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Tentativa de resenha histórica do movimento museal no arquipélago dos Açores ( do início até finais da década de setenta)

Universidade Nova de Lisboa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tentativa de resenha histórica do movimento museal no arquipélago dos Açores

 

 ( do início até finais da década de setenta)

 

 

 

 

 

 

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Mário Fernando Oliveira Moura

 

Ribeira Grande, Outono de 1993

 

Introdução

 

Estas notas destinam-se a contextualizar no tempo e no espaço o nosso trabalho no ecomuseu da Ribeira Grande e o Museu da vida e da obra de Madre Margarida Isabel do Apocalipse. Inserem-se no âmbito da cadeira de museologia do mestrado de museologia e património.

Abordarei a temática proposta recorrendo à aparelhagem metodológica e conceptual da história. Todavia, devo confessar, a questão levantada, mercê da sua natureza específica, exige um tratamento diferente.

Continuarei a ser historiador, porém, as perguntas que irei colocar, não serão, decerto aquelas que o historiador “strictu sensu”, colocaria. Por exemplo: a descoberta acidental, aquando da execução de obras de saneamento básico, ocorridas na década de quarenta, na freguesia de São Pedro, então vila da Ribeira Grande, de um fontanário quinhentista renascença parcialmente recoberto pela lava da erupção do Pico do sapateiro, no longínquo verão de 1563 e, a solução adoptada de musealização “ in situ”, representará para o historiador da arte o aparecimento do único fontanário renascença da ilha de São Miguel enquanto para o historiador do museu marcará o aparecimento de uma nova maneira de expor o património, de fazer museologia.

Este momento será, neste caso concreto, mais importante para o segundo do que para o primeiro. Ainda serei historiador? Haverá um historiador de museu? Tal como existem arquitectos de interiores que projectam também museus? A historiografia francesa actual, herdeira da escola dos Annales, corrente que tem influenciado a nossa, tem vindo a abranger áreas de estudo outrora pertença de outros domínios do saber. Em todo o caso, não será o historiador, digamos clássico que se irá debruçar sobre o assunto, será porventura, o historiador que mercê da sua nova visão profissional ligada ao museu e à museologia, colocará questões inerentes à sua nova profissão.

A opção por este tema deve-se, desculpem-me a presunção, à imperiosa necessidade em se fazer a história dos museus dos Açores sob o ponto de vista profissional do museu. Fazer aquilo que Wolfgang Klausewitz entende por Museologia Geral « compreendendo a teoria da museologia, a história dos museus, as suas funções científicas ...»  [1] Muito pouco se tem escrito sobre museus em Portugal e muito menos ainda nos Açores.

Abunda a documentação que tem de ser interrogada de outro ângulo, na perspectiva do museu.

Esta tentativa visa ajudar a criar um corpo sólido de elementos que conduzam a outras etapas de reflexão. De acordo com a opinião do Prof. Henrique Coutinho Gouveia, sem este enquadramento será, porventura, tarefa vã reflectir sobre o museu.

Porque escolhi dar um pouco mais de atenção ao Museu Carlos Machado, se bem que não atenção em exclusivo? Após ter  feito o rastreio de algumas fontes na Biblioteca Nacional ( decretos, leis, livros, revistas, etc..) e após Ter reflectido sobre as dificuldades que venho experimentando ao querer formular o problema do museu da Ribeira Grande, cheguei à conclusão que o seu estudo é, para melhor e pior, o nó górdio do museu da região, ou pelo menos da ilha onde resido.

Ele foi o pioneiro através de homens como Luís Bernardo Leite de Ataíde e de Alfredo Bensaúde. Estudar a sua evolução é estudar a evolução do museu nos Açores.

Todavia, ele será examinado de um modo sincrónico e diacrónico fazendo-o projectar-se no espaço português mais vasto. Ainda que, ao de leve, gostaria de referir o exemplo de outras áreas geográficas, designadamente a experiência de Georges Henri Riviére e os seus A.T.P e mais tarde o ecomuseu.

Resenha histórica

 

O governo liberal, então nos Açores, fez publicar, pela pena de Mouzinho da Silveira, o popular “mata-frades”, o Decreto de 17 de Maio de 1832 que extingue as casas monásticas, tanto masculinas como femininas, em todo o arquipélago, nacionalizando os seus bens.

Previa-se, então, a redistribuição dos bens móveis de uso litúrgico pelas paróquias mais carenciadas que o solicitassem. E assim veio a suceder.

Os bens conventuais de raiz, disseminados por todas as ilhas, de Santa Maria ao Corvo, foram sendo paulatinamente leiloados em hasta pública ou reconvertidos a outro uso.

Os bens móveis pertencentes àquelas corporações mas não directamente ligados ao culto, como sejam os livros das suas bibliotecas, arquivos e cartórios, foram, mais tarde, incorporados nas bibliotecas e arquivos locais.

A circular de 25 de Agosto de 1836 que estabelecia “... em cada uma das capitais dos Distritos Administrativos, destes Reinos, e Ilhas adjacentes, uma Biblioteca Pública, um gabinete de raridades, de qualquer espécie, e outro de Pinturas”. Ao que julgamos saber, só terá tido eco nas ilhas, volvidos treze anos.

Não se tratava propriamente de um museu de etnografia, ainda que o modo como o articulado dos estatutos permitesse abranger tal área.

         Em todo o caso, será do círculo formado à volta do seu proponente que sairá, já na década  de setenta do século XIX, a realização daquele sonho, e, na de noventa pelo menos, uma das primeiras propostas de secção de etnografia.

         Referimo-nos ao consignado nos estatutos de 1849 da Sociedade dos Amigos das Letras presidida por António Feliciano de Castilho em cujo artº 1º se declara, para além da Constituição de escolas, de uma biblioteca, de um teatro, de uma filarmónica e da organização de exposições a intenção de se fundar um museu.

         Tratar-se-ia, segundo Leite de Ataíde, de um gabinete numismático de uma galeria de estampas a par de uma colecção de gravuras de Sua Magestade o Rei que haviam sido oferecidas pelo seu mentor e presidente, António Feliciano de Castilho.

         As exposições organizadas pela Sociedade, por exemplo as de 1848 e de 1849, teriam servido, para além de outros objectivos, como pontes / momentos priviligiados de recolha de material para o futuro museu, então referido como “ Industrial “.

         Pedia-se, em nota publicada no “ Agricultor Micaelense “, orgão da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense utilizada pela Sociedade Promotora das Letras, aos senhores exponentes que declarassem na altura da entrega das espécies cedidas para as exposições por escrito ou de viva voz, qual o destino das mesmas após o encerramento dela. “ ... lhe seja devolvida ou fique pertencendo ao Museu Industrial.

         Outra referência a estes esforços, surge-nos no elogio fúnebre de um dos sócios fundadores da Sociedade Promotora das Letras, o Drº João Anselmo da Cruz Pimentel choque ocorrido em 1854.

         “ ..., legando a maior parte d’isso que possuo para o futuro estabelecimento de um Museu de História Natural de Ponta Delgada, ... “

         A influência de Castilho que permaneceu na ilha de São Miguel de Agosto de 1847 a Julho de 1850, com um interregno de Fevereiro a Maio de 1849, foi incalculável. Veio para a ilha, tentando subtrair-se às contendas políticas da Capital.

         “ Resolvido a emigrar, hesitei algum tempo entre as atracções do Brasil e as dos Açores; os Açores, por mais à mão, prevaleceram “.

         Num balanço que fez acerca das actividades empreendidas na  ilha Castilho escreveu justamente orgulhoso:

         “ Crescemos, ... , e passamos já de 400 incluindo nesta conta o Prelado, o Vigário Geral, o Governador Civil, o Militar, o Comandante da Força Armada, o Administrador do Concelho, o Presidente da Câmara Municipal, o Presidente e outros Juizes da Relação, o Juiz de Direito, o Delegado do Procurador Régeo, em suma tudo o que a cidade de Ponta Delgada possue de mais alto, de mais ilustre, de mais instruido e de mais patriótico “.

         Com a elite local do seu lado foi fácil o seu magistério. E fructuoso.

         Castilho foi professor da intelectualidade local, que, embalada pelo exemplo do mestre, criou iniciativas e ampliou velhas. É esta a geração do Museu Açoreano, da chamada Primeira Autonomia, de todas as iniciativas editoriais de então, da geração do Arquivo dos Açores. E pequenos por aqui.

         Carlos Machado foi um dos seus lidinios discípulos.

         O primeiro indício, até ao presente não confirmado por documentação sólida, de museu etnográfico, deparou-se-nos numa nota da Biblioteca Açoriana de Ernesto do Canto que no seu vol. II páginas 202, espécie 1524, regista sob a rubrica Museu Terceirense uma acta de reunião efectuada em 26 de Maio de 1867. Tal teria sido publicada no Rio de Janeiro em 1877. Debalde procuramos nas bibliotecas e arquivos públicos locais o paradeiro desta acta.

         Decerto Ernesto do Canto ter-se-à limitado a registá-la, sem contudo a ter no seu aceivo bibliográfico. Facto que comprovamos cotejando o catálogo da sua biblioteca hoje fundo do Arquivo de Ponta Delgada.

