,
e d’invenção propria, particularmente para o serviço do altar de São João, de
que se encarregou.”
[202] Maria Fernanda Enes, Reforma Tridentina e
religião vivida ( os Açores na época mo-derna ) , Ponta Delgada, Signo,
1991, p.264
[203] Segundo o Daniel: “ Curiosidade: o martírio de
São João é lenda. Terá sido posto numa caldeira de água fervente, mas não
morreu. São João foi o único Apóstolo que morreu de morte natural, quase com
100 anos.”
[204] Todos os textos entre parêntesis foram extraídos
do Registo de testamento de Madre Margarida. Aliás
o mesmo se dirá do ponto seguinte. AMRG, Registo de testamen-tos,liv.13,fl.178-191
[205] Maria Antónia Lopes, Mulheres, espaço e
sociabilidade. A transformação dos papéis femininos em Portugal à luz de fontes
literárias ( segunda metade do século XVIII) , Lisboa, Livros Horizonte,
1989, p.53-65
[206] AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.185 v. 186
[207]José Maria da Câmara Vasconcelos, Tributo de
Gratidão, “A União”, Ribeira Grande, n.º 61, 16 Dez. 1858, p. [1] ;Id. ,
Tributo de Gratidão, Ribeira Grande, nº62, 28 Dez. 1858, p. [1]
[208]John W. Webster,A Ilha de S.Miguel em 1821,”Arquivo
dos Açores”,Ponta Delgada, Universidade dos Açores,vol.13, p.141-142
[209] Ibid. ,p.41
[210]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.187v.
[211]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.183
[212]BPAPD, Tribunal da Relação dos Açores,
Testamentos, Testamento de D.Inês Eufrázia Botelho,nº2886,5 Maio
1819,fl. [1-2]
[213]John W. Webster,A Ilha de S.Miguel em 1821,”Arquivo
dos Açores”, Ponta Delgada, Universidade dos Açores,vol.13, p.141-142
[214] Joseph
Bullar, Henry Bullar,Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das
Fur-nas,2ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural,1986,p.146-147
Um dos Bullar era médico: ”Março, 27 (esteve em S.Miguel de 6 de Dezembro
de 1838 a 14 de Abril de 1839)-Visitámos, na tarde de hoje, uma freira
doente,(em Vila Franca do Campo -no lado sul da ilha) cujos aposentos se
encontravam ornados com grande quantidade de pequenas imagens de santos, em
pequenos oratórios de vidro. Os seus hábitos talvez os de uma pessoa da classe
média da ilha. Levanta-se às seis, toma uma leve refeição às oito, a que mal se
pode dar o nome de almoço, janta ao meio dia hortaliças, pão, peixe ou galinha,
com vinho; ceia copiosamente, às oito, as mesmas iguarias, deitando-se pouco
depois. Desde que as freiras foram obrigadas a abandonar os conventos teem
recebido pensões do governo, parecendo que se encontram em circunstâncias
satisfatórias, pelo menos as que tenho encontrado. Era esta uma pessoa idosa e
corpulenta, longe do ideal dos poetastros e fazedores de manuais de beleza.”
Madre Margarida era igualmente robusta e teria um estilo de vida semelhante ao
descrito por Bullar.
[215]APMRG, Rois de confissão 1833-1842,
freguesia Matriz, rol de 1833
“Rua das ‘Pedras’ 148- A M.e Margd.a Izabel...”
[216]BPAPD, Tabelionato-Ribeira Grande, Tab. Mariano
José Ferreira, Contrato de arrendamento de moradia, lv.144, mç 24, fl.
115v. -116
[217] Nuno Luís Madureira, Op. cit. , p.210 ,212
[218] Ibid. , p.232
[219] Ibid. p. 214
[220] Vide apêndice documental Plantas XXXVI-XL
[221] Além do que vimos do recheio e disposição do
mesmo na casa de Castilho, vejamos outro exemplo. O leilão anunciado na
“Estrella Oriental” de 18 de Julho de 1856, vide Tábua Cronológica, é disso
exemplo.
[222]APMRG, Confraria do Santíssimo, mç 93, Legado
de Madre Margarida Isabel do Apocalipse, escritura de compra de moradia, 8
Fev. 1837,
-APMRG,Confraria do Santíssimo, mç 93, Legado de Madre Margarida Isabel
do Apocalipse, escritura de compra de moradia, 20 Mar. de 1844,
-APMRG, Confraria do Santíssimo, mç 93, Legado de Madre Margarida Isabel
do Apocalipse, escritura de compra de moradia, 16 Out. 1847
[223] Vide
apêndice documental fotografias 57a-62,desenhos XLV-XLIX
[224]Testemunho do Mestre em História de Arte Nestor de
Sousa, Universidade dos Açores,Out. e Nov. de 1994
[225] Vide apêndice documental Quadro I, ou fotografia
22 do quadro 23-3(3)
[226] Júlio de Castilho, Op. cit. , p.14-18 (
tem planta na página 14)
[227] Vide apêndice documental Pl. XL
[228] Foi incorporado em 1992 no museu Municipal da
cidade da Ribeira Grande onde se encontra na secção de Azulejaria, Cerâmica e
Arqueologia.
[229] Vide apêndice documental desenhos XLVII-XLVIII
[230] APMRG,
Confraria do Santíssimo, Livro dos Foreiros nº1, ,fl.119 v.-120
“...; parte do producto da arremattação da caza do arcano, que p.r
341$000rs. fez o D.or Manoel Bot.o Nobre
Barboza da Veiga...”
-vide apêndice documental Quadro XV, Pl.II,XL
-Num livro de registo de propriedade urbana para fins de pagamento de
imposto que se encontra no sótão da
Repartição de Finanças da cidade da Ribeira Grande, na entrada” nº316-
Dr.Manoel Nobre Barboza d’Aveiga vendeu em 1895/M.el Pedro Alves Pacheco.”
- José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit., p. [1]
“Meu pae mandara-me (ao autor do artigo), em companhia de um creado, a casa
de um amigo seu, o dr. Damaso, Residente nesse tempo na Villa da Ribeira
Grande, onde clinicava... Era pela epoca do Natal. ... O presépio tomava todo
um quarto, que aliás não era pequeno. Era completamente de vidro, formando como
um segundo quarto dentro do primeiro, e de altura media quasi a mesma que a do
quarto continente.”
Cotejando os documentos acima expostos: Sem o enxemés o Arcano, de acordo
com a descrição de Sena Freitas, estaria no quarto que na Pl. XL é designado
por quarto de Jantar;2 Se existisse já o enxemés e, ainda de acordo com o mesmo
testemunho, poderia estar em qualquer dos quartos do 1º andar.”
[231]BPAAH, Cartório da Mitra, [Processo de egresso temporário de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse para ir a banhos nas Caldeiras-1830], mç 562, doc. 42
[232] AMRG, Acordãos de 1850 a 1852, lv. 29,
Vereação de 12 Jul. 1850,fl.17
-APMRG, Confraria do Santíssimo,mç nº93
“Margarida Izabel do Apocalipsçe (sic) Rellegioza Egressa do Convento do
Nome de Jezus desta Villa da Ribeira Grande, Moradora Na rua de João Dorta
pertende (sic) meter Hum Anel (sic) dagoa con torneira do Encanamento que Vem
pella Rua do quental da Senhora Thereza Ritta, vezinha em frente, e por que se
Não pode fazer sem licença da Respeitavel Camara-”
-Em prospecção arqueológica efectuada em Outubro de 1995 detectámos parte
da canalização.
[233]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,liv.13,fl.188
[234] Vide literatura de cortesia da época. Entre
outros. “escola de Política ou Tratado de Civilidade Portuguesa” de D.João de
Nossa Senhora da Porta Siqueira, ou ainda “ O perfeito Pedagogo na arte de
educar a mocidade” de João Rosado de Villa-Lobos e Vasconcelos” Cf. Nuno Luís Madureira, Op. cit. , p.212
[235] Nuno Luís Madureira, Op. cit. , p.229
“Note-se que mesmo
nas casas nobres, é um sábio costume poupar na iluminação a velas, mantendo
candeeiros a azeite em divisões secundárias como a cozinha, a copa, as salas de
entrada, e certas acomodações, e reservando os castiçais para os quartos das visitas
e salas dos senhores.” Madre Margarida tinha, segundo o testamento, três
castiçais e um candeeiro.
[236] Vide nota 179
[237][ José Maria da Câmara Vasconcelos ], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº 61, 16 de Dez. de 1858, p. [1] ;Id. , Tributo de Gratidão, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, p. [1]
[238] Raimundo Bulhão Pato,Cartas dos Açores,Ponta
Delgada, Tipografia da Voz da Liberdade,1868, p.52-55
Carta de 15 de Maio de 1868 a Manuel Pinheiro Chagas ”Uma freira(Margarida
do Apocalypse)virtuosissima senhora, depois de acabados os conventos, saío da
sua cella, metteu-se n’um quarto, tanto ou mais sequestrada do mundo do que
estivera ate ali, e traçou a sua Iliada, a sua Divina Comedia, o seu Juizo
Final.”
[239] AMRG, Relação das licenças expedidas no anno
de 1853 a 1854 pela Câmara da Ribeira Grande, fl. 1-18
[240] AMRG, Livro de Audiência de Chancelaria 1820
, fl. 2-87 v.
[241] Nuno Luís Madureira, Op. cit. , p.236
[242]Anuncio para criada , “Estrella Oriental”, Ribeira Grande, nº29, 10
Dez.1856
[243] Nuno Luís Madureira, Op. cit. , p.235-236
[244] Ibid. , p.233
[245] Vide apêndice documental Plantas I-XXXVb,
fotografia nº2--25; 48-56,Quadro I
[246]Paula Maria Soares Romão, Op. cit.
As conclusões “Para uma análise correcta, tanto do ponto de vista
histórico, como da sua preservação, todos os conjuntos e sub-conjuntos precisam
de ser retirados dos respectivos locais , de modo a poderem ser examinados
pelos diversos intervenientes no estudo da obra (historiadores, técnicos de
conservação e restauro, conservadores, químicos, etc.) Tal remoção deveria
efectuar-se apenas uma vez, procedendo-se então a uma análise global e evitando
transportes sucessivos das peças. Esta tarefa é extremamente complicada se
realizada no local onde o Arcano se encontra, mas, para evitar uma nova
deslocação da obra, é onde terá de ser feita (aliás, para a documentação
fotográfica, já houve de actuar desta forma).Os problemas da exiguidade do
espaço e do contínuo transporte das peças agravar-se-ão de sobremaneira quando
se der início à intervenção de conservação e restauro.” Vide Planta II
[247]Susan M. Pearce, Interpreting objects and
collections, London and New York,Routle-
dge , Leicester Readers in Museum Studies,1994, p.9
[248]Ian Hodder, The contextual analysis of symbolic
meanings, in: Susan M. Pearce,ed.
