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Memórias dos Moinhos da ribeira Grande Um percurso pedestre à terra dos moinhos de água

Mário Fernando Oliveira Moura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Memórias dos Moinhos da ribeira Grande

 

Um percurso pedestre à terra dos moinhos de água

 

 

{

 

 

Ribeira Grande - São Miguel - Açores- 1997

 

 

 

 

 

Ribeira Grande, terra farta e cheia,

Só para aquele que colhe

E nunca para aquele que semeia...

Nascente e mãe da água

Que vai correndo em direcção ao mar,

Alimentando os moinhos

Que não param de girar,

Regando os campos e as hortas,

Rumorejando nas retortas

Produtoras de energia,

Que muitas vezes a custo,

No seu marasmo vetusto

A nossa gente alumia...

 

Albano Cordeiro

in Mercê da Saudade

 

«Anda o moinho moendo

Para a pobreza o seu grão;

Vai o moleiro vivendo

Da maquia que lhe dão»

 

In Cancioneiro Geral dos Açores, vol. 3, p.161

 

 


I

1 Introdução

 

 

Quero começar esta história pela ‘estória’ do Gato das Botas, tal como a ouvia contar de minha avó materna Palmira Salgado, nascida na Horta, filha de um micaelense de Vila Franca e de uma Picarota de São Miguel Arcanjo:

 

«Havia, há muitos, muitos anos, um moleiro que tinha três filhos, tudo homens. Chegando ao fim da vida chamou todos os três e distribuiu, entre eles, todos os seus bens. Ao mais velho coube o moinho, ao do meio, o burro e ao mais novo, deixou um gato... e aí por diante.»

 

Escrever um roteiro dos moinhos da ribeira Grande, destinado em primeiro lugar aos ribeiragrandenses e, em segundo lugar, a todos quantos nos visitam, é não só escrever sobre a ribeira e a Ribeira Grande, do século XV ao presente, mas explicar as suas relações com outros espaços. Já no século XVI, Frutuoso referia-se aos moinhos da ribeira Grande como os melhores das Ilhas e do Reino. Ainda em finais do século XIX, Francisco Arruda Furtado escrevia que aqui se situava o principal centro moageiro da ilha.[1] Na década de quarenta deste século, Ventura Rodrigues Pereira mantém a opinião. Hoje, 1997, são os únicos e os melhores de todas as ilhas. É escrever sobre a actividade mais perene e relevante nos cinco séculos de existência desta urbe, a que dinamizou o seu aproveitamento sócio-económico. Escrever sobre a ribeira é escrever sobre o seu poder, a luta pelo seu controle, a sua área envolvente, todas as actividades que ela promove e sustenta.

Esta  sugestão de circuito pedestre, que agora se passa ao papel, consta de 6 Postos obrigatórios, próximos da área imediata da cidade da Ribeira Grande e de um, facultativo, mais longe. Aconselha-se, ainda, a visita aos moinhos da Ribeirinha, um ainda activo, a alguns na Viola, Nateiro e Calhambares, já inactivos, na Maia e Lomba da Maia, um na Achadinha e outro na Vila do Nordeste onde existem dois em actividade.[2] Os moinhos da ilha de São Miguel estavam, grosso modo, divididos entre, graças às condições existentes, vento, água ou força animal, na banda ocidental, terra de poucas ribeiras, para além de poucos de água e das atafonas, eram essencialmente moinhos de vento, na banda oriental, foi o oposto, essencialmente moinhos de água. Destes de água, além da diferença entre as azenhas e os de rodízio, registam-se, de acordo com a terminologia utilizada e a arquitectura do moinho, pelo menos duas áreas: a da Ribeira Grande e, grosso modo o resto da área oriental.[3] Até ao século XVII, foram todos de água ou atafonas. No fundo a ribeirinha deveria entrar neste circuito dos moinhos da ribeira Grande porque ambas têm funcionado em complemento, por exemplo, na altura da peste em 1520’s, os daqui foram lá moer, ou em outros casos extremos, de lá vêm quando escasseia a água, além do mais, para o moleiro da ribeirinha, ter ou trabalhar num moinho da ribeira Grande era como, para o jogador de futebol português, ir jogar para os três maiores clubes. Registam-se ainda excepcionalmente, no primeiro quartel do século XVI e, no terceiro quartel do século XIX, moinhos na Ribeira Seca.[4] Era também uma questão de prestígio.[5] Deverá tentar falar com os últimos moleiros. Externamente poderá observar a altura, colocação dos cubos e, aproveitando uma mãe d’água comum, um sistema de moinhos em cadeia. Normalmente um só moleiro trabalhava vários moinhos. O percurso na ribeira Grande, idealmente deverá ser feito em dois ou três dias. Porque é tentar compreender a relação de uma ribeira com a comunidade aconselhámos a percorrê-la desde as nascentes das Lombadas e Monte Escuro, à foz, no areal da Ribeira Grande. Este último circuito, tanto poderia ser feito antes como depois dos seis primeiros.

Não se esqueça  de que, mesmo ao falarmos de edifícios e de coisas mais, estamos sempre a falar de pessoas, umas ainda vivas outras já falecidas, a pessoas, ainda vivas. Não se esqueça igualmente de que, apesar de falarmos deste espaço, desde o século XV, estamos aqui e agora, entre pessoas que circulam nas ruas, pessoas que trabalham no comércio e demais serviços e indústria. Seria um erro olharmos tudo isso, sem as vermos. 

 

1.2  Motivos e motivações que nos levaram à elaboração deste roteiro

 

Em primeiro lugar porque, ao contrário do que  supunha e gostaria, os moinhos estão mesmo a acabar. Até ao dia 14 de Fevereiro de 1997, dia em que vi o camião do Carlinhos mais cheio de ração e de batatas do que de farinha, julguei que, pelos vistos erradamente, o moinho estava numa situação desafogada. No mínimo está a passar uma  crise, grave ao que parece. O novo gosto pelo pão de milho poderia salvá-lo, todavia, os milhos utilizados são uma mistura de milho local e americano, sendo este último um híbrido genético acusado de causar mais mal do que bem. A não ser que surja algum milagre imprevisto, será desta a morte do moinho e a transformação do moleiro. Surgirá o vendedor ambulante de frutas e legumes que competirá com os demais vendedores ambulantes que da Ribeira Grande partem para toda a ilha.

Não sou moleiro nem tenho moinho, mas cresci no coração da terra dos moinhos, entre a ribeira e a vala da Condessa, junto a uma velha família de moleiros e farinheiros com quem a minha foi entretecendo laços de profunda e sólida amizade a ponto de meus pais se fazerem  seus compadres e de nos considerarmos seus filhos. Seria mais correcto dizer-se que cresci mais os meus irmãos na casa ao lado, na casa da comadre Conceição e do compadre Aurino. Este casal acaba por estar ligado por laços familiares a quase todos os moinhos, farinheiros e moleiros desta área. Pertencem aos «Albertos», família de moleiros, farinheiros, quarteiros e rendeiros de moinhos que, segundo Cisaltina Vieira, também «Alberto», 92 anos em 29 de Maio:

 

«Ali para cima [Trás-os-Mosteiros] era tudo Albertos. Casavam-se uns com os outros. E aqui mesmo no Adro das Freiras. A minha avô teve cinco raparigas e dois rapazes. O António, mais velho, pai do José Moniz, aqui defronte, a Evangelina, mãe da Estrela, mulher do José Moniz, são primos, a Estrela, mãe do José Massa,  Francelina, avó do Luís Pinheiro, mãe do José Maroto, também aqui defronte, o Manuel, pai do João Alberto, da Conceição do Aurino, da Geraldina do Correia, a Júlia, mãe de Maria Amélia Vieira, na América e a minha mãe Glória que casou com um Faia.»[6]

 

A casa do sr. Manuel Correia e de D. Geraldina, irmã e cunhado da comadre Conceição, ao lado do moinho da Ponte Nova, desde sempre aberta a mim e a meus irmãos, numa noite fatídica de Agosto de 1975, noite tresloucada de intolerância e de caça aos comunistas, deu asilo e defendeu este perigoso bolchevique de dezoito anos frescos, acabado de chegar da União Soviética dos Estados Unidos da América do Norte, onde estudava, tal como o fez com o seu próprio filho. Porquê?

 

«[razões ?]Aproveitando o descontentamento crescente da lavoura Micaelense, quer quanto ao preço do leite fornecido às indústrias de lacticínios, quer quanto ao preço das rações para o gado, onerado com o custo dos fretes de transporte marítimo para algumas , movimentam-se grandes proprietários e rendeiros, a quem se juntou agentes de construção civil e sobretudo, quadros urbanos favoráveis à independência dos Açores ou defensores de uma ampla autonomia que colocasse o território fora do âmbito de aplicação das leis elaboradas em Lisboa, no sentido de convocar uma manifestação para o 6 de Junho de 1975, em Ponta Delgada.»[7]

 

Fiquei esclarecido, iluminado, nas razões por que consegui ir estudar na América e França. Estou grato. Andar a brincar com o fogo aos 17 anos! Estou eternamente agradecido à família Correia.