         Uma coisa, pelo menos, nos parece líquida; Ernesto do Canto só a registaria se ela contivesse matéria referente aos Açores.

         O contigente de colonos açoreanos de meados do século XVIII para o Rio Grande do Sul, no Brazil, era oriundo, em grande parte,da ilha Terceira. Tratar-se-ia da tentativa, não sabemos se bem sucedida, dos descendentes daqueles colonos em erigirem um museu aos seus antepassados ilhéus?

         As tentativas, exceptuando a última referida, pelos motivos já alegados, da Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes goraram-se.

         Luis Bernardo culpa a falta de meios, facto corroborado pela análise do texto do elogio fúnebre do Drº Choque de 1854.

         Viria a ser o Drº Carlos Machado, quem, após ter vivido durante cerca de uma trintena de anos em Coimbra, onde cursou medicina, conseguiria fundar o pretendido o Museu.

         Nada tendo a ver com estes esforços ( tanto quanto sabemos ) a Madre Margarida Isabel do Apocalípse franqueava, ainda antes de 1849, a sua porta na rua de João d’ Horta na Ribeira Grande, ilha de São Miguel, a todos quantos queriam ver o seu Arcano Místico.Uma maquineta enorme de presépio feita de sêmola de cereais onde narrava a biografia de Jesus desde Adão e Eva até à sua morte e Ressureição.

         Tal como outrora, ainda hoje o Arcano é a obra  mais visitada na cidade da ribeira Grande. Poder-se -ia considera-lo o primeiro museu açoreano?

         Esteve aberto todo o ano a nacionais e a estrangeiros. A imprensa  local dá eco a estas visitas e regista depoimentos dos mais variados.

         Pelo seu cariz, etno religioso, poder-se-ia inclui-lo no âmbito da arte conventual, como gostava de o denominar o Drº Luis Bernardo, portanto,fazendo parte da etnografia?

         Segundo a própria autora confessou (1779-1858 )  o ”Arcano Místico “pretendia ser  catequético.Lá, a três dimensões, para o povo culto e inculto,explicaria-se as três leis que Deus dera ao mundo. Explicava-se e ensinava-se o temor a Deus reflectindo a velha visão tridentina de um Deus irascível, façanhudo e vingador.

         Era, de facto, público, graças à generosidade e à vaidade natural da sua autora.Em 1849 pretendendo mais sossego para o poder completar (coisa que nunca veio a suceder ) por respeito ao seu público ela achou-se na obrigação de o pedir em Anúncio público saído no Açoreano Oriental. Havia, no fundo um certo sentido de responsabilidade perante o público que ultrapassava a mera cortezia.

         Exceptuando este embronário museu etnográfico ( reservo ainda algumas dúvidas )  por esta cultura existiria, segundo nos diz o Drº Carlos Machado, ....

         “...uma mais diminuta ainda colecção de história natural no Liceu Central de Ponta Delgada mais ou menos coeva da formação daquela instituição e, “ pelo menos as coleções que Castilho oferecera bem como as referidas pelo Drº Choque.

         Carlos Machado encontrando-a, década de setenta muito deteriorada alvitra ser necessária adquirir mais espécies, ainda que se salvassem as primitivas, de preferência açoreanas.Tal acervo  serviria o duplo fim de entusiasmar os alunos do Liceu e constituiria matéria de estudo para os estudiosos nacionais e estangeiros.

         Aqui reside a singularidade da proposta de Carlos Machado, professor de História Natural,do Liceu e à época seu reitor, ao visar dois tipos de público para o seu museu, logo de início conhecido por Museu Açoreano.

         Desde muito cedo,pelo menos no século XVIII, as ilhas habituaram-se a ser visitadas regularmente por estudiosos da fauna e da flora locais.

         Tal ficou a dever-se ,segundo Carlos Machado, à sua excelente posição geográfica entre três grandes continentes. Seria fastidioso enumerar os muitos naturalistas que aqui, tinham já aportado, todavia, destaquemos, entre outros, os seguintes:

         Moussom, Horchsteiter, Drouet, Moulet, Hartung, Reiss e Godman.

                   Era tanto ou mais necessário a constituição de um Museu com um aceivo de história natural representativo do todo arquipélago, dado que em três ou quatro meses , ainda segundo o mesmo Machado, seria impossível a qualquer estudioso aprofundar os seus conhecimentos na matéria .

         Após ter obtido inestimável e decisivo concurso mecenático do conde da Fonte Bella e após uma frutuosa recolha entre a comunidade  científica nacional e internacional, o Museu Açoreano de História Natural abriu ao público nas instalações do antigo convento da Graça no dia 10 de Junho de 1880.

         Irascível, activo e empreendedor, Carlos Machado ao desejar amplia-lo,vê-se confrontado com insuficiência de verbas. Entre os vários oficios que enviou às autoridades competentes enviou um que rezava assim:

         “ Se todos os Liceus têm direito a ser contemplados com uma parte da verba votada em cortes, quando pretendem fundar algum Museu, mais direito tem este Liceu, porquanto é ele o único em que se creou um Museu de história natural para o ensino dos alunos e do público em geral, a quem está patente tôdas as semanas “

         E no mesmo documento , revela, em parte, o seu  conceito de exposição museológica.

         “ Um museu dum estabelecimento cientifico não consta de uma aglomeração de exemplares reunidos a esmo em vitrinas: é indíspensável dizer ao aluno e visitante o que é, e isso não se pode fazer sem os livros competentes...” [2]

         Até há bem pouco tempo o critério sistemático de classificação e de exposição era o universalmente reconhecido de acordo com os certames de Liceu, não existindo quaesquer preocupações de apresentação e explicação contextualizada das colecções de história natural.

         Porém, não se julgue que a exposição actual de história natural do Museu Carlos Machado tem a feição exacta daquela que foi organizada no seu inicio. Na década de quarenta deste século ela foi transferida da graça para Santo André sendo posteriormente retocada já no tempo do Drº Néstor de Sousa e sob a direcção competente do saudoso Drº João Gil Tavares da Ponte.

         Actualmente o Drº João Paulo Constância, tem entre mãos a dificil mas aliciante tarefa de a transformar, transportando-a para o tipo de exposição contextualizada.

         Carlos Machado, insatisfeito até à sua morte, na década de noventa do século passado, tal como já foi referido, propõe a musealização da etnografia no seu Museu.

         “ De notar, porém, que a partir desta data [ 1890’s ], o Drº Carlos Machado orienta o Museu Municipal [ 25 / 10 / 1890 - desde esta data ] para um âmbito mais amplo, iniciando-se a recolha de alfaias agrícolas, louças, tecidos, etc..., dos Açores. Pode assim dizer-se que radica na visão e iniciativa do Drº Carlos Machado o começo da Secção de Etnografia do Museu” [3].

         O mesmo Néstor de Sousa, ao prefaciar em 1983, o catálogo da Exposição “ Olaria e cerâmica dos Açores- etnografia regional-” não diz que se tivesse iniciado a recolha naquela época, tão-somente que :

         “... importava proceder-se de imediato à recolha, etc...” [4]

         Debalde procuramos a acta em que tal viesse registado, debalde também procuramos os periódicos da época.

         Intregrada nas  colecções de história natural, já existia então uma colecção de peças africanas, oferecida pelo Conde da Fonte Bella, parte, oferta de outros doadores.

         Em 1924, J. Leite de Vasconcelos  estando na ilha, não manifesta interesse em vê-la, em 1944, Luis  Bernardo afirma que ela nada tinha a ver  com o seu projecto etnográfico e admite que deva ser tolerada por repeito aos doadores e ao império ultramarino. Actualmente encontra-se desmantelada. Apesar de tudo tem, entre outras, uma peça de excepcional valor : A Maternidade ( Luba Zaire ).

         Manuel Emygidio da Silva, jornalista do  “ Diário de Noticias “ de Lisboa refere-se, em 1893, àquela colecção. Emygdio da Silva confessa ter tido o prazer de ver o projecto e o local  destinado pela Câmara de  Ponta Delgada, na  avenida Roberto Ivens, a Museu.

         Pelos vistos a proposta de Carlos Machado teria eco na instituição da tutela, muito embora, ainda em Novembro de 1910, nada se tivesse feito para implementar o citado projecto, como se constatará pela leitura do relatório do seu sucessor, coronel Afonso de Chaves.

         Chaves, perante a recentemente empossada comissão administrativa repúblicana, de que fazia parte, registe-se, o nosso Luis Bernardo, levou de novo o projecto do seu ilustre antecessor. Aí se constata, entre muitas outras coisas, a firme vontade do Museu continuar a pregnar pela prometida construção. E adianta pormenores, isto para além das salas de história natural :  “...,duas salas destinadas a exposição de louças, bordados, tecidos, móveis, alfaias agrículas dos Açores e especialmente da ilha de S. Miguel .”

         Pouco tempo depois desta exposição perante o senado municipal e porventura, como seu resultado prático, aos 18 de Abril de 1911 a edilidade aprova um Regulamento do Museu Municipal de Ponta Delgada. É o primeiro que lhe conhecemos e consagra-o como um Museu de história natural e de etnografia, explicitando-se a sua ambição de promover a síntese da etnografia açoreana.