“Interpreting objects and collections”,London and New
York,Routledge,1994,p.12
[249] Ibid.,p.9
[250] Ibid. p. 12
[251]Ibid. , p. 12
[252] Ibid., p. 9
[253] Ibid. , p. 125-132;
- R. Elliot; et. al., Towards a material history methodology,in:
Susan M.Pearce,ed., ,”Interpreting objects and collections”, London and New
York,Routledge,1994, p. 110
[254]Edward P. Alexander, Museums in motion. An
introduction to the History and functions of museums, Nashville, American Association
for State and Local History,1993 p. 175
[255]Testemunhos do nosso orientador, prof Henrique
Coutinho Gouveia, de Mestre Nestor de Sousa, do pintor Tomaz Borba Vieira, do
Marceneiro Carlos Alberto Rocha de Sousa, D. Alda Simas, D. Ana Lisete Paiva e
Sr. Gilberto Bernardo.
[256]Jean Nisbett, The secrets of the doll’s house makers, East
Sussex, Guild of Master Craftsman Publications Ltd , 1994, p.2
[257]Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano, in
“A Ilha”, [s.n.], nº622, 4 Mar. 1944, p.1
[258]Testemunho de Tomás Borba Vieira-Dezembro de 1994
[259]A.S.C.M.R.G., Livro de Acordãos-1743-1815,
lv.6,, Acórdão de 11 Jul. 1790, fl.142v.
-AMRG, Acordãos de 1791 a 1810, lv. 15, Vereação de 17 Fev. 1796,fl.79v.-80v.(a
própria torre sineira e arco do edifício da Câmara Municipal.)
[260]A.A.B.,[Terça dos pais de José Francisco Pacheco, pai de
Madre Margarida],1772, Ribeira Grande
[261]Vide apêndice documental Quadro I números 84-1(3)
e 35-3(4)
[262]Testemunho de Mestre Nestor de Sousa
-Vide apêndice documental Pl.XX
[263]Testemunho do Marceneiro Carlos Sousa-Dez. de 1994
-Vide apêndice documental Pl.XIII_XIV;F.2-3,48-49
[264]Observação feita durante o levantamento
topográfico do móvel-Dezembro de 1994.
[265] Vide apêndice documental Pl.XIV e XVI
[266] Vide apêndice documental Pl.XIII-XIV,XIX
;des.9-22
[267] Segundo disse o Daniel em 15 de Abril de 1996:
“Já falei com um carpinteiro, o mogno ‘içapel’ é mais escuro ainda do que o
comum. Será ‘isabel’, que, segundo o dicionário, significa: ‘ da cor da
camurça; amarelo, esbranquiçado’? Segundo o dicionário etimológico, seria o
nome dado à cor com que ficou a camisa de Isabel, filha de Filipe II, que
prometeu não a mudar enquanto o marido não conquistasse Ostende. Como o cerco
durou três anos, imagina a cor... e o cheiro... Conheço a mesma história para
Isabel, a Católica, que teria prometido o mesmo para a conquista de Granada. Só
que, neste caso, foram sete anos sem muda... Provavelmente, nenhum dos casos é
autêntico.”
[268] Maria Isabel Ribeiro, Op. cit., p.[6] Vide Plantas XXIV-XXXV
[269] Vide apêndice documental des.12
[270]O Vidro, in “Bibliotheca do Povo e das Escolas”, 2ª ed., Lisboa, “A Editora”,
nº72, 1906,p.36-38
[271] Vide apêndice documental Pl. VII-VIII
[272] APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro de
Contas, 28 Jun. 1911,fl. 97
[273] Vide apêndice documental Pl. XII, des.9-14
[274]Félix José da Costa, Op. cit., p.[1]
[275] Testemunhos do marceneiro Mestre Carlos Sousa,
pintor Tomaz Borba, Mestre de Arte Nestor de Sousa e Prof. Henrique Coutinho
Gouveia
[276] APMRG, Rois de Confissão 1833-1842, freguesia da Matriz, rol de
1836, nº321
-Surgem nos ditos “Roes” fâmulas desde 1833, sendo presumível que as
tivesse no mosteiro. Por exemplo: ”Luzia famª
Confe e Comun /Anna famª “
Que residem com ela. No testamento a folhas 186 diz”...(lençóis) da cama
das raparigas” Muda de fâmula, como se poderá constatar pelo rol seguinte da
Quaresma de 1849
:”Jact.a famª # ConfCom/Jact.a assiste. # ConfCom” Parece conservar a dita
Jacinta até 1856. Será esta a Jacinta da Ribeira Seca de que fala o testamento a folhas 187v.”Para
Joanina Jacintha da Ribeira Seca, (deixa) huma colcha de chita azul -humas
cortinas de caça lavrada- as cortinas digo as riscas trez cortinas- huma
cartolla de seis almudes...(?)-Dous lençoes cabeçal fronha e froninha-Duas
fronhas grandes e duas pequenas -A colcha de chita preta e amarella- o cobertor
de papalva (?) ,e dou lhe o meu capote para ella dar me o seu para huma
pobrinha hir á Missa, e sem esta troca não dou=“ E, em outro local do mesmo
testamento (fl.188)diz: ”Deixo á criada que estiver até morte a minha barra, e
dous clloxões (sic)-hum armário de pinho aonde está a louça -huma caixa que
esta na salla com trez gavetas- meia duzia de cadeiras,- a mezinha pequena
baixa,- alguidares- peneiras- panellas de barro e de ferro- trempe e mais
miudezas de cozinha- quatro lençóes- huma colxa branca#- ” Seria o enxoval para
casar. Aliás as doações que surgem no testamento indicam-nos relações de
obrigação e de afectividade de Madre Margarida para com certas instituições e
pessoas da comunidade.
[277] Vide apêndice documental Pl. X-XI
[278] Vide apêndice documental des.9-22
[279]APMRG,
Confraria do Santíssimo, Livro de Acordãos, Sessão de 25 Fev. 1912, fl.33v.
“...que a chave do quarto do arcano ficasse depositada no armario dos
livros do secretario d’esta Confraria, e as chaves das vidraças do mesmo arcano
no Cofre da mesma Confraria;...”
[280] Vide apêndice documental pl. XIV,XVII, f,
3,52a,52b
[281] Vide apêndice documental pl. XXI
[282]A.PMRG, Confraria do Santíssimo, Documentos
avulsos,[“Relação da despesa feita com a remoção do arcano, para um dos coros da
Igrª Matriz da Villa da Ribeira Grande, e concertos do respectivo côro.”,
assinado Pedro Araújo Lima, 1 de jul. de 1870 ]
[283] Vide apêndice documental des.49-50
[284] Testemunho de Carlos Sousa
[285] Vide apêndice documental des.9-22
[286]A. PMRG, Confraria do Santíssimo, Documentos
avulsos,[“Relação da despesa feita com a remoção do arcano, para um dos coros da
Igrª Matriz da Villa da Ribeira Grande, e concertos do respectivo côro.”,
assinado Pedro Araújo Lima, 1 Jul. 1870 ]
[287] Vide Apêndice documental pl.XIV,f.3-9,53-56
[288] Vide Apêndice documental pl.XVIII,XXI,f.10-11,15
[289] Vide Apêndice documental pl.XXI , f.53-56
[290] Vide Apêndice documental f. 3-9, 53-56
[291] Vide Apêndice documental Pl.XXXII-XXXIII,
f.4-9,50-52b
[292] Eduardo de Faria, Diccionario de Lingua
Portugueza, 4 ed., Lisboa, Francisco Artur da Silva,1859, p.115
[293]Mário Fernando Oliveira Moura, Memórias do
Presépio da Ribeira Grande,1996(no prelo)
[294]APMRG, Confraria do Santíssimo, Despesas,
Out. 1868
-Vide apêndice documental Q.XVIII
[295] APMRG, Confraria do Santíssimo,Documentos
avulsos,Folha do que se pagou a Pedro Araújo Lima,8 de Jul. de 1870
“Por virtude de presente mandado por mim assignado, o Thesoureiro da
Confraria P.e Carlos Augusto Tavares Ferreira pagou a Pedro d’Araújo Lima, official de marceneiro
d’esta Villa a quantia de reis trinta e nove mil nove centos noventa e
cinco importancia da despesa
feita com a remoção do Arcano, para um dos coros da Igreja Matriz,...cobrando
recibo n’este para sua resalva. Dado n’esta Villa da Ribeira Grande em os 8 de
Julho de 1870...”
Este Araújo Lima aparece no testamento de Madre Margarida como testemunha.
A ele se atribui a autoria do móvel e dos concertos do altar de São João
Evangelista.
-AMRG, Administração do Concelho, Registo de testamentos, liv.13,
fl.181 v.-182
“: ao que Tudo foram Testemunhas presentes ...., Pedro de Araújo Lima,
casado Official de Marcineiro (sic) “
Pedro Araújo Lima mora na mesma rua de Madre Margarida e acaba por
arrematar uma das suas três casas legadas à Confraria do Santíssimo:
-APMRG, Rois de confissão -1842-1852, freguesia Matriz, Rol de 1849,
nº312
“312 (Madre Margarida é o 309) Pedro d’Araujo / Mª Luciana m.er “
APMRG,Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 3, sessão de 25 Abr. 1875,
lv.3,fl.6 v.
“ ...a arrematação das cazas do arcano, ou melhor, que foram legadas pela
Madre Margarida Izabel do Apocalypso (sic),...foram effectivamente arrematadas
perante o dito Governo Civil, no dia seis do corrente, uma p.r Pedro d’Araujo
Lima pela quantia de Rs. 80$020, e a outra...”