Fui crescendo a ouvir ‘casos’, a jogar às cartas e a tomar banho na levada, às escondidas do moleiro do moinho da Ponte Nova do compadre Aurino.

Até me mudar para a rua de Sousa e Silva, quando casei, adormecia ao som da água dos moinhos do Outeiro e Vale, do tinir da campainha e do “tlac-tlac-tlac” do cachorro. Brincava às apanhadas entre as filas de carroças, de animais de gente, estranha e conhecida, a aguardar vez no Moinho do Vale, na altura do José Pascoal, um grande moinho da Condessa. Convivia  assiduamente com mais de uma dúzia de moinhos e outros tantos moleiros, farinheiros, ajudantes, aprendizes e filhos deles. A minha primeira briga a sério, de tirar pauzinho do ombro, soco e rebolar pelo chão da ermida da Salvação, por uma questão qualquer de honra aos 9 anos, julgo que por um cigarro mal dividido, foi com o Audífaco Coelho ( Batacão), ajudante do Ti Batacão «moleiro.» Eram os irmãos Correia, Gilberto, Artur e Manuel, os irmãos Batacão, os Tachinha e os Gouveia. Aprendi a jogar à bola, a fumar, a ler, a nadar,  em suma, a “ser um rapazinho”, com os filhos de todos eles. Tive um acidente que me fez cegar a vista esquerda com um deles. Azar supremo, tive um outro que me ia cegando a direita. Conheci as avós e os avôs deles, comi à sua mesa. Tenho boas e más recordações. Sempre entendi o mínimo suficiente do jargão do território dos moinhos. Se a língua é, como o tal Pessoa disse, a nossa pátria, então a minha pátria é a do país dos moinhos da ribeira Grande. Além do mais acabei por aprender a trabalhar um moinho.Também é só o que sei, apesar de ter visto picar pedras, colocar e alinhar rodízios. Além do mais, diz-me o meu pai, tive um primo em 2º ou terceiro grau, moleiro, ou proprietário, ou ambas as coisas em alturas diferentes, o «Félix» do moinho da Mãe d’Água. Foi lá que a minha tia Olga passou a lua de mel.[8] Contava-me, já em França, onde está sepultada, que sentira muito medo. Não havia luz eléctrica e dizia-se que andavam por ali, errantes, malfazejas, almas penadas. Há pouco, havia morrido lá alguém em circunstâncias estranhas e o povo dizia à boca cheia que tinha sido assassínio. Certo e seguro fora a morte de um moleiro que caíra aos cumes. Afinal, disse-me meu pai, em outra conversa, tinha existido de facto o Manuel e o Alfredo Félix, nossos primos, o primeiro trabalhara no moinho da Mãe d’Água, o segundo, no dos Couros. Duas sobrinhas deles, casaram com dois irmãos Pascoal, um ficou a moer no moinho dos Couros, onde moera de renda o Alfredo, o outro, herdou o moinho da Mãe d’Água. E grande surpresa. O Ti Mariano que me levava e trazia da escola infantil de D.Ana Maria Decq Motta, contou-me de novo meu pai, situada numa garagem da rua de Nossa Senhora das Dores, agarrando-me seguro pela mão, passo lento compassado pela bengala, estou a vê-lo, mãos frias, nodosas, manchadas de tabaco, alto e seco de carnes, chapéu de feltro e óculos fortes, sempre de casaco, para surpresa minha, fora moleiro, antes de ir para a América. Regressara tão pobre como fora. Era Salé. A troco de cigarros e de alguma comida lá ia ele todos os dias, duas, três e quatro vezes, rua Direita fora, menino Marinho seguro pela mão. Não podia dar um ai. Paz à tua alma Ti Mariano. Obrigado.

É para perceber-me e percebê-los melhor que estudo, desde 1983, este mundo, aliás, tal como fiz ao Arcano Místico, ao presépio do sr. Prior, à ponte dos oito Arcos e como o estou a fazê-lo com o desporto. É para poder explicá-lo no ecomuseu, com autenticidade e rigor científico que o venho fazendo, com mais ou menos sucesso, há 12 anos. Porque faço parte desta comunidade, presumo que os meus interesses coincidam com os seus. O que nem sempre é verdade. Em todo o caso, tentamos interessá-la, envolvendo-a em projectos do ecomuseu, tal como a  sua filosofia e  prática o indicam, propondo ou aceitando temas que nos interessam colectivamente. O que nem sempre conseguimos. Trata-se de preservar com autenticidade as nossas memórias, primeiro para delas usufruirmos, segundo para as transmitirmos às gerações vindouras. Felizmente que, no projecto dos moinhos, os nossos melhores colaboradores e mestres são os moleiros. Há doze anos, apesar da ameaça das moagens, nunca pensei que iria ser o cronista da morte anunciada dos moleiros. Espero estar enganado. Hoje, «a não ser que aconteça uma guerra» (disse-me o Carlos Correia), os moinhos não saem da crise. Felizmente os moleiros irão sair dela, apesar de saírem transformados em negociantes de tudo.

Motiva-nos, apesar das arreliadoras vicissitudes que a cultura política tem imposto ao projecto, igualmente, a implementação do ecomuseu da Ribeira Grande bem como o incentivo da Associação Amigos dos Açores, da qual faço parte, na pessoa do dr. Teófilo de Braga, seu presidente. Ao Daniel, como sempre, à sua amizade e paciência.

Dedico estas linhas aos meus filhos e mulher. Dedico-as igualmente a D. José Vicente Gonçalves Zarco da Câmara, actual Marquês da Ribeira Grande, primeiro proprietário dos moinhos da ribeira Grande, ‘o Conde de Lisboa’,[9] como me dizem os moleiros, a todos os demais proprietários, a todos os moleiros, farinheiros, carreteiros, ajudantes e fregueses.

 

1.2.1  Qual tem sido o método seguido neste estudo?   

 

Para além do envolvimento vivencial já referido, situado ao longo da nossa infância e adolescência, outro envolvimento foi germinando e crescendo, à medida que o estudo  avançava, alargando  a amizade e a estima mútuas a outros círculos familiares de moleiros.[10]

Para além do método, de aprender a fazer, fazendo, tento cruzar a informação escrita com os testemunhos orais. Interesso-me pelos aspectos técnicos, é certo, mas mais pelos de índole sócio-económica e mental. É a cultura do moinho, do moleiro e demais intervenientes ao longo dos tempos, inserido neste espaço que se chama Ribeira Grande, que nos interessa. Daí que propositadamente fizéssemos sondagens, primeiro em 1984, em seguida em 1986-88 e agora de novo em 1996 e 1997. Consiste na elaboração de inquéritos-tipo, escritos ou registados, registos de histórias de vida de moleiros, farinheiros, quarteiros, daqui, da ilha, de Santa Maria, Portalegre, Corroios, Mértola e Vals d’Àneu, na Catalunha, proprietários, donas de casa e todo o tipo de gente.[11] Assim temos tentado acompanhar de perto a mudança operada pela introdução do rodízio de ferro, bem como a transformação sócio-cultural do moleiro e do moleiro a industrial da construção civil e lavrador. Mais recentemente do moleiro em comerciante ambulante de tudo o que leva para a freguesia. As grandes mudanças nos moinhos da ribeira Grande, mais do que qualquer mudança tecnológica, apesar de tudo, pelo menos até à concorrência da moagem, acima de tudo foram adaptações nos moleiros, proprietários, quarteiros, casas; mudanças  provocadas pelas respostas dos moinhos às diversas conjunturas económicas. O aspecto tecnológico é muito menos evidente e bem menos interessante. Logo à partida, não iremos tratar deste assunto aqui, destacam-se, ou parecem destacar-se, seja pelo tipo de construção de moinhos, seja pela nomenclatura ligada aos mesmos, duas áreas. Uma que engloba quase toda a banda ocidental da ilha parece seguir as linhas de influência de Vila Franca, outra, a poente, a Ribeira Grande. Será assunto para a continuação deste trabalho. Este trabalho resulta da conjugação de duas abordagens. Em primeiro lugar, desde o início até ao segundo quartel do século XX, somente o registo arquivístico e escrito. Em segundo lugar, também e predominantemente documentos orais. Incidiremos, por ora, mais no segundo período. Neste, tentámos conjugar o depoimento do moleiro que se mantém em actividade com o do mais inovador, o que mudou de vida, com o mais aventureiro. Este último, por exemplo, incide a reflexão sobre a evolução do moinho. Tem o alcance cronológico de cerca de 60 anos e veicula a tradição da origem e desenvolvimento dos moinhos. Seja a dos Estrela Rego, transmitindo-nos a versão do estudo encomendado a Sousa e Silva para o plano de rega e novas casas na vala da Condessa,[12] seja a versão dos moleiros, incidindo sobre a origem do Conde, as sete casas principais, as sete particulares, os moinhos de ribeira e o trato e questões entre eles.[13] Fui aos Róis Quaresmais das igrejas Matriz e Conceição, aos anos de 1926, 23 e 1924, e tendo encontrado os nossos informadores, seus pais e familiares concluí que: em 1926 aparecem registados no sobredito rol 20 farinheiros, 14 moleiros e um quarteiro; em 1923, na Conceição, 1 moleiro e dois farinheiros, em 1924, ainda nesta freguesia, somente três farinheiros; a maioria destes profissionais residia não só na freguesia Matriz como à volta da área em que se encontra o solar de São Vicente, ou seja 10 dos 15 moleiros e 19 dos 20 farinheiros, muitos são casais jovens e os casais já de algum tempo apresentam agregados familiares com vários filhos e sogro ou sogra.[14] É pois este sobre este universo espacial e humano que incido olhar. Tentei uma visão equilibrada e representativa do todo. Ao centrar, por enquanto, a nossa atenção no período coberto pela tradição oral, embora entrando de relance no período anterior, irei, futuramente, centrar a minha atenção naquele. O esclarecimento do que se passou na actualidade mais próxima decerto ajudará a esclarecer as questões das épocas mais recuadas.[15]  Não se trata de um trabalho académico. Pretende ser a formulação de uma questão a tratar em breve. Haverá quatro partes. Uma primeira, tratará da apresentação, uma segunda, ocupar-se-à da parte da documentação escrita, uma terceira subdividida em duas, constará, primeiro da história social oral, a segunda, das perspectivas para o futuro dos profissionais no activo. Predominantemente, registe-se. Finalmente o roteiro.

