MUSEU PAROQUIAL MADRE MARGARIDA
ISABEL
APOCALIPSE (1)
PROPOSTA
PREÂMBULO
Aconselha-se
que seja gerido e administrado pela paróquia da Matriz de Nossa Senhora da
Estrela da Cidade da Ribeira Grande e, que, como parceiro de pleno direito, se
associe à rede museal municipal que deveria quanto antes, ser implementada.(2)
Esta
estrutura e a discussão que dela me proponho fazer é meramente académica,
insere-se na cadeira de Gestão e Divulgação do 2º semestre do mestrado em
museologia e património.
Eventualmente
poderá, em outros moldes, no futuro, servir de base a uma proposta a apresentar
às entidades aqui mencionadas. Por ora, exercitar-nos-emos, sem os
constrangimentos do pretenso/hipotético encomendador oficial, a ponderar uma
série de factores que julgamos pertinentes. (3)
Submetemos
este exercício ao juízo e à opinião dos que nos ouvirem ou lerem. Acima de tudo
desejamos trocar experiências. Além do mais, sempre ouvimos dizer dos mais
velhos que os outros podem ser os nossos melhores espelhos. Creio até que um
filósofo ou ditado chinês dizia de outro modo:
"Estima
o teu opositor, pois ele é o teu espelho, sem ele não te verás" (não
textualmente.)
Neste caso opositor no sentido que a academia dá aos
examinadores das provas académicas.
Sem subterfúgios, peço-vos os vossos conselhos sobre como
poderemos gerar e criar este museu paroquial; qual a sua "utilidade"
e viabilidade.
Neste ensaio (entendido como uma
reflexão teórica, se bem que com base num projecto concreto, ou melhor numa
realidade concreta) não nos reportaremos propriamente ao seu programa museal,
objecto da cadeira ministrada pelo arquitecto Sommer Ribeiro, ainda que a ele
nos devamos referir, por ser o alicerce de todo o edifício teórico-prático, mas
particularmente à sua infraestruturação tanto física como humana.
INTRODUÇÃO
Seria, já o dissemos, gerido pela paróquia mas
associar-se-ia à rede museal do município e teria a sua sede na Casa do Arcano
Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse.(1) Do museu paroquial ainda
fariam parte a igreja Matriz, sua proprietária (paroquial de N. S. da Estrela),
com a sua sacristia de Arte sacra, o arquivo histórico paroquial e a biblioteca
doada pelo P. Dr. Moreira Candelária.(5) Fora da Igreja, mas na freguesia, as
ermidas das confrarias e de irmandade, os passos quaresmais, a igreja do
Espírito Santo, propriedade da Irmandade do Senhor dos Passos e o presépio
movimentado do Sr. prior depositado na Casa de Cultura da autarquia.(6)
O primeiro passo a dar deveria ser a criação pelo
Conselho paroquial, presidido pelo senhor padre, órgão a que, segundo o senhor
cónego Lourenço, responsável pelo museu do Diácono da Sé de Lisboa, erradamente
ainda se designa por Comissão Fabriqueira, de uma comissão instaladora e da
nomeação do responsável pelo programa museológica. Seriam estas pois as
primeiras estruturas a criar, órgãos autónomos, dependendo o segundo
hierarquicamente do primeiro.(7)
Da comissão instaladora, dela falaremos adiante mais em
detalhe, fariam parte necessariamente os provedores da confraria do Santíssimo
(proprietária do Arcano) e da Irmandade dos Passos (proprietária da igreja do
Espírito Santo), para além de outros conforme veremos. A este núcleo inicial
competiria alcançar uma plataforma de entendimento mútuo. Por exemplo o Arcano
ficaria depositado ou então cedido à paróquia, pois segundo informações
recolhidas no Patriarcado, os bens das Irmandades e das Confrarias não são bens
paroquiais. Não sei se o presépio pertenceu à J.O.C. (Juventude Operária
Católica)?
Quais seriam os objectivos deste museu paroquial?
Estudo, inventariação, conservação, exposição e animação
de todo o património paroquial ou das confrarias e Irmandades da paróquia por
elas próprias. Seria igualmente uma espécie de conselho paroquial para o
património e funcionaria, de um modo geral, à base do voluntariado. A
conferência episcopal portuguesa tem vindo a recomendar, aliás no seguimento de
directivas emanadas do Vaticano, a inventariação dos bens da igreja bem como a
sua protecção. Muitas das publicações diocesanas e paroquiais frequentemente
incluem notas sobre esta temática.
Nas nossas comunidades rurais ainda é comum, e
felizmente, trabalhar-se voluntariamente para os diversos serviços paroquiais.
Sejam eles a organização dos diversos cortejos processionais, ou as festas do
padroeiro ou do Coração de Jesus. Por estas ocasiões alguns paroquianos
colaboram, não fora o seu empenho, pelas mais variadas razões, entre as quais o
prestígio comunitário, muito ficaria por fazer.
É também na catequese que se verifica esta
disponibilidade do paroquiano. Para além destes exemplos outros poder-se-iam
dar, designadamente, do voluntariado do paroquiano-cidadão à comunidade extra
igreja, seja ao clube desportivo, à associação cultural, aos bombeiros, aos
Espíritos Santos, nas Bandas de Música, nos Lares, nas Santas Casas...é certo
que não há muito tempo a força do voluntariado, o seu peso fazia-se sentir
mais. A televisão, introduzida nos Açores em 1975, a imigração galopante a
partir da segunda metade da década de cinquenta, atingindo os máximos nos anos
sessenta e setenta, o consumismo, a queda das utopias, a incerteza do fim do
século e as angústias do milénio contribuíram, entre muitas outras razões, para
a diminuição do empenho comunitário do cidadão paroquiano. Ainda assim, a igreja
consegue estar entre os menos afectados. Há descrença de alguma sociedade civil
em relação às estruturas tradicionais, sejam elas igrejas, sindicatos, partidos
políticos, ao invés, organizações novas com outro discurso, seja ecológico, por
exemplo merecem maior crédito. Ao que consta assim pensam os franceses segundo
um inquérito publicado num semanário daquele país. Nós não pensaremos do mesmo
modo, porém comungamos, talvez, de um cepticismo generalizado.
Em Portugal, contrariamente aquilo que se passa nos
Estados Unidos que conheço, ao que julgo, razoavelmente bem, o voluntariado de
cariz cultural é pouco expressivo. Contudo, haveria aqui uma pequena ressalva a
fazer, pois, por exemplo, em Portugal, que começo a conhecer melhor, e a julgar
pelo que a comunicação social traz, surgem por todo o lado associações de
cidadão interessados pela sua terra, como A Quercus, na defesa do património
natural, o Centro de Património da Alta Estremadura, também no património
cultural. Nos museus clássicos, chamemos assim aos tradicionais (ainda não
estou satisfeito com este termo), a algum entusiasmo inicial (museu de Arte
Antiga, aqui na cidade de Lisboa, Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira)
esmoreceu-lhes o empenho. Já em algum museu fora dos grandes burgos, nos museus
regionais e nos que, porventura seguem a denominada nova museologia, parece
existir voluntariado comunitário. A filosofia da ecomuseologia, por exemplo,
aponta neste sentido. Haverá, todavia, entre os museus clássicos, passe a
expressão, uma ou outra excepção. Será Viseu com os seus Amigos do museu
(recentemente visitaram os Açores) um exemplo disso?
Na Matriz é possível reavivar o entusiasmo de outrora?
Quero crer que sim, mas não será fácil. O prior (assim o
chamava o povo que o adorava), Evaristo de seu nome, chegou à Matriz havia
pouco tempo a República tinha sido proclamada, pouco antes ou depois da lei da
separação de 28-04-1911 do governo de Afonso Costa, viu-se e desejou-se para
despojado dos bens e dos rendimentos paroquiais, manter a igreja e suas
dependências. Desconheço, devo confessá-lo, se ao estado competia, a partir de
então tais obrigações, em todo o caos por necessidade o prior iniciou uma série
de actividades de onde retirava alguns dividendos económicos, recorrendo ao
apoio voluntário de paroquianos. Fundou uma associação de juventude católica e
com os jovens construiu um presépio movimentado, organizou récitas, cortejos
natalícios etc... Para além dos jovens toda a paróquia colaborava. Há data da
sua morte em 1957, a paróquia não só sobreviveu como estava bem cuidada.
Em 1958, se não me falha a memória, aquela igreja e a do
Espírito Santo tinham sido classificadas de Interesse Público pela Direcção
Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Em 57, aquela Direcção Geral dava
início a trabalhos de consolidação, conservação e restauro do edifício da
igreja. A filosofia de restauro aí implementada assemelha-se à que norteou a da
Sé da Velha de Coimbra. Arrancou azulejos seiscentistas que tinham sido
recolocados na segunda metade do século XIX no frontispício setecentista.
Picaram o reboco da torre sineira também setecentista e deixaram a pedra
basáltica à mostra.
Era a reconstituição, restituição à pretensa pureza
original, sem qualquer suporte documental. Em vão bradaram alguns estudiosos
locais designadamente o médico e historiador de arte, Dr. Jorge Gamboa de
Vasconcelos.
Retomemos o fia à meada. O seu sucessor, P. Manuel
Medeiros de Sousa, continuou com a mesma força as obras, alargando-as a trechos
do exterior ainda não intervencionadas.
Vamos tentar reacender o interesse da Paróquia pelo seu
património e dar-lhe um conteúdo mais actual e mais de acordo com as novas
experiências sobre a animação e defesa patrimonial.
Tendo conseguido a adesão do pároco actual, Nemésio de
Medeiros, e de alguns paroquianos, estamos esperançados na viabilidade deste
projecto, que poderá, no confronto com a realidade, vir a ser burilado.
Portanto, além de recorrer ao voluntariado, tradicional
suporte do museu paroquial, queremos interessar os paroquianos pelo sentido e
pela dimensão do seu património. No nosso país, a paróquia e a igreja em geral,
têm sido no que concerne ao seu património, passivas, salvo raras e honrosas
excepções. Felizmente que a sua multissecular pulsão conservadora e o zelo de
muitos párocos e paroquianos, tem contribuído para a salvaguardado seu espólio.
Porém, quanto ao seu estudo, à sua organização, enfim, quanto a todas as
tarefas inerentes à gestão patrimonial, pouco ou nada se diz, muito menos se
faz. Por falta de recursos, por uma certa má consciência por ser detentora de
tantos bens materiais, recordemos as acusações que lhes foram e são feitas de
dentro e fora da igreja, por ter sido várias vezes espoliada pelo estado, por
tudo isso e possivelmente por muito mais a estrutura eclesial, não tem sem
alguma razão, encara muito ambiguamente as questões patrimoniais. Isto não
implica que seja actualmente o estado quem restaure, conserve e mostre o seu
património.
Já vem sendo tempo para que estado e igreja assumem e
ultrapassem esta ambiguidade, que passará necessariamente pelo respeito mútuo.
Os primeiros que devem perceber e praticar isso somos nos
que estamos ligados aos museus e ao património.
Não sei se ainda acontece mas tempos houve em que os
responsáveis pelos museus, em nome de concepções museológicas e museográficas
aceites, esperavam com ansiedade o depósito de peças de arte sacra. Da maior
parte dos casos que conheço com razão, porque a igreja não assumia a sua
responsabilidade. Como paroquiano devo exigir outra atitude para com os meus
bens patrimoniais, tanto mais que agora mais do que nunca, o leigo é chamado a
intervir na sua própria paróquia.(8)
Quero crer que, pelo que conheço da minha paróquia, a
questão não se poderá equacionar só em termos do ter e do haver; o primeiro
passo, já o dissemos, devia ser dado na criação do conselho de administração
patrimonial e pela nomeação do responsável pelo museu.(9) Por conseguinte, à
igreja, em vez de carpir sobre leite derramado, competirá tomar nas suas mãos o
seu património. É dever da igreja torná-lo socialmente útil?
Creio que tal não será extensivo, sem a observância de
algumas nuanças, em relação às igrejas abertas ao culto. Uma igreja não é um
museu. No caso concreto da Matriz da Ribeira Grande, tendo sido classificada de
interesse público, o estado e a igreja, comprometeram-se, o primeiro a prestar
certos e determinados serviços de manutenção, conservação e restauro, o
segundo, a facultar a visita a quem o deseje desde que não colida com o culto.
Diga-se de passagem que se a igreja tem cumprido do estado não poderemos dizer
o mesmo. A transferência dos serviços da Direcção Geral para a Secretaria
Regional de Educação e Cultura, a partir de 1976, por razões que desconheço,
demorou mais do que o desejável.(10)
Por outro lado, o sismo de 1 de Janeiro de oitenta, veio
exigir outras prioridades. A situação foi solucionada pelo P. Manuel de Sousa
que conseguiu ao depositar o presépio movimentado na Casa da Cultura não só
salvar aquela peça como obter da autarquia, detentora da citada Casa, um
funcionário autárquico para mostrar a igreja e o Arcano aos visitantes e
mestres da autarquia para as obras de retelho e de caiação. Presentemente, por
desistência do funcionário destacado, é a Casa da Cultura que o substitui.
Quanto às obras, por ter havido compromisso verbal com a vereação cessante em
1985, e pelas seguintes não terem assim entendido, ao que julgo saber, deixaram
de se fazer.
Retomando o fio à meada. Também é certo que a igreja está
em funcionamento, há que conciliar e harmonizar a disponibilidade das visitas
com a disponibilidade da igreja. Quem melhor do que a paróquia e os paroquianos
para o fazer. O visitante não pode sê-lo a todo o momento, é óbvio, por isso
necessário se torna estabelecer regras e um horário, coisas que, ainda que
simples, só foram experimentadas o verão passado.
Ao contrário do que durante muito tempo se pensou e fez,
comungo a opinião daqueles que advogam a permanência dos bens patrimoniais nos
seus contextos onde só adquirem a sua total dimensão estética e histórica,
salvo raras excepções e aqui abro um parêntesis, admito ponderar o contrário,
em que destaco as razões de conservação. Não estou a ver de momento, na
paróquia em questão necessidade para tal.(11)
E as peças são utilizadas no culto? Poucas serão as
circunstâncias que justificarão a recolha ao museu local, tanto mais que agora
se pretende criar o museu paroquial. E para o museu de síntese regional? (há
quem fale dele.) Para uma exposição temporária desde que sejam observadas todas
as normas exigidas, tudo bem, porém, para figurar permanentemente na mostra o
caso muda de feição. Deve ser estudado caso a caso e ser sempre título de
depósito revogável sempre que o museu paroquial dela necessite ou que se
verifique que a peça não está a ser devidamente tratada. O museu paroquial
devia igualmente exigir contrapartidas, como por exemplo a deslocação de
exposições do museu regional de síntese (do estado) ao museu paroquial sem
quaisquer encargos para o segundo ou ainda, entre muitas outras possibilidades,
obter da D.R.A.C. (órgão que tutela o Centro de Restauro) a prioridade de
restauro, para além da gratuitidade já concedida, das obras daquela paróquia.
Quanto ao museu paroquial. Na ilha de São Miguel, onde se
situa a cidade da Ribeira Grande, já existe o exemplo pioneiro da Matriz de
Ponta Delgada, de finais do século passado ou início deste, onde existe um
magnífico e raro conjunto de paramentaria religiosa (algumas estiveram patentes
na primeira exposição de arte que se fez no século XIX na cidade de Lisboa), ou
até o museu paroquial da Ribeira Chã, freguesia rural do concelho da Lagoa, na
costa sul da mesma ilha.(12)
Este último é um caso curioso que, num breve sobrevoo,
convém referir afim de irmos situando o nosso projecto.