Urbano Mendonça Dias, Madre Margarida do Apocalipse. A freirinha que depois de secularizada, por
disposição da lei, foi pelos anos fora da sua vida, toda entregue a Deus,
modelando em segredo o Arcano da Ribeira Grande, ” Diário dos Açores”,
Ponta Delgada, 28 Fev. 1948
“Mas o Mestre Manuel d’Araújo Lima, que actualmente usa o oficio de
marceneiro e entalhador na Vila da Ribeira Grande conta que seu avô, Pedro
d’Araújo Lima, que usava também dos mesmos ofícios, foi quem fez a armação do
Arcano e o Mestre que fazia outras obras à Senhora freira, que próximo da sua
morte lhe ofereceu uns Santinhos modelados por ela e outras cousas mais. E
diz-nos depois, numa grande segurança, a revelar um segredo esquecido pelo
tempo: - ’Foi a Madre Maria Violante(sic) quem ensinou o meu avô a arte de
gravar na madeira’. Vê-se que a Senhora freira era artista, e trouxe consigo do
convento essa arte. Não era uma simples curiosa; ela ensinava; e ficou na
Ribeira Grande, e naquela família Araújo Lima, a arte de entalhar que ainda
hoje usa.”
Duas observações apenas:
1-A arte de “entalhar” da família Araújo, di-lo Luís Bernardo Leite de
Ataíde, remonta pelo menos ao século XVIII.(Etnografia, Arte e vida antiga
nos Açores, vol. 2, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra,
1973,p.52-60
2-Madre Margarida Isabel do Apocalipse nunca se chamou Maria Violante.
Cf. Hugo Moreira, A Madre Margarida Isabel do Apocalipse, freira do
Arcano, ”Açores”, Ponta Delgada,25 Dez. 1965; Mário Fernando Oliveira
Moura, A identidade da freira do Arcano (manuscrito.Escrito em 1988)
[296] Vide apêndice documental Pl. XXII-XXXVb
[297]José Maria da Câmara Vasconcelos, Tributo de
Gratidão, “A União”, Ribeira Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, p. [1]
“É para sentir-se que o Arcano não ficasse totalmente completo, e com a
explicação escripta para poder mudar-se, e armar-se com facilidade,
conhecendo-se o verdadeiro pensamento de sua autora; assim como que o grande
engenho desta Srª lhe não sobrevivesse como podia, e devia ser: este erro,
devido a circunstâncias especiaes da sua vida, e tambem a alguma menos boa
disposição testamentária deveriam ter sido remediados pelos seus directores
espirituaes, a quem consultava amiudadas vezes;... o acanhado dos seus
espíritos, e por isso subordinados á elevação do da penitente, damnificou a sociedade,
e conservou uma como sombra em um quadro tão bello;...”
[298]APMRG,Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 2
, sessão de 16 Out. 1869, fl.45 v.
[299]APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas
,sessão de 26 Jun. 1858, fl. 209
Ainda em 1869, ao mesmo tempo que os responsáveis pela administração da
Confraria tecem loas à obra, continuam a querer vendê-lo:
APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas,lv.2, sessão de 13 Mar. 1869,
fl. 32
“..., com relação á venda do arcano,...”
[300] Vide apêndice documental Pl.XXII--XXIII
,XXIVb-XXVIb,XXVIIb-XXIXbXXXb-XXXIIb, f. 50-52b ( não é de excluir que Madre
Margarida tenha feita alguma destas)
[301] Vide apêndice documental f. 4-9
[302] Registe-se que o termos removido, num dia, e de novo recolocado alguns quadros, alguns
dias depois, ajudou-nos a perceber e a
testar a funcionalidade e a eficácia das marcas existentes. Tendemos a pensar
que seriam suficientes, sobretudo, se tivessem sido feitas, ou tidas em conta, pelo responsável
da sua mudança. Em segundo lugar se entre o retirar os quadros, desmanchar o
móvel, remontar o móvel e recolocar os quadros, não tivesse decorrido um lapso
de tempo capaz de baralhar a memória.
[303] Vide apêndice documental Pl.XXII-XXIII, f.
51b-52b
[304] Por imperícia nossa esta e a nota seguinte são a
mesma coisa. Relembremos, todavia, que os números atribuídos, por exemplo,
15-3(2), significam o seguinte: o quadro n.º 15, situa-se no terceiro piso e na sua face dois.
[305] Vide apêndice documental Pl. XXIVb-XXVIb.
XXVIIb-XXIXb,XXXb-XXXIIb
[306] Vide nota anterior
[307] Vide apêndice documental f.4-9
[308] Vide apêndice documental Pl. XXXIIIa -XXXVa, Q.I
[309]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 Set. 1853
[310]APMRG,
CONfraria do Santíssimo, Documentos avulsos, Folha do que se
pagou a Pedro Araújo Lima,8 Jul. 1870
[311]Júlio de Castilho ,Op. cit., p.255-6
[312] Vide apêndice documental f.10-22,44a-47b.Os
f.47-c’-47g’’pertencem à família Agnelo Borges, descendente do irmão Teodoro.
[313] Vide apêndice documental f.23-25 . Ou para uma
visão de conjunto as f.53-56
[314] Vide apêndice documental des.23-40
[315] Vide apêndice documental des. 6-8
[316] Vide apêndice documental des. 1-6
[317]Seria a parábola do Semeador, Mt.13, 1-9, 18-23.
Mc.4, 3-20. Lc 8, 4-15. Todavia, uma análise à iconografia leva-nos a aceitar a
seara de Booz.
[318]Quadros nºs 41a,b,c,d,e-2(1); nºs a,b,c,d-1(2)
[319] Vide apêndice documental f.53-56
[320][João Albino Peixoto], Op. cit., p.35
[321] Vide apêndice documental f.12-25 , des 23-40
[322] Conheceria os presépios de Machado de Castro ou
os da sua escola, os que imitavam a natureza? Teria conhecido, ainda criança ou
mais tarde, directa ou indirectamente, casas de boneca e teatrinhos? Já alguma
vez chegara à vila lanternas mágicas ou vistas ópticas? É provável.
[323] Vide apêndice documental Pl.44, f. 12-14
[324] Vide apêndice documental f.15
[325] Vide apêndice documental f.10(em todos estes
recomenda-se a consulta de f-53-56)
[326]Vide apêndice documental f. 17,19,24, Segundo
vimos em exposição em 1994 na cidade de Lisboa, na Avenida de Berna, junto à
Universidade Nova. Segundo sugestão do nosso orientador e do Dr. Fernando
António Baptista Pereira.
[327] Jean Nisbett, The
secrets of the doll’s house makers, Hong Kong, Guild of Master Craftsman
Publications, 1994 ; Christopher Cole, Make your own dolls’ house, ed. revista, London, Shepheard-Walwyn,1989
[328] Vide apêndice documental des. 32, f. 22
[329]Vide apêndice documental des. 6-8 Além da
observação acompanhada de peritos experimentámos nós mesmos.
[330]André Leroi-Gourhan, O gesto e a palavra, 2
vols., Lisboa, Edições 70, 1990-1987
[331]Poderão ser, é certo, discutíveis os critérios que
adoptámos. Escolhemo-los de acordo com os materiais e as técnicas. Fizemo-lo
após termos feito o levantamento global de todos os quadros.
[332] Vide apêndice documental des. 6-8
[333]Urbano Mendonça Dias, Madre Margarida do
Apocalipse..., ”Diário dos Açores”, Ponta Delgada, 28 Fev. 1948
[334]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv.13, fl. 185 v.-188
[335] Desconhecemos se tal pertenceu a Madre Margarida.
Todavia, será algo a ter em conta na prospecção que futuramente pretendemos
efectuar.
[336]Raimundo Bulhão Pato, Cartas dos Açores,
Ponta Delgada, Tipografia da Voz da Liberdade,1868, p.52-55
Referindo-se à composição das figuras do Arcano”... Deve ser facil aos
competentes descobrirem, por meio da analyse, a combinação, mas como essa ainda
não se fez, para o vulgo, até hoje, a coisa é desconhecida. Sabe-se apenas que
empregava uma grande quantidade de arroz e de vidros. A massa quando está
branca, tem a apparencia do biscuit.”
Mas há outros indícios:
“ASCMRG, Conta da Farmácia de 1840-1844, 9 Out.1840, fl.15
“7-Madre Margarida - Gom. arab.
$600” A goma arábica que utilizou na confecção das figuras e estruturas.
O laboratório viria confirmá-lo.
[337]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit., p. [1]
“Meu pae mandara-me, em companhia de um creado, a casa de um amigo seu, o
dr. Damaso, Residente nesse tempo na Villa da Ribeira Grande, onde clinicava...
Era pela epoca do Natal. ... O presépio tomava todo um quarto, que aliás não
era pequeno. Era completamente de vidro, formando como um segundo quarto dentro
do primeiro, e de altura media quasi a mesma que a do quarto continente.”
[338]Vide apêndice documental des. 1-5, f. 30-33,39-47g’’
[339]O processo de reconstituição experimental, por um
lado, a observação minuciosa de figuras, por outro, e ainda a experiência de
vários confeiteiros com quem trocámos impressões foram factores decisivos neste
processo de identificação.
[340]Paula Maria Soares Romão, Op. cit.;
Henrique do Rego Botelho Parreira, Op. cit.; Maria Isabel Ribeiro, Op.
cit.; Alfredo Borba, Op. cit.
Vide apêndice documental Diário de
experiência.
[341]Vide apêndice documental Diário de experiência.
[342] Vide apêndice documental des.5, f.16-17
[343] Vide apêndice documental f. 32-33, 42a-42b
[344] Vide apêndice documental f.41a-41b, des.1
[345] Vide apêndice documental Diário de experiência,
des. 2-3
[346]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,lv.13, fl. 189
[347] Testemunho de Tomás Borba Vieira, Dez. 1994
[348] Henrique do Rego Botelho Parreira, Op. cit.
A observação à lente binocular comprovou as observações supra. Todavia,
verificou-se que não existiam marcas/impressões digitais da autora. Talvez por
ter sido submetido a temperatura capaz de derreter o vidro moído.
[349] Testemunho de Gilberto Bernardo. Vide apêndice
documental Diário de experiência, f.38, 41a-41b
Contudo, a observação à lente binocular comprovou que, se é tecnicamente
possível e plausível que os dedos das figuras tenham sido feitos à parte, após
as figuras serem submetidas ao “calor”,
perderam os vestígios das uniões dos dedos.
[350]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv. 13, fl. 187
“-lenha de acha de faia e rama, charamuga (?) carrilhos- Tijôllo de forno-”
“-Ferro de gomar-hum = Tres lingoas (?) e Thizoura-”
“...sete Graes de pedra branca, dous-Hum almofariz-Hum gral (sic) de paú -
tudo com suas mãos =“
[351]Jean Nisbett, Op. cit., p.2
Testemunhos de Tomaz Borba Vieira ,de Alda Machado, de Lisete Paiva,
Gilberto Bernardo e “Tio Batata”(oleiro de Vila Franca do Campo).