 

1.2.2  Objectivos deste roteiro

 

Em primeiro lugar, pretende-se passar para o papel um dos esquemas possíveis de visita guiada oral aos moinhos, que temos vindo a experimentar desde 1984, recorrendo a alguém que esteja a conhecer a terra. Porquê? Os percursos são as artérias do projecto do museu. Visita aberta, dialogante, centrando-se na compreensão do espaço e do tempo, desde o Centro Histórico que tarda em ser aprovado, passando pela natureza, pelo moinho, em suma tudo o que nos possa explicar a terra. O Centro Histórico, na definição do qual participei, entre muitos outros, não é só um problema de engenharia civil ou de arquitectura, é um problema de animação patrimonial. Assim a proposta de ecomuseu é de animação patrimonial, tendo em conta a gestão e a animação patrimonial de um modo integrado.[16]  Ao mesmo tempo pretende-se fazer um ponto da situação ao estudo dos moinhos.

Com base na experiência de visitas guiadas, recorrendo aos conhecimentos adquiridos ao longo destes últimos doze anos, fiz de novo um circuito para testar no terreno este roteiro. Aconselha-se quem queira fazer este trajecto que o faça, se possível, calmamente em dois ou três dias, aproveitando os dias de feira de gado, feira agrícola,  dias de abertura dos moinhos, das festas e demais realizações da cidade, entrando nas lojas, cafés, merendando junto à ribeira, indo às Poças. Em todo o caso, quem disponha de menos tempo poderá fazê-lo, dependendo do seu passo e interesse, num par de horas. Todavia, este roteiro destina-se, preferencialmente, ao primeiro visitante.  

Destino-o como sempre ao meu outro «eu» que , em espírito vive, há catorze anos do outro lado do Atlântico, à volta das ilhas lusolandesas.

 

1.2.3 Em aberto

 

«Um homem consciencioso nunca dá uma tarefa por terminada.»

George Bernard Shaw

 

Presunção e água benta... Passamos, numa primeira fase, do interesse quase tão só pela tecnologia do moinho, para, em seguida, nos interessarmos  também pelas pessoas dos moinhos. Pelas famílias dos moleiros. Agora, enquanto mantemos o interesse inicial, devemos alargá-lo às áreas de influência dos moinhos e dos moleiros da ribeira Grande, ou seja, primeiro à Ribeirinha, depois Porto Formoso, Capelas, Santo António Além Capelas, agora, toda a ilha, sobretudo os agregados familiares, sustento dos moinhos, os produtores de gado e a nova classe média local.[17] O próximo estudo tem de ser as « mulheres e os trabalhos de casa.» .De outro modo será difícil perceber a economia doméstica em que o moinho se inseriu. É igualmente essencial, para penetrarmos nas famílias, relações de propriedade e organização do trabalho, estruturar genealogias e continuar a constituição do arquivo de história oral. Ir igualmente ao arquivo, ao fundo tabeliónico, ao arquivo particular dos marqueses da Ribeira Grande.[18]

Falta definir o museu, infraestruturá-lo, musealizar a zona do Paraíso e levar por diante a exposição geral no Centro de Interpretação do ecomuseu.[19] É um livro aberto, aberto aos que me lerem e saibam mais do que eu, aberto a mim próprio que quero investigar outros aspectos da temática. 

Em aberto deixo a possibilidade de os que me lerem e perceberem do tema, mais do que eu, ou souberem mais coisas acerca dele, fazerem o favor de iniciar o diálogo, enviarem-me sugestões, testemunhos, críticas. 

 

II

 

 2.0  Ribeira Grande, sua localização

 

A cidade da Ribeira Grande, elevada a essa categoria a 29 de Junho de 1981, fica na costa norte da ilha de São Miguel, a maior e mais populosa das nove que formam o arquipélago dos Açores. É sede do concelho do mesmo nome, confronta com os restante cinco da ilha . O concelho ocupa uma área de 179,5 km2, tem 14 freguesias e um pouco mais de 26 mil habitantes.

Sob o ponto de vista económico é um dos mais importantes do arquipélago. Nele se desenvolvem várias actividades agro-industriais, tais como a pecuária, lacticínios, culturas do tabaco, maracujá, beterraba sacarina, batata, chicória, chá ou ainda a construção civil.

No período histórico predominaram culturas tais como a do trigo, do pastel, da vinha e da laranja. Todavia, entre todas estas, uma das mais perenes, duradouras e enorme fonte de riqueza, tem sido a indústria moageira consubstanciada nos moinhos de água. No século XVI Gaspar Frutuoso referiu-se a seis moinhos, hoje ainda subsistem cinco. Destes, três às primeiras sete casas da Condessa. Os moleiros referem-se ao moinho da Palha, a montante das seis primeiras casas, como o último das sete primeiras.[20]

A Ribeira Grande, situada num dos vértices do mais fértil, populoso e acessível planalto central da ilha de São Miguel, próxima dos portos de entrada e de saída de produtos, protegida pelo Conde, possuindo uma ribeira perene e caudalosa, cedo dominou o mercado da farinação dos cereais. Tanto mais que no interior daquele triângulo geográfico não existir moinhos à altura dos da ribeira Grande. Servia igualmente, no lado poente, a área de Santo António Além Capelas, chegando em tempos à Bretanha, às Feteiras do sul, a nascente, chegou a São Brás, e menos frequentemente à Maia. A partir daí iam moer mais à frente.[21] No tempo da farinha para as vacas aumentou a área. Em 1997, já com produtos hortícolas, tende a aumentar. Todavia, é preciso entender o espaço de influência dos moinhos da ribeira Grande consoante as diversas conjunturas ao longo dos cinco séculos de existência.

 

2.0.1  Sua importância ao longo dos tempos

 

Gaspar Frutuoso testemunha a existência de 50 carregadores que, ao serviço das moendas, fazem o circuito de ida e volta a Ponta Delgada. Tal ligação entre aquela cidade, carregadores/farinheiros e moinhos, manter-se-ia até ao presente. Aliás Ponta Delgada e, mais recentemente também Rabo de Peixe, foram os dois melhores mercados para os moinhos daqui. Diogo das Chagas, no século seguinte, repete-o, bem como os demais cronistas. Hoje o moleiro/vendedor ambulante herda esta propensão de sair do seu espaço original e de levar tudo o que se vende .O perfil mercantil, burguês, dos ribeiragrandenses, tem sido uma característica recorrente em toda a história da Ribeira Grande. Até há pouco, os farinheiros, enxameavam o mercado de Ponta Delgada aos Sábados e Domingos.

 

«No século XVI, no tempo em que Frutuoso escreve, a vila da Ribeira Grande possuía cerca de 50% de todos os moinhos existentes na Ilha. Referindo-se a ela, o cronista regista: ‘Poucas vilas haverá de tão boa serventia de água e de moendas, porque tem em si seis moinhos, cada um de duas pedras, melhores e que melhor moem que todos os da dita ilha e Portugal...’»[22]

 

Um século depois, Diogo das Chagas, referindo seis moinhos, escreveria que ela, muito próxima em importância de Ponta Delgada, com quem desde sempre mantém, para o melhor e o pior, uma relação umbilical, ainda haveria de ser cidade:

 

«... que moihem cada 24 horas, 24 moios de trigo, por testemunho dos moleiros e rendeiros delles. Rende cada anno as maquias destes moinhos ao Capitão da Ilha foros para elle 340 moios de pão // limpo, e joeirado, e ganham seus rendeiros...»[23]

 

Passando por Francisco Arruda Furtado, em finais do século passado, e acabando nos correspondentes na Ribeira Grande da ‘Ilha’, em 1939, e Inácio de Melo, em 1974, na ‘Vila’, a opinião mantém-se substancialmente. Ou ainda na literatura popular:

 

« Ribeira Grande afamada

É um centro industrial,

No comércio adiantada

E em tudo ilustrada.