         O seu art. 1º- refere:

         “ Ethnografia compreendendo as alfaias agrícolas, mobiliário, tecidos, etc do Archipélago Açoreano.”

         Naquele mesmo ano, Luis Bernardo, sugere ao coronel Chaves a criação de uma secção dedicada à Arte, convicto de que assim se iria prestar um bom serviço à comunidade dado ao seu isolamento, por um lado, e a necessidade de promover o desenvolvimento, por outro, das aptidões artísticas.

         Sendo ele próprio um artista amador se poderá avaliar pelo catálogo póstumo editado recentemente por iniciativa do seu neto, prof Dr. Augusto de Ataíde.

         Ainda segundo o mesmo Bernardo  “ ...,promover-se-ia a protecção de peças do património artístico bastante desprotegidas.”( )

         O coronel deixa-se convenser e convida-o para organizar a tal secção de Arte mais a de etnografia, que, como já vimos, tinha sido recentemente legalizada pela instituição tutelar.

         Dispôs-se a dar inicio ao seu projecto.Em 1916 vê-mo-lo a consultar o Dr. Joaquim de Vasconcelos sobre o valor e interesse do património cultural açoreano. Este insigne investigador respondeu-lhe:

         “ As suas notas motivos tradicionais de arte rústica, doméstica; arte rústica religiosa, endumentária, mobiliário; e alfaia agricula, conteem provas de riqueza original que deve salvar no seu museu,na forma que propõe, casa completa mobilada e animada com figuras, tudo piedosamente reintegrado.

         Assim vi, pela primeira vez em Salzbourg ( Austria Oriental ), em 1871 e fiz uma tentativa no museu Industrial e Comercial do Porto incompleto em 1886, por falta de recursos...” ( )

         Antes de proceder a qualquer recolha, L. Bernardo, estuda, divulga o que estudou, toca impressões com as “autoridades” de então. Começa a definir aquilo que entende por Etnografia Artistica.

         A tarefa urgente da salvaguarda do património etno-artística afigura-se-lhe tão premente quanto os perigos reais de intromissões exógenas introduzidas pela imigração açoreana no continente norte-americano ameaçavam a descaracterização do nosso povo. Dizia ele.

         Em carta datada de 8 de Agosto de 1918, ao responder a uma missiva de José Leite de Vasconcelos, outro a quem recorrerá com frequência, justifica a sua acção reiterando a sua percepção do perigo iminente de perda de herança etno-artística a que se deveria opor através do estudo, do registo “... e ainda de se organizar um museu .” ( )

         É uma época caracterizada por um enorme esforço intelectual, numa entrega quase total  à sua secção de arte.

         Lança-se, pois de corpo e alma, conseguindo obter algum êxito, através, sobre tudo, das exposições que com outros organiza e das obras, que, através de vários expedientes consegue obter para o museu. A guerra, porém, vem por cobro ao seu entusiasmo. E as dificuldades financeiras, bem entendido.

         Em 1916 publica a “ Etnografia Artística “ e concomitantemente prossegue afã o aprofundamento de outros assuntos, porém, todos alongando a concretização do seu projecto.

         Em outra missiva a Leite de Vasconcelos, em Março de 1919, explica-lhe a inexistência, em seu entender, de valores arqueológicos no arquipélago.Dizia.

                A curta história de cinco séculos, o alto teor de humanidade e as convulsões sismico-vulcânicas são, seriam, melhor dizendo, as razões. Todavia, parecia querer abrir uma excepção com a vizinha ilha de Santa Maria, onde existiriam algumas reniniscências da vida antiga de algum interesse . Pelos vistos deslocar-se-ia lá no Outono seguinte, pois tencionava colher dados para elaborar uma monografia abordando os aspectos da  arte, da etnografia e do folklore. ( )

         Por esta altura, Leite de Vasconcelos,mantinha conrrespondência epistolar com outras individualidades residentes nas ilhas ou a ela ligadas por laços de sangue ou por interesse meramente intelectual. Referimo-nos, óbviamente, a Urbano Mendonça Dias, ou ainda no século XIX, Eugénio Vaz Pacheco, Francisco Arruda Furtado, Alfredo Bensaude ou, até mesmo, Teófilo de Braga. Em 1920, aos 5 de Novembro, no “ Correio dos Açores “, Luis Bernardo, divulga aquilo que já tinha enunciado a uma audiência mais restrita ou em correspondência, quer a Leite de Vasconcelos quer a Joaquim de Vasconcelos. Naquele artigo, a que  o “ Correio dos Açores “ dá todo o destaque, elabora pela primeira vez um plano sistemático de estudo e recolha com o confessado intuito de constituir o Museu Etnográfico Açoreano. ( )

         A etnografia  museológica, como ramo do saber, desabrocha  nos Açores pela mão de Leite de Vasconcelos. Neste arquipélago, os estudos naquela área, inicia-se ainda no século XIX, ainda antes da proposta do Drº. Carlos Machado.

         O Drº. João Soares de Sousa, na ilha de São Jorge e, o Drº Teófilo de Braga foram  ao que tudo indica os pioneiros no estudo etnográfico  no arquipélago .

         Francisco Maria Supico, no Almanaque Açoreano de 1866, por exemplo, apresenta trabalhos sobre as superstições e o “ Arquivo dos Açores” reproduz alguns outros.

         Na década de 40 do século transacto, João de Torres já anunciara um  plano de estudo de história açoreana. Para isso defendia constituição de Arquivos e de Bibliotecas. Estrangeiros como Walter Frederik, Walter ou até mesmo John Bullar e John Welster procederam a observações de cariz etnográfico. O próprio coronel Afonso de Chaves apresenta um trabalho sobre as festas de São Marcos nos Açores.

         Muito mais ficou por dizer para além desta resenha. Todavia, é com Luis Bernardo, em São Miguel e Luis da Silva Ribeiro na ilha da Terceira, que se envereda por um caminho decisivo e sistemático.

         Afirma em 1920, no artigo em questão que, “ Incontestável é o valor dos estudos a fazer no sentido de ser revelado tão completamente quanto possivel, o fundo etnográfico do Arquipélago “ ( ) .

         Caracteriza , em seguida, o papel do etnografo, retoma a ideia de urgência do estudo, da recolha e da exposição pelos motivos que já antes alegara: intromissão externa .

         Seria fastidioso, para além de vir a propósito, reproduzir tudo o quanto lá diz, para tal remeti-vos para a leitura do citado artigo, todavia, convém , destacar alguns aspectos que reputamos essenciais. O etnografo, dizia ele, deveria ser mais um cientista do que um letrado, menos preocupado com a forma do que com o conteúdo. Devia, isto sim , registar e obter documentos fidedignos estudá-los com tudo o rigor, colecioná-los e reproduzi-los. A reprodução seria feita através da fotografia ou do desenho acompanhadas de notas explicativas descrevendo-os numerosamente e muito em especial na sua técnica e na sua utilidade, no papel, em fim que se representavam ou que tinham representado na vida regional.

         “ Em cada um das ilhas deviam ser recolhidos elementos desde a habitação, sua constituição, mobiliário e utensilios de uso doméstico, até ao cultivo das terras, compreendendo todos os processos de trabalhar instrumentos e alfaias: desde as indústrias artísticas, até à arte popular em toda a sua vasta extenção, desde os conhecimentos do povo sobre medicina, hegiene, moral, agricultura, etc... até aos seus provérbios, cantigas, lendas, representações e outras formas poéticas e literárias...” ( ).

         À medida que avançasse a recolha enviar-se-iam duplicados para o Museu do Jerônimos de Leite de Vasconcelos, apontando para tal duas razões:

         1- Para merecer a análise crítica da comunidade ciêntifica nacional.

         2- Por este ser um Museu de âmbito nacional.

         Finalmente, todo este material deveria ser reunido e devidamente classificado “ em um museu de Etnografia Açoriana junto do qual se reuniria uma colecção bibliográfica de todos os trabalhos de valor sobre o folclore regional. “ ( ).

         E para convencer os leitores, envia argumentos que evidenciam a importância de tais estudos no progresso das artes e das industrias regionais acrescendo ainda a sua importância como :

         ”... elemento de coesão, e de solidariedade do povo açoreano, ensinando-lhe as suas proviniências, documentando a sua história e pondo em relevo o esforço e o trabalho das gerações idas, ele formaria em nós o culto pelas tradições dando-nos uma sã educação cívica e surgindo como um marco de resistência contra a onda demolidora da vida actual “ ( ).

         As vantagens matriais dos estudos etnográficos eram amplamente reconhecidas na Alemanha onde aquela ciência teria nascido com a expansão colonial. Refere o papel dos ricos comerciantes de Hamburgo e dos missionários na recolha de tais colecções.

         Da simbiose destes com o poder público teriam nascido inúmeros museus alemães.

         Em trabalho posterior, publicado em 1921, na “ Revista Micaelense” intitulado “ Organização de Museus em Ponta Delgada, Leite de Ataíde, particulariza o que tinha expandido em 1920 no “ Correio dos Açores”.

         Situa-os em Ponta Delgada, no Relvão e em Santo André. Explica detalhadamente o que entendia por Arte Geral, Arte Regional, Arte Religiosa e etnografia conventual.

         Em pouco mais de um ano, entre um e outro trabalho, Leite de Ataíde

amadurece o seu conceito de etnografia artística.