Maria Odete Portugal, A minha mãe foi o meu grande incentivo,
“Expresso das Nove,” Ponta Delgada,
Sexto Sentido,9 fev. 1996,p.1-4
[352] Vide apêndice documental diário de experiência
[353]Raimundo Bulhão Pato, Op. cit., p.52-55
[354] Ezequiel Moreira da Silva, O convento de Jesus
da Vila da Ribeira Grande, Ponta Delgada, Tipografia do “Correio dos
Açores,”1949, p.10
“ É a representação completa do Antigo e Novo Testamento em pequenas
figuras feitas de farinha de batata e gomarábica,...”
[355]BPAPD, Tribunal da Relação dos Açores,
Testamentos, Testamento de D.Inês Eufrázia Botelho, nº2886, 5 Maio 1819, fl. [1-2]
“-dito Seu Filho o Capitão Theodoro Joze Boteilho de São Pajo com a
obrigação de dar todos os annos a dita Sua Filha Margarida// (verso da
folha) Margarida Izabel do Apocalipece (sic) Vinte mil Reis emquanto (sic) Viua
para as Suas nececidades Religiozas”
AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha, 21 Set. 1853
“Recebi trinta e dois alqueires de trigo a presso de Sinco sentos Reis a
conta de vinte mil Reis de lagado (sic)que são obrigados a pagar os Herdeiros
de meu Irmão ...”
-Maria Isabel
Ribeiro, Op. cit.
[356]Alfredo Borba, Op. cit.
[357]Urbano Mendonça Dias, Madre Margarida do
Apocalipse...,
[358]Ezequiel Moreira da Silva, Op. cit. ,p.10
[359]Testemunho de Luís Cabral ( um dos construtores do
presépio da Ribeira Grande)
[360]Maria Isabel Ribeiro, Op. cit.
[361] Vide apêndice documental Q. I
[362] Id.
[363]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit., p. [1]
[364] Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano,
p.1
[365]Erwin Panofsky, O significado nas artes visuais,
Lisboa, Presença,1989,p.35-37
[366]Madre Margarida e eu partilhamos o mesmo espaço
físico e a mesma história ( até 1858, pelo menos) bem como um “estrato
religioso comum. ”Todavia, apesar disso, ela teria vivido numa “variante
cultural” diferente da minha. Encontramo-nos, temos esta convicção, numa
encruzilhada, na qual os Antigos valores de Trento ainda estão “vi-vos.” De
certo modo, tal como os astrónomos podem estudar estrelas já mortas, poderemos
estudar Trento,aqui e agora. Escrvemos isso em 1 de Maio de 1994.Em Fevereiro
de 1996, a leitura do I capítulo do livro “Histórias de vida-Teoria e prática”
de Jean Poirier e outros veio dar justificação teórica a esse nosso
pressentimento. Ainda assim é necessário ser prudente. ” Isto significa que
existiu uma profunda coerência cultural nas sociedades rurais até uma época muito
recente.Se bem que as sociedades tradicionais nunca tenham sido estruturas
inertes, como o mostrou com força Georges Balandier, a dinâmica da mudança,
nelas, era lenta e não apreendida ao nível do pensamento consciente. ”E em nota
de fim de página a este parágrafo, acrescentou ”Não mais do que desejada: pode
acrescentar-se que as sociedades tradicionais puseram muitas vezes em acção
factores de mudança.” Jean Poirier; S.Clapier-Valladon; P.Raybaut, Op. cit.,
p.3
Falamos de pressentimento, mas baseado em levantamentos etno-históricos que
temos efectuado desde 1983.Jacques Le Goff diz-nos o mesmo na sua biografia do
rei São Luís” de França:
“Mais on ne
vit pas impunément plus de dix ans avec un personage, fût-il mort depuis
siècles, surtout si l’on pense que l’imagination éclairée et controlée est
nécessaire au travail de l’historien.
Ainsi m’est venu peu à peu le sentiment-peut-être illusoire-que je
connaissais de mieux en mieux Louis, que je le voyais, que je l’entendais, que
je devenais, en gardant la distance, dans l’ombre, un nouveau Robert de Sorbon, un autre
Joinville.”(Jacques Le Goff, Op. cit., p. 887-888)
[367]Edward P.
Alexander, Op. cit., p. 8
[368] Ibid. , p.8
[369] Segundo a Enciclopédia Verbo “ Tussaud ( Marie)-
Escultora suíça ( Berna, 1.12. 1760- Londres 16.4. 1850). Aprendeu em Paris a
arte de modelar a cera, tendo dado lições a Isabel, irmã de Luís XVI. Na época
do Terror veio-lhe a ideia de modelar as cabeças das vítimas mais célebres que
iam sendo guilhotinadas. Ao separar-se do marido, em 1802, fixou-se em Londres,
onde veio a criar, em 1833, um museu com figuras de cera, evocativas dos
grandes acontecimentos da vida contemporânea. O enorme êxito comercial fez com
que outros museus similares se criassem, entre eles o de Grévin, em Paris (
1882). M. Tissaud publicou, em 1838, ‘The Memoirs of Madame Tussaud.’ “
[370]Peter Woodhead; Geoffrey Stansfield,Keyguide to
Information Sources in Museum Studies, London and New York, Mansell,
1987,p. 5-6; conforme também o livro de E.P. Alexander, Op. cit, que
reproduz na capa uma gravura em que se vê a data de 1655.
[371]Luis Alonso Fernández, Museología -
Introducción a la teoria y prática del
museo, Madrid, Istmo, 1993, p.39.
[372]Madre Margarida em 1848 escreveu “...para ver o
Arcano,...,o possa completar, aperfeiçoar- , e collocar;”- Portanto utiliza o
termo “collocar” que significa ”pôr em certo logar e ordem; dispôr,
coordenar(as palavras de uma phrase, periodo etc.), distribuir...”
Eduardo Faria, Diccionario da Lingua Portuguesa,4 ed. ,vol. 1,
Lisboa, Francisco Arthur da Silva,1858, p.261
No mesmo dicionário (p.127)define-se “Arrumar”:
“; (fig. dispôr, collocar, ou pôr em ordem( contas,livros,moveis, etc.)”
[373][João Albino Peixoto]Hymno offerecido á Sociedade
Escholastico-Philarmonica da Ribeira Grande...,Ponta Delgada, Tipografia da rua das Artes, 1850,
p.31
[374]Edward P.
Alexander, Op. cit. , p. 175
[375] Ibid. p.176
[376] Ibid. p.176
[377][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, [1] p.
[378]Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, [3] p.
[379]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 de Setembro de 1853
[380]AMRG, Registo de testamentos,liv.13,fl. 180
v.
“Digo eu Testadora
que tenho como meu hum movel, chamado Arcano Mistico que contem os Misterios
mais importantes do Antigo e novo Testamento, que comprehende as trez Leys que
Senhor Deos deu ao Mundo para que por figuras melhor pudece-mos (sic) entender o
dever, a que estamos obrigados, e a escolha que devemos fazer da Ley da Graça
que por graça (sic) nos foi dada # #”
[381]Eduardo Faria, Op. cit.,p.395
[382] Ibid. ,p.435
[383]Eduardo Faria, Op. cit, p.100
[384]Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[385] [José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, [1] p.
[386][João Albino Peixoto], Op. cit., p.31
[387]Raimundo Bulhão Pato, Op. cit., p.52-55
[388]Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano,
p.1
[389] Missale Romanum..., Lisboa, Michaelem
Manescal da Costa, 1760
[390]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv. 13, fl. 189
[391] Fizemos uma nova observação em 25 Mar. 1996
[392]Raimundo Bulhão Pato, Op. cit., p.52-55
[393][João Albino Peixoto], Op. cit., p.31
[394]Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[395] Vide apêndice documental f.4-6, Q. I (1-3(1/4),
7-3(1/2), 43-2(1/3) )
[396][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, [1] p.
[397]Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, [3]p.; Margarida Isabel do Apocalipse, Arcano,
[398]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv. 13, fl. 180 v.
APMRG, Confraria do
Santíssimo, Actas, lv. 2, 3 Set.
1867
“... dos objectos
legados a esta Confraria pela Madre Margarida Izabel do Apocalypso (sic), que
consistem em trez casas, uma alta, e duas baixas, e um Arcano, com o fim
...”Forma uma unidade.
[399]Gabriel de Almeida, Agenda do viajante na Ilha
de S.Miguel, Ponta Delgada, Editora do Campeão Popular,1893,p. 61-2
[400]Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano,
p.1
[401]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv.13, fl. 180 v.
[402]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv.13, fl. 180 v.
[403][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, p. [1]
[404]Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[405] Vide apêndice documental Q.I , Pl. XXXIIIa,
-XXXVa (o n.º 18-3(2) está incompleto - vide f. do Q. I ),XLI
[406][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, nº62, 28 de Dez. de 1858, p. [1]
“Havia mezes que a fortaleza do espirito como que cedia ao pezo das
molestias que opprimiam o corpo, e as faculdades mentaes pareciam um pouco
alteradas, achando-se impedida a expressão propria: e neste tempo lançou no
fogo a maior parte dos papeis, que possuia, e entre elles alguns de valor, ou
curiosos;...”
- AMRG, Administração do Concelho, Registo de testamentos, lv. 13,
fl. 190
“... hum Codicillo, em additamento ao seu Testamento, por mim Tabelliam,
approvado, em os trinta e hum de Março de mil outo centos cinquenta e quatro,
sua ultima disposição, e derradeira vontade, por mim Francisco de Souza Costa
Cabral escripto, e por ella Testadora
dictado, e assignado a rogo délla testadora, por não poder escrever em razão
da molestia que padece direito, e depois de escripto, e assignado, foi por
mim lido a ella Testadora...”(Codicilo é de 16 Mar. 1857)
- Margarida Isabel do Apocalipse, Arcano
“..., faça conhecer
ao respeitavel Publico, que attendendo á avançada edade, e molestias d’esta
senhora, carece dos socorros da medicina, assim como de tempo, e repouso para
completar, e aperfeiçoar o seu Arcano,...”
[407]Urbano Mendonça Dias, Op. cit.
[408] Propriedade do srº Luís Manuel Agnelo Borges
[409]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv. 13, fl.189-189v.