Não há cá outra igual

 

Os moleiros enriquecem,

O seu negócio é exacto;

Que faria se lhe dessem

Por cá o milho barato

 

Compravanm a vila toda

E os outros, coitadinhos,

Nem sequer para uma açorda.»[24]

 

 

2.1  A ribeira

 

Tem a sua origem nas nascentes do Monte Escuro, a 890 metros de altitude, entre Vila Franca do Campo e o Porto Formoso, correndo doze quilómetros  até à foz.

 

«Nas minhas escaladas [Ventura Rodrigues Pereira]pelos picos e montes, deste lado da Ilha, não consegui ver a nascente, por sinal a mais caudalosa e permanente, que corre de Nascente para Poente e se junta a outra que vem do Pico da Vela, o ponto mais elevado do Monte Escuro, no sentido Sul-Norte.

A junção destas duas nascentes faz-se nas Lombadas, formando um grande ‘V’ e precipitando-se logo na maior « queda de água» que existe ao longo de toda a ribeira - o «Salto da Faia», com 25 metros de altura.»[25]  

 

Ainda na primeira metade do século XX, apesar do sistema rudimentar dos rodízios, chegava, no inverno, a mover três, às vezes quatro casais ao mesmo tempo em cada uma das casas da vala da Condessa e dois a três nas de ribeira. Apesar de já existirem duas hidroeléctricas. Mas a grande vantagem dos moinhos daqui em relação, por exemplo aos da ribeira do Guilherme, a maior ribeira do arquipélago, é a sua situação geográfica. Devido às dificuldades de circulação na ilha.

 

2.2.1 Que é um moinho de rodízio ou de penado?

 

Antes de mais, em rigor, confesso desconhecer se o instrumento moageiro hidráulico utilizado na Ribeira Grande, desde o início ao presente, pelo menos até ao século XIX, período em que estamos mais seguro, foi o moinho de rodízio ou a azenha. João Marinho dos Santos opina que:

 

«Ainda que a designação corrente, nas eras de Quatrocentos e Quinhentos, seja a de ‘moinhos de água’ ou, simplesmente, ‘moinhos’, trata-se, quase sempre, de ‘azenhas’[26]

 

Em todo o caso, os que registamos e seguimos de perto, exceptuando o do “Ti Ernegato” e o de João Vieira, são de rodízio, ou de penado como aqui se diz. Além do mais todos os que vemos hoje têm cabouco. O moinho de rodízio é movido pela força da água através de um rodízio, ou roda horizontal colocada no cabouco. Também lhe chamam “penado”, por ter palhetas ou penas em torno de um eixo vertical que encaixa na  mó andadeira através da segurelha fazendo-a girar.

Aqui, na ribeira Grande, estamos, conforme a gestão da água, perante três tipos de moinhos: 1- as sete primeiras casas da Condessa, os donos da água; 2- as sete segundas, dependentes das primeiras, e 3- os moinhos de ribeira, que moem, exceptuando os dois acima da Mãe d’água, com as sobras dos primeiros dois. Na vila, todavia, aqueles moinhos coexistiam, muitas vezes em complementaridade, com os do lugar da Ribeirinha, integrado até à década de quarenta na freguesia Matriz, a nascente. Ainda hoje  é assim. O proprietário foi o mesmo, ainda existem lá moinhos denominados da Condessa. Moleiros, farinheiros, quarteiros, rendeiros e outros daquele lugar vieram, dado que a ribeirinha trazia pouca água, para a ribeira Grande. Nos meses de verão, de Junho a Setembro, retiravam-lhes a água para a rega dos milhos. Ainda em 1939, de verão, as casas da Condessa, conseguiam moer três pedras, enquanto as de ribeira, somente duas. Assim se percebe, hoje, a vinda da família Vieira ou a ida, ou vinda, da Silva, entre outros. [27]Veja-se esta quadra retirada de um Vilão.

 

«Ribeira Grande e Ribeirinha

São duas Freguesias rentes:

Com o negócio da farinha

Se fazem bons casamentos.»[28]

 

2.2.1.1 Esboço da história dos moinhos

 

Segundo o Dicionário de História de Portugal organizado por Joel Serrão, na entrada moinhos, assinada por Jorge Dias, o moinho de rodízio ‘aparece pela primeira vez descrito por Antípatro de Tessalonica no ano de 85 a.c., espalhou-se rapidamente pela Europa. Não podemos datar a sua entrada em Portugal, mas encontramos ruínas de moinhos de rodízio junto da represa romana do lugar da Represa, em Beja, o que nos leva a crer que já tivessem sido  introduzidos pelos Romanos. Na nossa Idade Média há frequentes  referências a moinhos de água e azenhas, e mais tarde a moinhos de vento.’[29] Primeiro ‘as mós manuais simples deram origem a aparelhos de tracção humana e animal mais evoluídos, assim como os moinhos hidráulicos e de vento.’[30]

Nos Açores existiram todos estes tipos de moinhos. Logo no início do povoamento, diz-nos Gaspar Frutuoso, entre outros, existiram moinhos de mão, a atafona, os de rodízio e as azenhas. Mais tarde, para uns já em finais do século XVI, no seguinte, para outros, aparece-nos o moinho de vento. Ao que parece foi relançado no século XIX.

Existiram vários tipos que traduziam uma melhor ou menor adaptação ao meio ambiente. A partir igualmente da segunda metade do século foram introduzidos moinhos a vapor, seguindo-se-lhes as moagens eléctricas e a gasóleo. Todos estes moinhos existiam ainda na primeira metade do século XX.

 

2.2.1.2  Pessoas dos moinhos: moleiros, farinheiros,rendeiros, quarteiros e donos.

 

No período tratado pelos nossos testemunhos orais, sensivelmente a partir da década de vinte, existem  farinheiros e moleiros e só alguns quarteiros. A actividade de farinheiro é a mais procurada por ser a mais lucrativa e relativamente mais liberta.

Em primeiro lugar, a função do moleiro, outrora reconhecida pelos fregueses como distinta da do quarteiro e do farinheiro, foi mudando, sobretudo, com as mudanças operadas no sistema de propriedade dos moinhos e organização do trabalho neles. 

Segundo eles próprios, podemos dizer que foi alguém que trabalhava o moinho sendo rendeiro, proprietário ou assalariado.[31]Mas há farinheiros que foram também moleiros, caso dos irmãos Correia, e vice-versa, caso do sr. Aurino Tachinha. Era uma solução para cada caso concreto de moinho de acordo com as necessidades e a capacidade dos intervenientes. No início, até à perda efectiva do monopólio do capitão-do-donatário, além do proprietário, o Conde, existiam rendeiros e moleiros.

 

«No início quando veio gente para a ilha foi dada quase toda a terra a um ou dois. Todavia, como esse um ou dois não conseguia trabalhar sózinho toda a terra que dispunha, contratou com outros o trabalho nelas a troco de uma galinha, etc... Assim nasceram os foros. Sabes quando acabaram? Com o 25 de Abril. O Aristides, coitado, tinha acabado de remir um por um cento de contos, pouco antes de eles o terem extinguido. Ficou fulo! Tenho a impressão que o moinho da rua do meu primo dr. José Tavares  pagava foro. Não tenho a certeza. O dono do foro, acho que se chamava enfiteuta, os que o pagavam tinham um nome que não me recordo agora.

Portanto, havia o dono do foro, o senhorio, depois o dono do prédio, sei disso porque tratei destas coisas na Caixa Agrícola, isso passou pelas minhas mãos, e possivelmente um rendeiro que, por sua vez, tinha ou não empregados, moleiros e ajudantes.»[32]

 

As moendas eram transportadas para dentro e fora da vila por carreteiros. Ao contrário da tecnologia do moinho que pouco ou nada mudou ao longo dos séculos, tanto quanto sabemos, o perfil do moleiro, rendeiro, carreteiro, foi acompanhando a sua estratégia de expansão e de sobrevivência. Alguns moleiros, segundo a tradição oral local, eram muito pobres, sendo o caso mais referido entre eles, o do Genipa do moinho da Rocha, na Ribeirinha. Cantou-me, numa voz rouca, cigarro de folhelho no canto da boca, boné na cabeça, casaco sobre os ombros, curvado, olhos de pestanas espessas, mãos enormes calejadas, viera há pouco da horta, sentado num banquinho de criptoméria, rente à porta da rua, eu sentado no degrau, numa meia tarde radiante de outono, o Ti António Vieira, 90 e tantos  anos em 1986:

«O Genipa foi às lapas

A mulher aos caranguejos

Os filhos ficaram em casa

A catarem percevejos.»[33]

Outros, segundo a mesma fonte, que se lembra de ir moer àquele moinho, eram fracos profissionais:

«O moinho do Ti Paivinha

Fica acima da Tondela

Quem lá vai com milho branco

Traz a farinha amarelo.»[34]

 

Vejamos. Nos anos sessenta tínhamos moleiros, farinheiros e vendedores ambulantes de outras novidades, hoje, exceptuando-se um farinheiro, um moleiro assalariado, a sustento, como ele próprio diz, temos moleiros/empresários que não só fazem todo o trabalho do moinho como também tomam partido do giro para comercializarem tudo o que podem. Uns vendem fruta, hortaliça, outros também vendem vassouras, feijão, batata, trempes, peneiras, até rações. Hoje, dia 14 de Fevereiro de 1997, disse-me:

 

«Já não sei se sou moleiro, nem sei por quanto tempo mais precisarei do moinho. Vendo na freguesia tudo o que compram, cada vez menos farinha, cada vez mais outras coisas. Tenho que sobreviver.»   