         Em 1924 Leite de Vasconcelos, visitando São Miguel e as demais ilhas dos Açores, intregrado na embaixada dos intelectuais continentais, escreveu no “ Mês de Sonho “ na página 156 que era conviniente que Leite de Ataíde “ acrescentar [ asse ] toda a etnografia “ecológica” moderna dos Açores “ ( ) .

         Para além deste enunciado teórico, pouco mais fez, não lhe sendo possível adquirir e coleccionar objectos, por ser empresa dispendiosa. Por conseguinte, limitou-se a reunir notas acompanhadas de reproduções, gráficas, tentando ao menos, deixar noticias do que ia desaparecendo. ( ) .

         Por todo o arquipélago surgem por esta altura, década de 20 e seguintes, estudos etnológicos, considerados, então, de etnográficos.

         Retomemos, pois, o fio à meada. Por arte geral parece-nos que ele entendia o conjunto de obras trans-regionais ( tenho dúvidas acerca da conecção deste termo ) eruditas que reunissem as características de uma época ou uma escola ou artista. Refere-se, sobretudo, à pintura, que, nos moldes propostos serviria para instruir os artistas locais.

         Por arte regional, por seu turno, entendia o que fosse produzido reflectindo as especialidades e indiossincrasias locais .

         O somatório de todas as manifestações de arte regionais promoveria o renascimento pátrio. Este aspecto viria a ser retomado em 1938 ( Congresso Açoreano ) e 1944  ( Livro que publicam sobre a sua actividade no museu ), porém, então, já denotando uma maior influência da ideologia nacionalista do “ Estudo Novo “.

         Fala de uma arte religiosa representativa de iconografia que pode ser erudita ou não ou até, alguma dela, fazer parte do que considerava Arte Geral ou Regional. A etnografia conventual, tal como o próprio nome indica, indicaria  a produção artística oriundo dos conventos.

         A fim de documentar esta última tanto quanto a penúltima propunha a aquisição de um antigo convento quinhentista para nele por em prática a sua teoria.

         Quer-me parecer que esta teoria é mais a iconorização de um espaço concreto do que vice-versa. Ele não procura um local para a sua teoria, ao invés, ele teoriza em função do local.

         Marcando um retorno a uma etnografia  diferente, foi sem dúvida a públicação em 1930, do artigo do Drº Alfredo Bensaúde, no qual sugere à comissão do V centenário do Desenvolvimento dos Açores a fundação de um Museu Etnográfico Açoreano. ( )

         Bensaúde era um homem culto, até mesmo brilhante, que, regressara à ilha natal e aos inúmeros negócios paternos, após uma fulgurante carreira no Continente. Foi, entre outras coisas, fundador do Instituito Superior Técnico e desempenhou papel relevante no Museu de História Natural de Lisboa . Sendo extremamente sagrado e culto, como já afirmamos, confessava a sua admiração pelo Landes- Museum de Zurique.

         Apresentava, no citado artigo, um programa coerente de Museu Etnográfico Açoreano, mas confessava, em carta enviada a Leite de Vasconcelos, não ser conhecedor da etnografia insular. ( )  Nem tão pouco de psicologia insular, acrescentamos nós.

         Luis da Silva Ribeiro aplaude em Angra, para mais tarde só descansar quando vê a ideia, encalhada soçolerar.

         Ribeiro, sugere que , a par das canções e romances se coleccionassem termos usados na região com indicação o mais possivel aproximada da província popular. E, assim, conclui ele, o Museu Etnográfico seria um vasto armazém de materiais para o estudo de quanto se refere à gente dos Açores. ( ).

         A pedido de José Bruno Tavares Carreiro, Leite de Vasconcelos dá a sua opinião ao seu projecto no Correio dos Açores, aconselhando Bensaúde, seu amigo, a acrescentar ao seu plano fotografias e desenhos representativos de indivíduos que melhor conservassem tipo e etnia. Recomendava igualmente, a utilização em exposição de crâneos recolhidos nos cemitérios locais e o  recurso a Luis Bernardo e  a Urbano Mendonça Dias, seus correspondentes.

         Luis Bernardo vem tembém a terreiro relembrando José Bruno que a ideia de um Museu Açoreano tinha sido da sua lavra conforme seu artigo no Correio de 1920. Saúda Alfredo Bensaúde e sugere-lhe o espaço de Santo André para tal Museu. Por razões e vicissitudes várias o ” seu Museu “ estava em banho Maria.

         Pouco tempo depois, Alfredo Bensaúde é convidado a dirigir o Museu e a Etnografia; nos ofícios aos 26-4 e de 2 do 5 de 1930. Aceita.

         Em Outubro daquele ano, a comissão de gestão do Museu, resolveu entender que aquele, mercê da natureza e do alcançe das suas colecções, tomasse a feição de Museu de síntese Açoreano, ao mesmo tempo que proponha a transferência de propriedade de Museu Municipal a Museu Distrital sob a tutela da Junta Geral do então Distrito Autónomo de Ponta Delgada. ( ) A instalação pretendida continuava a ser o antigo Mosteiro de Clarissas de Santo André extinto em 1832.

         No dia de Todos os Santos daquele ano, a edilidade pontadelgadense concorda com  a escolha do edifício mas impõe como contrapartida da sua anuência a manutenção da sua designação de Museu Municipal Drº Carlos Machado ( ). O “ Correio dos Açores, aos 11 de Janeiro de 31, página 1, transcreveu  na íntegra o acordo celebrado entre a Junta Geral e a Câmara Municipal para que se constituisse o Museu de Etnografia Açoriana e Conventual ( repare-se no brilho furado das designações ! ) no ex- Mosteiro de Santo André. Pelos vistos Alfredo Bensaúde e Luis Bernardo conseguiram conciliar aspectos das suas propostas e apresentar uma síntese. ( ) Apesar de todo o apoio, sobretudo do “ Correio dos Açores “, graças ao José Bruno, a realidade dura começou a calmar os arrombos entusiásticos iniciais de Alfredo Bensaúde.

         Em carta dirigida a Leite de Vasconcelos de 16 de Maio de 1930 desabafou:

         “ Quanto começo a perder a esperança que venha a concretizar-se. Por desgraça ardeu o Teatro Micaelense e a Junta Geral parece que pensa em reconstrui-lo e o dinheiro de que dispõe não dá para fazer o Teatro e o Museu sendo natural o último sacrificado “ ( ).

         O que foi, então, o projecto do Drº Alfredo Bensaúde e porque, em nosso entender, não teve consequências. Analisemos o seu artigo.

         Começa por justificar, no âmbito Nacional, a urgência de estudar e de musealizar a história do Povo Açoreano, que, segundo eles, e apoiando-se em estudos Arruda Furtado, seria uma simbiose bem conseguida de nórdicos e peninsulares socorre-se, igualmente, de um inquérito por ele conduzido e coordenado tendo por alvo a população dos Arrifes, Povoação nos arrabaldes de Ponta Delgada.

         Parecia-lhe que a instalação do Museu representava um elemento permanente de cultura com interesse não só para os Açoreanos como também para os forasteiros. Estes, para além de percorrerem em poucas horas os vários locais pitorescos da ilha, doravante, teriam algo mais que os retivesse por mais algum tempo.

         A instalação de tal museu deveria obedecer ao critério que presidia à organização e ao espírito do já referido Landesmuseum na cidade Suiça de Zurique.

         Aí, o visitante tomaria contacto com cinco séculos de “ colonização insulana ”.

         Entra, de seguida, em pormenores do projecto, os quais revelam-nos uma interessante museografia. Numa primeira sala propunha-se a dar uma visão do conjunto do arquipélago, entrando-se, depois, em diversos aspectos da vida económico-social e cultural de cada uma delas. A utilização de maquetas, mapas, fotografias, um animal ao vivo ou embalsamado, a reconstituição no exterior de um lagar e de uma casa de um lavrador remediado, colocam a proposta de Alfredo Bensaúde no capitulo das inovações museográficas. Pelo menos no contexto insular. Apesar de, Luis Bernardo, já em 1921, ter proposto a constituição de uma horta com espécies endógenas.

         Estas soluções de museu ao ar livre, na realidade, não passariam de entidades arbitrariamente selecionadas, senão idealizadas.

         Repare-se. Bensaúde proponha a casa de um lavrador médio, não a casa  do Srº João ou do Srº Inácio. Exemplo acabado desta faliciosa, a nosso ver, encenação é a cozinha do Museu inaugurada em 1940 e ainda a exposição.

         Pretendia  ser um Museu de síntese, desejo sempre recorrente em certa intelectualidade local, porém, então tal como hoje realidade foi mais dura do que o sonho. Tanto mais que a realidade do Arquipélago é múltipla e diversa. Em meu entender.

         Teria falhado, não obstante os apoios, estes traduziram-se em artigos nos jornais mas parcos recursos. A conjuntura nacional não lhe foi propícia.Vejamos. A comemoração do V centenário do Arquipélago sofreu duros ataques de académicos que discordavam da putativa data. Em segundo lugar não devemos esquecer o ambiente político local e nacional. A revolta anti-Salazarista da Madeira e dos Açores, por exemplo. Toda a instabilidade que levou à aprovação e elaboração da nova constituição política e ao endurecimento do regime saido dos escombros da I República. Os problemas economico-financeiros mundiais tiveram repercussão ao nível local. Bastaria folhearmos os jornais locais da época, o que fizemos, para nos apercebermos dos múltiplos bloqueios. A sociedade tinha outras preocupações mais importantes.