[410]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv. 13, fl.181 v.-182
“: ao que Tudo foram Testemunhas presentes ...., Pedro de Araújo Lima,
casado Official de Marcineiro (sic) “
-Vide nota 191
[411] Testemunho de Ildeberto Piques Garcia, 1990
[412] A haver não seria dela. Se ela não o quisesse, em
primeiro lugar, não o teria feito, em segundo lugar, tendo-o feito,
provavelmente, tê-lo-ia destruído. Fazia o que tinha a fazer, pronto, era uma
artista e recorria àquilo que a sua mente e a iconografia da época
proporcionavam. A Casta Susana é o exemplo da mulher Casta apesar da calúnia. É
um exemplo positivo.
[413]Vide apêndice documental Q.I , Pl. XXXIIIa, -XXXVa
(o nº 18-3(2) está incompleto - vide f. do Q. I ),XLI
[414] Bíblia Sagrada, 6ª ed., Lisboa, Difusora
Bíblica, 1973, p.1373
-A Bíblia Sagrada, vol. 6, Lisboa, Oficina da Viuva Neves e Filhos,
1818, p.325
“Depois disse-lhes: Isto, que vós estais vendo, he o que querião dizer as
palavras, que eu vos dizia, quando ainda estava comvosco (sic), que era
necessario que se cumprisse tudo, o que de mim estava escrito na Lei de Moysés,
e nos Profetas, (p) e nos Salmos.”
-Diccionario Abbreviado da Bíblia, 2ª ed., Lisboa, Tipografia
Rollandiana, 1794
Metodologicamente, neste trabalho, cotejamos as duas versões da Bíblia
Católica Apostólica Romana. O “Diccionario Abbreviado...” igualmente será
utilizado do mesmo modo. São instrumentos utilizados no tempo de Madre
Margarida Isabel do Apocalipse.
[415]Vide apêndice documental Pl. XLV
[416]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,lv.13, fl. 180-180v.
“... , que comprehende as trez Leys que Deos deu ao Mundo...”
[417]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit., p. [1]
“O andar superior do presépio representava a antiga lei, o antigo povo
judaico, o do mosaismo que descia, na sucessão das gerações, ao primeiro andar,
ao que symbolisava o dos seculos das leis da Graça cujo inicio foi o Presépio
de Belém.”
-Vide apêndice documental Pl.XLI, XLV.
Dois reparos:1-Sena Freitas escreve cinquenta anos, sensivelmente, após uma
visita que efectuou à casa da freira aos nove anos de idade. 2-As plantas acima
referidas de-
monstram que , pelo menos hoje, a ordem não é rigorosamente a mesma. Que
terá acontecido?
[418]J. I. Roquette , Historia Sagrada do Antigo ...,
, p. XII
[419] Vide apêndice documental Pl-XLII
[420] J. I. Roquette, Novas Horas Marianas...,
Paris, J.P.Aillaud, Guillard, [1800]
(1ªed.de 1849.)
Vide apêndice documental Pl. XLIII, XLIV,XLV
[421] Vide apêndice documental Pl.XLIV
[422]J .I .Roquette ,Historia Sagrada do Antigo...,
p. XI
[423] Ibid. ,p. XI
[424] Ibid. p. XI
[425] Ibid. p.XII
[426]Jacques Le Goff, Op. cit., p.18-19
[427]Pierre Guiraud,
A Semiologia, 2ª ed., Lisboa, Editorial Presença,1978, p.138
[428]Ibid. , p.113
[429] Ibid., p.113
[430]Lois Réau, Iconographie de l’art chrétien,
tome 1, Paris, Presses Universitaires de France, 1955, p.61-62
“Un des meilleurs interprètes contemporains de la philosophie thomiste,
Étienne Gilson, a condensé l’essentiel de cette doctrine dans une formule
frappante (1).’Pour un penseur de ce temps, expliquer une chose consiste
toujours à montrer qu’elle n’est pas ce qu’elle paraît être, qu’elle est le
symbole et le signe d’une réalité plus profonde, qu’elle annonce et qu’elle signifie autre chose.’L’idée dominante
de la pensée mediéval est que le monde visible, perçu par nos sens, n’a , en
effet, d’intéret qu’en tant que symbole ou préfigure d’un monde invisible. Les
objets, les faits ne méritent pas d’être
étudiés en eux-mêmes et pour eux mêmes dans leur essence et dans leurs
rapports: ils ne valent pour nous comme des signes
de realités suprasensibles qu’il s’agit de discerner et d’interpréter.” “La lettre enseigne les faits, l’állégorie
ce qu’il faut croire, la tropologie ce qu’il faut faire, l’analogie vers quoi
il faut tendre.Un exemple caracteristique .”Mas o que se passará no tempo de
Madre Margarida? ”Le Concile de Trente, convoqué en 1563 ...a exercé sur
l’iconographie chrétienne léguée par le Moyen-Âge une double action:une action
négative en éliminant une multitude de sujets traditionels qui donnaient prise
à la critique ou à la raillerie des humanistes et des huguenots; une action
positive en restaurant le culte des images et en introduisant dans le
répertoire des thèmes de propagande antiprotestante.”(p.457)
[431]Bíblia Sagrada, 6ª ed., Lisboa, Difusora Bíblica, 1973,p. 27
[432] Vide apêndice documental Pl. XXXIIIa - XXXVa , f.
11, 23,53-56, Q.I
[433]Félix José da Costa, Op. cit., p. [1] , cf.
legendas do quadro nº43-2(1/2) Veja-se quadro
[434] Vide apêndice documental Q.I (cf. legenda do
quadro nº43-2(1/2) )
[435] Id.
[436] Vide apêndice documental Q. I (n.º 78c-1(2) ),
Pl. XLII
[437] Vide apêndice documental Q. I ( n.º 71-1 (1) ),
Pl.XLII
[438] Vide apêndice documental Q. I ( n.º 84-1 (3) ),
Pl. XLII
[439] Vide apêndice documental Q. I ( n.º 89a-1(4) ),
PL.XLII
[440]Vide apêndice documental Q. I ( n.º 84-1 (3) ),
Pl. XLII
[441] Vide apêndice documental Pl. XLIV
[442] Vide apêndice documental Pl. XLII-XLV
[443]O Livro do Natal, 2ª ed., Bibliotheca do Povo e das Escolas, 1887,nº69, p. 4[ prefácio
de Olympio de Freitas ]
[444]Bíblia Sagrada, 6ª ed. , Lisboa, Difusora Bíblica, 1973, p. 1621
[445]Edward P.
Alexander, Op. cit., p. 183
-Id. , Museum masters. Their museums and their influence, Nashville,
American Association for State and Local History, 1983, p. 277-305
[446] Ibid. , p.183
[447] Ibid. , p.183-184
[448] Vide apêndice documental Q. I ( 5-3(1), 11-3(2), 30-3(3), 39a-2(1), 42a-2(1)
etc)
[449] Testemunho do cónego drº José António Piques
Garcia, Dez. 1994
[450] Um amigo nosso, cinéfilo de gema, ao ver aquele e
outros quadros do Arcano, mirando-os a dois passos, à distância que Margarida
os teve na sua banca de trabalho, disse: “ Isto parece querer andar. Um bom
cineasta fazia um documentário espectacular sobre o Arcano. Vê-me estes planos,
esta profundidade...”
[451]Júlio de Castilho, Op. cit , p.254.
[452] Vide apêndice documental Q. I - VIII, XII, XIV,
Pl. XXXIIIa-XXXVa, f. 53-56
[453]André Helbo; et al. , Semiología de la
representación. Teatro, televisión, comic, Barcelona, Editorial Gustavo
Gili,1978, p. 10
[454]Bíblia Sagrada, vol. 6, Lisboa, Oficina da Viuva Neves e Filhos, 1818
Diccionario Abbreviado da Bíblia, 2ª ed., Lisboa, Tipografia Rollandiana, 1794
Metodologicamente, neste trabalho, cotejamos as duas versões da Bíblia
Católica Apostólica Romana. O “Diccionario Abbreviado...” igualmente será
utilizado do mesmo modo. São instrumentos utilizados no tempo de Madre
Margarida Isabel do Apocalipse. A Bíblia
Sagrada contendo o Antigo e o Novo Testamento, trad P.e António Pereira
de Figueiredo, ilustrada, Lisboa, III volumes,1852-1854 e 1857. Muito útil
pelas ilustrações; “Historia Sagrada do Antigo e Novo Testamento”, trad. J. I.
Roquette, 4ª edição, tomo I (até à queda de Salomão), Pariz, 1863 ( com
ilustrações úteis aos nossos desígnios); A Bíblia sagrada, trad. P.e António
Pereira de Figueiredo, tomo VI (contém o
Novo Testamento), Lisboa, 1818 ( tem ilustrações); além de um curioso ” Diccionario
Abbreviado da Biblia” trad do francês, Lisboa, 1794.( Diz: “ Obra utilissima
para a intelligencia do Antigo, e Novo Testamento, e para a Historia da Igreja-
2ªedição emendada) . Convém referir que estes citados livros vieram, entre
outros, de descendentes do irmão de M.e Margarida. Alguns estão assinados
“Sampaio”, outros M.e Margarida Izabel”, ainda outro M.e Margarida Izabel
Benedita”. Em um “Almanach” encontra-se o nome, data de nascimento e
falecimento da Madre objecto do nosso estudo. As assinaturas daquela Madre
assemelham-se às da nossa e um dos livros parece mencionado no rol .
[455]Testemunhos do cónego P.e dr.º José António Piques
Garcia, P.e Edmundo Pacheco, P.e dr.º Hermínio Rocha Pontes , P.e Victor,
Daniel de Sá e Teixeira Dias, 1994-1995
[456] Vide apêndice documental Pl. XXXIIIa, XLIV,
caderno de notas, observações Out. 1994-Jan. !995
[457] Vide apêndice documental Pl. XXXIIIa, Q. I , f.
53
[458] Situada na freguesia do Livramento na ilha de São
Miguel
[459] Vide apêndice documental f. 4-9
[460] Vide apêndice documental f. 12,14-15,17,19, 53-56
[461] Vide apêndice documental f. 53-56
[462] Vide apêndice documental des.12-14, 53-56,Pl.
XLIV, Tipologia cénica A des.41
[463] Vide apêndice documental f. 10--11, Tipologia
cénica B des.42
[464] Vide apêndice documental Tipologia C des.43,
f.15, 53-56
[465] Vide Apêndice documental Tipologia D des
45,f.53-56
[466] Cf. caderno de notas, observações Out. 1994-Jan.