 

Tanto quanto se sabe, os moinhos da Ribeira Grande moeram e moem tudo o que se lhes dá para moer:

 

«Já moemos muito trigo, alguma cevada, centeio menos. Agora é milho amarelo de fora da terra, da América, para o gado e, já algum  para as padeiras, casca de amendoim e grainha de uva, para moer e dar aos porcos. Até moí e ainda moo pimenta que fica como a açafroa, para temperar comidas, carolo. Milho ‘estraçoado’ para pintos. Olha faz-se pão de milho, bolo da sertã, bolo de carolo, a minha mulher põe pé de torresmo, papas de carolo, carpiadas, pão de rolão e farinha torrada.»[35]

 

É plausível  supor, numa terra onde se cultivou em grande escala o linho e, onde se explorou madeiras, que a força motriz do moinho possa ter estado associada a moinhos de serra e de linho, entre outros.

 

2.2.2  Relevo dos  moinhos de água no contexto da Ribeira Grande

 

Estando o cereal, o pastel e outras culturas agro-industriais e a sua transformação intimamente ligada aos moinhos, mais ainda, sendo a ubérrima planície da Ribeira Grande cortada por uma caudalosa e perene ribeira, sobressaem logo dois factos. Primeiramente, dada a relação umbilical entre a ribeira e a terra, que a terra tenha tomado o nome da ribeira. Segundo, que os moinhos se tivessem destacado no contexto económico e social do concelho e da ilha.

 

Séculos XV/XVI

 

O que presumivelmente sucede desde  inícios do aproveitamento sócio-económico desta área da ilha, numa altura em que povoadores vindos do sudoeste e sul penetraram no norte, nele se fixando, sobretudo a partir da chegada à ilha do madeirense Rui Gonçalves da Câmara em 1474, como capitão-do-donatário.

Os moinhos são  então monopólio docapitão-do-donatário[36] que também alcança do rei o privilégio da quebra das atafonas[37] de Ponta Delgada. Por outro lado, a Ribeira Grande obtém, apesar dos protestos dos lagoenses, direito de acesso livre ao porto dos Carneiros na Lagoa, sem quaisquer encargos.[38] Ressalta logo deste cenário a posição e o poder que a vila detinha no contexto da ilha, ainda mais reforçado, pelo privilégio, a pedido de um nobre local de pequenos recursos, de medir o alqueire, tal como ainda hoje, por uma vara pequena.[39] O rei precisava da Ribeira Grande como nenhuma vez mais no futuro iria precisar. O reino, as ilhas atlânticas portuguesas e as praças do sul das conquistas do Norte de África eram carentes do cereal que aqui e na área contígua de Ponta Delgada, se produzia em grande escala. O cultivo e a exportação do trigo era,  na lógica do aproveitamento complementar dos recursos e das necessidades do império, regulado pela coroa que fixava áreas de cultivo, preços e mercados de destino. Deste modo, por exemplo, para a Madeira poder produzir em grande escala vinho, competia a São Miguel produzir trigo a preços tabelados. O pastel tintureiro, porém, era exportado a preços de mercado para o lucrativo mercado do norte da Europa. Neste período assistiu-se ao conflito aberto entre a coroa que desejava mais trigo aos preços que lhe convinha e os produtores que desejavam cultivar mais pastel ou exportar livremente o trigo. Era ainda lei e uso corrente destinar determinada quantia para o abastecimento do mercado local.[40] É certo que a proibição da existência de atafonas em Ponta Delgada foi revogada, mas a importância dos moinhos da Ribeira Grande manteve-se.

Até ao verão de 1563 e ao inverno de 1563 /64, altura em que a vila da Ribeira Grande sofreu, no verão, uma violenta crise sísmico-vulcânica e, no inverno, uma devastadora cheia que lhe destruiu mais de duzentas casas.[41] A reconstrução imprimir-lhe-ia uma nova orientação espacial, transferindo-a de junto das margens da ribeira para  terra dentro, tomando, a partir de então,  a orientação nascente poente.[42] A vila foge ao perigo das margens da ribeira, as casas e os moinhos, perto do casario e das principais casas da época, reconstroem-se a distância segura do caudal da ribeira, implantando-se estes ao longo de uma vala artificial, hoje conhecida por ribeira dos Moinhos ou vala ou levada da Condessa.[43] Obra de muito vulto que se assemelhará ao esforço empreendido nas levadas madeirenses. Esta levada, ou ribeira artificial, capta a água da ribeira no sítio  da Longaia ou Mãe d’Água, penetra terra dentro,  dividindo as freguesias de Conceição e Matriz, desaguando no areal da Ribeira Grande a poucos metros  da foz natural da ribeira.[44]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Século XVII

 

Ainda eram seis moinhos e aqui se moía a maior moenda da ilha. Aqui vinham moer muitos dos moradores do triângulo formado pelo planalto da Ribeira Grande, Lagoa e Ponta Delgada. Havia  rendeiros, arrematando de tanto em tanto tempo, e moleiros que exerciam a sua profissão sob fiança sendo obrigatoriamente examinados pela Câmara. Estando à volta de 1619, os moinhos a necessitar de concertos, de alto a baixo, ‘porq.e todo o povo Se queixa’, [45] desde caiações, retelho, pedras, cambeiros, o que prejudicava o rendimento, e sendo o rendeiro intimado a o fazer, resiste. Parte competiria, como se veio a verificar, ao Conde seu proprietário. As queixas, neste período, foram sempre referentes ao mau estado dos moinhos e à falta de experiência dos moleiros. Além do mercado interno, vão farinhas daqui para o Brasil.

 

Século XVIII

 

A Câmara, como entidade zeladora do bem comum, continua vigilante. Não deixa sair trigos, nem farinhas do concelho, em caso de necessidade. Zela pela qualidade do produto, zelando pela qualidade dos moleiros e dos moinhos. Existe o olheiro dos moinhos bem como o guarda da ribeira, além do almotacé. Controlam-se os pesos e as medidas. Em Fevereiro de 1770, surge uma questão acerca da maquia. Seria 1/10 do alqueire, 1/14 ou 1/16 ?[46] A questão sobe ao governador em Angra. Continuam, de tempos em tempos, as queixas do costume: ‘os moleiros nam deixem mesturar [sic]trigo nem milho.’[47] Os moinhos têm mesmo um carpinteiro que, em 1710, por se julgar incapaz, é substituido pelo seu filho João de Sousa. Ou a proibição de terem rapazes nos moinhos ‘por estarem furtando ao povo e llogo [sic]os dittos moleiros tomaram jura. to [sic].’[48] Havia mesmo os granéis da maquia. Continua a verificar-se a mudança de rendeiros do Conde.

Já dentro do período da Capitania-Geral, portanto a partir da década de sessenta, verificamos que a autarquia está a fazer as levadas de alguns moinhos do Conde. Há também moinhos fechados. A mesma autarquia calceta as ruas dos moinhos do Vale e do Outeiro. No papel o Conde perdera o privilégio económico, porém segundo Avelino de Menezes, ao que parece, não teria perdido logo. Teria sido revogado.[49] Quando seria de facto aplicado?