         Não obstante a feição contrária dos ventos, ocorrida em 1934, e depois de termos falhado o V centenário de 1933, os membros da comissão continuaram resolutos na prossecussão do projecto do Museu. Alfredo Bensaúde, em nome da comissão, assina um apelo público para por de pé o “ projectado anexo etnográfico “. Aí já não se fala do Museu Etnográfico mas de um mero anexo etnográfico. A designação inicial só será retomada, mais tarde, por Armando Cortes Rodrigues, dentro de um contexto diferente.

         Face à realidade Alfredo Bensaúde  e os seus pares, mudaram o seu entusiasmo e quase se rendem à realidade. No apelo, em forma de artigo, é publicada uma lista de objectos necessários ( considerado ) para o dito anexo. Teve pouco ou nenhum efeito.

         Em 1930, o Drº João Anglin, tinha vindo, a público, relembrar aos inflamados adeptos do Museu Etnográfico Açoreano que não deviam “ enjeitar “ os filhos varões: Museu de História Natural. Discute a nacessidade dos anexos da Graça, onde então o Museu, em parte, estava instalado, para o Liceu Nacional também alojado na Graça.

         Aquelas colecções perdiam-se e quase que não tinham visitantes. Talvez por ser sensata a sua proposta e pelos tempos exigirem sensatez o seu alvitre foi escutado por ouvidos competentes e Santo André não esqueceu a Graça.

         Em 1934, na revista “ Ínsula “, no artigo que ora dissecamos, diz-se que há falta, melhor dizendo, havia falta de meios para fazer face às despesas daqueles que teriam de se deslocar os nove cantos do arquipélago em busca de espécies para o Museu. Pedia-se um maior rigor e contenção nas despesa. Insistia-se, não  obstante todas as dificuldades e contrariedades, que, se assim fosse, e graças à generosidade das pessoas, o anexo seria uma realidade ao virar da esquina. ( Ínsula 1934 ).

         A generosidade, pelos vistos, não foi suficientemente generosa, e, Santo António mais uma vez pregou para os peixes. Dourou-se a pílula, adiantando-se que os doadores teriam o seu nome numa placa e em cada objecto doado. Nem assim.

         Já em 1938, no Congresso Açoreano de Lisboa, surgiram novas propostas vindas até de outras áreas do arquipélago.

         O Capitão Frederico Lopes Junior, discípulo ( segundo confessa ) de Luis da Silva Ribeiro, na sua comunicação intitulada “ Valorização do folclore e criação de Museus etnográficos açoreanos “ ( pag 191 ) propõe ( Luis Ribeiro foi outro congressista ) a criação de pequenos museus regionais nas capitais de distrito e um Museu Etnográfico Açoreano em Lisboa.

          Este último incluiria tudo o que, de alguma forma, ajudasse a caracterizar a vida tradicional do Povo dos Açores. O Grémio Açoreano seria naturalmente a entidade coordenadora do projecto na capital portuguesa. Numa fase inicial admitia a possibilidade de tal se circunscrever ao melhoramento da secção açoreana do Museu Etnológico Drº Leite de Vasconcelos ( pag 194 - Edição 1940. Congresso Açoreano ).

         A intelectualidade Angrense de um mundo habilidoso e subtil assinava a condenação pública do Museu etnográfico de Ponta Delgada ou Museu Etnográfico de Ponta Delgada, não obstante, elogiar o Alfredo Bensaúde e o Luis Bernardo.

         As suspeitas desta estratégia confirmam-se ao lermos os excerptos de uma missiva de Luis da Silva Ribeiro para o Frederico Lopes Junior datada de 1954.

         “ Poderá dizer, desculpe o atrevimento da lembrança, que os micaelenses, criando o Museu há setenta anos, foram os generais precursores dum movimento só agora desenvolvido no país; que o Museu é um documentário de nossa civilização local pelos séculos fora; que só poderá haver uma noção global da cultura açoreana, quando o exemplo de Ponta Delgada foi seguido pelos outros distritos, o que o de Angra já iniciou com a criação do Museu distrital, etc... “ ( pag. 346. )

         E, acrescenta:

         “ ... os samigueis gostam muito disso e no fundo são larachas, que o meu amigo saberá literariamente ornar como ninguém “ ( pag. 346 ).

         E, no mesmo tom:

         “ Haverá rebuçadinhos para todos! E o meu amigo é excelente confeiteiro... “ ( pag. 347 ).

         Em termos políticos administrativos os Açores sempre tiveram mais do que um candidato à liderança ou mesmo se dirá em termos culturais. Cada ilha constitui uma unidade cultural com as suas variantes. À medida que me embrenho nestas questões as minhas dúvidas vão-se, naturalmente, avolumando, ao ponto de ter de honestamente confessar que a realidade cultural açoreana é ainda para mim um aliciante mistério.

         Em 1939, como é bom que se diga, um Decreto-lei da República consagra o princípio de 3 Museus, um em cada Distrito Açoreano.

         Abramos o jogo. Cada ilha pode ter e tem mais do que ( hesito no termo! ) uma unidade ( não estou satisfeito - mas faltando-me melhor... ), sucedendo que esta pode ser curta para explicar toda a sua riqueza etnológica. Como se poderá falar do ciclo do cultivo do trigo à farinação sem se estudar as suas ramificações inter e extra - ilhas ?

         Passa-se assim na História, passar-se-à de outro modo na etnologia?

         São Miguel abastecia o biscoito a Angra que por seu turno abastecia a guarnição do castelo e as armadas. A farinha cultivava-se ( disparate - o trigo cultivava-se ) na cintura cerealífera da Ribeira Grande e de Ponta Delgada e eram os grãos moidos nos moinhos do primeiro. A musealização desta temática não nos forçará ( palavra forte demais, talvez ) a evidenciar esta ligação ?

         Retomemos o fio à meada. Basta de devaneios.

         Luis Bernardo, elogiado pelo Capitão, apresenta o seu projecto de sempre numa comunicação justamente intitulada “ A secção de Arte do Museu de Ponta Delgada e a sua missão educativa “. A antropologia de Arte, ou a Sociologia da Arte ou a etnografia artística é um fio condutor no pensamento e na obra de Luis Bernardo. No Relatório final publicado ainda em 1938 a páginas 20 recomenda-se às instâncias superiores que:

         “... sejam dadas maiores possibilidades ao Museu Etnográfico de Ponta Delgada e criados Museus semelhantes em Angra do Heroísmo e na Horta, a fim de ser recolhido o abundante material etnográfico açoreano, ainda existente e em risco de desaparecer,tal como utensilios de industrias caseiras, indumentárias, mobiliário, etc...” ( )

         É, talvez, simptonniálico que, apesar do elogio do autor, ninguém neste congresso tenha defendido o projecto museológico de Bensaúde.

         Era uma proposta, diriamos, laica e deliberadamente menos ideológica, talvez mais de cunho internacional, apesar da sua intenção regional. Este congresso em nosso entender, marca ( é ) o triunfo do regionalismo nacionalista do mesmo tipo do de Luis Chaves. Apesar e talvez por não ser um etnólogo Bensaúde ( com quem, pelos vistos simpatizo ) fez uma proposta decente e interessante do ponto de vista museográfico. Pena foi que ele não tenha conseguido levar a cabo o seu intento.

         O mesmo penso e sinto do projecto do Luis Bernardo. Acredito na diversidade do discurso museológico. Alfredo Bensaúde, sai do projecto em 1937, alegando motivos particulares e, morre em 1941 em pleno conflito mundial.

         Talvez não seja dispiciendo dizer-se que Bensaúde era um orgulhoso e convicto Judeu.

         O D. L. nº 30 : 214 de 22 / 12 / 1939, I série número 298, artº 240. 60 - sobre a criação e manutenção de Museus de Arte regional e de história natural, consagra, tal como já foi aludido, em cada Distrito Islenho, uma nova tipologia que se encaixa, quase como uma luva, nos projectos de Luis Bernardo e Luis Ribeiro. O primeiro oscilou entre o regionalismo e o internacionalismo para depois optar pelo regionalismo. Achava o futurismo o bolchevismo na arte.

         A necessidade de divulgar o trabalho de pesquisa levou a que surgissem nas ilhas várias publicações. Em 1932 é constituida a Sociedade de Afonso de Chaves e 2 anos depois esta Sociedade edita a revista “ Açoreana” destinada a vários estudos, incluindo os Etnológicos.

         Em 1940 é a vez do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira com o objectivo confesso de, para além de dar voz aos investigadores e aos estudos açoreanos, segundo a tradição interrompida do Arquivo dos Açores, servir a politica do Instituto, mormente, na sua tentativa de formação em Angra de um Museu de uma Biblioteca e de um Arquivo.

         Este Instituto, e este movimento, girava em torno de Luis Ribeiro e congregava inúmeros intelectuais angrenses. Propunham-se pugnar pelos estudos etnológicos. ( )

         Em finais de 1943 saiu o primeiro número de Boletim.