!995
-Vide Apêndice documental f. 53-56, Q. I
[467]André Helbo, et al. ,Op. cit, , p. 10
[468]Jacques Marny, Sociologia das Histórias aos
quadradinhos, Porto, Livraria Civilização, 1970, p. 256.
“Palavra: esta tradução é ambígua. Suponho ( Daniel de Sá) que no original
estará ‘parole’, e não ‘mot’, pelo que seria melhor traduzir por ‘palavra
falada’ ou oralidade’ .“
[469] Ibid. , p. 256
[470] Ibid. , p. 260-261
[471] Vide apêndice documental Q. I, f. 53-56
[472] Vide apêndice documental Q.I ( n.º 69b,c,d-1(1) )
Caderno de notas, observações Out. 1994-Jan. !995
[473] Vide apêndice documental Q. I ( nº 84-1
(3)-”Baptismo de S. Agostinho”)
-Caderno de notas, observações Out. 1994-Jan. !995
[474] Testemunhos, entre outros, de Germano Melo, guias do ecomuseu do Vale de
Aneu, guias de turismo de São Miguel e a nossa experiência
[475]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit. , p,
[1]
“Ella gostava singularmente de mostrar aos curiosos aquele seu primor
artístico. Se era vaidade não tinha outra.”
[476]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 Set. 1853
“respeitauel (sic) Senhóra (sic),, Á generoza Bondade de V.a S.a me obriga
por estes Termos ir aos seus pés gratifficar lhe a lembrança que teue con
grandeza e primor obzequiar (sic) esta Enenutel (?) criatura quando cá a pessoa
alguma que venha a esta ver ffiguradas
(sic) as maravilhas do Sr. aseito o minimo obzequio,, He para mim Desprezo
pecuminozo (sic) emtereçar Nas obras de Deos a quem hé deuido só e Retiro todo
o louuor, (sic) Todos os Senhóres que vem por que querem vêm sem que eu os
conuide, seria offença escandelloza (sic) negalhe (sic) alinça (sic) que pedem
tendo éu (sic)
por condição Natural não offender as Pessoas que mereçem (sic) respeito e
atenção, apezar de a terem tomado Com Exçeço (sic) e m.to emcomodo meu soffrer
as minhas Atuais e graues Molletias (sic), avençada idade qué não quer senão o
Socego e Costume Com que tenho passado a uida alem dhum (sic) deuer Relegiozo
(sic) q’metem (sic) dezobrigado das Relaçõns (sic) do Mundo e Comprimentos publicos, este ....”
[477][José Maria da Câmara Vasconcelos],Op. cit.
, p. [1]
“Senhora cuja casa foi bastantemente frequentada nos ultimos annos da sua
vida pelos filhos da Ilha, e muitos de fora , d’entre os quaes poderiam outros
melhor do que nós ter cumprido este dever, se se lembrassem do incommodo que
lhe deram, e do bem que foram recebidos;...” ...a emprehender uma obra, em que
podesse entreter-se o resto de seus dias e ao mesmo tempo louvar n’ella o
Omnipotente Deos Creador de todas as cousas (muitas veses assim lho ouvimos
) “
[478]Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[479]Testemunhos do cónego dr.º José António Piques
Garcia, Pe. Edmundo Pacheco, Pe. dr.º Herminio Pontes
[480] Testemunhos de Nestor de Sousa, José Maria Teixeira Dias, José António Piques
Garcia, Daniel de Sá, Herminio Pontes
[481] Testemunho de Daniel de Sá, Mar. 1995
[482] Ibid.
[483] Mateus ( 27, 3-10) diz que se enforcou; Nos Actos
dos Apóstolos (1, 16-19) que terão sido escritos por São Lucas, S.Pedro diz que
Judas se atirou de cabeça para baixo e rebentou. Uma Bíblia que tenho ( dos
Capuchinhos) diz que S. Mateus talvez se tenha inspirado na morte de Aquitofel
(2 sam. 17,23).
[484] Testemunho de Daniel de Sá, Mar. 1995
[485] Vide apêndice documental Q. II
[486] Vide apêndice documental f. 16
[487] Jacques Le Goff, Op. cit. , p.18 ss
[488]José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit., p. [1]
“Meu pae mandara-me, em companhia de um creado, a casa de um amigo seu, o
dr. Damaso, Residente nesse tempo na Villa da Ribeira Grande, onde clinicava...
Era pela epoca do Natal. ... O presépio tomava todo um quarto, que aliás não
era pequeno. Era completamente de vidro, formando como um segundo quarto dentro
do primeiro, e de altura media quasi a mesma que a do quarto continente.”
- APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro de contas-ano de 1870-71,
fl. [2]v.
“a) Vae orçada em mais do anno passado, porque, projectando-se a remoção do
Arcano-
que hoje occupa um dos melhores quartos da casa alta...”
[489]William T. Alderson; Shirley Payne Low, Op. cit.
, p. 28
[490]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 Set. 1853
[491][João Albino Peixoto], Op. cit., p.35-36
“ .....Agora, sim, que em Ponta - Delgada, (sic) se tem reunido, e admirado
na exposição dos Amigos das Lettras e Artes, todas as mais bellas producções
artisticas do solo Michaelense; por este motivo, e pelo mais que se deixa
expendido, como se faz distincta, e eminente a Ribeira - Grande (sic) tendo
produzido e em si contendo aquella insigne Religiosa, productora de uma Obra
tão grande, tão admirável, onde se vê desenvolvida a fecundidade de assombroso
talento! As familias mais consideraveis da Cidade, e de toda a Ilha, os
estrangeiros inteligentes, e prezadores de variedades, todos se movem a visitar
a Ribeira Grande, e aqui admiram o que não cessam de admirar, e que acham mil
vezes mais sublime do que a ideia, que de tal Obra se-pode (sic) dar, a quem a
não tem visto. Por tanto se a Ribeira - Grande nunca houvera tido outras
prerogativas que a ennobrecem, bem nobre se-tornaria (sic) só com a glória de
ser mãi de tão illustre filha, que produziu a magnifica Obra, a que dá o nome
de Arcano, o qual encerra por sua ordem...”
[492]Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, [3]p.; Margarida Isabel do Apocalipse, Arcano
[493]APMRG,Confraria do Santíssimo, Livro de
contas-ano de 1870-71, fl. [2]v.
“a) Vae orçada em mais do anno passado, porque, projectando-se a remoção do
Arcano-
que hoje occupa um dos melhores quartos da casa alta...”
[494] Vide apêndice documental des 49
Segundo a descrição de Sena Freitas o Arcano seria quase do tamanho do
quarto continente.
[495]John W. Webster, Op. cit. , p. 144
“A freira frequentemente convida algumas das suas companheiras a cantar ,
ou tocar guitarra, a fim de entreter os hospedes, sentando-se ellas de pernas
cruzadas no chão para dentro das grades; não lhes sendo permittido uso de
cadeiras. Ha sempre bancos ou cadeiras para commodidade das visitas,
............ A uma hora da tarde, cedo da tarde, as freiras preparam chá no quarto
interior, que collocam numa bandeja, com a sua provisão usual de bolos,
abundancia de doces, etc., em ...”
-Francisco Carreiro da Costa, Grades de doces, p.185-186
“Há duzentos e mais anos, em pleno século XVIII, eram os conventos os
pontos de reunião predilectos para a gente do tempo e sobretudo para os
estrangeiros que, em quantos brigues e escunas demandando os três principais
portos aí se demoravam por dias e semanas. Daqui a fama de que então gozavam
alguns conventos de freiras...”
- AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha, 21 Set. 1853
“respeitauel (sic) Senhóra (sic),, Á
(sic)generoza Bondade de V.a S.a me obriga por estes Termos ir aos seus
pés gratifficar lhe a lembrança que teue con grandeza e primor obzequiar (sic)
esta Enenutel (?) criatura quando cá a pessoa alguma que venha a esta ver ffiguradas (sic) as maravilhas do
Sr. aseito o minimo obzequio, He para mim Desprezo pecuminozo (sic) emtereçar
Nas obras de Deos a quem hé deuido só e Retiro todo o louuor, (sic) Todos os
Senhóres que vem por que querem vêm sem que eu os con-uide, seria offença
escandelloza (sic) negalhe (sic) alinça (sic) que pedem tendo éu (sic)
por condição Natural não offender as Pessoas que mereçem (sic) respeito e
atenção,, apezar de a terem tomado Com Exçeço (sic) e m.to emcomodo meu soffrer
as minhas Atuais e graues Molletias (sic), avençada idade qué não quer senão o
Socego e Costume Com que tenho passado a uida alem dhum (sic) deuer Relegiozo
(sic) q’metem (sic) dezobrigado das Relaçõns (sic) do Mundo e Comprimentos publicos, este ....”
[496][José Maria da Câmara Vasconcelos ], Tributo de Gratidão, Ribeira Grande, nº62,
28 Dez. 1858, [1] p.
[497] Ibid. , [1 ]
[498]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 de Setembro de 1853
[499][José Maria da Câmara Vasconcelos ], Tributo de Gratidão, Ribeira Grande, nº62,
28 de Dez. de 1858, [1] p.
-[João Albino Peixoto], Op. cit., p.35-36
- Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
[500]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 Set. 1853
[501] Ibid.
- Margarida Isabel do Apocalipse, Avizo, [3]p.; Margarida Isabel do Apocalipse, Arcano
[502][José Maria da Câmara Vasconcelos ], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, n.º 61, 16 Dez. 1858, p. [1]
[503]Testemunhos, entre outros, de Germano Melo, guias do ecomuseu do Vale de
Aneu, guias de turismo de São Miguel e a nossa experiência.
[504]José Maria da Câmara Vasconcelos ], Tributo de Gratidão, “A União”, Ribeira
Grande, n.º 61, 16 Dez. 1858, p. [1] ;Id. ,
Tributo de Gratidão, Ribeira Grande, nº62, 28 Dez. 1858, p. [1]
[505] Ibid.