 

Século XIX

 

Ou pouco depois, como nos disse o dr. Hugo Moreira, ou pelo menos em 1809, como indica um documento,[50] ou só depois, os moinhos do Conde passaram a ter outros intervenientes. No documento de 1809, atribui-se como proprietário dos sete moinhos da Ribeira Grande (plausivelmente os do Conde) Jacinto Inácio Rodrigues da Silveira, e em 1818, de novo em 1822 e em 1823, a Simão José da Silveira. Trata-se, no entanto, ainda em 1812, de outra ligação: ‘havia tomado de arendamento[sic]cesão e traspaso do Ex.mo Conde da Ribeira Grande ... emtre outros mais bens que compoem os ditos Morgados’.[51] Torna-se curioso verificar que os que tomavam de arrendamento, por seu turno, designado por negociante da praça de Ponta Delgada, sub-arrenda (será este o termo exacto?) a rendeiros da Ribeira Grande. Mais curioso se torna que, mesmo em outros moinhos da ilha, Água de Pau e Fenais da Luz, estes ‘sub-rendeiros’ são igualmente da Ribeira Grande. As rendas que pagam nos da Ribeira Grande são 3 e 19 vezes mais altas do que pagam respectivamente os rendeiros dos moinhos de Água de Pau e Fenais da Luz.[52] O Conde, conservava ainda em 1841, bem como ainda no início do século XX, o senhorio dos mesmos. Até mesmo do moinho de ribeira do Açougue. Em 1841 surge um anuncio no ‘O Açoriano Oriental’: ‘hão de ser arrematados por quem der mais, d’afforamento perpetuo, os outo moinhos da mesma Villa [Ribeira Grande].’[53] Em Abril de 1834, já existiam, tanto quanto sabemos, moinhos de ribeira: ‘a grande purção d’Agoa que o Rendeiro dos Moinhos do Conde entriduz [sic]no Rego a ponto de innundar as Ruas Publicas, e bem assim ficando outros Moinhos de diverços Particulares sem exercicio algum para Servir o Publico.’[54] O período liberal teria contribuído para o aparecimenmto de moinhos. A Postura de 1857, no seu artigo primeiro, proibindo  a construção de ‘ Engenhos de moer cereaes, ou outros quaesquer generos para os fazer trabalhar.’[55] A partir de então, de acordo com os documentos oficiais, surgem cada vez mais moinhos particulares. Surgem igualmente, como vimos, outro tipo de moinhos. Os de vento são reintroduzidos. 

No século XVIII, com a criação da Capitania-Geral dos Açores em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, os capitães-do-donatário adquirem honrarias mas perdem  privilégios importantes, entre os quais o monopólio dos moinhos.[56]Tinham rendeiros e moleiros destes.[57]

Aqui na Ribeira Grande, desconhecemos o que se terá passado em outros locais da ilha, tanto quanto sabemos e, nos documentos de que dispomos,  surgem moinhos, fora dos do Conde, no século XIX.

 Ainda não teriam sido vendidos os moinhos.[58] Aqui entramos no terreno da definição de propriedade e no modo como ela foi sendo alterada até, salvo erro, 1976. O Conde teve, em princípio, rendeiros. A partir de D.José, período em que o Conde perde o monopólio, depois, durante o liberalismo. Em 1911, simplificando a questão, a relação de posse da propriedade altera-se. Que é uma enfiteuse? De acordo com o ‘Dicionário de História de Portugal’, de Joel Serrão, estar-se-á na presença «de um contrato de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, quando o proprietário de qualquer prédio transfere o seu domínio útil para outra pessoa, obrigando-se esta a pagar-lhe anualmente certa pensão determinada, a que se chama foro ou cânon.»[59] O mesmo artigo refere que o Decreto de 23 de Maio de 1911, que concedeu ao enfiteuta a faculdade de remição do foro, vibrou-lhe um golpe decisivo. Parte dos moinhos da vala da Condessa, ainda na década de vinte deste século, pagavam foro aos marqueses e outros a outros. Foram sendo, uns atrás dos outros, remidos. A Matriz Predial Urbana, encerrada em 30-06-1918, distingue domínio directo e domínio útil.São colectados tanto o enfiteuta como o senhorio.[60]

Já em 1871, pelo menos, o Conde passara a senhorio recebendo foros anuais.[61]Todavia, está em aberto, quando exactamente entre as instruções da Capitania-Geral dos Açores, no início da segunda metade do século XVIII,  e 1834, terão surgido outros moinhos. A partir de então, além dos construídos na vala da Condessa, volta-se a construí-los junto às margens da ribeira com os resultados desastrosos de Agosto de 1919.[62] Ter um ou vários moinhos, ou acrescentar mais mós ao existente, a partir do fim do monopólio do Conde, era uma aposta segura e cobiçada. Daí a luta pelas águas e pelos moinhos. A Câmara teve que intervir e regulou a bitola do anel. Todavia, a luta continuaria. Os moinhos, tanto quanto sei, a partir do liberalismo, começam a pagar taxa pela água que consomem. Os moinhos, porém pagavam taxas, consoante a sua localização e o número de moegas que possuíssem. Os da vala da Condessa eram os que mais pagavam. O moinho foi vantajoso até ao início da segunda metade deste século, a partir daí deixou de ser tão desejado. Nota-se, pelos registos da Fazenda Pública, que muitos moinhos mudaram de dono após o desastre de 1919. 

 

 

2.2.2.1 Moinhos da Condessa e de ribeira

 

O correspondente na Ribeira Grande da “Ilha”, assina um artigo de 23 de Junho de 1939 no qual, acentuando a importância do caudal da ribeira, descreve os dois sistemas de moinhos mais o desaproveitamento em cinquenta por cento da energia que se espalha nas penas do rodízio. Deixa, porém, de fora, a subdivisão entre as casas da Condessa. Mesmo no tempo do Conde, era a Câmara que examinava os moleiros e lhes dava ou retirava a autorização para poderem exercer a profissão.

 

«Nesta vereaçam foram prezentes moleyros que actualmente se acham servindo por ordem desta Camara nos moynhos desta Villa a saber Antonio Pacheco Alfenete[família de moleiros que se manteve até este século, mais tarde fariam um moinho seu ainda existente] moleyro no moynho da Palha Manoel de Oliveyra moleyro no moynho do Outeyro Euzebio da  Euzebio da Roxa [outra família que identificámos]moleyro no moynho do Val Antonio de Arruda moleyro no moynho da Praya Manoel da Ponte moleyro no moynho da areya... por estarem exercendo a dita ocupaçam sem tirarem Licensa deste senado desde o dia quinze...»[63]

 

Em segundo lugar, competia-lhe através do almotacé,[64] a fiscalização das condições do moinho e das saídas e entradas de cereais e farinhas.

 

«Acordarão elles officiais [da Câmara]que se fisese juis da ribeira dos mullejros desta dita vjlla... fosem em corejsão pellos mojnhos...»[65]

 

Ou mesmo tratar directamente com o senhorio:

 

«Acordarão que fosem segumda feira primeira segimte a Sidade a fallar Com o Conde Sobre os mojinhos desta uilla para os mãodar comcertar de todo o nesesario por estarem de todo muito daneficados...» [66]

 

Por último, era perante a Câmara, na Praça do município, diante do Pelourinho, símbolo das liberdades municipais, que se procedia às arrematações dos moinhos. Depois do fim do monopólio, como se explicou, os novos moinhos, construídos ao longo das margens, além do que acima se disse, passavam a pagar uma taxa de água.

 

«É tal êsse volume que, antes de chegar ao povoado, é dividido por dois canais indo um mover os moinhos da Condessa, e o outro os moinhos da Câmara. O primeiro dirige-se bem para o centro da Vila, o segundo acompanha as margens da ribeira, inflectindo, a uma ou a outra, conforme os desnivelamentos do terreno. Servem estes dois canais vinte e duas casas destinadas à moagem de cereais. Cada casa  dos moinhos, chamados da Condessa, tem quatro pedras que podem trabalhar ao mesmo tempo no inverno, havendo, no verão, água bastante para mover três pedras. As casas dos moinhos da Câmara têm três pedras que trabalham em conjunto no inverno, trabalhando duas no verão.» [67]

 

Os moinhos, dado a premente necessidade de se prover de farinhas as populações, de acordo com documentos coevos e o testemunho de Frutuoso, foram logo postos a funcionar após o rescaldo da crise de 1563/64. Desconhecemos o tempo que mediou entre a sua destruição e a construção dos moinhos da vala da Condessa.[68] São hoje  visíveis catorze moinhos na vala. Segundo a tradição oral conservada entre os moleiros actuais, são sete as principais casas  da Condessa[69], sendo as restantes sete subordinadas às primeiras. Tal justifica (no tempo de vida activa dos nossos informadores) a obediência das segundas às primeiras, essencialmente no direito daquelas a usufruir prioritariamente a água da levada, na obrigação de gerir a água da vala e de prover a sua manutenção. Segundo José Rodrigues, não no tempo dele, nem do pai, mas segundo o pai ouvira do pai, ‘fez-se uma lei de boca. Os moleiros das sete casas pequeninas iam buscar freguesia para longe da freguesia das sete grandes. Ao depois foram-se esquecendo e deixando de dar obediência a ela.’[70]

Enquanto os moinhos ditos de ribeira (os que estão junto às margens da ribeira ) têm  Mães d’Água individuais, exceptuando-se dois do Paraíso ou Cova do Milho, mais os da Ponte Nova e o da Cova,  por pertencerem a um mesmo proprietário,[71] os da Condessa têm-nas em comum. Estes últimos, antes e após a perda do monopólio, foram sempre os mais rendíveis e, desde a sua reconstrução, após as cheias de 1563/64, os mais seguros. Destacam-se actualmente, entre os de ribeira, um dos dois do Paraíso, que foi foreiro ao Conde, adquiridos pela autarquia para fazerem parte do ecomuseu da Ribeira Grande. [72]