Não só reúne os objectos litúrgicos em desuso e elementos
(pequenos apontamentos) da antiga igreja paroquial demolida na década de
sessenta (não me recordo da data exacta) para dar lugar a um templo de traça
moderna, mas alarga-se, estende-se a pequenos pólos onde estão recolhidos
testemunhos materiais da vivência daquela comunidade rural. O P. João Caetano
Flores, entende, e muito bem, o papel da paróquia na sua comunidade. O
presidente da Câmara da Lagoa, em conversa tida há alguns meses,
confidenciou-me que naquela freguesia a câmara era a paróquia, e, muito bem
frisou ele.
Tem um museu agrícola onde, no seu interior, um barracão,
expõe, sem grandes critérios museográficos, é certo, alfaias agrícolas e outros
apetrechos. No exterior, ao ar livre, e, disseminados pelo terreno envolvente, espalham-se,
à escala ou em tamanho real, currais de cabras, cercados de bovinos, cafuões de
milho, um campo de bilros, canteiros de plantas endémicas da Macarronésia e
mezinhas caseiras, bem como o pastel, planta tintureira de enorme importância
para os Açores nos séculos XVI e XVII, até, num quintal vizinho, a popular
açafroa, especiaria que outrora vinha das Índias.
Num outro edifício, junto ao lado nascente da igreja,
reúne uma série de objectos da vida doméstica do rural, no rés-do-chão, e, no
primeiro piso sobrado, não, cimentado, conserva tudo aquilo que sobreviveu à
anterior igreja a uma pequena capela que existiu por perto. Inclui um esboço de
uma sala de aula.
São os paroquianos que, ou por iniciativa própria ou por
iniciativa do seu pároco que recolhem aquilo que, e isto é importante,
considerem ser como seu património. Nos últimos anos, uma vez por outra, surge
alguém de fora, sobretudo da Universidade, porém, e é de louvar, para além dos
estudos que fazem ou de uma ou outra ajuda, respeitam a regularidade daquela
vivência cultural. O que é património? património cultural queremos dizer. Para
o mestrado em museologia e património é importante estudar como é que um
objecto ou outro "bem " tanto material como imaterial passa a
património? O conservador de museus ou museólogo tem de estar consciente destes
mecanismos. O património não existe em si mesmo, ainda por cima o seu conceito
é vago, exasperantemente vago e tem variado consoante as épocas e as culturas.
Iremos tentar aprofundar este assunto na cadeira do prof. Adolfo Casal, pois,
considera-mo-lo essencial a toda a museologia. (13)
O P. Flores conseguiu e consegue o respeito dos seus
paroquianos que o ajudam e, dos poderes públicos que, pela sua dimensão e
poder, lhe facultam meios e, muito raro, lhe dispensam carinho. Acresce ainda
que a paróquia dinamizando a junta de freguesia, basta dizer que a sua elevação
a freguesia deve-se também à acção da paróquia, organiza anualmente múltiplas
actividades dedicadas a questões que interessam à paróquia, semana
gastronómica, colóquios, exposições. Pessoas de outros concelhos, a quem o P.
Flores merece respeito, vão amiúde à Ribeira Chã lançar livros e inaugurar
exposições, para além da colaboração no boletim paroquial
"Despertar". Este boletim editado desde a década de sessenta é para
mim consulta obrigatória e creio que para todos os que queiram conhecer o seu
património.
Infelizmente, uma certa intelectualidade, quiçá demasiado
exigente em matéria científica, olha com imerecido desdém e alguma sobranceria
os "eruditos amadores" que nele colaboram. Avaliar a experiência da
Ribeira Chã por este prisma é não reconhecer o sucesso comunitário que tem
constituído, é deixar perder todo um manancial de informação. Já por nos
servimo-nos dela. Aquilo que o padre Flores faz, fez o prior Evaristo Carreiro Gouveia,
na paróquia onde estou a propor a criação deste museu. é certo que se os tempos
eram outros e que a Matriz é uma das paróquias mais ricas em património, é
certo igualmente que a acção do prior não se exerceu naquela área patrimonial,
todavia, ambos são padres, ambos saíram do púlpito, ambos conseguiram o
concurso e o respeito da comunidade. é por tudo isso que devo utilizar aquela
experiência como termo de comparação. (14)
Continuemos. Em primeiro lugar, a paróquia, assume-se em
toda a dimensão, como dona e usufrutuária da sua herança cultural, sem todavia
voltar as costas a quem quer que seja, abrindo-se à sociedade. Em segundo
lugar, e como consequência do primeiro postulado, cria um projecto
tentativamente irá contribuir para fortalecer o espírito de comunidade, algo
frouxo por causa de outras solicitações às quais julgamos já nos ter referido.
Em terceiro lugar, a paróquia afirmar-se-á como uma
entidade preocupada com o conforto espiritual, em toda a acepção da palavra,
não só dos seus fregueses como de todos os que a visitem, sejam católicos ou
não, sejam nacionais ou estrangeiros, sejam alunos do secundário sejam
universitários.
O museu paroquial deverá estar atento não só em relação à
herança mas também em relação ao presente. Em quarto lugar, não por ordem de
importância, o Arcano, obra de intenção catequética de que adiante falaremos, o
presépio movimentado, os edifícios e demais objectos de culto ou quaisquer
outros objectos de uso corrente, que pertençam ou pertenceram à vida daquelas
estruturas religiosas, servirão de ponto de partida para o conhecedor do tronco
comum paroquial. Questões, como por exemplo, a visão do Arcano como documento
da catequese de oitocentos, deverá ser confrontada com a catequese actual,
Concilio de Trento, por um lado, concilio Vaticano II por outro.
Tentaremos, pois, a partir do exemplo da Ribeira Chã, no
outro lado da ilha, a partir de algumas das suas propostas, introduzir algumas
práticas e teóricas ensaiadas noutros museus, designadamente o que tem vindo a
ser feito em Portugal, França, Quebeque e Suécia, adaptando-as à realidade
local.
A componente primordial deste futuro museu deverá ser a
animação cultural. Hesitei e continuo a hesitar na escolha do termo, educação
ou animação, pois, optar por um implica necessariamente uma das duas: ou o
museu é também um estabelecimento de ensino, e para tal tem que ter os mesmos
quesitos que todos os outros, ou então não é. Haverá a possibilidade de o museu
ser uma escola alternativa, mas ainda escola? Penso nisso mas não tenho
resposta. Todavia, se partirmos do ponto de vista, por exemplo, dos alunos que
visitam o museu, talvez cheguemos à conclusão de que afinal eles não querem
sair de uma escola para se meterem noutra. Talvez a nova pedagogia do ensino
aprendizagem e do enfoque da chamada área escola faça da escola um local menos
constrangedor, sem liberdade. Quero crer que o visitante/utente do museu que
vai por obrigação ou por escolha ao museu procura conhecimentos, emoções sem quaisquer
pressões. O museu deve tentar, pois, não ser uma escola ou então ser uma escola
diferente. Mais ou menos aquilo que o Prof. Agostinho da Silva pensa sobre a
escola. (15)
Enquanto numa escola o professor dispõe de um programa,
de vários períodos, de métodos de avaliação, falíveis ou não, não interessa
para o caso, o museu, apesar de poder ter um programa e tem-no, este obedece a
uma linguagem diferente, tem pouco tempo para educar o visitante/aluno e apesar
de todas as tentativas não possui um método de avaliação. (16) Do mesmo modo
que em Portugal se oferece cursos para conservadores de museu dever-se-ia criar
um para os técnicos da animação museal, criando igualmente uma carreira para
tornar aliciante e absorver os técnicos
formados. Só a este nível, apesar do muito que já foi feito pelo museu
de Setúbal, técnicas do museu de Arte Popular e Gulbenkian, para além de
possíveis outros que desconheço (Museu do Traje e Soares dos Reis) se poderá
evoluir. (17)
Em Junho passado no Vairão e na Universidade Nova o Prof.
Kenneth Hudson disse que o museu não é nem pode nem deve ser uma escola.
Mostrou admiração pelos serviços de animação de Barcelona e crê que o público
da terra é o melhor cicerone. (18)
Marie-Therese Gazeau-Caille, num artigo publicado na revista
Museum, intitulado "Le Jeune Public" começa por divulgar a opinião
que em 1981 os franceses tinham dos museus. Eram velhos poeirentos, aborrecidos
habitados por velhotes de barba branca, entre outros e por turistas basbaques.
Em 1985, acrescenta ele, na altura em que escrevia o artigo, a tudo o que se
dissera poder-se-ia acrescentar que uma nova fauna de crianças barulhentas e
curiosas, barulhentas nos seus inquéritos tomara conta dos museus. (19) A
partir daí fala nas várias estratégias. O museu, fonte excepcional de
documentos, transformado pelos professores, a partir do fim da segunda guerra
mundial, quando foi criado o primeiro serviço educativo no museu do Louvre, em
trabalhos práticos do curso. Creio que o pioneiro dos serviços educativos nos
museus foi o Dr. João Couto no Museus de Arte Antiga e não Germaine Cart no
museu do Louvre. O museu também, segundo Marie-Therese, um local de
conhecimentos técnicos da arte, local de formação do espírito crítico, local de
visita exploração, oficina para desenvolver a criatividade etc... (20)
Deixo em aberto a questão. Por último lugar o museu
paroquial teria uma dupla vertente oficinal. Explico-me. Não sei se o Arcano
Místico, nem sei se tal interessará para o caso, foi o único exemplar na
Ribeira Grande de trabalho em massa de pão. Desconheço, inclusive se foi típico
da Ribeira Grande. Há, contudo, indícios da utilização de farinha de trigo para
fins artesanais em vários pontos da ilha. Em 1990 (?), numa semana Infantil vi
os alunos fazerem trabalhos em miolo de pão, ou melhor com farinha de trigo.
Sei que em Aiacucho nos Andes, Bolívia, queria dizer Peru, Existe não só a
tradição como toda uma indústria artesanal de produtos "massa".
Este Natal adquiri um presépio de massa no Forum Picoas
na feira de artesanato onde conversei com o artesão. (21)
Aliás ao iniciar o seu estudo, ainda em 1986, e tendo
caído de paraquedas, há pouquíssimo tempo, passe a expressão, numa Casa de
Cultura que pretendia criar um museu e uma biblioteca, senti-me na necessidade
de estabelecer contactos afim de conseguir informação tecnico-científica sobre
o arcano e sobre outras obras em estudo. Comecei de fora para dentro, ou seja
pelo I.C.C. canadiano cheguei ao I. José de Figueiredo, não se veja nisso
menosprezo mas tão-só desconhecimento tanto mais que estudara fora dos meus
pais e tanto mais que I.J.Figueiredo foi rápido e eficiente. Depois entramos em
contacto, graças ao I.C.O.M. português com o Instituto alemão e através dele
com os museus do Pão alemães e através deles com o I.C.C.R.O.M. .(22)
O cerne da questão reside em saber se, independentemente
de se saber se tal foi tradicional ou não, o que se suspeita que não tenha sido
pois a obra não devia ter sido feita isolada e por haver indícios, se há ou não
há interesse em promover o seu uso. Achamos que sim.
Pelos contactos que as visitas guiadas nos têm
proporcionado e pela auscultação informal do interesse dos visitantes temos a
sensação de que haverá muita procura por este tipo de artesanato, não só para
os forasteiros como também para o mercado local. Seria, estamos seguros, uma
fonte certa de rendimentos.
A cidade da Horta, na ilha do Faial, é conhecida pelos
trabalhos em miolo de figueira. A vila das Lages, ilha do Pico, pelo trabalho
em osso natural e sintético ( devido à proibição decretada ) de cachalote. A
Lagoa, em São Miguel, pela cerâmica vidrada. A Ribeira Grande já o sendo pelos
trabalhos em papel, tais como toalhas, guardanapos, enfeites de bolos, para
além das bandeiras, pequenas e grandes, do Espírito Santo, trempes, peneiras e
confeitos. Entre outros. Pôr em pratica as técnicas e os materiais utilizados
por Madre Margarida Isabel do Apocalipse nos séculos XVIII e XIX (n. 1779 f.
1858) é capitalizar um recurso endógeno que, poderá, eventualmente, incentivar
a constituição de pequenas industrias familiares ao exemplo do que já acontece
nas bandeiras do Divino, por exemplo. (23)
Ao museu paroquial competirá a formação neste âmbito. Uma
outra oficina, a do presépio, retomaria o espírito do presépio movimentado que,
anualmente, promovia o renovo dos conjuntos expostos de modo a manter perene o
interesse dos visitantes da quadra natalícia. Registe-se que em São Miguel o
Arcano e o presépio são as obras mais visitadas, o último em cinco dias chega,
pelo natal, a registar, crianças e adultos, cerca de vinte mil visitantes, o
primeiro recebe todo o fluxo turístico organizado pelas agências locais. Esta
segunda oficina, utilizando a madeira e o cartão, poderia funcionar em estreita
colaboração com a do miolo de pão. As duas até poderiam trabalhar numa só. (24)
Algumas coisas que estão
a ser feitas e que devem
continuar enquanto o museu
for-se estruturando e crescendo
O processo do museu paroquial (ou da musealização de bens
patrimoniais da paróquia) já começou há algum tempo. Tem-se desenvolvido, sem,
por vezes, nos darmos conta disso. Agora, trata-se de tomar consciência deste
facto e de agirmos de acordo com o nosso projecto. O nosso projecto, é bom
dizê-lo, já vem sendo posto em prática informalmente à medida que vamos
estudando o diverso património da paróquia.
1950 (ou data próxima) marca o reconhecimento oficial do
edifício e recheio da igreja matriz e marca igualmente o início oficial da
função social daquele espólio.
Na década de quarenta, ou ainda antes, não tenho os
apontamentos comigo, o Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde ocupara-se do seu
estudo. No início do século o marquês de Jácome Correia alertara a igreja para
o valor do seu tríptico flamengo descuidado na remida de S. André. Aí começou a
salutar pratica de recolher à sacristia uma ou outra imagem caída em desuso, um
ou outro quadro, um ou outro paramento.
No mesmo espaço recolheram-se os paramentos arrumando-os
prudente e sabiamente, sem serem dobrados e ao abrigo da luz, num enorme
gavetão, o arcaz.
A partir da década de sessenta, o Dr. Jorge Gamboa de
Vasconcelos, meu primeiro mestre nas coisas da Ribeira Grande, interessa-se
pelo estudo da matriz e sobre ela escreveu alguns artigos de fundo e discorreu
em algumas conferências a última das quais, quero crer em 1988 ou 1989, na
própria igreja matriz, à qual tive o prazer e o proveito de assistir. Mas muito
do espólio móvel perdeu-se e perdeu-se de vários modos. Sigamos um exemplo
hipotético mas plausível. Uma imagem velha e sem devotos cai em desuso ou,
apesar de uma corte imensa de devotos, está tão deteriorada pela humidade e
atacada por xilófagos, é retirada substituída por outra mais recente e colocada
numa arrecadação. Conhecendo-se a humidade das ilhas, fácil se torna imaginar o
seu fim. Milagrosa, deixe-se passar o termo, foi a descoberta de um São Pedro
do século XV ou XVI na torre da igreja do mesmo nome. Ou ainda, igualmente na
torre, mas da igreja de São Salvador, de uma mão cheia de preciosas imagens.
Vejamos outro exemplo. Um objecto em prata cujo feitio
(sobretudo no século XVIII quando não eram amplamente trabalhados) não se
adequava aos novos gostos, regra geral era derretido para fazer o novo. Foram
os roubos, as trocas, as vendas, a contribuição para a causa liberal, os sismos
os vulcões e os piratas.