-[João Albino Peixoto], Op. cit., p.35-36
-Félix José da Costa, Op. cit., p. [1]
- José Joaquim de Sena Freitas, Op. cit. , p , [1]
[506]AAB, Carta de Madre Margarida a sua sobrinha,
21 Set.1853
[507][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, Ribeira Grande,
nº62, 28 Dez. 1858, p. [1]
” ...a emprehender uma obra, em que podesse entreter-se o resto de seus
dias e ao mesmo tempo louvar n’ella o Omnipotente Deos Creador de todas as
cousas (muitas veses assim lho ouvimos ) “
[508] AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos, lv.13, fl. 188v.-189
“...; e não tendo nessa epoca [31 Mar. 1854] collocado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Estrella désta sobredita Villa, como houje [16 Mar. 1857] existe ao Lado da Capella do Santissimo da mesma
Igreja, a Imagem de sam João Evangelista, por isso não dispozera do Arcano, e
mais objectos que lhe pertencem, o que agora vai fazer por este Codicillo em
additamento no dito testamento, e declara que deixa o mesmo Arcano, com todos
os seus pertences, e a manga de vidro, que contem o Menino Jezus, e a criação
do primeiro homem, e duas panellas de vidro, huma que contem o sacrificio de
Abraham, e outra e outra (sic) a morte do Gigante Golias, á Confraria do dito
Santissimo Sacramento, para fazer, com o rendimento dos mais bens, que lhe
deixa no dito testamento, a Festa ao dito Sam João, no dia vinte e sete de
Dezembro de cada anno, emquanto(sic) o Mundo durar sendo de Missa cantada de
Muzica, Sermão e o Sacramento exposto; sendo a mesma Confraria obrigada a
trazer a Alampada do referido Sam João acêza (sic) todo o anno,...”
-[Translato da imagem de S.João Evangelista, de caza da Exª Snrª D.Margarida
Izabel do Apocalipse...],”Estrella Oriental,”Ribeira Grande, nº32, 31 Dez.
1856,p.1
“No dia 27 do corrente, se effectuou o translato da imagem de S.João
Evangelista, de caza da Exª Snrª D.Margarida Izabel do Apocalipse , egressa,
para a Egreja Matriz d’esta villa.Toda a villa e seus arredores concorrerão á
chamada do sino, que lhes anunciou, na vespera do dia a solenidade, com que a
Santa Egreja ... Não temos a descrever grandezas e altas pompas na procissão,
no andor da Santa Imagem e altar onde se colocou; mas é forçoso confessar que
nos enlevou, o vermos um brilhante acompanhamento, animado pelos sons armoniosos
,(sic) e bem executados da Philarmonica Ribeirense, elegancia e delicadeza dos
ornatos do andor do Apostolo amado. do Apostolo Virgem:
não vos convença o nosso dizer, convença-vos o saberdes, que tudo foi o
esforço e empenho o esmero da boa Freira, celebre não só pela raridade do seu
engenho, na imcomparável (sic) obra do Arcano, mas pela sua exemplar
moralidade. Deos abençoe, e proteja este zelo, e elle continuará a desabrochar
do seu seio, flores, que, bem sejão acolhidas pelos da terra, e pelos
estranhos; e a Ribeira Grande não será esquecida.”
[509] APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro das
Eleycõens desta Confraria..., sessão de 6
Maio 1860, fl.217- 217v.
“...N’esta Sessão deli- deliberou-se (sic) alugar a casa, que legou a esta
Confraria a Madre Margarida Izabel do Apocalypso, á Senhora Dona Eudeviges de
Vasconcellos Viuva d’esta Villa, pela renda annual de quinze mil reis.”
-Manuel Ferreira, Manuel António de Vasconcelos. O 1º Jornalista
micaelense e o Açoriano Oriental, ”Ponta Delgada, Impraçor, 1994, p.162-163
“[ Manuel António de Vasconcelos- f- Out. de 1844]Com a sua morte deixou dois filhos de tenra idade,
Clemente António, de quatro anos, e Edviges Maria, de vinte e cinco meses- e a
viúva na flor das 24 primaveras [Dona Eudviges Maria de Vasconcelos- a páginas 132
diz-se que é natural da cidade de Lisboa onde Manuel António enquanto deputado
a conhecera ]... A pequena e franzina Edviges Maria, viria a falecer aos 18 anos, em 12
de Abril de 1860, sendo sepultada no cemitério de Nossa Senhora da Estrela, na
vila da Ribeira Grande. Ali vivia, de longa data, o tio paterno, José Maria de
Vasconcelos, [cunhado do irmão de Margarida] que arrematara o Antigo convento de Jesus, das
freiras claristas...Dona Edviges viria a falecer a 30 de Março de 1891, aos 71
anos de idade, na vila da Lagoa, em casa de seu filho Clemente António de
Vasconcelos...”
[510] Ibid. , p.127-173
[511] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas,
sessão de 26 Jun. 1858, fl. 209
-AMRG, Administração do Concelho, Registo de testamentos,lv.13, fl.
188v.-189
[512] Vide apêndice documental Q. X
[513] APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro
das Eleycõens---de 24 Maio 1761, sessão 29 Jul. 1865, fl. 232
“N’esta Sessão apresentou o Presidente uma conta do arcano, e renda da caza
em que o mesmo está collocado, que monta a reis 119$020=“
[514] APMRG,
Confraria do Santíssimo, Actas, lv 3, sessão de 13 Mar. 1885,
fl.85-85 v.
“1º Foi presente, e lido um requerimento do coadjuctor da Confraria
Leocadio Jose de Sousa, pedindo augmento d’ordenado. A Meza, por unanimidade
deliberou indeferir á pretenção, por falta de meios; más que havendo costume
permittir-se a admissão de visitas ao arcano, de que se tiram pequenos
proventos, a titulo de serem para pagam.to do incommodo d’abrir e fechar a
porta, por occasião das mesmas visitas, ficassem esses proventos para o dito
Coadjuctor, sendo este o encarregado do trabalho correspondente, e regulada a
cobrança dos ditos proventos, pelo modo seguinte: por cada
uma visita composta d’uma a trez pessoas- pagarão estas ao dito Coadjuctor,
ou por este som.te poderão serem (sic) exigidas= cento e vinte rs.; e sendo a
visita composta de mais de tres pessôas, pagará cada uma d’estas a mais= vinte
rs., ao mesmo Coadjuctor: e caso porem que durante aquella visita, chegarem
mais pessoâs, ainda que estranhas áquellas outras, nunca (sic) poderá o dito
empregado pedir mais do que vinte rs. por cada uma das que de- novo chegarem,
emquanto a porta aberta, ...”
[515] Novidades, “Forum,” Ribeira Grande, nº11,1
Jul. 1867, p.[ 1]
[516]Raimundo Bulhão Pato, Op. cit. ,
p.52-55
[517] APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro de
Eleycõens..., sessão 9 Out. 1866, fl. 235v.
“ N’esta Sessão deu o dito Presidente parte que havia arrendado a caza do
arcano no mez (?) passado a Jose Paullo da Rocha d’esta Villa, pela renda
annual de quinze mil reis.”
[518] Testemunho de José Virgílio da Rocha Borges, Dez.
1994
[519]Luís Bernardo Leite de Ataíde, Etnografia, arte
e vida antiga dos Açores, p. 140-141, 483
“José Paulo Rocha, serralheiro da Ribeira Grande, fez vários portões de
ferro e as grades do mirante da Esperança,...”
[520] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv.
2, sessão 16 Out. 1869, fl. 45 v.
“3º Foi mais deliberado, que a casa denominada do arcano, removido que seja
este, como acima se disse, fosse alugada pela quantia annual de vinte quatro mil reis,[era 15 000 ] exigindo-se fiança ao inquilino que n’ella se
acha Innocencio Paulo da Rocha...”
[521] Vide apêndice documental Q. XVIII
[522] Ibid., Q.XVIII
[523]Urbano Mendonça Dias, Madre Margarida do
Apocalipse...
[524] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv.
2, sessão de 21 Fev. 1869, fl. 28 v.-29
..., para a venda, em hasta publica,
dos objectos legados a esta Confraria..., que consistem em trez casas, uma
alta, e duas baixas, e um Arcano, com o fim exclusivo do seu producto, redusido
a dinheiro, ser dado a mutuo; .... razões de conveniencia, e ainda mais, por
isso que os ditos objectos vão decahindo, com especialidade o Arcano, d’elles o
mais contingente, pela materia fraca de que é composto; dever esta Meza tomar
uma seria medida sobre este negocio, de modo que se segure á Confraria uma
receita certa, que deva faser face ao onus, com que foram legados os ditos
objectos: que com quanto actualmente se achem arrendados, os tres primeiros,
pela quantia annual de vinte sete mil reis, todavia não produsem tanto, como
deverá produsir o ...”
-APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 2, sessão de 2 Jan. 1870
“ ,,, conceder a esta mesma Confraria, o Côro em frente da Capella do
Santissimo, para colocar o arcano, ...”
[525] APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro das
Eleicõens..., sessão de 26 Jun. 1858, fl.209
“... que em si não encerra valor algum intrinseco, e simplesmente valor
d’estimação, só se poderá saber por meio da sua venda annunciada
convenientemente.”
[526] APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro de contas-ano 1870-1871, fl. 5-6
“(j) Esta Confraria tem um Arcano que lhe foi legado pela ..., o qual se
acha collocado em uma casa alta, que tambem lhe foi legada pela mesma, sita na
rua de João d’Horta,
d’esta Villa; ora entendendo a Meza da Confraria que aquelle logar não é
proprio para um monumento daquella ordem, resolveo removel’o para um dos coros
lateraes da Igreja Matriz ...”
[527] Vide apêndice documental Q. XI
[528]APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro das
Eleicõens..., sessão 26 Jun. 1858, fl.209
“... que em si não encerra valor
algum intrinseco, e simplesmente valor d’estimação,”
[529][José Maria da Câmara Vasconcelos], Tributo de Gratidão, Ribeira Grande,
nº62, 28 de Dez. de 1858, p. [1]
[530] Testemunho de Jorge Custódio, Maio 1[530] Vide
apêndice documental Q. XI
994
[531] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas,
sessão 25 Fev. 1912, fl. 33 v.
“..., quando qualquer pessoa não tenha visto o arcano e o deseje ver, nunca
o Guarda do Santissimo ... e nunca poderá exegir (sic) gratificação alguma,
salvo se a quizerem dar.”
[532] APMRG, Confraria do Santíssimo, Conta
da receita e despesa ano 1870-71,fl.[ 3]
“16- Por concertos e obra nova feitos em um dos córos lateraes da Igreja,
para ser collocado o Arcano, recibo nº1 39$995”
[533] Daniel de Sá: “Os exércitos napoleónicos não têm
nada a ver connosco, embora a conclusão deva estar correcta, ou seja, a média
da altura subiu 2 ou três centímetros, sobretudo devido à melhoria da
alimentação. Mas é um fenómeno universal.”