         1944, em Ponta Delgada surge a Revista Insulana, orgão do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Também ele professa o seu interesse pelos estudos etnológicos.

         Carreiro da Costa em 1945, inicia a sua colaboração radiofónica no então emissor regional dos Açores. Os seus trabalhos, agora a serem editados, eram lidos aos microfones e debruçavam-se sobre o folclore e a etnografia. Tiveram um enorme impacto na população, ouso dizer que mais ainda do que aquilo que saía nos boletins.

         Mas, afinal, o que é que acabou por ser a secção etnográfica do Museu Carlos Machado ?

         Apresentando de novo em 1938 no congresso o seu projecto de arte e deixando na gaveta a proposta de Bensaúde, que, entretanto se demitira, Luis Bernardo é convidado a montar uma exposição no âmbito da etnografia tão em voga na época enquadrada na comemoração dos centenários de 1940. Aceita e beneficia, finalmente, de algum apoio monetário e herda o pouco que já se havia recolhido.

         Será mais correcto dizermos que não sabemos o quanto teria sido recolhido anteriormente.

         Rodeia-se do pintor naturalista regional Domingos Rebelo a quem não se cansa de regatear elogios que lhe faz as maquetes. É curioso adiantar que, por acaso demos de caras com uma aguarela de uma cozinha parecida com a do Carlos Machado publicada por Domingos Rebelo numa revista sua mas assinada por uma senhora. Será a mesma ? Resultado.

         Não foi, seguramente, como se esperaria, a mostra do arquipélago, mas amostra do Distrito Orientar do Arquipélago.

         Em segundo lugar, vejamos o que nos disseram os jornais da época e, em último instância, o próprio Leite de Ataíde.

         Começemos pelos jornais.

         O articulista descreve empenhadamente em estilo neo-romântico ( resquícios de Castilho ? ) a exposição inaugurada a 14 de Agosto de 1940.

         Descreve-nos a “ celebrada “ cozinha como se tratasse de uma interpretação de um quadro naturalista regionalista de Domingos Rebelo. Aliás, seu autor atribuido.

         A sua legitimidade alicerça-se no projecto de 1920 de Leite de Ataíde. Os objectos poderiam ter tido um tratamento mais etnográfico e menos pictural, sobretudo menos naturalismo regional e mais verdade científica ? É dificil julgar o passado no presente ?

         Aquela cozinha, deixe-me desabafar, parece-me uma espécie de tela Rebeliana em três dimensões a ilustrar a catequese do estado novo ( minúscula de propósito.)

         Anima-a uma recreação hipotética e neo-romântica ( naturalismo nacionalista tem, em certa medida, esta componente ) radicada no seu já explicado e comentado e dissecado conceito de arte regional.

         Não será de modo algum legitimado pela espécie de coerência intrísseca ou verdade inerente que parece saltar dos A.T.P. de Rivière ou dos Museus ao ar livre Suecos ou as mesealizações de setio.

         Atalho de foice, no entanto, direi que em 1944, Luis Bernardo propõe e é atendido na musealização “ in loco “ do fontenário quinhentista da Ribeira Seca da Ribeira Grande, seguramente, uma das primeiras experiências no género conhecidas nos Açores.

         Para além das recriações da cozinha e do quarto de cama em ( pseudo) situação, a exposição de 1940 continha outras soluções igualmente tradicionais.

         Todas as cenas foram recriadas por Domingos Rebelo, orientado cientificamente por Leite de Ataíde, que, recorre à maqueta, a manequins em tamanho natural ou à escala.

         Entre todo o mais, foram expostos azulejos lagoenses ( objecto de várias exposições industriais no Continente e galardoados com vários e honrosos prémios, e, no meio do “ bric - à - brac “: algemas, uma menina de cinco olhos ( ? ), copos de chifres, uma boceta que fora de Gungunhana.

         Institucionalizava-se, assim, o tipo de Museu de região que expõe indiscriminadamente tudo, descurando o tratamento da Região em cuja sede se situava. Durante muitos anos foi assim aqui como em todo o território nacional ).

         É a época ( será que já foi completamente irradicada ? ) da proleferação “ ad infinitium “ de réplicas do mesmo tipo de Museu expondo quase sempre coisas mais ou menos semelhantes, rivalizando entre si em raridade, tais como bezerros de duas cabeças e boçetas de Gungunhana, sem um critério integrador.

         Luis Bernardo, no seu discurso inaugural, confessava que todas aquelas velharias tinham um valor moral. Tal valor levaria o visitante ao culto das tradições e ao orgulho de se sentir português e açoreano.

         Em outra escala, 1940 em Ponta Delgada equivaleu a 1940 em Lisboa, na Praça do Império, ou, já agora, a todas as vilas, cidades e aldeias em que os centenários foram comemorados.

         A comemoração da raça e do orgulho desta no seu chefe supremo que a tinha livrado da bancarrota e da catástrofe da II guerra mundial criando um oásis de paz cujos epicêntros se situavam em Fátima e em Belém.

         Muito do que Luis Bernardo disse, é bom reafirmá-lo, não passava de retórica adequada às circunstâncias, porém, não se livram de utilização ideológica do trabalho etnográfico.

         Até agora temos vindo a referir sobretudo as colecções públicas, a partir de agora tentaremos tocar nas particulares.

         Tanto quanto sabemos, pouco ou nada existirá sobre o assunto. Segundo Néstor de Sousa não se poderá falar própriamente, pelo menos em alguns casos, colecções “ strictu sensu “ mas de conjuntos utilizados e recolhidos com fins decorativos exceptuando-se a recolha de espécies florais.

         Os “ gentlemen farmers “ micaelenses do século XIX, teriam comprovadamente possuido colecções de arte. O Conde de Jácome Correia, na transição do século e inícios do nosso, recolheu um bom acervo azulejar desde os espano árabes até ao século XIX, onde se inclui frontais de altar, registos de Santos, silhares de albarradas etc...

         Ressalta a sua intenção sistematizadora. Parte, ínfima, deste fundo veio a ser oferecida ao Museu Carlos Machado.

         Os bens móveis da Igreja Conventual foram após 1832 redistribuidos pelas paróquias pobres do arquipélago. Já o disseramos.

         A igreja secular, não hostilizando e em parte colocando-se ao lado dos liberais, consegue manter  incolumene os seus bens e vê-los aumentar à custa dos odiados conventos e dos execráveis frades e freiras.

         Na Iª República, também não nos parece, que ( pelos menos aqui nos Açores ) ela tenha sido tão beliscada como o foi em certos locais do Continente, exceptuando-se, porventura, a obrigatoriedade de depósito ( ? )

do seu arquivo morto nos Arquivos Distritais Insulares ou de algum bem de raíz, que, acabou por lhe ser devolvido, a bem, pelo Estado Novo. É evidente que a Igreja foi apertada de outros modos, mas não nos parece que ela tenha sido desapossada de alfaras do culto, por exemplo.

         Assistia mesmo ainda no século XIX, o embrião do Museu de Arte Sacra na Igreja Matriz de Ponta Delgada que era detentora de umas fanusissimas e  vetrestas casulas objecto de vários estudos e que tenham estado expostas em 1882 em Lisboa nas Janelas Verdes.

         Em 1900 excotina o Museu do Seminário Diocesano em Angra do Heroísmo. Inclusivé, recebera doações do Coronel Afonso de Chaves ( história natural ), ou ainda o Tesouro do Santo Cristo.

         Para além destes, já nos referimos ao importante Arcano Místico, às colecções do Dr. Choque ( nome curioso! ), às dos Drs. Carlos Machado e de Bruno Tavares Carreiro ( herbários depois oferecidos ao Museu ) e ainda às estampas do António Feliciano de Castilho.

         Não deixaremos de aprofundar esta temática, dentro do possível, ao longo do nosso Mestrado.

         Desconheço até ao momento, e, perdoem-nos as prováveis omissões, a existência de outros núcleos privados. À pouco encontrei referências no Luis da Silva Ribeiro a um professor Manuel Dionísio, da Cidade da Horta, e ao seu curioso Museu, que, entre muitas coisas, possuia objectos etnográficos.

         Após este breve parentesis, regressemos às colecções públicas.

         Seguindo-se ao Drº Leite de Ataíde e sucedendo-lhe na direcção da etnografia em Dezembro de 1948 ( ? ), surge-nos o Dr. Armando Cortes -Rodrigues. Armando Cortes -  Rodrigues  fora um dos jovens companheiros do Orpheu de Fernando Pessoa onde colaborara e escrevera, entre outros pseudónimos, e o de Violante de Cisneinos. Regressado à ilha adere a um ca tolicísmo muito conservador, posteriormente abraçando um exacerbado nacionalismo.

         Apresenta, de acordo com as ideias de Luis Chaves, nova proposta museográfica para a etnografia, Veja-se o vol. V, pág. 303 da “ Insulana “ de 1949. À data era Director de uma secção de etnografia do Carlos Machado; já não de arte e etnografia.

         Pretendia, como confessava, continuar a obra de Luís Bernardo, porém, a sua orientação é outra, é a de Luís Chaves.