Não se julgue que a igreja não era zeladora do seu
património eram outros.
Da documentação existente (sobrevivente) no Arquivo
paroquial pudemos compulsar imensa informação sobre as visitações e
inventários. Isto desde o século XVI. Nas visitações os párocos e as paróquias
(as fabricas da igreja) eram vistoriadas minuciosamente de alto a baixo. Bastas
vezes eram admoestadas e intimados a fazerem determinada obra ou a adquirirem
determinados objectos.
Os inventários existem desde então, século XVI, a
paróquia foi criada em 1504, dando-nos a imagem da sua exaustão. Cada confraria
e cada irmandade, cada capela e cada altar tinha o seu inventário. O que se ia
adquirindo e nalguns casos, queremos crer, o que se ia alienando, tudo merecia
registo nos livros despesa e receita. As fábricas da igreja e todas as suas
Irmandades que prestar contas do seu património. (25) Evidentemente que o
património aqui referido exprimiria tão só o valor e a utilidade das coisas são
a sua dimensão estética e histórica. O culto religioso e o culto estético e
histórico até, certo ponto, poderiam coincidir, afastavam-se, contudo, quando o
objecto deixava de servir, tal significava deixar de existir para os de então,
enquanto para o museólogo ele iniciaria a sua nova vida. Eis a possível diferença.
(26)
O liberalismo foi bom e mau para a matriz. É certo que o
estado impôs a criação de uma Junta de paróquia para gerir os seus bens, é
certo que os seus rendimentos se desvalorizaram, tudo isso é certo, porém, a
matriz, por um lado foi herdeira de parte do antigo espólio do extinto convento
do Santo Nome de JESUS de freiras clarissas, onde esteve professa e 1800 a 1832
a freira do Arcano, por outro lado comparada com muitas das suas congéneres do
continente poder-se-á considera-la sortuda.
A I República e a lei da separação veio beliscar-lhe
ainda mais. Os livros de registo paroquiais, baptismo, casamentos e óbitos, a
partir de certa data foram obrigados a recolher no Arquivo público distrital.
Alguns bens de raiz foram nacionalizados. Todavia, ainda antes da assinatura da
Concordata em 1948, como já aludimos, o prior recuperou a posse e o usufruto do
velho passal para onde transferiu o presépio movimentado.
Na Ribeira Grande há uma longa experiência, quase nunca
interrompida de colaboração entre a igreja e a câmara. Desde tempos remotos até
hoje, a edilidade tem, por exemplo, contribuído para o arranjo da área
circundante, onde, a sul se ajardinou um baldio, e a oeste se construiu uma
imponente escadaria e um coreto que domina o largo da cascata. Salvo algumas
mais ou menos fugazes questões a igreja e a autarquia relacionam-se bem.
Na igreja têm sido organizado concertos de música sacra
executado no órgão de tubos recentemente restaurado, graças ao empenho de uma
comissão paroquial criada para o efeito, festivais de coros, exposições de arte
sacra. O Dr. Jorge Gamboa foi o comissário da primeira que se conhece
organizada nos anos sessenta pelo já extinto circulo dos amigos. Já na década
de oitenta, a convite da comissão de festas de elevação a cidade, o Dr. Néstor
de Sousa professor de História de Arte na Universidade dos Açores organizou
outra. Ambas recorrendo em parte ao espólio da matriz.
Em 1988, a pedido do pelouro da cultura da edilidade o
Dr. António de Oliveira, director do museu Carlos Machado preparou, na
sacristia da matriz uma exposição de arte sacra exclusivamente com o património
da igreja. Ao ser desmantelada alguns paroquianos demonstraram interesse em
criar um pequeno museu. A ocasião propiciou-se ao preparar-se a visita aberta
ao Sr. presidente da República e ao organizarmos o congresso sobre o barroco. A
pedido do pároco a autarquia encarregou a Casa da Cultura a montar uma nova
exposição, desta vez de carácter permanente.
Esta mostra permanece visitável e grosso modo manteve a
estrutura delineada pelo director do museu Carlos Machado, acrescentando-se-lhe
uma exposição iconográfica, ou incluindo um ou outro objecto posteriormente
"descoberto". (27)
Desde Janeiro de 86, ou pouco depois, a autarquia tem
colaborado ou tomado a iniciativa em diversas actividades de um modo mais
sistemático do que dantes. Destacamos, além das já referidas, as seguintes
actividades: - organização do arquivo da Confraria do Santíssimo Sacramento,
hoje de novo desorganizado, devido a um imprudente rearranjo de espaço sem a
orientação do técnico competente; sondagens e outras intervenções arqueológicas
no interior do templo suas dependências e envolvente externa; estudo do Arcano
Místico tanto no ponto de vista histórico, como laboratorial, como ainda sob os
aspectos da conservação, restauro e exposição, bem como a elaboração de toda a
proposta museológica que enquadre o património paroquial; estudo, conservação e
restauro do presépio movimentado; tratamento e exposição e estudo de todo o
espólio recolhido nas acima referidas escavações, sobressaindo a descoberta de
um notável conjunto de azulejaria policroma seiscentista padronada, hoje
exposta no núcleo museológico da Casa da Cultura, ou ainda a reconstituição de
parte dos painéis azulejados de capela-mor arrancados e dispersos no século XIX
, estudo sob o ponto de vista da história da arte e da arqueologia da igreja
barroca do Espírito Santo, dos Passos Quaresmais e ermidas da área paroquial.
Concomitantemente a autarquia promoveu a realização na ilha junto das escolas e
em alguns círculos de imigração açoriana no continente norte-americano do
arcano, do presépio, entre outros. A câmara colaborou e liderou, por iniciativa
do pelouro da cultura, na aquisição da casa do Arcano. (28)
Mais importante do que simples enunciação de tudo o que
se fez, será a ilação que dela podemos retirar. Em primeiro lugar, ao longo
deste processo, reforçou-se a vontade paroquial em pôr à disposição do concelho
os seus recursos e, da autarquia, em contrapartida, disponibilizar os seus.
Será que o novo elenco autárquico terá o mesmo entendimento?
Em segundo lugar, a agregação, em torno dos vários
projectos, de um razoável grupo de paroquianos que prenunciam colaborações
futuras, designadamente no projecto, ou na segunda fase, do museu. Até ao
momento as coisas têm sido feitas informalmente, a partir de agora, devem ser
feitas formalmente, afim de conferirem e imprimirem uma acção contínua,
concertada e racional. Será o passo lógico a dar. Porquê?
Porque a complexificação das futuras tarefas que incluem
a readaptação de um edifício a museu e estruturação dos recursos disponíveis
pelas razões já invocadas, assim o recomenda.
Alguns apontamentos e reflexões
prévias sobre a
gestão e administração do projecto
do museu paroquial
Tem de haver uma estrutura, menos pesada e o mais
flexível possível, para potenciar os recursos disponíveis, não só geri-los como
angariá-los. Referimo-nos aos recursos humanos, na nossa óptica os mais
importantes, e os financeiros.
Ahmet Aykac, economista do Insead, Instituto Europeu de
Administração de empresas em França, por encomenda do P.N.J.D. (UNESCO) visitou
museus da América Latina, nomeadamente, Peru, Equador, Colômbia e México, para
estudar a ligação da política económica aos museus. Em 1986 (?) foi publicado o
resultado da investigação intitulado "Política Económica aplicada a los
museos Y su financiamiento, análises preliminar" (29)
Quais são os benefícios de se ter um museu? Benefícios
sociais, não no sentido militante quase político ou partidário de alguns museus
latino americano, veja-se não só as actas da mesa redonda de Santiago em 1972,
como também algumas experiências museológicas no seu seguimento, mas de cidadão
inserido numa comunidade cuja realidade difere das demais e difere da da
América-Latina. Todavia, este trabalho que, ou que creio, vem na peugada da
orientação de Caracas em 1982, responde a questões comuns a qualquer tipo de
museu. (30)
"La administracion de um museo vá más allá del
concepto general de una administracion básica, por historiadores del arte,
antropólogos o museologos, y reclama em conocimiento funcional de funcinamento
y economía" Ahmet Aykac (31)
Ligado a um contexto cultural mais próximo do nosso,
surge-nos a reflexão colectiva sob a direcção de Michel Côté, publicada pelo
Musée de la Civilisation, Universidade de Laval, no Quebeque, em 1991, sob o
título de "Musées et Gestion". (32)
Ao contrário de Ahmet Aykac, que era como vimos economista, o grupo de reflexão do
Quebeque, tinha toda uma formação e uma experiência museal. Enquanto um
reflecte de fora os outros reflectem de dentro, enquanto o primeiro debruça-se
sobre a América Latina os segundos sobre o Canadá francófono. A partir desta
base e deste elenco de reflexões devemos adaptar a nossa gestão à realidade da
paróquia de Nossa Senhora da Estrela, pois, e perdoem-nos a relutância, ela não
é o Quebeque nem a América Latina.
Gostaríamos de sublinhar, antes de avançarmos para o
problema concreto do nosso museu, o seguinte:
1 - " Un
musée existe d'abord et avant tout por le public." (p. 8) (33)
2 - As
estruturas adequam-se aos programas e não vice-versa.
3 - "
La gestion du secteur des musées devrait donc s'inspirer du modèle de la
gestion d'entreprise, tout en sachant élaguer ce qui ne peut lui servir dans
son contexte particulier. " (p. 45) (34)
O móbil não será o lucro, visto o museu ser entendido
como uma instituição permanente sem fins lucrativos, mas a eficácia dos seus
projectos e programas, sejam eles o estudo, a recolha, a conservação e o
restauro dos bens patrimoniais da comunidade, seja a comunicação eficaz com o
publico. Como se poderá avaliar a eficácia? (35)
Sabê-lo é tão necessário quanto difícil. O número de
visitantes é um bom índice, mas não o único, a participação dos patrocinadores
outro, o dos voluntários ainda outro, mas não chegam para explicar toda a
complexidade do trabalho museal.
Cada museu terá de ter uma estratégia de avaliação, pois
este é simultaneamente o guia e o juiz do museu serviço público. Cada projecto
tem de ser avaliado em si mesmo de acordo com os objectivos que se definiu.
Vamos ver dois exemplos concretos.
A oficina do museu da paróquia falhará ainda que receba
muitos visitantes mas que não consiga formar artesãos e estes, por seu turno,
falharão se não conseguirem por em prática as suas manufacturas.
A exposição permanente do arcano receberá uma nota baixa
se, por exemplo não conseguir agradar os visitantes ainda que consiga conservar
aquele espólio, porque ela tem como objectivo proposto, conciliar ambos. O
mesmo se dirá do projecto da oficina o mesmo se dirá de outros projectos. Há
quem diga que só se consegue avaliar o ponto de partida, nunca o ponto de
chegada. (36)
Quais os recursos materiais que dispomos ou precisaremos
para já.
Cientes de que é importante traçar já a estrutura
administrativa e definir e aprovar o seu quadro orgânico institucional, antes
de mais e antes de passarmos aos programas de financiamento, detenhamo-nos a
tecer algumas considerações sobre o primeiro ponto.
Por iniciativa do senhor padre, convidar-se-ia um grupo
de paroquianos cujo perfil se adequasse às tarefas a executar: alguém com
formação jurídica que organizasse os estatutos, orientasse a tramitação da
pretendida classificação de Interesse concelhio a Casa e o Arcano assim como o
presépio movimentado, trabalhando em equipa com um elemento formando em direito
canónico, um elemento com formação em gestão e administração fazendo equipa com
o museólogo, pois tal como vimos é preciso conciliar as vertentes museal e
empresarial, tendo como objectivo a angariação e gestão de fundos para as
obras. Finalmente, mas igualmente importante, alguém que tenha influência e
acesso ao poder político e empresarial. Á medida que as tarefas fossem sendo
substituídas por outras substituir-se-iam os elementos alargando-se a sua participação,
de resto prevista nos estatutos, a todo e a qualquer paroquiano. Assim
evitar-se-ia (tentar-se-ia, ao menos) salvaguardar este projecto de cair num
indesejável elitismo.
Tendo assento neste conselho mas chefiando um organismo
autónomo, dependendo hierarquicamente dele, criar-se-ia o cargo de responsável
pelo museu, tendo como funções, de imediato, a elaboração e o acompanhamento de
todo o programa museal. Numa segunda fase, a inicialmente comissão instaladora,
passaria, de acordo com o estatuto, o conselho de administração para os
assuntos culturais da paróquia. (37)
Desejavelmente o responsável pelo museu deve ser alguém
com formação museológica e com ele deverão colaborar, em regime de permanência, três animadores e outros tantos
auxiliares, estes poderão ser
voluntários se não se conseguir verbas para os seus vencimentos. Bom seria que
constituíssem, os auxiliares, um núcleo permanente. Dos animadores, um
ocupar-se ia da área das exposições, os outros dois, um ficaria com a oficina
do presépio e o outro com a do Arcano. (38)
Os animadores poderão ser requisitados à Secretaria
Regional de Educação e Cultura, que entre os professores dos diversos graus de
ensino, e depois de concurso público, destacaria os voluntários que
preenchessem os requisitos, conforme constaria dos termos do citado concurso.
Grosso modo os professores destacados para as oficinas deveriam ter formação na
área de trabalhos oficinais e na área de exposição que incluiria igualmente a
animação dos outros núcleos do museu, viria preferencialmente da área das
Ciências Sociais e Humanidades. Creio que a referida Secretaria, através da
direcção escolar, destacou para a Ribeira Grande e para a Biblioteca Juvenil,
em colaboração com a autarquia uma educadora de infância, o que constitui
motivo de esperança quanto à sua adesão ao nosso projecto.
Junto a cada um destes três animadores, deverão, já o
dissemos trabalhar voluntários, possivelmente os elementos mais disponíveis da
paróquia, formados, residentes no lar da terceira idade, estudantes e donas de
casa com algum tempo disponível.
Sobretudo os do lar, ali a dois passos, estão desejosos
de fazerem qualquer coisa que os motive. Outro grupo a sensibilizar seria a das
catequistas paroquiais. Estes seriam porventura, os alvos preferenciais. Muito
do sucesso dependerá do bom relacionamento social do pároco com os seu
paroquianos e da capacidade de diálogo entre o responsável pelo museu e estes.
Não há programa que resista à falta de vontade, pior ainda, ao mau
relacionamento.
As oficinas teriam duas componentes. Uma de produção para
venda local outra para eventualmente ser escola de artesanato. Permitam-me duas
observações primeiro, não tenho dúvidas de que a oficina de artesanato pode ser
uma escola, no sentido habitual do termo. Segundo, apesar do museu não visar o
êxito comercial, tal não invalida o facto de a oficina vir a dar. Um museu
privado como o são os museus paroquiais, quanto menos for um peso melhores
hipóteses de sobrevivência terá. E a sobrevivência deve ser uma das preocupações
do responsável pelo projecto. (40) Já agora e a talhe de foice, outra das
preocupações deverá ser a manutenção de níveis de qualidade sem os quais
nenhuma instituição deveria ser considerada museu. Nos Estados Unidos existe o
sistema de "accreditation". Um exemplo notório de êxito comercial de
uma iniciativa do museu é Castelo Branco e as suas colchas. (39)
Quanto à componente pedagógica, para além da escola de
artesanato com alunos e programas próprios e abertos à comunidade, na qual e de
acordo com as necessidades, os alunos pagariam uma inscrição inicial para fazer
face às despesas de materiais de apoio, ou então trariam o material, as
oficinas serviriam sobretudo na quadra natalícia, como aula de trabalhos
práticos para os catequizandos. Fariam o presépio, por exemplo. Não gostaria,
todavia que esta componente afugentasse os que não fossem católicos ou não
fossem praticantes, apesar de a comunidade ser bastante homogénea em termos
religiosos. (41)
Como se comercializaria e quem lucraria com o seu
produto? Contas querem-se bem feitas e transparentes, para isso torna-se
necessário estabelecer regras aceites por todos, e uma escrita correcta. Não se
deve excluir, e isto é uma regra de gestão racional, a mudança sempre que ela
se torne necessária, porém tal deve ser decisão do conselho de administração
ouvido e responsável pelo museu. O produto realizado no museu ou através dele
só pode ser aplicado no museu.