[534]APMRG,
Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 3, sessão de 13 Mar. 1885,
fl.85-85 v.
-Vide apêndice documental Q. IX
[535] Daniel de Sá: “ E eu a julgar que os espanhóis é
que tinham inventado fazer dinheiro com
coisas sagradas...”
[536] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv.
3, sessão de 7 Mar. 1883, fl.81 v.- 82
“...suspender as visitas ao arcano, pelos tumultos, e algasarras (sic) que
p.r essa occasião dão na Igreja, especialmente quando se agrupão para ellas
pessoas de menos educação, e por d’ahi não resultar interesse d’alguma
consideração; recolhendo-se para o achivo (sic) da Confraria as chaves
respectivas, podendo só ser permittida as visitas de qualquer familia honesta,
que isso é raro; e n’este caso serão fornecidas as mesmas chaves á pessôa que o
S.r Provedor de determinar, só para esse fim, e ainda para a competente
limpesa.”
-APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, lv. 4, sessão de 12 Maio
1890, fl.17
“...pella prohibição imposta pelo Revdº Prior, para que no Domingo de
Passos e dia de Sam Pedro não houvesse exposição do arcano, evitando deste modo
o alarido que se dava n’aquelles dias no templo, e bem como as irreverencias
praticadas pelos visitantes,...”
[537] APMRG, Junta da Paróquia, Registo de
correspondencia, lv. 2, 8 de Mar.
1903, fl.23 v.-24
“...Tenho a honra de communicar a V Exª que a junta de parochia a que
presido em sua sessão d’hoje deliberou auctorisar a Meza da Confraria a que V.
Exª preside a remoção e reconstrucção da escadaria do coro para em seu logar e
do antigo archivo construir uma casa com dois quartos, destinados um para as
suas sessões e o outro para n’elle ser collocado o arcano que convem a
beneficio do templo remover do coro da nave do Sacramento.”
-APMRG,Confraria do Santíssimo, Editais, lv. 1, fl. 1
“Faz saber que no dia vinte e dois de abril proximo futuro, pelo meio dia,
na sala das Sessões d’esta Confraria, irá á praça, o fornecimento de setenta e
cinco metros cubicos de alvenaria para construcção de uma Casa annexa ao lado
do norte da egreja matriz d’esta villa,...”
-Testemunho de Hermano Oliveira, 19 de Agosto 1987
(tinha c. oitenta anos e não se lembrava “do Arcano ter alguma vez estado
fora do coro”)
[538]Francisco Arruda Furtado, Materiaes para o
estudo anthropologico dos povos açorianos. Observações sobre o povo Michaelense,
Ponta Delgada, Tipografia Popular, 1884, p.21-22
[539] Vide apêndice documental Q. XI
[540]APMRG,
Confraria do Santíssimo, Actas, lv 3, sessão de 13 Mar. 1885,
fl.85-85 v.
[541]Gabriel de Almeida, Op. cit., p. 61-2
[542] Mendo Bem, Notas de Viagem, Ponta
Delgada, Tipografia Popular,1899,
p.47-49
“Há tambem a anotar o famigerado Arcano, posto no alto côro da egreja.”
[543] Vistas em Camara optica, “Estrella
Oriental,” Ribeira Grande, 2 Nov. 1858
[544] Cosmorama, “Estrella Oriental,” Ribeira
Grande, 31 Out.1877
[545] Gualberto Vargas, [Companhia Gymnastica e Zoologica], “Estrella Oriental,” Ribeira Grande, 29 Dez.
1877
[546] Gualberto Vargas, [ Companhia Gymnastica e Zoologica ], “Estrella Oriental,” Ribeira Grande, 3 Jan. 1878
[547]APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas,
sessão de 25 Fev. 1912, fl. 33 v.
“..., quando qualquer pessoa não tenha visto o arcano e o deseje ver, nunca
o Guarda do Santissimo ... e nunca poderá exegir (sic) gratificação alguma,
salvo se a quizerem dar.”
[548] APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas,
sessão 15 Jul. 1911, fl.21 v.
“ N’esta sessão resolveu a mesa, por unanimidade, que se comunicasse ao
excellentissimo senhor Administrador d’este Concelho que alem das atribuições
que lhe conferem os respectivos estatutos, deliberou na sua sessão d’hoje
assumir tambem o encargo da associação cultural, e que terá de prover aos encargos
do sustento e habitação dos respectivos ministros do culto,...”
-APMRG, Confraria do Santíssimo, Actas, sessão 10 Dez. 1911, fl.
27-27 v.
“Tomando a palavra a presidencia, disse que esta reunião, segundo o edital
que tinha sido affixado á porta d’esta
egreja pa (sic) parochial , tinha por fim discutir a conveniencia ou não
conveniencia de se transformar a confraria em associação cultural e bem assim
auctorisar a alteração doa actuaes estatutos de forma a torna-los compativeis
com a actual Lei da Separação da Egreja do Estado-”
[549] Testemunho de Madalena Paiva, Out. 1993
[551] J. Leite de Vasconcelos, Mês de Sonho, 2ª
ed. , Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1992, p.158
[552]Ventura Rodrigues Pereira, Op. cit., p.65
“Nota do Autor- Em 1962 foi colocada uma lápide na casa onde viveu e morreu
Madre Margarida do Apocalipse, que no século se chamou...Na mesma ocasião, foi
assinalada
a casa onde ela laboriosamente fez o
Arcano, com outra lápide, pela Câmara presidida por António Augusto da Mota
Moniz” (Já dissemos que este autor confundiu a identidade da autora. Não
existem provas para afirmar que ela tivesse feito e mantido o Arcano numa casa
da rua das Pedras.))
[553] Ibid. , p. 63-64
[554]Luís Bernardo Leite de Ataíde , Organização de
museus em Ponta Delgada, p.1253-1254
[555]Luís Bernardo Leite de Ataíde, O Arcano,
p.1
[556]Francisco Carreiro da Costa, O Arcano da
Ribeira Grande, “Açoriano Oriental, ” Ponta Delgada, 2 Jan. 1971, p. 2,5
[557] Testemunho de P.e Edmundo Pacheco, Dez 1994
-Testemunho do Prior Manuel de Medeiros Sousa, Dez. 1994
-Testemunho de Artur de Sousa Martins, Out. 1985
[558] Testemunho do Prof. Mariano Alves, Out. 1994
[559] Testemunho de Manuel Viveiros, Set. 1994
No decurso de várias entrevistas recolhemos alguns depoimentos que de um
modo ou de outro apontavam para aquelas
consequências. Em 1984 levámos a cabo com um grupo de O.T.L/A um estudo de
história oral local. Neste, recorrendo às gravações sonoras, registámos aí
algumas destas opiniões. Sobretudo quando entrevistámos a viúva do antigo
sacristão, cicerone habitual das visitas ao Arcano desde a década de 20 deste
século.
[560] Ibid.
[561] Testemunho de Madalena Paiva, Out. 1993
[562] Ibid.
[563]Testemunho de Manuel Viveiros, Set. 1994
[564] Testemunho de Igor França, Set 1994
[565] Testemunho do dr.º Fernando António Baptista
Pereira, Dez. 1994
[566] Testemunho de Manuel Ferreira, Jan. 1995
[567] Ian Parkin;
P. Middleton; V. Beswick, Managing the Town and City for Visitors and
Local People, in: David Uzzell, ed. , “Heritage interpretation.The visitor
experience,” vol.2 , London and New York, Belhaven Press, 1989, p.108-114
[568] Testemunho de Ezequiel Moreira da Silva, 1992
[569] Vide apêndice documental Q. XV
Aurélio Granada Escudeiro, Visita Pastoral de 1995, “Mensagem”,
Ribeira Grande, Boletim Paroquial da Matriz de Nossa Senhora da Estrela, n18, Abr.
1995, p. [suplemento]
“-restauração de duas casas, uma delas destinada a acolher o Arcano da autoria da M.e
Margarida do Apocalipse, bem como o museu de Arte sacra, que engloba o presépio
do Senhor Prior, propriedade da paróquia.”
-Deliberação reconfirmativa ( uma primeira comissão tinha-o já feito em
1989) da comissão Instaladora do Museu do Arcano de Madre Margarida Isabel do
Apocalipse reconstituída pelo actual
Prior da Igreja Matriz da Ribeira Grande, Padre José Maria Medeiros, da qual
fazem parte, em primeiro lugar o Prior como seu Presidente, o Provedor e o
Secretário da Confraria do Santíssimo Sacramento, proprietária do Arcano, um
membro da comissão fabriqueira, dois representantes da autarquia, um vereador e
um técnico. A primeira reunião desta comissão ocorreu no dia sete de Fevereiro
pelas 20:30 no arquivo paroquial. Consta
do orçamento municipal para o ano económico de 1995 uma verba para a fase
preliminar da obra. Em 1988, no tempo do P.e dr.º Hermínio Pontes, foi votada uma verba e adquirida “a casa do Arcano.” Contribuíram
a então Secretaria dos Transportes, Turismo e Ambiente, a Câmara
Municipal e a Lavoura da freguesia.
[570]Statuts-Code de déontologie profissionelle,Conseil international des musées,ICOM,
Paris,1987
[571] Vide apêndice documental des.51-57
- Osamu Dezaki, Histórias da Bíblia, Raiuno/Nippon Network /Beta
Film, cassette/ video 1-26, 95-96[Colecção de episódios bíblicos em videocassette
com jogos educativos. Poderá ser uma maneira de explicação interactiva ]
[572] Vide apêndice documental des. 58
- Testemunho de Jusep Maria Boya, Ago. 1995
-Sobre itinerários urbanos durante os Jogos Olímpicos de Barcelona. Pudemos
observar algo parecido no museu da Ciência da mesma cidade.
[573]AMRG, Administração do Concelho, Registo de
testamentos,lv.13, fl. 189-189v.
[574] Testemunho do Prof. Henrique Coutinho Gouveia,
Fev. 1996
[575] Vide apêndice documental Pl. XLII- XLIV
[576] Observação efectuada em Agosto de 1995 no “Museu
de la Ciència,” Fundació “la Caixa,” Barcelona
[577] Daniel de Sá: “Eh! pá! Isto é que não!”
[578] Id. “Não me agrada!”
[579] Id. “Claro!”
[580]APMRG, Confraria do Santíssimo, Livro dos Foreiros nº1, fl.119 v.-120
[581] François Perroux,
Ensaio sobre a Filosofia do novo desenvolvimento ,Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987,
p.9-27
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