O aumento e a flutuação populacional, a partir de meados do século XVIII,[73] a mudança nos hábitos de consumo de farinha, até à 1ª metade do século XX circunscrita à panificação e seus derivados,[74] hoje, finais do século, fugazmente alimento para o gado, ainda um pouco para animais domésticos, reflectiu-se mais ou menos fielmente no número de moinhos existentes e no tipo de grão moído. A explosão da construção de moinhos após a quebra do monopólio do Conde parece indicar, por um lado, que os até então existentes não eram suficientes, por outro, que o mercado veio provar que os trinta moinhos eram demais. A concorrência deve ter sido feroz. Assistiu-se, então, a uma selecção dos moinhos, pelo próprio mercado. À medida que as pessoas foram deixando de cultivar o milho, de cozer pão em casa, de preferir o pão de milho ao de trigo, de criar porcos e galinhas, os moinhos e as gentes a eles ligadas foram diversificando a sua oferta. Ainda se criavam porcos em casa, até à proibição de o fazer dentro da então vila, mais galinhas, já se procurava farinha para o gado. Trigo em exclusivo até ao século XVII e milho a partir de então. Em 1984, ainda em 1986, era quase só milho destinado à alimentação de vacas e porcos. Ao mesmo tempo que os lavradores adquirirem moinhos a martelo, regressa-se, sobretudo nas áreas urbanas, ao pão de milho. Tal como em 1984 e 89, os moleiros estão apreensivos quanto ao futuro. 

Os moinhos da ribeira Grande resistiram mais do que os seus congéneres de toda a ilha, inclusive os de vento e os eléctricos, porque os seus moleiros/quarteiros souberam alargar cada vez mais a área da sua clientela. À mudança do pão de milho pelo pão de trigo, sobretudo nas áreas urbanas e entre as camadas médias da sociedade, os moinhos daqui responderam com a procura de mais freguesias nas áreas, sobretudo mais rurais, ainda não tocadas pelo fenómeno do pão de trigo. Em áreas onde ainda se cultivava milho, se mantinham fornos e se criavam animais, o moinho da ribeira Grande conseguiu sobreviver. A emigração de moleiros de outras zonas ou daqui ajuda a quebrar a concorrência. Enquanto esta clientela ia, como vai diminuindo, e enquanto o preço das rações não descia, o moinho sobrevivia. Agora, depois do abatimento dos preços da ração provocada pela construção da fábrica de rações da Associação Agrícola, os moinhos pouco ou nada têm a moer. Uma ou outra padeira, ainda alguma farinha para animais e pouco mais, dizem-nos. Leia-se a explicação dada pelo mais velho dos moleiros:

 

«As lavouras começaram a abrir e a gente começou a botar farinha para todo o lado. Não se dava vencimento. O mal que matou os moinhos é que subiu três vezes 5$00, 2 vezes e 2$50 em cada quilo de milho. E a ração não subiu. Foi tudo para o fundo. A lavoura para a ração e os moleiros caíram. E nunca mais se levantaram. Os viteleiros criam sem rações!»[75]

 

Na Ribeira Grande, entre os da Condessa e os da ribeira, chegou a existir, segundo relatos orais e documentos oficiais, de 28 a 29 casas de moinho,[76] entre as quais uma ou outra experiência de moinho de azenha e [77] uma ou duas moagens eléctricas, no interior de um moinho de água. Catorze, como vimos, na vala da Condessa, outros tantos ao longo das margens da ribeira. Em média, os primeiros tiveram, em relação aos segundos, um número superior de mós, já que estes sempre garantiram e dispuseram de mais água e de melhores cubos/cumes.

 

2.2.3 Alterações nos moinhos provocadas por alteração tecnológica e sócio-económica 

 

A falta de empregos, as rendas altas das terras, alta taxa de natalidade, provocam uma tensão social que encontra escape na emigração iniciada nos anos 50 deste século. O excesso de população  da ilha foi sendo canalizado para a emigração, alimentando-se esta na falta de condições de vida e no desejo de fuga à guerra colonial. Alguns, apesar de terem aqui vidas boas, segundo parâmetros locais, não resistiram ao apelo do sonho americano. A concorrência das moagens, e dos moinhos e moleiros da Ribeira Grande, entre eles, cresceu. A partir de então, segundo os próprios moleiros, e demais gente dos moinhos, os moinhos vão fechando uns atrás dos outros, primeiro os de ribeira, em seguida alguns da Condessa, restando destes, em 1997, cinco. Mas o moinho dera, aos seus donos e rendeiros, grandes proventos.

 

«No moinho da Rua, propriedade do sr. José Tavares Raposo, ultimamente do dr. José Tavares, chegou a receber de renda, no meu tempo, 2 400$00  mensal, depois abateu para 2000$00. Na altura boa permitiu-lhe pôr dois filhos a estudar, um formado em Direito, outro em Medicina. Não era qualquer um que lá ia![segundo um Professor da Universidade sentado connosco à mesa do Café Central]‘Por mês gastava-se em  média à volta de 600$00, cada pessoa, não falando nas passagens.’

Um aspirante de finanças ganhava à volta de 1936,700$00 fortes, penso eu. Talvez seja muito[replica o Professor]. Mas um Juiz não ganhava 2000$00 por mês. Ser dono de um moinho era sinónimo de bom rendimento. Isto até à quebra dos moinhos. Não se cozia pão, não se cultivavam terras, era mais fácil vir de fora, os moinhos, uns atrás dos outros, pouco a pouco, vão fechando e o interesse deles baixa. Ainda se manteve a exploração, na mão do Alfredo Vieira, já sem os encargos das rendas, por mais alguns anos. Vendeu-o por 175 contos, eu é que fiz o negócio, pois o meu primo apoquentara-se com ele, com receio que os moinhos descessem mais.»[78]

 

Todos os moinhos sobreviventes em 1997 possuem rodízios de ferro, e um deles, um moinho eléctrico para prevenir as falhas da vala envelhecida. Em 1939 existiam 22 casas. Pouco depois, na década seguinte, Ventura Rodrigues Pereira regista 19. Em 1984 restavam ainda 9. De 1984 para cá, mercê dos preços proibitivos da electricidade, as moagens foram fechando umas atrás das outras.

O moinho está intimamente ligado aos vários ciclos de produção, assim esteve aos do trigo, milho, esteve ligado ao da vaca, na conjuntura actual, sobrevive à custa dos resistentes e dos saudosistas.

 

« 1974]A pecuária, no concelho da Ribeira Grande, está a desenvolver-se de tal forma que está a ocupar lugar de relevo pela sua grandeza. É, pois, a Ribeira Grande, com todas as citadas actividades, além de outras de menor relevo...,  a maior vila dos Açores talvez por estar à frente do maior e mais rico concelho, o que lhe dá o direito de lhe chamarem vila-cidade.»[79]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Era uma esperança para os moinhos que viria a ser ensombrada pelos moinhos a martelo. Qual tem sido a estratégia desde então. Rendíbilização dos factores de produção e diversificação da oferta de produtos. Assim vários moleiros se reuniram no mesmo moinho e todos eles levam outros produtos aos seus fregueses.

Leia-se o que escreveu, acerca de outra área da ilha, para questões idênticas, o sr. Manuel Inácio de Melo:

 

«Tenho um moinho movido a água na Ribeira Nova, legalmente a andar de roda, mas, devido aos modernismos que são [as] moagens eléctricas e ainda a tendência do povo para comprar pão já cozido em vez de o fazer com as suas mãos, o moinho fechou.»[80]

 

É sintomático que os moleiros transformados  em empreiteiros da construção civil tenham sido moleiros dos moinhos da ribeira.

 

«Os blocos de cimento eram mais fáceis de se fazer e muito mais acessíveis ao cliente. Vê lá o tempo que os canteiros levavam para fazer um bloco de pedra. E o tempo que os pedreiros levavam a assentar blocos de cimento. As pessoas começaram a sentir falta de fazerem mais um quarto, cozinhas diferentes, quartos de banho. Vê lá se em 1960 quando fiz esta casa[rua do Botelho nº 28],  tua mãe estava à espera da Luísa, tu e a Rosalina eram pequeninos, eu a fizesse com blocos de pedra. Ainda me consumia mais com os mestres. Foram fazendo poupanças, algumas, outras recebiam alguns dinheirinhos da América, e outros de outras maneiras. O sr. Ezequiel, quando da reconstrução da Horta devido aos sismos de 1926, foi para lá fazer blocos porque era o processo rápido e mais barato de o fazer.[81]

 

E, segundo o sr. Aurino, industrial de blocos:

 

«Antes só a Ribeira Grande tinha fábricas de blocos. Primeira foi a do sr. Ezequiel. Hoje vendem-se nove vezes mais do que dantes. Hoje existem fábricas, além das da Ribeira Grande, em Vila Franca, cidade, Arrifes, Povoação e Nordeste.»[82]

 