O voluntário não recebe salário, mas poderia ser
recompensado, para além do reconhecimento público; seriam presenteados com
bilhetes de excursão para visitarem diversos pontos da ilha, seriam convidados
para as festas de natal... Tal dependeria um pouco dos gostos dos voluntários
das disponibilidades do museu e da sensibilidade do responsável, característica
determinante para qualquer cargo de chefia.
Os animadores, profissionais destacados, receberiam o seu
salário da sua tutela, mediante acordo celebrado. Não vejo, num futuro próximo,
a não ser que o projecto constitua um sucesso comercial, cenário pouco previsível
mesmo nas estimativas mais optimistas, pelo que têm de ser pagos por outra
entidade. Os dois animadores ligados às oficinas, poderão trabalhar a tempo
parcial em horário pós laboral, à noite, por exemplo como nos cursos de
formação permanente. Ou serem pagos através da Secretaria dos recursos humanos
e juventude, através do Centro de formação profissional das Capelas, ao abrigo
do programa de primeiro emprego. Infelizmente, têm saído da Universidade dos
Açores, sobre tudo na área de História, licenciados que não terão colocação
assegurada, pois esta área disciplinar encontra-se saturada. Esta iniciativa
poderá ser uma alternativa.
Numa comunidade em que os trabalhadores não abundam o
voluntariado pode ser encarado com ressentimento. Sendo um facto a ter em
conta, não basta sermos prudentes é preciso estarmos atentos. se calhar, por
ser da paróquia, por ser usual este tipo de relação, não se faça sentir estes
sentimentos. Evitá-los é contribuir para a adesão da paróquia ao projecto.
Reconhecido o interesse público da casa do arcano, do
arcano, do presépio, reconhecido através da classificação, a entidade e o
reconhecer, a autarquia poderá ajudar a debelar este obstáculo previsível. (42)
Os montantes provenientes da venda do artesanato
produzido nas oficinas do museu, das entradas e de outros serviços,
destinar-se-ão, em primeiro lugar para comprar novos materiais, em segundo
lugar para fazer face às despesas das exposições, em terceiro lugar para os
pequenos reparos de rotina ou outro material como lâmpadas, vidros, etc. A
hierarquia das aplicações será diferente sempre que o responsável achar que uma
coisa é mais urgente do que outra. O museu paroquial deve, contudo, fazer uso
do auxilio do município, conforme deve ficar estipulado no protocolo assinado
para, numa primeira fase, adaptar a casa do Arcano a museu paroquial, para
manutenção e outros que poderão vir a ser considerados, por ambas as partes,
convenientes.
Se, porventura, algum artesão quiser utilizar a oficina
do museu, deve ser estabelecido com ele acordo, no qual se preveja alternativa.
Poderá, se para tal tiver jeito ou inclinação, eventualmente dar aulas, como
deverá pagar uma pequena taxa de utilização e pagar uma percentagem do produto
daquilo que faz a venda no museu. Estas são só algumas linhas gerais, simples
pontes de partida.
Já que afloramos a questão das entradas, devo dizer que
sou apologista que se pague um montante que não seja nem irrisório, que não
valha a pena, nem que seja demasiado e desmotive as pessoas. Dever-se-ão estabelecer
vários preços consoante os dias da semana, as idades e o número das pessoas do
agregado familiar. Ninguém que não tenha dinheiro e que manifeste o desejo de
ver o museu, deixará de o ver. Haverá um dia para a paróquia e para os
paroquianos. O preço máximo por pessoa seria algo entre o preço e um café e de
um jornal diário local? Crianças com menos de dez anos não pagariam. As escolas
também não quando em visitas de estudo. Os grupos acompanhados por guias das
agências, normalmente em camionetas de excursão, teriam uma tarifa que
eventualmente poderia variar conforme o período do ano. Também aqui mais não
faço do que lançar algumas pistas iniciais.
Numa primeira fase, enquanto mesmo se elaboravam os
estatutos e se preparava e seguia as obras necessárias, o museu começaria a
funcionar. Independentemente do edifício estar pronto poder-se-ia continuar a
promover visitas ao arcano, ao presépio movimentado e, um ou outro ensaio de
percurso guiado às ermidas e aos passos, apesar de que nesta fase ser necessário
convergir esforços para que o programa museal se cumpra na sua tradução
arquitectónica a contento do museólogo como do seu "colega"
arquitecto e da paróquia. É essencial haver uma boa coordenação durante as
obras. O arquitecto e o museólogo são os responsáveis da execução e a comissão
ou o conselho administrativo da paróquia será a gestora da obra. Não sendo o
que se tem a fazer algo que interesse a grandes companhias e dado o carácter
tradicional de certa obra de recuperação creio que se deverá contratar nestes
com bastante experiência e que ainda dominem aquelas técnicas ou que, pela sua
experiência, as consigam recuperar.
Organização concreta das casas
onde ficarão instalados o Arcano
e o presépio movimentado.
O projecto museológico, ou melhor o programa museológico,
será entregue ao arquitecto Sommer Ribeiro, como trabalho curricular da cadeira
"Instalações, equipamentos, exposição e interpretação". Para já e
além das leves pinceladas que esboçamos sobre a vocação deste museu darei
outras tantas sobre o seu programa tanto mais que ajudará a perceber e a
esclarecer certos problemas de gestão do mesmo.
No primeiro andar, proceder-se-à o rés-do-chão e o sótão
com uma pequena área disponível. O rés-do-chão é constituído por antigas lojas
onde a Madre Margarida guardava os seus cereais o vinho e demais produtos e
apetrechos de uma casa desafogada da aristocracia rural da Ribeira Grande
oitocentista.
A casa do Arcano foi mesmo a casa onde a autora o fez lá
morou de 1832 a 1858. O seu Testamento e o codicilo anexo dizem-nos como teria
sido a sua casa e a vida nela. Na parte superior deverá ficar o arcano, aliás
onde foi feito e esteve exposto até 1869, se não nos falha a memória, no
rés-do-chão a secretaria, as oficinas, o balcão de vendas, uma área de repouso
e os lavabos. O programa está condicionado pelas dimensões de uma casa média de
habitação que não é o suficiente para aquilo que de inicio pensei.
Tem um pequeno quintal e uma minúscula casa anexa a
poente que, tal como a casa principal, se encontra em ruínas, do lado nordeste
havia outra casa anexa que não pertence à paróquia e que foi transformada numa
funcional mas inestética garagem.
Do quintal aproveitar-se-ia o espaço que sobrou para dele
se desfrutar o magnífico panorama da baía em frente? Haverá espaço para
reconstituir a sua latada de uvas brancas, o seu canteiro de malmequeres, de
ervas caseiras e medicinais? Conseguiremos salvar a figueira? Ainda subsistem
os vestígios do curral dos porcos e da pia de lavar roupa. A cozinha lajeada
mantém o seu forno de pão. A loja da lenha de piso térreo húmida e escura
também se mantém.
O presépio movimentado enquanto não se fizer o salão
paroquial ou criar outro espaço independente ficará depositado na Casa da
Cultura onde está há nove natais e onde foi salvo, pois, de 1875 a 85,
sensivelmente, período em que não se tendo montado se deteriorou a tal ponto
que foi necessário substituir mais de sessenta por cento dos seus materiais e
algumas peças só foram possíveis de reconstituir através de testemunhos
fotográficos.
Devia constituir um estrutura autónoma de exposição
natalícia ou então, seguindo o modelo que a Casa da Cultura adopta. Mantém-se
todo o ano montado, refrescando-se um outro conjunto, inclusive a construção de
um elemento novo.
A secção de arte sacra ficaria na sacristia onde está,
porém, ainda que seja um local bem protegido, tem barras de ferro nas janelas,
tem de partilhar o espaço com a sacristia, pelo que seria bom encontrar uma
solução.
Ainda há na paróquia uma corrente de opinião que acha que
todo o espólio de arte sacra, o presépio e o arquivo devem ir para a casa do
Arcano. Tal não é possível dado as condicionantes do espaço e do programa
museológico. O presépio, se se encaixar no espaço da pequena casa anexa, poderá
ser incluído no programa, tanto mais que uma das oficinas é sobre o presépio e
o Arcano ser uma enorme maquineta de presépio. (43)
As ermidas e os Passos Quaresmais têm sido geridos por
alguns paroquianos que moram perto de cada um deles. São eles os zeladores, os
que os limpam, enfeitam e os mostram a um ou outro estudioso.
O interesse por estes espaços é enorme. Sempre que eles
se abrem por motivo de festas os forasteiros são os mais curiosos. Há dois anos
fez-se uma experiência que resultou.
Para além do roteiro, a acrescentar ao já editado pela
autarquia e mediante protocolo, dever-se-ia, para quem preferisse fazer a
visita sozinho, publicar um desdobrável, simples, barato e traduzido em alemão,
inglês e francês. O turismo alemão aumenta consideravelmente e talvez tenha
suplantado o americano, outrora aquele que vinha em primeiro lugar, porém, como
geralmente o alemão que nos visita fala uma segunda língua, designadamente,
inglês e francês, se houver falta de verba, só imprimiremos naquelas duas
línguas, ainda que o turista francês seja raro, ou em muito menor número. Os
turistas cujas línguas maternas são o inglês e o francês normalmente não falam
uma segunda, os primeiros, talvez, por o inglês ser "de facto" língua
franca, os segundos, porque, se calhar a sua pátria seja muito a sua língua
como disse Pessoa da nossa.
O sistema da chave na vizinha ao lado deve ser
aperfeiçoado, ao menos na época alta, ou seja de Junho a Setembro. Inclino-me a
sugerir que durante aqueles meses se oferecessem um ou dois percursos de
visitas guiadas com temas e horários distintos. Pedestres porque todos os itens
do roteiro ficam perto para uma pessoa normal que desfrute de saúde mediana.
Além disso o interesse reside igualmente naquele que denomino surpresas do
percurso. Ora pela observação de muito outros pormenores que ultrapassamos
desdobráveis. Ora pelo contacto directo com as pessoas, donas, herdeiras e
fieis depositárias da sua comunidade. Por exemplo, este Verão passado, umas
vezes parávamos em casa da padeira que cozia o pão no forno de lenha de porta
aberta, ou o moleiro no seu moinho, ou ainda o latoeiro e por aí adiante. Pelo
que tenho observado sou da opinião que, para ser bem sucedido, o roteiro deve
ser um misto, um equilíbrio, difícil é certo, entre o obrigatório e o
inesperado. O animador de percursos, terá talvez de se ater mais ao interesse
dos que tenta animar do que se preocupar em derramar a história bem memorizada
de cada edifício cada elemento do percurso. É evidente que este tem de conhecer
bem a sua terra. É a partir deste conhecimento, deste processo continuo, que
ele ou ela, sem complexos de inferioridade seja para com quem for, aberto ao de
fora, venha de onde vier, mostrará, tal qual qualquer pessoa na sua casa faz em
relação a quem a visita, a sua outra casa, a nossa comunidade. Tem de ter
sensibilidade, não basta saber o inglês, o francês ou o alemão, é preciso
gostar de pessoas e de conviver com elas. É preciso disponibilidade e muita
flexibilidade. Não temos dinheiro nem fizemos dinheiro mas fizemos amigos. Tem
sido hábito enviarem-se postais, cartazes, livros, convites para os visitarem e
até receber amigos recomendados dos que já nos visitaram. O segredo não é
escolher pessoas que saibam tudo sobre tudo mas saberem quem sabe quando não
sabem e não inventarem o primeiro dislate disponível que lhes passe pela
cabeça.
Receio bem que de agora em diante as coisas possam mudar
e que mudem para pior. Até agora temos tido alguns visitantes, cifrados em
alguns milhares, tem sido possível manter uma relação que diríamos familiar,
com o aumento do fluxo, o mesmo não se poderá passar. Como fazer face a esta
mudança previsível?
Bom, ao pensarmos nele, ao reconhecermos o facto, já
estamos a tactear a sua resposta. Teremos de envolver mais gente no projecto, é
certo, mas teremos de comunicar-lhes o espírito da equipa pioneira; como
conseguir criar a coesão numa equipa alargada, e sobretudo, transmitir-lhes
esse espírito? (44)
A autarquia e a paróquia devem cooperar nesse projecto
concertadamente de modo a rentabilizá-lo culturalmente. O mesmo se faria como
se tem feito nos últimos anos com os agentes de turismo que têm a sua sede em
Ponta Delgada. Desta concertação de esforços e harmonização de objectivos
resultaria o êxito de todo o projecto. Mas, repensar-se-á, como se conseguirá
conciliar a rentabilidade comercial das agências de turismo e os objectivos da
paróquia e da autarquia?
Acho que podem e devem ser complementários. Aquilo que o
professor Casal designa por culturizar o desenvolvimento e por desenvolver a
cultura numa óptica de crescimento, melhor dizendo, desenvolvimento, explica a
possibilidade e a desejabilidade da concertação de todos os interesses locais.
Isto não quer justificar ou aplaudir alguma actuação
instrumentalizadora de uma certa retórica em torno do aproveitamento do potencial
turístico de uma região, em nome de modelos sem quaisquer bases, em nome de um
progresso que se sente incomodado quando não copia “ipsis verbi” os padrões,
ditos, universais, esquecendo que desenvolver (pelo menos na óptica de muitos)
não é massificar, nem descaracterizar. Porquê esse arrazoado de ideias? Porque,
e em breves palavras, qualquer projecto museal que se pretenda desenvolver lado
a lado uma comunidade deve ter subjacente uma ideia de desenvolvimento. Sendo
difícil definir desenvolvimento para além da conotação tradicional de
desenvolvimento económico, convenhamos que desenvolvimento sem cultura,
entendida de um modo diferente do conceito antropológico, nos parece duvidoso.
(45)
A QUEM PEDIR AJUDA FINANCEIRA?
Poderão ser várias as fontes. A câmara e a Secretaria
Regional dos Transportes e turismo compraram a casa e ofereceram-na à paróquia.
Foi necessário o auxilio dos lavradores que habitualmente auxiliam a paróquia,
nomeadamente nas festas religiosas. É necessário agora mobilizar recursos
financeiros para construir o museu. Ou seja readaptação da casa dita do arcano,
secção de arte sacra, biblioteca e arquivo, presépio movimentado, o que for
preciso prover nas ermidas e passos do roteiro, equipamentos e toda a
divulgação.
Em primeiro lugar julgamos desejável que a autarquia se
continue a comprometer, desta feita, disponibilizando os seus técnicos na área
museológica e arquitectura, seja na fase do ante projecto como da fase do
projecto execução acompanhando os planos de pormenor os cadernos de encargos
tudo aquilo que dissesse respeito à obra em geral.
Em segundo lugar existem recursos disponíveis na
autarquia provenientes do chamado jogo do raspa explorado pela associação dos
municípios dos Açores.
Em terceiro lugar a autarquia, afim de beneficiar de
verbas do F.E.D.E.R. para a recuperação do Teatro Municipal, da criação do
arquivo e biblioteca municipais, entre outros equipamentos, deveria englobar
este projecto as outras entidades concelhias, nomeadamente a igreja, num
esforço algo semelhante ao que envolve no território continental o Leader I.