         “ Ora não só deveríamos ter uma colecção folclórica completa, referente a esta ilha, mas não  seria sonho irrealizável possuirmos ali um dia o nosso Museu de Arte Popular Açoreana, correspondendo para ( correspondendo ) as ilhas do Arquipélago ao que em Lisboa se fez para as províncias de Portugal “.

         ( pág. 322 - Insulana - vol. V - 1949 )

         Retoma a ideia de Museu. Tal inserir-se-ìa no esforço alardeado e iniciado pela S. N. de Propaganda em 1933 que se dedicara a dar importância à etnografia e ao folclore para o renovo de tradições já esquecidas pelo reacender do interesse pela Arte Popular Portuguesa. Nunca a etnografia, ao que parece, teve tanta acertação oficial, como neste período.

         Às razões económicas aduzidas por Leite de Ataíde em 1920, juntaram-se as ideológicas, já então prenunciadas mas só mais tarde elaboradas em termos de complemento ( ? ) de doutrina da Revolução Nacional.

         Por toda a parte se organizaram ou se pretenderam organizar Museus de Arte Popular. Ponta Delgada também se juntou ao coro daqueles que protestaram o desmantelamento do Museu protótipo na Praça do Comércio. Também cá ( S. Miguel ) se organizaram cortejos etnográficos, grupos folclóricos, etc...

         Encoraja-se  os responsáveis a protejer e a incentivar os programas de recolha e de divulgação do folclore. O Emissor  Regional dos Açores, nos anos 40, e , o grupo foclorico , na de sessenta , corporizam estas ideias.

         Rodrigues dizia que as salas de etnogarfia eram , ou deveriam ser verdadeiros panoramas da vida laboriosa dos Açores.

         Lança um apelo ( idêntico ao de 1934 ) às Juntas Gerais e a todas as edilidades islenhas a solicitar-lhes objectos de arte e de uso diário do povo para se fazer em São Miguel uma sala aberta aos Açores onde se desse uma visão global das ilhas.

         Tal como o apelo de 1934 o de 1949 teve mesmo desfecho: o insucesso. O etnólogo de mangas de alpaca, de fato e gravata, arredio do “ campo “ socobrava de novo.

         Sem museu etnográfico açoreano, sem museu de arte popular, São Miguel, resigna-se ( ? ) ao museu possivel, do museu heteróclito que hoje em dia se tenta reformular. Felizmente que, para  alguns, a ilha já não é só Ponta Delgada.

         Em Angra, o caso muda de feição. O Museu Distrital foi criado pelo D.L. 37.358 de 30 de Março de 1949. Antes já havia recolha, sobretudo fruto do labor do capitão Lopes e do próprio Luis Ribeiro.

         Em todo o caso só virá a ser inaugurado no Palácio Bettencourt em 1957. Foi o seu obreiro  outro discípulo de Luis Ribeiro, o Dr.  Baptista de Lima e cortou a fita o então Presidente Craveiro Lopes.

         Em dois artigos vindos a lume no Diário  Insular de Angra em 1949, e mais tarde reunidos no III volume de “ Obras “, L.S. Ribeiro, muito sucintamente, como parece ter sido o seu timbre, espõe o que entendia por Museus.

         Abre a sua argumentação dizendo que os Museus não deveriam existir para desfastio cultural das pessoas  mas que existiam para concretizar finalidades educativas e recriativas. Estes dois conceitos acabam por ser interessantes ( de certo modo Luis Bernardo já o dissera e praticara ) no panorama museológico açoreano da época, tanto mais que, apresenta um contraste para melhor entre estes e os arroubos ideológicos  de Armando Cortes Rodrigues em artigo já referido e sendo no mesmo ano.

         Do ponto de vista técnico - científico parece-nos um texto coerente, equilibrado e moderno o segredo de uma boa exposição museológica residiria, continuaria, depois de ter tido oportunidade de visitar alguns Museus em Colónia, Hamburgo..., no método utilizado na exposição na preparação do ambiente.

         “ Cada obra de arte valoriza-se pelo lugar que ocupava, pela luz que a iluminava, pela companhia que lhe tinham dado, compreendi que havia normas a observar na organização de um Museu “. ( ) e continuava deslumbrado:

         “ Cada sala que via dava-me uma impressão de conjunto e de pormenor “         

         No segundo artigo particulariza e aplica-o ao Museu que, então, se pretendia reunir em Angra do Heroísmo.

         Para além daquilo que comumente os diversos projectos tinham vindo a repetir L. S. Ribeiro apresenta, em meu entender uma sólida e actual proposta de um certo Museu Distrital, que, na prática não o seria e, talvez, muito bem.

         “ Só uma visão de conjunto no arquipélago pode dar a justa apreciação da cultura popular em cada ilha, ... “ ( pag. 235. vol. III ). Já havia dito que:

         “ Não é, evidentemente um Museu Açoreano; a reunir num Museu Distrital os indispensáveis elementos de comparação “. ( )

         Por a etnografia ser essencialmente discritiva e comparativa, dizia, tal aconcelhava a que o Museu fornecesse o maior número possível de termos de comparação .Como  acessórios deveria ter, pois, sem prejuizo do seu carácter regional, objectos similares ou pelo menos fotografias deles, enquanto se não arranjassem, das outras ilhas dos Açores “ ( )

         E, continuava :

         “ Há em todas, como é natural um fundo comum de cultura popular,

mas notam-se diferenças superficiais atribuidas talvez à província ou províncias de Portugal que mais contribuiram para o povoamento de cada ilha. Sem conhecer essas variantes não é possível ( ter ideias perfeitas da cultura das ilhas do Distrito “. ( pag. 235 )

         Baptista de Lima,  aluno do  1º Curso de Conservadores do Louvre, onde conheceu Charles, Henri Rivière , regressado a Angra, transforma aos poucos e poucos o Museu daquela cidade.

         Segundo Rui Martins ( que o conheceu antes do terramoto de Janeiro de 1980 ) ele teria sido um dos introdutores da museologia e da museografia Riveriana no nosso país. Recorreu aos métodos e às técnicas expositivas advogadas por Rivière. Pena foi que o “Terramoto “ tenha posto côbro a esta interessante experiência.

         Recolheu para o Museu de Angra (ele próprio ) espécies desde as Flores até Sta. Maria tentando constituir um Museu de síntese.

         Possuem a maior colecção de modelos de barcos em todo o país. Ainda na década de 80, Maduro Dias, seu  díscipulo, continuava a propor o Museu de síntese Açoreano.

         Em 1976, Eduíno Borges Garcia, no  congresso da A.P.O.M. apresentava um plano de ecomuseus e acção cultural para os Açores, que, não teve, até hoje, qualquer ressonância prática.

         O Museu Carlos Machado, Néstor de Sousa, pretende levar a cabo uma transformação.

         No mesmo congresso da A.P.O.M., explorou a sua proposta. Sobretudo, pretendia transformar o Museu num centro de investigação, e, ao mesmo tempo, um centro de educação.

         Entre as várias secções propostas em 1976, sobressaiam as dedicadas aos transportes ( recolherá as velhas locomotivas da doca ), à numismática é a farmácia antiga. Sob a mesma direcção e já em 1983, Clarinda Moutinho dos Santos, técnica superior da secção de etnografia do Museu Carlos Machado, organizou uma exposição sobre a olaria e cerâmica de São Miguel. Na década de sessenta, D. Luísa Ataíde, filha do falecido Luís Bernardo, tinha já organizado uma sala de brinquedos infantis.

         Eduíno Borges Garcia, natural de  Ponta Delgada e radicado por motivos profissionais no  continente, proponha, tal como já dissemos, a criação de um ecomuseu, arquivo dinâmico da Região, todavia, para não se confundir com  aquilo que classificava de Museus “decrépitos” preferia o termo ecomuseu .

         “As colecções dizem respeito ao homem e ao ambiente da Região “, cabe no seu âmbito a história natural, a história regional, a arqueologia, etnografia e a Arte, sobretudo os temas e os autores regionais.

         1- O ecomuseu, este, deveria ser um instrumento, uma forma de educação centrada na consciêncialização do próprio Homem, quanto às riquezas culturais e naturais da Região ( o homem e o seu ambiente ) e tendo em vista o aproveitamento racional de recursos e de bens culturais pelas comunidades humanas de hoje e do futuro  “ ( E. B. Garcia ) .

         Desejava que o Museu funcionasse realmente como um  complemento objectivo da escola e do livro.  Na sua acção cultural, Museu e escola, coordenadamente, convergiriam para a educação da comunidade.

         E ficamos, por ora, por aqui, em finais da década de setenta, deixando o período posterior para outro trabalho.

         Em todo o caso, diremos que , pelo nosso banco de dados, e num breve sobrervo, este segundo capitulo terá a ver com alguns aspectos já indiciados  na década de setenta.

         As experiências novas levadas a cabo vão deixar de ser apanágio dos Museus clássicos e dos Museus da tutela do Governo Regional cedendo o passo às autarquias. A nova museologia nos Açores ( senão arredada dos Museus do G. R. exemplo do da Graciosa por exemplo ) tem sido impulsionada e, graças a Deus, de fora destas estruturas.

 

 

 

 

Ribeira Grande 24 de Outubro de 1993.

Noite cerrada - 19 :00 horas.