(46)
É evidente que o primeiro passo para a elaboração deste
projecto seria para além do seu conteúdo e objectivos a contabilização dos seus
custos estimados.
Outros organismos poderão, se devidamente sensibilizados,
entrar, tanto mais que na região Açores nunca se gastou tudo o que a U.E. põe à
sua disposição por falta de projectos candidatos.
Pelo que podemos apurar através de pesquisas feitas no
Centro de Documentação Europeia Jean Monet e pelos contactos que nos tem sido
possível encetar tanto nos Açores como no Continente julgamos que poderá vir a
ser financiado tanto mais que os Açores estão incluídos na pouco honrosa mas
proveitosa área ultraperiférica o que significa mais verbas do fundo de coesão.
Existem mesmo, fundos específicos para os Açores, como o P.E.D.R.A.. Aliás
extensível a outros espaços comunitários tanto portugueses como de outros
parceiros. (47)
Nos Açores existe na direita dependência da Presidência
do Governo Autónomo a Subsecretaria Regional da Cooperação Externa, Gabinete
Coordenador de toda a ajuda comunitária. Depois cada secretaria que analisa os
projectos da sua área da tutela. Assim o que estamos a discutir poderia ser
encaminhado através da Secretaria da Cultura, do Turismo e da Juventude e
Recursos Humanos.
Depois de se definirem os alvos e deles responderem
estaria a acção lançada.
Outras fontes, porém, poderiam ser tentadas, seja para
esta fase seja para as posteriores. Depois deste Museu ter capacidade jurídica
mecenato não seria de excluir. (48)
Suponhamos agora que a U.E. aceite a considera aceitar o
projecto. Uma das primeiras coisas fará é obter que as entidades candidatas
possam assegurar os 45% do custo total do projecto e que tenham capacidade,
nalguns casos, para avançar com verbas nos primeiros seis meses, ás vezes até
excede aquele período. Ultimamente tem sido quase a regra, tanto mais que tendo
em certos fundos havido suspeitas ou factos comprovados de irregularidades, as
inspecções comunitárias removem céus e terra para se certificarem da legalidade
de todo o projecto. Só então a burocracia avança com uma primeira fatia dos
55%.
Ora, neste cenário, ou quadro de actuação, constata-se
que é preciso ter dinheiro. Para o obter muitos organismos vão há banca onde a
juros elevados obtêm a parte que necessitam.
Ora, basta ler os jornais, ouvir a rádio, ver a televisão
para nos apercebermos dos apertos e estrangulamentos financeiros das nossas
autarquias. Para quem achar que opinião publicada não reflecte a opinião pública
aconselha-se, então, uma conversa informal com qualquer autarca do nosso país,
seja de que partido for, seja de que região for. Se ele estiver, à vontade,
decerto dirá à boca cheia, e dirá que a sua câmara tem pouco dinheiro e que vai
ter menos. Nesta conjuntura, e eu conheço a especifica da minha autarquia, que
é o caso que agora me interessa, o caso assume alguma gravidade. Vender a
desejabilidade deste projecto passará, em meu entender por dois factores:
1 - Convencer
de que o envolvimento é integrado. Não há economia primeiro e à cultura de
seguida como se essa se trata-se de um simples luxo de gente alimentada.
2 - Reduzir
ao mínimo as verbas envolvidas e maximizar os recursos. A autarquia e os demais
organismos terão de ser convencidos de que investir neste projecto é investir
num projecto de desenvolvimento portanto prioritário ao nível, por exemplo do
saneamento básico? (49)
Já nos devemos ter apercebido que este projecto exigirá
dos seus intervenientes uma ideia clara do que querem e uma firmeza na sua
prossecução. Já não se trata somente de umas coisas que se fizeram quase tão-só
planeadas à mesa do café, na praia, ou nos anos de um dos nossos filhos, mas e
é bom que nem nos iludamos nem nos glorifiquemos, é preciso fundamentalmente
saber onde nos estamos a meter.
Há tempos que venho congeminando os aspectos práticos de
tudo isso, há tempos venho trocando impressões com quem tenho tido experiências
nesta área e todos me apontaram o dedo para a possibilidade, ou melhor a sua
viabilidade. É certo que o êxito dos outros não constitui, por si só, garantia
do nosso, mas o meditarmos sobre ele, ajuda.
Ver o lado negativo, no nosso caso, não significa desejo
de fracasso, mas de sucesso, prever os contras e pensar neles, e, sobre tudo,
resolvê-los, quanto antes, antes de serem intransponíveis, facilitar o sucesso.
A nível local onde todos se conhecem, os projectos
tornam-se a um tempo mais fáceis e a outro mais trabalhosos. Todas estas
congeminações agora, parágrafo atrás de parágrafo, aqui vertidas, num discurso
espontâneo, já acorreram, de certo modo, no café Central ou nas Poças da
Ribeira Grande. Estas questões foram questões que tivemos de ir, café a café,
respondendo. É mais humano do que trabalhar numa secretaria qualquer, mas mais
exigente, porque não há distância possível, nem desculpa piedosa, somos nós, eu
e eles, eles e eu. (50)
Vejamos o tão desejado mecenato. Se no Continente o
mecenato tem ficado aquém do desejado, tanto na primeira como na última versão
da Lei, o que dizer dos Açores?!
Além de quantias pouco significativas avançadas, quase
sempre, por entidades bancárias ou companhias seguradoras, com praça no
Arquipélago, ou ainda uma ou outra indústria do débil tecido empresarial
regional (é exemplo do que afirmo o que se passou no ano transacto com a
"Fábrica de Cerveja e Refrigerantes Melo Abreu" que, ao comemorar os
seus cem anos, organizou uma série de actividades no âmbito do marketing
empresarial), pouco mais haverá para nosso desespero. Veja-se as dificuldades
em se organizar o Festival de música dos Açores, quando se pretende que a
iniciativa privada comparticipe. E se se pensa que o alienante futebol leva a
parte de leão, o que levará, será uma minúscula parte do mesmo. Os clubes andam
de Ainás para Caifás para conseguirem manter-se à tona de água, sem quaisquer
possibilidades. Por exemplo - e já não no futebol - a primeira equipa açoriana
que conseguiu ter acesso a competições europeias, a equipa do "Volley
Clube de São Miguel", nem chegou a actuar por falta de patrocinadores! Ao
lado deste exemplo, existem outros com melhor desfecho: o ténis, o
automobilismo e o golfe.
Se, por hipótese, não for possível concorrer aos fundos
comunitários por não se ter obtido autorização da Assembleia Municipal para
este endividamento, creio que, mesmo assim, neste cenário cinzento, não será
nem motivo nem desculpa para cruzar os braços. Porquê?
Porque se poderia implementá-lo, por fases, de acordo com
os recursos disponíveis. A autarquia, em circunstâncias idênticas ou
semelhantes, tem fornecido a mão-de-obra, algum material e maquinaria. As
pequenas e médias empresas de construção civil da paróquia (registe-se que o
concelho possui o maior e o mais importante sector) poderiam, como já o fizeram
no passado, apesar da má conjuntura por que possivelmente passaram, contribuir.
As próprias indústrias locais, das quais destacamos a "Lacto
Açoriana", no sector dos lacticínios, ou das demais que estão no parque
industrial, ou no próprio comércio local. Se conseguirmos fazer passar a
mensagem de que o Arcano, de que o Presépio Movimentado e os outros elementos
do proposto Museu Paroquial vão trazer à cidade mais gente que esta gente,
tendo razões para ficar mais tempo, terá mais razões para gastar no comércio
local, em produtos locais, talvez consigamos alguma colaboração. A Ribeira
Grande, a este respeito (refiro-me a atractivos diversificados e apelativos),
deve ser o primeiro concelho dos seis existentes na Ilha de São Miguel. Possui,
por exemplo, no âmbito da gastronomia, o pão caseiro, o chouriço, os canários,
o cozido das Caldeiras. Na doçaria as súplicas e os confeitos. Nas bebidas e
licores, o chá e o licor de maracujá. Entre as muitas outras coisas, aliar tudo
isso aos diversos elementos patrimoniais é o nosso objectivo. É isso que, em
parte, entendemos como sendo um projecto comunitário. Tal não foi tão difícil
de explicar, como está sendo o facto de que o Museu não é só isso, que o Museu
tem de ter inevitavelmente - enquanto a ele forem confiados os testemunhos do
passado - uma responsabilidade de conservar, de estudar, de expor e que tudo
isso o obriga a fechar-se, para se abrir num equilíbrio quase nunca estável.
Como explicar um museu a quem nunca o teve? Haverá um limite a partir do qual
aquela instituição deixará de ser museu? Eu creio que existirão condicionantes.
O museu não pode vir a ser tudo aquilo que pessoas que nunca trabalharam em
museus, mas que os tutelam, ser o que aqueles que neles trabalham querem que
seja. Algumas consequências teóricas da chamada sociomuseologia, a breve trecho
irão produzir uma ruptura epistemológica na museologia, tal como a arte - o
perecível - já o coloca. Um museu sem objectos, será possível ainda ser museu?
Neste momento, não sei se isso será útil ou não.
Resta-nos agora reflectir na formação do pessoal que irá
trabalhar no projecto.
FORMAÇÃO DO PESSOAL
Este aspecto deveria se encarado, globalmente, no âmbito
das necessidades da Ilha e do Arquipélago. Era notório, até há bem pouco tempo,
a falta de técnicos superiores em museologia nos Açores. Houve, primeiramente,
o Dr. Baptista de Lima, no Museu de Angra, e os conservadores de Ponta Delgada.
De há tempos a esta parte a "D.R.A.C." (Direcção Regional dos
Assuntos Culturais) tem vindo a colmatar esta lacuna. Em poucos anos
formaram-se vários museólogos em diversas instituições e em diversos cursos
administrados na cidade de Lisboa. A curto prazo, se lhes derem apoio, a
museologia açoriana irá sofrer uma reviravolta. É certo que a museologia tem
sido o campo de acção de alguns outros, com propostas e práticas diferentes.
Se a este nível se tem feito muito, pouco ou nada existe
em relação aos auxiliares técnicos e, nada mesmo, em relação à animação museal.
Já houve na Ribeira Grande um curso, financiado pelo
"F.S.E.", de animadores culturais mas, infelizmente, de muita parra
... pouca uva houve! Pela Ilha fora - e na euforia do "F.S.E." -
outros cursos houve sobre esta temática; porém nenhum sobre uma perspectiva
museal. Em muitos casos foram frequentados sobretudo por jovens à procura do
primeiro emprego. No final dos cursos, como não se abriram perspectivas de
emprego na Região, vê-mo-los hoje aos balcões de bancos e de companhias de
seguros. Mais recentemente, o "C.N.C." (Centro Nacional de Cultura)
agindo sobre os professores da Região e porque tinham à sua frente com provas
dadas, conseguiram, felizmente, animar os professores, pela primeira vez,
decididamente numa perspectiva patrimonial e museal, produzindo frutos. Na
"Escola da Ribeira Grande", que conheço melhor, assistiu-se a uma
série de actividades derivadas desta acção. Pena é não ter continuado. Quando
penso no projecto do Arcano, penso logo no modo como poderei trazer esta gente
à minha «levada».
Reconheça-se que é preciso ir mais além do que já foi
possível ir, organizando um curso superior de animação museal, via
profissionalizante. Para além dos técnicos superiores, deveríamos investir na
formação dos quadros auxiliares de animação, como, ao que suponho saber,
existiu, ou existe, em Setúbal.
Seria bom que, para promover museologicamente as Ilhas e
acompanhar a já referida leva de conservadores e museólogos, formados pela
Região, que a "D.R.A.C." promovesse, quanto antes, um curso naquelas
áreas, ou que facultasse, a quem desejasse, a formação no Continente. Não quero
dizer que ela, só por si, organize estas acções mas que comece a envolver a
entidade que, para tal está vocacionada na Região, ou seja, a
"Universidade dos Açores". É este o organismo que deverá protagonizar
este processo, designadamente com a criação de um curso de museologia ou, numa
primeira fase, administrar cadeiras de museologia no âmbito do Departamento de
História, Filosofia e Ciências Sociais (suponho ser este o título
correspondente ao mesmo). Porquê a Universidade? Porque acho que é ela que
detém a capacidade, para além da vocação, para o fazer. Ao poder político, com
a autonomia da Academia, competirá sensibilizar; à Universidade competirá, por
seu turno, captar as necessidades da comunidade em que está inserida e dar-lhes
resposta. O "C.I.F.O.P." (Centro de Formação de Professores), também
poderia, atendendo à nova filosofia da área escolar, ministrar algumas cadeiras
no âmbito, sobretudo, da animação patrimonial.
Mas, para coordenar tudo isso, ou melhor para ir também
sensibilizando, necessário se tornaria (e já o dissemos em 89) (56) que, por
parte da região surgisse um Instituto Regional de museus e por parte dos
museólogos se criasse uma delegação activa da A.P.O.M.. Que ambas organizações,
promovessem um intercâmbio com o exterior ora com a deslocação de técnicos da
região ao exterior ora convidando técnicos de fora. Só a este nível e com a
constituição de um banco de dados sobre toda a bibliografia museológica
poder-se-á dar o passo seguinte. O Dr. Baptista de Lima; a quem os Açores devem
muito mais do que pensam, nesta área, como delegado da A.P.O.M. nos Açores
tentou numa altura em que nos Açores não existiam os museólogos que hoje já lá
existem, tentou debalde.
E no seminário Diocesano que tipo de formação patrimonial
recebe o futuro pároco, principal gestor e responsável dos bens paroquiais?
O que faz a este respeito a autarquia? Quanto ao segundo
caso direi que em dezanove existentes nos Açores só duas apoiaram a formação de
técnicos nesta área; Angra e Ribeira Grande. Porém tal não traduz a dinâmica da
museologia a nível autárquico. Veja-se o Nordeste, Vila Franca do Campo, e
Lagoa. Dado a sua especificidade, seria bom que os museus de autarquia bem como
os da igreja se organizassem em núcleos, os primeiros na A.P.O.M. os segundos
se o entendessem.
Quanto à formação ministrada no seminário pouco pude
adiantar, apesar de ser assunto interessante, a não ser, segundo o entrevistado
que já referi, que, os seminaristas têm uma cadeira de História da Arte. E em
termos de oficinas ou centros de restauro? O seminário dos olivais terá um
pequeno. É tudo quanto sei. Nos Açores nada, porém servem-se do da região.
Sendo os museus guardiões do património material da comunidade e sendo este
dependente da conservação e do restauro não se compreende bem em termos
racionais que a região não esteja não coberta por uma rede de pequenos postos
de primeiros socorros das peças já que o arquipélago tem nove ilhas e terá,
pelo menos, um museu em cada uma, não contando com os autárquicos e paroquiais
ou sob a tutela de outras instituições. Um só centro, estamos de acordo, que
sirva todos os museus e particulares, também estaremos, grosso modo, de acordo,
um curso ministrado de quando em vez e a ausência de quaisquer outras
estruturas, a nível básico, pelo menos, já não podemos concordar. A conservação
preventiva, parte mais importante da conservação faz-se no local, não no
centro.
A igreja, detentora do mais rico e mais variado
património de arte das ilhas deveria, no seu entender cuidar mais da formação
dos seus futuros pastores. Para além das noções gerais e básicas deveriam
formar, tal como outras entidades o fazem, alguns especialistas para
trabalharem nos seus museus como para pertencerem ao conselho de arte
diocesana. Em todo o caso têm surgido padres com alta sensibilidade para a
museologia e para o património. Em 1929 (não tenho de memória) o P. Ernesto
Ferreira propõe a criação do museu etnográfico em Vila Franca do Campo. O P.
Júlio da Rosa é o grande obreiro do museu da Horta, o P. Lopes, na Terceira e o
já citado P. João Flores, na Ribeira Chã.
POSFÁCIO
Propusemos um novo olhar sobre o património cultural da
paróquia. Evoluímos, em relação ao que propuséramos em 1990, pois neste olhar,
já vemos o Arcano integrado no todo patrimonial. O contacto com toda a sua
extensão patrimonial fez‑nos, sem dúvida, avançar para uma perspectiva mais
globalizante.
A paróquia assume o seu património. Propomos uma outra
maneira de apreender o património. Tentamos experimentar uma nova filosofia
expositiva adaptada à realidade específica daqueles espaços polinucleados e
ainda activamente religiosos.
Talvez daí decorra que devamos sobre eles incidir um
olhar diferente do habitual. Do habitual dos museus, registe-se. Talvez se
conclua que esse novo olhar seja mais autêntico. São elementos patrimoniais no
seu ambiente cultural vivo e actuante.
Do olhar anterior talvez se possa concluir que a divisão
entre arte popular e erudita tenha de ser repensada e daí toda a museologia da
arte. São os objectos vivos de pessoas vivas, não os objectos mortos de pessoas
mortas. Objectos e todo o mais.
Neste ponto hesito. Tratar-se-á de uma visão da
antropologia histórica ou da história da arte? Em todo o caso, as coisas
deverão ser apreendidas por si sós e em relação às outras não hesitando em
viajar no tempo e no espaço.
São também ideias para gerir todos esses espaços e as
suas manifestações. Este museu não só aproveitará o património que já nos
referimos mas o outro que decorre da sua vida quotidiana, ou seja, as suas
festas, a sua componente dita profana. Portanto, para além da animação
patrimonial decorrente das oficinas, do Arcano, do presépio e dos percursos
teremos outra actuação. Uma , mais directa, passará pela programação do museu
para os tempos fortes da paróquia. Outra, mais discreta, aproveitará estas
mesmas festas, a sua animação própria, para, não numa perspectiva de história
ao vivo, propor a quem visite a paróquia nestas alturas, a oportunidade única
de sentir o pulsar do coração de todo o património da comunidade. Aqui não
intervimos a não ser no sugerir o olhar, pois de outro modo invadiríamos a
esfera do culto ou cairíamos no folclore.
Poder‑se‑ia argumentar que uma gestão paroquial não
diferirá de outras gestões a não ser na sensibilidade que poderá trazer.
Diremos que é o quanto basta.
Resumidamente, diríamos que, e como fio condutor, falamos
mais sobre o que queremos fazer do que aquilo que já fizemos. Reflectimos sobre
o que discordamos e o que concordamos deixando muito em aberto . Fizemos,
sobretudo, uma proposta. Basicamente neste trabalho sugerimos:
1 ‑ A criação do
museu paroquial.
2 ‑ 0
estabelecimento de um protocolo de cooperação com a autarquia e outras
entidades paroquiais a fim de melhor gerir o património e dar‑lhe uma função
museal aberta.
3 ‑ Um modelo de
museu paroquial polinucleado.
4 ‑ A
classificação do Arcano, da casa do arcano e do presépio movimentado.
5 ‑ Pequenos
estratagemas de gestão
Não pretendi dar a última palavra sobre o assunto mas uma
outra, sem fugir, conscientemente, pelo menos, a nenhuma questão. Julgo ter
deixado claro que para além das linhas mestras aqui delineadas, muito do resto
se irá fazendo ao longo do projecto. E, finalmente, tentei elaborar um projecto
o mais simples possível e o mais viável. Quis fazê‑lo descomprometido daí que o
fizesse como aluno e como paroquiano e não como funcionário? Não, fi‑lo
comprometidamente enquanto cidadão paroquiano.
NOTAS
(1) Lanço
a sugestão do seu nome por mo parecer não só o mais justo como o mais adequado.
Vejamos primeiramente ela foi a autora do Arcano, obra de maior renome na
cidade e na ilha desde que ele o fez
segundo porque teria sido a casa do Arcano a primeira exposição semi-pública
com carácter permanente tanto na ilha como no arquipélago. Tanto quanto a
investigação nos permitiu ir confirmamos esta hipótese. nos anos quarenta da
centúria de oitocentos. Madre Margarida fez um apelo no "Açoriano
Oriental" para que os que a quisessem visitar não o fizessem antes de ela
completar o plano geral da sua obra. Pelo que sabemos a obra não se acabou mas
o público teimou em visitá-la. Ela própria segundo testemunhos escritos falava
com calor e com vaidade do Arcano. Quando lhe perguntam o nome da obra ela,
numa carta inédita endereçada a sua cunhada, responde: Arcano mítico assim o
chamam os que me visitam.
(2) Moura,
Mário Fernando Oliveira, "Rede Museológica na Ribeira Grande (e da) e
desenvolvimento de uma comunidade nos Açores: uma proposta de museu de
identidade regional", in património e museus locais, Nº 1/2 - II - Série
Junho/Dezembro de 1992 (escrito em 1989), Pags. 137 - 158.
A
minha experiência e o contacto com a dos outros tem-me feito alterar algumas
ideias porém, mantenho-a no essencial. parte substancial do que aqui se dizia
foi posta em prática.
(3) O
museólogo da paróquia é o "heterónimo" do museólogo municipal,
estando em pontos diferentes não deixo de ser o mesmo. Sou funcionário público
por profissão e paroquiano por opção.
(4) Casa
adquirida por ela em 1833, poucos meses após ela e as demais freiras terem sido
expulsas do convento e lá permanecendo até a sua morte em Maio de 1858. Por sua
doação passa a Confraria do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Estrela. Como no mesmo testamento se estipulava a venda desta
propriedade para com o seu produto ser instituída a festa de São João
Evangelista, a casa foi arrematada em haste pública em 27 de Abril de 1878. Se
não nos falha a memória foi adquirida e oferecida à paróquia em 1988.
Fica
situada a menos de cem metros da igreja matriz numa rua sossegada junto as
principais, a dois passos da praça do município. Dista da praia uns duzentos ou
trezentos metros.
(5) Resumidamente
diremos que a igreja Matriz actual, salvo algumas sobrevivências anteriores e
acrescentamentos posteriores, é de inícios do segundo quartel de setecentos.
Foram seus autores alguns dos padres que nela paroquiavam na altura da
reconstrução. Foram seus executantes mestres de obra locais, um da própria
Ribeira Grande outro da ilha Terceira. Desde 1504 existe uma igreja no local e
aventa‑se a hipótese de antes ter lá havido uma ermida. Da que se começou a
pensar construir em 1504 e que efectivamente se edificou, de pronto, em estilo
tardo‑gótico, os sismos foram‑se encarregando de destruir até que, tal como já
referimos, foi demolida. Em 1710 ou 11 a torre sineira estava pronta.
O
frontispício da igreja actual é de um estilo que, por um lado, segue a
simplicidade do nosso estilo chão, por outro ostenta apontamentos gramáticos
barrocos, sobretudo a sua decoração. Ainda assim muito simples. Uma edícula com
colunas pseudo‑salomónicas, frontão contra curvado.
(6) Algumas
ermidas já existiam no século XVI, possivelmente, alguma já antes, outras do
XVII e XVIII. Foram fundadas, ou pela nobreza local, ou pelas confrarias. A
igreja, da Misericórdia, mais correctamente a do Espírito Santo mas também
conhecida por igreja do Senhor dos Passos, propriedade da Misericórdia, começou
a ser construída em finais do segundo quartel do século XVIII prolongando-se,
quais obras de Santa Engrácia, pelo terceiro quartel. A sua fachada convença
com apontamentos borrominianos agita‑se prenhe de simbolismos. A enorme concha,
espaço côncavo, marca o contraponto a convexidade predominante. Tem mais a ver
com o barroco nortenho e com o barroco brasileiro do Aleijadinho do que com o
internacional ou nacional. O interior é exemplo das igrejas salão do
maneirismo. Este monumento é importante para a compreensão do barroco nacional.
Mas como um monumento não só responde ao historiador de arte este e os demais
edifícios e seu recheio devem servir para se explicar a história das instituições
e das mentalidades. Sobretudo o Senhor dos Passos é um bom exemplo da
interdependência de influência da talvez impropriamente chamada arte popular e
erudita. Onde começa uma e acaba a outra? Será que não se terá de repensar os
seus parâmetros actuais?
Os
Passos Quaresmais são pequenas ermidas, propriedade da irmandade dos Passos,
outrora pertença da misericórdia, e que foram construídos por aquela última
instituição em 1791 de pedra e cal copiando os que já então existiam na vila da
Lagoa. Vieram substituir os que todos anos se armavam, tal como suspeito que
aconteceu com a nova igreja. A arquitectura efémera a dar lugar à permanente.
Teriam tido os jesuítas, que tinham casa a dois passos, alguma coisa a ver com
aquele "Risco"? O facto das obras se terem prolongado no tempo não
terá que ver com a expulsão dos mesmos? São pistas. O animador patrimonial
local deve expor aos visitantes as dúvidas e evitar as certezas quase sempre
fabricadas por serem cómodas. Por vezes, para certas pessoas, assemelha‑se a
não saber, a ser um ignorante. Em ciência as perguntas são tão importantes como
as respostas, e a sinceridade boa política.
(7) Entrevista
efectuada no dia 28‑12‑93 no Patriarcado
(8) Em
harmonia e em concerto com o pároco, responsável máximo e administrador da
paróquia. O leigo se só for chamado a colaborar em coisas cuja decisão ele não
tomou parte, naturalmente tende a sentir, e com razão, que a paróquia não lhe
pertence.
(9) Ao
longo de toda esta reflexão uso reconhece‑o, de diversas formas para tratar do
conselho que há‑de presidir ao projecto, se ele for aceite, porém todas referem‑se
ao mesmo. O nome correcto há‑de ser escolhido por quem de direito. Limito-me
repetir o seu perfil, esse sim, constante.
(10) Como é voz corrente. Não estava na região quando tal ocorreu.
Isto não exclui que não devesse recorrer às fontes impressas para o confirmar.
(11) Tais afirmações poderão soar, e com alguma razão, às certezas à
posteriori, fáceis para quem não viveu no seu contexto preciso. Peço desculpa.
Porém, não deixa de ser pertinente alertarmo‑nos para a relatividade das
coisas. Assim talvez sejamos mais prudentes e porque não humildes.
(12) No início do século XX encontrei ecos de um museu do seminário de
Angra e dos Tesouros conventuais do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Além
destes já nos referimos ao da Matriz de Ponta Delgada, ao da Ribeira Grande e
ao da Ribeira Chã. Actualmente tanto quanto sei, o P.e. Medeiros Constância,
com a colaboração técnico científica do Dr. Néstor de Sousa, prepara um pequeno
museu na igreja de São Pedro em Ponta Delgada.
Recomendamos
para o enquadramento dos museus diocesanos e daqui os museus da igreja, a
leitura de um artigo de Ks. Wladislaw Smolén, publicado na revista Museum, vol.
XIX, nº2, 1966 pp.98-106, intitulado, " Les Musées Diocésains. Li este
artigo antes de entrevistar o Sr. cónego Lourenço.
Pesquisei
o que pude, o tempo foi pouco, sobre os museus da igreja no continente e no
todo nacional. O caso do museu diocesano de arte sacra do Funchal e o trabalho
que a Dra. Luísa Clode tem desenvolvido é paradigmático. O caso do museu
Machado de Castro de iniciativa da igreja e "nacionalizado" poucos
dias depois pelo estado pode servir de reflexão sobre a cobiça injustificada do
estado, tanto mais que a igreja , neste caso , não descurou o seu dever de
zeladora do património. Em 1911 a questão era política. Abordamos o caso do
museu de Fátima a ser organizado com o concurso da Gulbenkian. Falamos de
museus de Seminários, de paróquias do Cabido, da Mitra, enfim de todo o tipo de
museus da igreja. Pareceu‑me que o panorama não será tão catastrófico nem tão
brilhante, ficará, nalguns casos a meio caminho noutros mais para um lado do
que para o outro, mas sobretudo notei que faltava dinamismo e organização. A
falta de organização explicar‑se‑à pela independência de cada diocese e talvez
pelo conservadorismo da estrutura. Apesar de tudo existem sinais de renovação.
(13) Trata‑se de um exemplo de como o desenvolvimento se deve
processar com a cultura? Quero com esta questão significar que o cultivo de uma
certa nostalgia dos tempos idos pode alimentar positivamente a necessária
adaptação ao tempo actual. Deste diálogo pode surgir o desenvolvimento integral
à dimensão de cada um e de cada comunidade, de dentro para fora e não de fora
para dentro.
(14) Relendo este parágrafo acho que fui severo demais para com os
intelectuais, alguns, talvez o facto se deva a uma falha de comunicação. Numa
primeira fase, os grandes cabouqueiros locais, e, creio que nacionais, no que
toca ao estudo e divulgação do nosso património, foram amadores, muitos dos
quais excelentes. O amador é muitas vezes um autodidacta do tipo do Túlio
Espanca.
(15) Já há algum tempo venho acompanhando os chamados serviços
educativos por achar que o aspecto da comunicação do museu ser uma tarefa
essencial. Em 88, quando pela primeira vez saí da ilha após dois anos a
trabalhar na área museal, fiquei surpreendido com o que vi no museu de Setúbal.
A partir da minha entrada para a A.P.O.M e o I.C.O.M em 89, graças ao
patrocínio do Dr. António Oliveira e Dra. Margarida Oliveira, ao acompanhar os
vários congressos, pude quebrar o isolamento e encetar contactos preciosos. As
questões que aqui deixo em aberto podem parecer de alguém que presume ser um
especialista no assunto, o que não sou. Gosto é de pensar nas coisas antes de
as fazer, enquanto as faço e quando as deixo de fazer. Como toda a gente,
suponho. Quase toda a experiência que até ao momento encetei com a comunidade
visava essencialmente fazer nascer o museu.
Abriu‑se
a instituição às iniciativas da comunidade, tais como congressos, colóquios,
exposições e visitas a pedido das mais diversas entidades. As nossas
iniciativas foram planeadas em torno das solicitações acima referidas, algumas,
outras, em torno de datas e comemorações chave para vida do município e da
ilha, como seja o natal, o Santo Cristo dos Milagres, o dia 29 de Junho,
feriado municipal. Fizemos uma programação de fundo subdividida em dois tempos
fortes: período escolar, de Outubro a Junho, e, época turística, de Junho a
finais de Setembro. Nesta última, privilegiamos o tratamento dos que sendo
naturais da Ribeira Grande, moram fora dela, ou no estrangeiro, sobretudo
América e Canadá, ou no Continente português. Os primeiros são essencialmente
operários fabris, os segundos, são quase todos técnicos superiores.
Quanto
às escolas, temos ido a elas e elas têm vindo ter connosco. Por exemplo, de há
dois anos a essa parte, todos os novos professores, que são muitos, dado a
grande mobilidade derivado de vários factores, entre os quais o de preferirem
Ponta Delgada, por iniciativa do conselho directivo, são introduzidos aos
serviços e as colecções que dispomos. Iremos avançar, esperemos que dentro em
breve, para o planeamento conjunto de actividades, atempadamente, aquando da
preparação das actividades para o ano seguinte. Estamos a envidar esforços
para, em colaboração com os alunos dos últimos anos de História, e dentro da
chamada "área escola", realizarmos uma acção teórico-prática de
arqueologia. A nossa biblioteca, actualizada permanentemente, serve de apoio
aos trabalhos escolares.