 

 

 

 

 

 

         Acta da Sessão da Câmara Municipal de Ponta Delgada de 3 de Novembro de 1910 - ( Relatório do Coronel  Afonso de Chaves )

 

         “ Correio dos Açores”- 16- 02- 1930-

         “ Drº Leite de Vasconcelos -” “O museu etnográfico açoreano - um apoio.

 

“ Correio dos Açores “- 5 / 02 / 1930 - Luis Bernardo Leite de Ataíde “ O Museu Etnográfico Açoreano: um novo apelo:

 

 

“ Correio dos Açores “-1 / 02 / 1930 - Luis da Silva Ribeiro- “ O Museu etnográfico Açoreano “.

 

 

“ Correio dos Açores “- 22 / 02 / 1930 - Drº João Anglin - “ O Museu Municipal Carlos Machado “

 

“Actualidades “- 21 / 03 / 1897 nº 64 - Perfil do Drº Carlos Machado feito pelo Aristides da Motta.

 

“ Diário dos Açores “- 24 / 04 / 1901.

Homenagem ao Drº Carlos Machado.

 

 

“ Correio dos Açores “- 22 / 02 / 1930 .

“ O Museu Etnográfico Açoreano - um apoio da imprensa de Angra.

 

“ Diário dos Açores “ - 15 de Junho de 1880.

Inauguração do Museu Carlos Machado.

 

“ Açoreano Oriental “- 23 de Dezembro de 1848.

Anuncio [ S. dos Amigos das Letras pede objectos e divulga o horário da exposição ]

 

 

“ Correio dos Açores “, 5 de Janeiro de 1930 - pags.1 a 4.

         “ Alfredo Bensaúde, o Povo Açoreano e a urgência de o estudar. O Drº Alfredo Bensaúde sugere à Comissão do V Centenário do Descobrimento dos Açores a fundação dum Museu Etnográfico Açoreano “.

 

Bensaúde, Alfredo, “ Etnografia Açoreana - Um apelo dos açoreanos patriotas “- in Ínsula - Junho de 1934.

 

 

“ Correio dos Açores “- 17 de Agosto de 1940.

A Exposição Etnográfica Regional: Evocação do labor do bom povo micaelense - Escrínio dos costumes e tradições da terra .

 

 

“ Correio dos Açores “, 11 - 1 -1931 - pag. 1.

“ Museu de Etnografia Açoreana e Conventual - um acordo entre a Junta Geral e a Câmara.

 

Vasconcelos, Drº Jorge Gamboa de, “ No Centenário do nascimento do Drº Luis Bernardo “- Insulana - 1983 - vol. 39.

 

Vasconcelos, J. Leite de, “ Etnografia Portuguesa “ - Certame de Sistematização “- vol I, I.N.C.M. 1980.

 

Moniz, Teotónio da Silveira,  “ Naturalistas estrangeiros nos Açores “ - Insulana Vol. IV , 1948. nº 1 - 63 - 69.

 

“ O Agricultor Micaelense “ - 1843 a 1848.

 

“ O Agricultor Micaelence “ - 1849 - 1852.

 

Chaves, Francisco Afonso,  “ Paramentos Religiosos do sec. XIV das Igrejas, Matriz de Ponta Delgada, e do Collegio de Angra do Heroismo, , in Revista Micaelense, 1919 - pág. 255 a 259 .

 

Estatutos da Sociedade dos Amigos  das Letras e Artes de S. Miguel - 1849.

 

Garcia, Eduino Borges,  “ Ecomuseus e acção cultural ( Um programa para os Açores )  in Actas A.P.O.M.  1977, pág. 57 a 67.

 

Lopes, Frederico, “ Folclore e Museus etnográficos “ - Actas do I Congresso açoreano de 1938,  191 - 195.

 

Ataíde, Luís Bernardo Leite , “ Museu de Ponta Delgada (secção de Arte ) “

- in Actas do I Congresso Açoreano de 1938, 204- 208.

 

Baptista de Lima, Dr. Manuel Coelho, Instituições Culturais devidas à acção do Instituto Histórico da Ilha Terceira ( projecção do pensamento do Doutor Luís Ribeiro ) [ história do Museu de Angra entre outras instituições ] - in Memuriam de Luís da Silva Ribeiro - S.R.E.C. - 1982,  pág. 7 a 93.

 

Ribeiro, Luís da Silva,  “O Museu “, Obras , vol. III - Vária - Angra 1983 - pág. 233 a 235 ( foram primeiramente publicadas no Diário Insular de Novembro e Setembro de 1949 ).

 

Constância, João Paulo, contribuição para o Estudo do Departamento de História Natural do Museu Carlos Machado [ Curso de Museologia]- Lisboa 1992.

 

Ataíde, Luís Bernardo , “ Uma fonte do século XVI “,Insulana vol. I, 1944 , nº1, pág.77 a 85.

 

Cabral, José Maria Alvares , “ A importância dos Estudos de Ciências Naturais nos Açores e papel que os mesmos podem desempenhar as bibliotecas e Museus existentes no Arquipélago , principalmente o de Carlos Machado, em Ponta Delgada - “ Semana de Estudos Açoreanos , 1964.

 

Congresso Açoreano “ Relatório Geral e notas finais “- edição Grémio dos Açores, Lisboa 1938.

 

Lista de Correspondência Recebida - 2-11-1923 a 29-12-1943 -Carlos Machado ( manuscrito ).

 

Lista de Correspondência expedida - 2-6-1926 a 30-10-1952.

 

Anglin, Dr. João, “O Museu Municipal de Carlos Machado “, Insulana, vol.I

1944, nº 2 - pág. 231 a 253.

 

Ataíde, Luís Bernardo , “ Organização de Museus em Ponta Delgada “ - Revista Micaelence nº 3 Setembro de 1921.

 

Livro do Primeiro Congresso Açoreano que se reuniu em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938 - edição Casa dos Açores, Lisboa , 1940.

 

Rodrigues, Armando Côrtes - , A Etnografia e a sua aplicação no Distrito de Ponta Delgada, Insulana , vol. V , nºs 3 e 4 , 1949, págs. 303 a 330.

 

Insulana vol. XIV, 1º semestre - 1958 [sobre o 1º Centenário do nascimento do Coronel Francisco Afonso de Chaves ].

 

Casimíro, Dr. Agnelo ,” Castilho e a sua acção cultural na ilha de S. Miguel”, vol. IV , nsº 2 e 3 , 1948.

 

Sousa, Néstor de , “ Museu Carlos Machado Ponta Delgada; Da Fundação ao presente “ A.P.O.M. - informações - nº 16 - Maio - Setembro 1977, págs. 4 a 12.

 

Sousa, Néstor de , “Projecto de Restruturação do Museu Carlos Machado “,

in A.P.O.M. de 1977 , pág. 93 a 96.

 

Ataíde, L. B. , As secções de Arte e Etnografia do Museu Carlos Machado - Ponta Delgada, 1944.

 

Ataíde, Luís Bernardo Leite de , Etnografia Arte e vida Antiga dos Açores, vol. I, II, III, IV;  72- 74, Coimbra.

 

Vasconcelos, J. Leite de, Mês de Sonho,  2ª edição, - I. C. Ponta Delgada - 1992.

 

Ribeiro, Luís da Silva, “ In Memoriam de . “ S.R.E.C.- Angra - 1982.

 

Ribeiro, Luís da Silva, Obras , I, II, III , vols. Angra do Heroísmo , S.R.E.C.- 1982, 1983, 1983.

 

Sousa, Néstor de - “ O Pintor Domingos Rebelo em tempos de Açoreanidade artistica”, Separata Insulana, Ponta Delgada 1991.

 

Código de Posturas da Câmara Municipal de Ponta Delgada - Ponta Delgada -1914.

 

Museu de Região - Pólo de Dinamizador de acção cultural- Actas da A. P.O.M. 1977 [ Ponta Delgada 2 a 9 Outubro de 1977 ] A.P.O.M. Lisboa 1982.

 

“ Correio dos Açores “ - 11/ 01/ 1931. Museu de Etnografia Açoreana e Conventual- um acordo entre a Junta Geral e a Câmara Municipal.

 

“Diário dos Açores “ , 9/03/1992 - O Museu Municipal .

 

Diário do Governo - ano 1836 - circular 25 de Agosto de 1836.

 

Correio Micaelense nº 414 pág. 1611 2-9-1854 - Necrologo de Dr. João Anselmo Choque.

 

“ A Persuasão “ - 31 de Julho de 1901 - “ Ponta Delgada” : A nossa exposição .

 

“ Correio dos Açores “ , “ Etnografia Açoreana “ Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde” - 5 de Novembro de 1920.

 

 

 

 

 

 

 

 

        

 



[1] Gil, Prof. Drº fernando Bragança “ Museologia : Ciência ou apenas prática profissional no Museu ? “ Lição inaugural do Mestrado em Museologia  e Património, Universidade Nova de Lisboa, 8 de Março de 1993.

[2] Anglin, João.

[3] Sousa, Néstor, actas da A.P.O.M. 1976.

[4] Moutinho dos Santos, Clarinda “ Catálogo da Exposição” . “Olaria e Cerâmica dos Açores - Etnografia Regional” - M. Carlos Machado 1983.


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