A
primeira fase que demos por finda em 1993, tinha por objectivo, já o dissemos,
fazer nascer o museu, fazer com que a nossa instituição, fosse qual fosse o
nome que lhe dessem, tratasse as questões do nosso património, se abrisse ao
exterior e fosse útil.
Foi
a fase do início da montagem, estudo e recolha das colecções, foi, já o vimos,
igualmente o início da comunicação com todos os nossos públicos, foi o colher
experiências. O balanço, estamos a fazê‑lo neste momento, e quanto a nós, foi
positivo.
Em
primeiro lugar porque a Ribeira grande nos adoptou, seja lá indo com quem nos
visita, tal como antes o faziam indo a outros pontos "pitorescos",
seja oferecendo peças, sugerindo, aplaudindo ou criticando actividades. Nós,
tal como as demais instituições do concelho, marcamos alguma diferença.
Impõe-se,
nesta segunda etapa, uma reflexão profunda. A nossa participação no mestrado em
museologia e património, insere‑se no âmbito desta segunda etapa. A reflexão
distanciada dos pequenos afazeres quotidianos da instituição, a reflexão
decorrente do diálogo com os meus professores e colegas, decerto me trará
pistas, como já o fez, para encarar com optimismo o futuro. Para já, teremos de
investir na redefinição, simples e clara de novos objectivos, e, a partir daí
lançarmo‑nos na formação do quadro do pessoal que tem de ser, em qualquer dos
casos, melhorado.
Fomos
bem sucedidos porque nos tornamos uma das instituições mais visitadas da ilha,
fomos bem sucedidos porque temos o nosso património bem cuidado, salvo
excepções, fomos bem sucedidos porque, igualmente, comunicamos com os nossos
públicos, falhamos redondamente a nossa ligação a autarquia, nossa tutela. O
facto de estarmos a frequentar o mestrado e o facto de se ter emendado o
organograma que não reconhecia a existência das nossas colecções museológicas
(deixou‑se ainda da fora a biblioteca e o arquivo e desconheço se a deliberação
seguiu as suas tramitações legais) poderá abrir novas perspectivas. Desconheço
qual vai ser a política adoptada, se já a tem, pelo novo elenco camarário,
totalmente renovado em 12 de Dezembro de 1993.
(16) Côté, Michel (sous la direction), "Musées et Gestion"
Musée de la Civilisation, Universidade de Laval, Quebeque, 1991, pp.34‑45.
Eisenbeis,
Manfred, "Elements for a sociology of museums" in Museums, 24 (2)
1972 p. 110‑119;
Screven,
C.G., "Exhibit evaluation - a goal referenced", in Curator. New York,
19 (4) Dez. 1976 p.271‑290 ;
Parr,
A. E., "Location motivation and duration of museum attendance",
Curator, vol.X, nº3, 1967, pp. 206‑210;
"Improving
museums through evaluation", 23 (4) Dez. 1980, pp 275‑285;
Alt,
M.B., "Evaluating didactic exhibits: a critical look at Shetlel's
work" Curator. N.Y. 20 (3), Set 1977, p, 241‑258;
(17) Entrevistámos no dia 30‑12 de 93 a Dr.ª. Isabel do museu de Arte
Popular. Duarte, Ana, "Educação patrimonial. Guia para professores,
educadores e monitores de museus e tempos livres", Texto editora, 1993.
(18) Sobre esta temática meditamos sobre o seguinte:
Gassot;
G., - Talabot, "Interdit au public", Arts & Loisirs, nº 22, 23,
Fev 1966, pag 49‑50;
"Specimens
or people?" Museums Journal, vol.69, nº3, dez 1969 pp 106‑109;
Sekers,
David, "The educational potential of the museum shop", Museums Journal,
Londres, 76 (4) Mar. 1977, p 146‑147;
Brown,
Peter A.G., "The more interpretative exhibit", Museum News, vo 146,
nº10, Jun.1968 pp 31‑32;
Hallopeau,
Marie‑Laurie, "Puy‑de‑Dome. Les musées d'art de Clermont‑Ferrand, poles
d'attraction culturelle", Musées et Collections Publique de France, Paris,
(144), 4º. tri. 1978, p.133‑136.
Luc,
Jean‑Claude, "Pour une meilleure intégration des ressources
muséographiques dans l'enseignement. "Musées et Collections Publiques,
(135), 3º trim.;
Gathercole,
Peter, "Education and new museum displays: an ethnographic view.
"Museum Journal, Londres, 78 (4) Mar. 1979, p. 165‑166;
Birch,
Jeffrey, "A museum for all seasons" Museum News, Washington, 60 (4),
Mar., Abr. 1982 pp 25‑28;
Eason,
Laurie P., Marcia C. Linn, "Evaluation of the effectiveness of
participatory exhibits", Curator, New York, 19 (1), Mar. 1976, pp 45‑62;
Beardsley,
Don G., "Helping teachers to use museums.", Curator. New York, 18, (3) 1975, pp 192‑199;
Hale,
John, "Museums and the teaching of history." Museums, vol XXI, nº1,
1968, pp 67‑78;
Whittemore,
Sarah, "A minitour. An hour in the museum with a young child.", The
Metropolitan Museum of Art Bulletin, vol. XXVII, nº4, Dez. 1968, pp 221-224;
Waters,
Somerset R., "Museums and tourism - an alliance for progress.", The
museologist, nº 97, Dez. 1965, pp 10‑20;
Thomas,
H. Stephen, "A museum beyond its walls", The Museologist, Março 1966
p. 3;
Thomas,
W. Stephen, "Museum spectaculars.", The museologist, nº 104, Set
1967, p.3;
Meieux,
Louis, "Purposes and objectives of museums or the museum preserved?"
, The Museologist, 119, Jun. 1971, pp 14‑18;
Arth,
Malcom, "The people Center - antropology for the layman.", Curator,
N.Y. 18, (4) Dez, 1975, pp 315‑25;
"The
museum as a source of inspiration", Museums Journal, vol 68, nº1 Jun 1968
pp 29‑30;
Renne,
Eve C. Van; Mark, "Bridging the visitors exhibit gap with
computers.", Museum News, Washington, 60 (1) Set Out 1981, pp 21‑30;
Russel,
Loris S. "Can we neglect research?", Museum News, 48 (6), Fev. 1970,
pp 13-14;
Parr,
A.E., "Museums and realities of human existence.", Museum News,
vol.45, nº 4, Dez 1966, pp 24‑29;
Shaw,
Betty, "Interpreting our outdoor heritage.", Museum News, vol. 44, nº
10, Jun. 1966, pp. 24‑28;
Adams,
Gene, "Museum and school links in London‑past and present (alias
future).", Museum Journal, London, 84 (2) Set. 1984, pp. 57‑61;
Haseltine,
James L., "Please touch", Museum News, vol 45, nº 2, Out. 1966, pp 11‑16;
Hamul,
Jean‑Louis, Robert Jullien, "Colloque national sur les techniques
d'exposition, d'animation et de protection du patrimoine d'Histoire naturelle
conservées dans les musées." Musées et Collections Publique de France,
Paris, (151) 1981‑82, pp 35‑37;
"Developpement
de la collaboration entre l'école et le musée.", Musées et Collections
Publiques de France, Paris, (143) 3º trim. 1978, pp 83‑88;
Gabus,
Jean, "Le musée dans l'enterprise.", Museum, Lausanne, 22 (2) 1969,
pp 109‑24;
(19) Gazeau Caille, Marie‑Thérese, "Le public des musées.",
Musées et Collections Publiques de France, Paris, Set. (168), 3º Trim. 1985, pp
85‑92.
(20) Ontem, dia 12 de Janeiro, ao receber algumas notas que em Julho
levara para a ilha, verifiquei que, ou a iniciativa do Dr., João Couto é
contemporânea ou um pouco posterior à Germaine Cart. Tentei confirmar no M.N.A.
Antiga, por causa das obras, vou tentar na Biblioteca Nacional. Há dias os
computadores da B.N., estavam indisponíveis ao público. Vou tentar de novo.
(21) O Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse (nº 1779
- f. 1858) é uma maquineta de presépio cujas figuras são feitas em sêmola de
trigo.
A
sua autora foi freira clarissa no antigo Mosteiro de Jesus, na então vila da
Ribeira Grande, hoje desaparecido, exceptuando‑se alguns vestígios que temos
vindo a pesquisar tanto no terreno como nos arquivos.
Resumidamente,
poderemos dizer que será do mesmo género dos de Machado de Castro e seus
discípulos. O Arcano, porém, traça a biografia genealógica de Jesus Cristo da
criação do mundo até à sua Paixão, Morte e Ressurreição.
Moura,
Mário Fernando Oliveira, "Excertos da vida e da obra de Madre Margarida
Isabel do Apocalipse mais notas sobre a sua musealização e restauro." IV
Ciclo de Cultura Açoreana -Mississauga, Ontário/Canada - Out/Nov. 1990.
(dact.);
Idem,
"Vida e obra de Madre Isabel do Apocalipse" (dact. 86/87)
(22) Ribeiro, Maria Isabel Macedo, "Estudo científico do Arcano
Mítico." Instituto José de Figueiredo, 1988.
(23) Sobre esta temática de museus e desenvolvimento, entre outros
artigos que li e conversas que mantive.
Conversa
com o prof. Mário Moutinho no dia 23‑12‑93.
Arthnard,
Mathew Kokou, "Museums and socio‑economic development, "Museum Paris,
28, (4) 1976, pp 188-195.;
Loor,
Lucía Astudillo de, "Le musée gagne les communautés urbaines et rurales en
Équateur." Museum. Paris, (144), 1984, pp 223‑228;
"Développement
des musées et politique culturelles: objectifs, perspectives et défis. "
Museum, Paris, 34 (2), 1982 pp 72‑82;
Vuilleumier,
Jean Pierre, "Programation de musée et politique de developpement",
Museum, Paris, 35 (2), 1983, pp 94‑97;
Berta,
Tstván, "Tourisme et musées.", Museum, Paris, 35 (4), 1983, pp 241‑248;
Waters,
Somerset R., Museums and tourism", Museum News, vol. 44, nº 5 Jan. 1966 pp
32‑37;
Walkey,
Frederick, "How to appeal to the community", Museum News, vol 46, nº
2, Out 1967, pp 29‑31;
Cadernos
de Museologia. Centro de estudos de Socio-Museologia, ISMAG/ULHT, 1‑1993
(24) Moura, Mário Fernando Oliveira, "Carta afectuosa do presépio
do Sr. Prior Evaristo Carreiro Gouveia aos meninos que me visitam.", 1991,
(dat.);
Idem,
"Notas sobre o presépio movimentado da Matriz.", Ecos do Norte, Jan
de 1986;
Idem,
"Notas para uma leitura activa do presépio movimentado", Dez. 1986,
(dact.). Foi distribuído no natal aos visitantes.
(25) Por exemplo, existem disposições emanadas do Vaticano sobre esta
matéria. Vejamos: A bula "Etsi cunctorum" de Martinho V de 1425 e a
" Cum almam nostram ecclesiam" de 1465 de Pio II referem‑se já a
salvaguarda dos objectos litúrgicos. Em 1894, Leão XIII ordenou a todos os
membros do clero que se ocupassem das obras literárias e artísticas que se
encontrassem nas igrejas.
Em
1907 o Papa Pio X instituía os museus
diocesanos para proteger os objectos litúrgicos que fossem retirados do culto.
O código canónico ( de direito canónico ) de 1917, punha debaixo da alçada e da
responsabilidade do clero as obras de arte pertencentes a igreja, constituindo
o ponto de partida para a salvaguarda dos objectos preciosos, confiados a
partir de então aos museus diocesanos. Cf. nota 12.
(26) Teixeira, Madalena Brás, "Do objecto ao museu", Prelo,
(5), 1984. pp 31‑50;
Moreira,
Isabel Martins, Museus e monumentos em Portugal. 1772‑1974, Lisboa Universidade
Aberta, 1989;
Salmon,
Pierre, "De la collection au musée", Neuchatel, la Baconniêre, 1958;
Gabus,
Jean, "L'object témoin. Les réferences d'une civilisation par
l'object." Neuchatel, Ides et Calendes, 1975;
Guibentif,
E., "Le musée cimitiere de l'art," Journal de Géneve, Géneve (183) 8‑9
Ago. 1970, p. 11;
(27) Para sistematizar ideias foi‑nos útil a leitura de "Museus
de Coimbra. Da I exposição Distrital a organização do Museu Machado de
Castro" do prof. Henrique Coutinho Gouveia, Museu antropológico (U.C.),
Coimbra, 1980; e do mesmo "Para a história dos museus locais em Portugal ‑
a Propósito da Criação do museu do Lorvão", Lisboa, IPPC, Departamento de
Etnologia, Estudos e Materiais, (5), 1984. São ambos de leitura obrigatório
para quem queira conhecer a problemática de alguns museus da igreja. Sobre o
tema há muito pouco escrito, exceptuando-se os múltiplos apontamentos em
milhares de artigos e monografias de difícil acesso, dado o esforço que exige
para os localizar, organizar e utilizar. Porém e um trabalho que urge fazer.
(28) Sobre a imaginária e as alfaias do culto em prata e outros
materiais nobres da igreja Matriz da Ribeira Grande foram feitos, pelo menos,
tanto quanto sei, dois trabalhos, curriculares por dois alunos do Dr. Néstor de
Sousa. Sei que sobre a imaginária se ocupou o Dr. Ricardo Moniz da Silva e
sobre o segundo tema existe no arquivo paroquial um trabalho, um exemplar do
trabalho fotocopiado.
Como
têm sido feitos outros estudos sob a orientação do mesmo professor seria bom
reuni‑los e divulgá‑los.
(29) Conforme já referido no texto.
(30) Cadernos de Museologia. Centro de Estudos de Socio‑Museologia cf.
nota 23.
(31) Cf. nota 29.
(32) Cf. o próprio texto.
(33) Ibidem 32, pag 8
(34) Ibidem 32, pag 45.
(35) Ibidem nota 16.
(36) Conforme diálogo que mantive com o prof. Moutinho de acordo com a
nota 24. A este respeito incluiria os seguintes trabalhos:
Hudson,
Kenneth, "A social history of museums. What the visitors thought."
London Mc MilLan, 1975;
Bourdieu,
Pierre, Le "musée et son public", Musées et collections Publiques de
France, nº 92, 1965, pp 155‑167;
Cameron,
Duncan F., "How do we Know what visitors think?", Museum News, vol.
45, n°7, Março 1967, pp 31‑32.
(37) Cf. nota 16 (Musées et Gestion).
Waters,
John W., "The birth and growth of a new museum," Museums Journal,
vol. 66, nº 3, Dez. 1966, pp. 203-212;
Unesco,
"L'organization des musées, conseils pratiques. Paris, Unesco, 1959;
Camargo‑Moro,
Fernanda, "De nouvelles voies pour l'organisation du musée." Museum.
Paris, 34 (2), 1982, p. 86‑89.
(38) Cf. nota 16, Musées et Gestion; cf. nota 23; A prática dirá se
são os suficientes. Todavia, as tarefas dos três animadores têm de estar
interligadas para potenciar os recursos e maximizar as acções. Cada um será
responsável pelas suas áreas, mas havendo um projecto os outros colaborarão. O
coordenador e também executante é o museólogo.
(39) Nos Estados Unidos os museus são "voluntariamente"
vistoriados por uma comissão de museólogos que lhes certificam a qualidade dos
serviços museais de acordo com parâmetros aceites por todos. O museu
"chumbado" é livre de continuar a ser o que quer, porém, os
patrocinadores, decerto lhe voltarão as costas. Porque é que em Portugal não
existe algo semelhante, ou melhor adaptado às nossas realidades?
(40) Graças ao I.C.O.M tive a oportunidade única de ouvir no Vairão o
prof. Kenneth Hudson. Uma das tónicas dominantes do seu discurso era a da
capacidade de sobrevivência da instituição museal.
(41) O museu apesar de ser de uma instituição religiosa ela não deve
utilizá‑lo como veiculo de catequização mas como factor de sociabilização. Ela
diz o que é, mas não pretende converter ninguém. Pretende partilhar o seu
património, explicar a sua vida, as transformações e tudo mais que exprima a
sua vivência. Sei que é difícil conseguir este objectivo, porém, nunca convirá
esquecê-lo. Porquê? Porque o museu não é a catequese, tal como não é o partido,
o sindicato...
(42) A proposta que agora avanço deverá colher o consenso para ser
adoptada pela assembleia municipal.
(43) De certeza que não haverá espaço, pois será necessário uma boa
área para as exposições temporárias. Este espaço é tanto mais vital quanto
sabemos que o arcano não irá aumentar, por um lado, e, por outro, as exposições
temporárias serem importantes para se enfrentar a monotonia do museu. O que se
passou com o museu Gulbenkian e o Centro de Arte Moderna? Além do mais
necessitamos de um pequeno auditório.
(44) Para obter algumas respostas tenho lido alguns livros de Gestão.
Pela sua acessibilidade recomendo, sobretudo para novatos como eu, os seguintes
livros: Simpson, William A., "A motivação", Gradiva, Cadernos de
Gestão, 1993;
Gode,
Winifred, "Formação do pessoal", Gradiva, 1993;
Thorn,
Jeremy, "Gerir a mudança", Gradiva, 1993.
Para
além dos já anteriormente referidos.
(45) Perroux, François, "A filosofia do novo
desenvolvimento", Fundação Calouste Gulbenkian, 1987;
Casal,
Adolfo Yánez Casal, "Identidades culturais e desenvolvimento:
contribuições", Congresso de Antropologia, Universidade de Coimbra, 1993
dact.
(46) Desloquei‑me ao Centro Jean Monet.
(47) Para o acompanhamento destes assuntos recomenda‑se a consulta do
"Guia da comunidade europeia. Actividades, serviços e financiamentos
comunitários. Portugal. "Todos os anos é publicado um e é distribuído
gratuitamente no Forum Picoas. Contém direcções e contactos a quem queira saber
como funciona a União Europeia. Acrescente‑se que é imprescindível o
acompanhamento do "Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Comunicações
e Informações" em português.
(48) A este respeito creio que a paróquia já a terá, pois, pôde, há
quatro ou cinco anos, passar para o seu nome a casa do Arcano. Tanto quanto sei
o bispo foi ouvido.
(49) Moura, Mário Fernando Oliveira, "Fazer omeletas sem ovos:
não, muito obrigado", Jornal "Açoreano Oriental", Ponta Delgada,
Junho de 1986;
Idem,
"Reflectir os nossos Arquivos não como mausoléus mas como
"fóruns" de Cultura", Açoreano Oriental, Junho de 1986;
Idem,
"Subsídio para o desenvolvimento museológico dos Açores, tríade
indispensável: a) definição da política; b) Criação de organismos responsáveis
e c) Formação de profissionais.", Congresso da A.P.O.M. 14‑19 de Set.,
Funchal (a aguardar publicação ?);
Idem,
"Relatório circunstanciado apresentado à autarquia sobre o estado das
bibliotecas, arquivos e património museológico e estratégias para o seu
desenvolvimento.", Ribeira Grande, 16‑03‑88.
Ao
reler, de relance, as notas que aqui escrevi sobre cultura e desenvolvimento,
assunto que me traz suspenso há tempos, assustou‑me, passe a expressão, o seu
tom peremptório, dogmático até, desadequado à natureza dos temas. Desejo, por
tudo isso, temperar as afirmações. Quando em 80, se bem me lembro, comecei a
ler e, de quando em vez, a escrever sobre o assunto, as utopias libertárias e o
"muro de Berlim, pareciam de pedra e cal, prontos a resistirem ao desafio
da eternidade. Pelo que me tenho apercebido, e perdoem‑me as generalizações
"impressionistas, o fervor e a crença no progresso contínuo, na ciência e
nos amanhã os gloriosos, transferiu‑se de armas e bagagens, dispensando
quaisquer reflexões, o que é profundamente errado, para o campo dos novos
conceitos. A lucidez dos intelectuais nunca me serenou. O que aconteceu, pelo
menos parece, foi que as pessoas deixaram de acreditar numa crença e passaram a
acreditar noutra, nem mais nem menos. O que me leva ainda mais a desconfiar.
Deixe‑me dar um exemplo próximo de nós. Como foi possível que gerações de
intelectuais condenassem o Holocausto e Hitler e aceitassem Estaline e o
Goulag? Mistérios insondáveis da fé, de qualquer fé. Pois é da fé dos
intelectuais, não dos intelectuais, por si só, que nos temos de precaver.
Ultimamente cederam o passo ao tecnocrata. A fé do tecnocrata puro e duro, o
Yuppie é uma subespécie, é tão mau quanto o intelectual o foi. Só tem bolso
enquanto o intelectual tinha quase só coração. Urge ter bolso e ter coração.
Há
dias numa aula dada por um convidado do Prof. Casal tive a oportunidade de
recordar o que pela primeira vez ouvira, salvo erro em 1979, no Rhode Island
College, nos Estados Unidos da América, numa aula de psicologia. O homem é um
animal delirante. Explico‑me. O discurso do homem é um discurso, a um tempo, ou
melhor ao mesmo tempo, irracional e racional. Se calhar a resposta reside, em
parte, aí. Toda a discussão pós‑modernística, chave para a nossa compreensão do
mundo, da existência a ciência, aponta para esse facto. O iluminismo e o
cartesianismo não chegam para explicar o homem e o mundo do homem. Servi‑me
deste longo parêntesis, a concisão é uma virtude que às vezes não alcanço,
para:
1
‑ Partindo do relativismo de todos os
conceitos e tendo em conta que desenvolver é muito mais do que fazer crescer a
economia.
2
‑ A comunidade local onde se pretende
exercer acções que conduzam ao seu desenvolvimento não é uma entidade que se
apreenda pelo número. Também não é só orgânica e individual.
3
‑ Ela não existe em si só, vive em
relação com muitas mais.
4
‑ Os mecanismos da identidade e a
imagem da identidade são aspectos fundamentais ao desenvolvimento.
5
‑ 0 museu é causa e efeito dos
mecanismos e da imagem de identidade.
(50) Lawson, Ian, "Definir objectivos", Gradiva, 1993.
(51) De acordo com a proposta e fundamentação dela, já citada, inclino‑me
a sugerir que, ao museu, inserido na comunidade, sendo peça importante para a
sua identidade, e esta peça fundamental do desenvolvimento integrado, competirá
colaborar com todos os organismos da comunidade. Com isso não quero significar
que deva ser o balcão de vendas da fábrica, do comércio ou a filial do clube ou
do sindicato, mas que seja, no museu ou fora dele, dentro ou fora do concelho,
uma espécie de embaixador da comunidade, de toda, desde os comerciantes aos
industriais dos clubes as empresas familiares. Sendo da autarquia ou da
paróquia, por exemplo, é lógico que as tutelas queiram, através dele, é justo,
implementarem as suas políticas. Porém, por seu turno, estas têm que respeitar
a natureza do museu, a sua independência é também funcional, sem ela o trabalho
museal não se cumpre. Eu, para não assustar ninguém, diria que, neste caso, o
museu deveria ser um órgão interdependente. Os estatutos, nos quais, o pai (a
tutela) concede liberdade e responsabilidade ao filho (o museu). O filho aceita
autoridade esclarecida do pai. Se se conseguir estabelecer um clima de
confiança, por um lado, e criar mecanismos legais adequados, e existem
exemplos, será possível. Todo o poder é centralizador e cioso das suas
prerrogativas. Refiro‑me igualmente ao poder do museu, que tem de ser
controlado, legalmente e pela opinião pública, como os demais. Ao manifestarmos
a opinião que manifestamos acerca do âmbito de actuação do museu como
embaixador da comunidade estamos a invadir o território, por exemplo, da
autarquia, o que equivalerá a dizer que se está a fazer diplomacia paralela. A
tutela não pode consentir. Não se trata, porém, desta diplomacia. Esta
diplomacia, deixe‑se passar o termo, tem de ter sempre um substrato base, a
investigação e esta tem de seguir os métodos da ciência nunca as conveniências
da política. O museu tem de salvaguardar este "privilégio", esta
liberdade. A partir daqui e da salvaguarda dos objectos do museu, que
constituem limites ao poder, o museu colabora na política da autarquia e de
outras instituições. O tema da investigação é quase sempre decidido pelas
necessidades da comunidade, todavia, tal como já discutimos, o seu desenvolvimento
pertence, por natureza, ao museu. Como não se faz investigação ou divulgação
sem qualquer estrutura organizativa e porque os melhores resultados podem ser
obtidos pelos que conhecem os problemas que tratam estes devem ter uma palavra
a dizer e a fazer, em cooperação com a comunidade, é certo, mas nunca um
parceiro menor. Eis porque reivindico interdependência para os museus.
(52) Creio que os museólogos vão ter de dar resposta às questões
colocadas, não basta discordarmos ou concordarmos com elas, é preciso explicarmos
as razões só assim a museologia (epistemologia e metodologia museológicas) e a
museografia poderão crescer e tornarem‑se disciplinas adultas. O que acontecerá
aos museus de arte contemporânea que queiram musealizar a arte do perecível?
Deixarão de ser museus? Porque o museu conserva deliberadamente os testemunhos
materiais não os destrói? Possivelmente isto será só uma moda passageira, como
tantas outras, talvez mais vozes do que nozes, portanto, nada a temer. O museu,
no entanto, nunca conseguirá conservar por toda a eternidade, a não ser que se
descubram outros métodos que não os que conhecemos, os testemunhos materiais, o
que conseguirá, mais mil anos menos mil anos, deixe‑se passar a ironia, é
prolongar a vida de um objecto dando‑lhe uma outra vida. É pois tudo uma
questão de tempo, um dia ou mil ou dez mil anos. Mas dever-se-á sugerir que a
partir de agora o museu seja definido, para além das suas outras funções, como
uma instituição que conserva enquanto possa e saiba os testemunhos do passado dando‑lhes
uma vida diferente que tiveram sem sequer poderem ser tocados ou a custo
entrevistos? A perenidade de quem os fez é pacífica, porque o não será do mesmo
modo o que foi feito? Porque a obra resiste ao criador? Quanto a algumas
questões que me ocorreram sobre a sociomuseologia (digo que só há muito pouco
contactei com este tipo de museologia. Estou a aguardar que me facultem mais
documentação do que aquela que disponho e, sobretudo de estudar casos concretos
da sua aplicação) pouco mais tenho a acrescentar ao que escrevi na nota
anterior. Porém, a fim de evitar quaisquer mal-entendidos, devo acrescentar que
estou de acordo com o papel social do museu, que perceberei até, se dispor de
mais dados, que em 1972 a América Latina precisava, naquela conjuntura, de um
museu que fizesse o papel da escola que não existia, do sindicato que tinha
deixado de existir, etc., continuarei a perceber e aqui já a concordar sem
reticências que o papel social do museu depende da especificidade de cada
comunidade, assim, nos Açores, e na Ribeira Grande, que conheço melhor, o museu
nunca seria um sindicato, primeiro porque não é um sindicato, segundo porque
tem sindicatos. Estou de acordo com a responsabilidade social do museu e da
responsabilidade social da comunidade pelo museu. Aqui também a fronteira, ou o
ponto de contacto, reside na natureza aceite ou ainda aceite do museu. O museu
há‑de ser aquilo que a comunidade quiser? Lancei pistas, não adiantei
conclusões porque não tenho respostas.
(53) Cf. nota 44 e 49.
A
ilha de São Miguel dividida em seis concelhos cobrindo uma área de 747 km2,
conforme um livro, e, 759,41 segundo outro, de 65 kms de comprimento máximo e
uma largura máxima de 12 e uma mínima de cinco é a maior entre as nove do
arquipélago e a mais populosa, mais de metade da população total, c. 130 e tal
mil habitantes. Existe nela um órgão chamado Conselho de Ilha reunindo os
presidentes das assembleias municipais e os presidentes das câmaras, desconheço
se os antigos autarcas têm nele assento, a fim de tratarem problemas de
interesse mútuo. Que se saiba ou veja nada fizeram ou puderam fazer. Porquê?
Por incapacidade estatutária ou por incapacidade de concertação? Darei dois
exemplos. A lixeira da ilha que se pretenda seja dos seis não arranca porque
nenhum quer receber o lixo do outro. Andaram nisso meses até ano a fio, sem
conseguirem convencer, já que cabe às vereações decidir, antes, evidentemente,
de seguir para as assembleias municipais. Julgo que este exemplo será
suficiente para se perceber a dificuldade de trabalhar concertadamente com os
seis concelhos da ilha. A lógica assim o aconselha, os bons princípios de
Gestão também, porém, o bairrismo, um bairrismo exagerado, evidente-mente não
será a única razão, impede que se avance. Estaremos con-denados a duplicar
esforços? Ele há coisas em que a comunidade não pode abrir mãos, concedo, mas
esta claramente não é uma delas. Mas será, desconfio.
Aconselha‑se
a quem dirija projectos ou pretenda vir ou não se importe de vir a dirigir as
duas revistas do Instituto do Emprego e Formação Profissional: "Formar
Revista dos Formadores" e "Dirigir Revista para Chefias"
(54) Por exemplo, entre outras actividades, o Dr. Teófilo de Braga,
presidente da Associação Ecológica Amigos dos Açores, formando deste curso já
concluído, elaborou e editou um roteiro (não sei se em colaboração com a
autarquia) de percursos pedestres em que a componente do património natural é
primordial (desculpe‑me o Dr. Teófilo se não citei correctamente o seu trabalho
nem me referi, tão pouco, ao seu conteúdo exacto. Decerto me desculpará pois
não tenho nenhum exemplar aqui comigo nem tive tempo de consultar algum aí nos
Açores.), a Dra. Ana Paula, por seu turno, elaborou um percurso histórico da
cidade da Ribeira Grande . Neste momento a Direcção da escola Secundária da
Ribeira Grande, que eu e muitos ribeiragrandenses gostariam que fosse chamada
de Dr. Manuel Barbosa, segundo mo confidenciou o seu presidente, o Dr. Manuel
Francisco Aguiar, envida esforços para o publicar. Oxalá o consigam, pois a cidade
precisa deles. Tanto quanto sei e, pelo próprio, o jornalista António Valdemar
terá outro.
(55) O contacto com o que estes cursos fizeram, currículo, estrutura
do curso, insuficiências, aspirações, enfim, tudo o que possa servir de tema de
reflexão para futuros organizadores de cursos desta área. Se calhar seria
melhor aproveitar esta gente, atraindo‑a à região com perspectivas de emprego
aliciante. Seria lógico mas talvez a comunidade reagisse mal. Pois é vêem os de
fora tirar-nos o trabalho. Em tempo de falta de oferta de trabalho ninguém se
atreveria a isto, e tem uma certa lógica. Convenhamos. Como para esta área como
para todas há que desenvolver contactos e promover intercâmbios. Eles são a
semente e o adubo do desenvolvimento.
(56) cf. nota 49 ( terceira entrada)
MOSCAVIDE, 14 DE JANEIRO DE 1994
MÁRIO FERNANDO OLIVEIRA MOURA
Comentários