Cinco que prosperam no mercado da alimentação do gado e da proliferação, na classe média e alta, do consumo de pão de milho, encarado como emblema regional, até há pouco infortúnio dos pobres. Estes últimos preferem o pão de trigo.[83] Pertencem todos aos da Condessa. A estratégia de diversificação económica, de industrialização, em que além do moinho, incluía loja serragem, fábrica de blocos de cimento, etc., por parte de um empresário vilafranquense, poderia ser subscrita por alguns dos moleiros/ empresários da Ribeira Grande.[84]

A passagem da agricultura (cultivo de milho e trigo) à agro-pecuária,[85] nesta segunda metade do século XX, fez  não só depender a sobrevivência dos moinhos da flutuação dos preços das rações para o gado, mas  curiosamente também, com a acentuação do consumo de pão de milho, da busca de identidade regional por parte das classes médias da ilha. É a procura do “que é nosso, do tradicional,  mas igualmente  da busca do produto sem químicos nem conservantes.” Na década de oitenta, ao ser introduzido por influência exterior o rodízio de ferro, no moinho do Carlos Correia, pelos seus resultados imediatos rapidamente se propagando aos demais, o moinho  de rodízio e o moleiro mudaram. Produz-se muito mais e melhor em muito menos tempo. Os moleiros sempre tentaram melhorar o rendimento dos seus moinhos de água; uns começaram a  rasgar as pedras, outros acrescentaram palhetas de alumínio no olho da pedra andadeira,  ainda outros introduziram a azenha, picagens assíduas às pedras e até outros colocaram palhetas de chapa ou ferro nas penas dos rodízios.

 

2.2.4  Porque diminuem os moinhos de água

 

Diga-se que, em data por nós desconhecida, mas entre 1760’s e o século XIX, o número de moinhos aumentou. Começando a cair, seja mercê de graves catástrofes naturais, em inícios deste século, seja por razões económicas.  Às vezes ambas. De meados da década de sessenta até 1971, fecharam 45% dos moinhos da vala da Condessa.[86] Como hipótese de trabalho a aprofundar, diria que após a queda do monopólio do Conde, se teria assistido a um sobredimensionamento dos moinhos. Pelo número de pedidos de construção de novos moinhos, constante no Arquivio Municipal da Ribeira Grande, deduz-se que todos os que tivessem capital inicial queriam entrar naquele negócio lucrativo, tal como recentemente o fizeram com as lavouras. Por outras palavras, passou-se de uma estrutura sócio-económica em que, para se extrair o máximo de rendimentos dos seis ou sete existentes desde sempre, propositadamente havia poucos moinhos para acudir a tantas necessidades, para outro momento, outra estrutura e conjuntura, propiciada pela liberalização, em que havia moinhos a mais para as necessidades existentes. Tratar-se-á, seguindo a teoria de Adam Smith, de uma lei do mercado livre? O que provocaria tal situação? A concorrência levaria, por um lado, beneficiando o consumidor, a abatimentos nos preços e melhorias na qualidade dos produtos, por outro, prejudicando os que viviam dos moinhos, pois os preços tenderiam a baixar e a relação do número de fregueses por moinho diminuiu, os rendimentos dos moinhos. Quanto à qualidade, fê-lo em termos da época, não da nossa. Fez-se um esforço para lajear o chão do moinho, por exemplo, ou de haverem guardas para aparar a farinha, entre outros melhoramentos higiénicos. Não terá sido bem assim, pois, para mais moinhos, eram necessários mais moleiros. Moleiros que eram necessários mas que não existiam. Quais terão sido as estratégias dos novos proprietários. Os da vala da Condessa, como resposta ao desafio de novos moinhos, ao que parece, aumentaram o número de pedras e tentaram a todo o transe dominar o acesso da água na Longaia. Vejamos, para percebermos a questão, o que se passou recentemente com a liberalização das rádios. Os proprietários que podiam pagar, aliciaram os melhores profissionais com melhores salários, os demais, grosso modo, tal como nas rádios, apetrecharam-se dos possíveis.  Alguns foram aprender para lá. Moleiros para por o moinho a andar e a parar, tal como eu, mas sem saber os pontos das farinhas, das águas, das picagens. Terá surgido então o moleiro especializado que, falado por fulano e sicrano, corria moinho a moinho a desempenhar as tarefas outrora de um moleiro normal. Em todo o caso, durante uns tempos, os moleiros foram-se fazendo, saltando de moinho para moinho, transmitindo conhecimentos de pais para filhos. Daí a família dos Albertos? A qualidade das farinhas, presumivelmente, teria diminuído.

Quem seriam estes proprietários? Um deles foi Manuel Pedro de Melo e Silva, primo de Madre Margarida Isabel do Apocalipse, autora do Arcano Místico, vereador da Câmara Municipal, senhor de terras, mandou construir o da Cova, cujo último proprietário foi o João Vieira. Um outro, foi o morgado Estrela. Gente que quer aumentar os rendimentos da sua produção cerealífera, tal como o tinha feito, durante muito tempo, o Conde. Seria correcto segui-los e às demais conjunturas económicas. Depois do Conde, pelos vistos, os novos proprietários dos moinhos eram gente de posses, porém à medida que a galinha de ovos de ouro ia pondo menos ovos, estes vão deixando de se interessar, convertendo-se alguns a outros interesses mais lucrativos, ou mantendo-se como senhorios, passando, tendencialmente, pouco a pouco, os moinhos para as mãos de moleiros, farinheiros e quarteiros. Mais tarde, parte destes, também pela diminuição dos rendimentos, sobretudo na década de sessenta deste século,  diversificaram as suas actividades e reconverteram-se. Os que continuaram, hoje, nesta conjuntura, diversificaram-se. O moinho de água está a deixar de ser preciso. Porque a economia de cada unidade familiar  Se calhar não teria forças.Tanto quanto sei. O mesmo se deveria fazer, desde o início, com os rendeiros dos moinhos do Conde. Será, grosso modo, o que se passou inicialmente com a euforia da lavoura?

O rebate tinha sido dado já em meados do século passado com a introdução na ilha de moagens a vapor,[87] com a intromissão dos moinhos da ribeira, depois com a construção das hidroeléctricas, das moagens eléctricas,[88] e com a concorrência dos moinhos de água entre si, como sugerimos.

 

«Um abaixo [assinado]d’alguns proprietarios de moinhos de moer á força d’água, sitos n’esta Vila, pedindo para se estipular, no novo contracto de iluminação publica, a celebrar entre esta Câmara e a Empreza de Electricidade e Gas, de Ponta Delgada, a clausula prohibitiva de fornecimento de energia electrica para instalação de montagem de fabricas de moagens para cereaes; a Comissão ficou de estudar o assunto.»[89]

 

Não só entre os moinhos da ribeira Grande, mas entre estes e os de vento de Ponta Delgada que, segundo Francisco Jácome Correia, na onda do que estava a dar, começaram a ser construídos, na década de sessenta do século passado. Já em 1904, data do artigo, existiriam poucos daqueles. As expectativas do lucro fácil levou ao seu sobredimensionamento e este à sua perda.

 

«Uma tendencia que ha nesta ilha em imitar tudo que se observa ser lucrativo para qualquer individuo, dá em resultado aniquilar todo o negocio que podia ser rendoso para poucos; mas que apresenta graves prejuizos para muitos.

Ha mais de quarenta annos, veio para esta ilha um moleiro inglez, que construiu um moinho de vento ao cimo da rua do Moinho de Vento, que ainda hoje, ali existe.

Foi o primeiro moinho que se construiu na ilha [como estivesse a dar e como não explicasse o segredo da colocação das pedras, numa altura em que confratenizava[sic], já com os copos, divulgou-o. A partir daí, multiplicaram-se os moinhos]»[90]

 

Os moinhos da ribeira Grande, bem ou mal, pelo seu número, parecem ter aguentado, ou melhor sobrevivido, à concorrência. Como? Gostariamos de saber. Procurando outros mercados? Mas também por toda a banda ocidental da ilha se construiram moinhos de vento. Como, então? Ainda que moendo e vendendo menos, ou muito menos, aguentaram. Presumivelmente, em primeiro lugar, porque ainda assim o rendimento de um moinho, na hipótese de quebras sensiveis do rendimento, sempre daria para viver melhor do que a maioria da população. Em segundo lugar, os moinhos de vento, dada a inconstância do vento, muito forte ou muito fraco, continuariam a depender dos moinhos de água. Não nos esqueçamos de que o mercado de Ponta Delgada era o melhor e maior mercado das farinhas da Ribeira Grande porque era a mais populosa, além dos barcos que a demandavam. No início, no século XVI, como vimos, a Ribeira Grande superara aquela concorrência alcançando o privilégio de se mandar quebrar as atafonas em Ponta Delgada. Revogado o mesmo, a Ribeira Grande sobrevivera. Esta luta, esta competição, sempre latente, ao longo dos séculos, entre aquelas duas comunidades, uma abastecedora, nem sempre nas melhores condições, registe-se, a falta de concorrência é assim, a outra que, por isso e para ficar com os rendimentos, queria auto-abastecer-se, continuaria presente, ainda quando, após o falhanço dos moinhos de vento, sensivelmente, na década de vinte deste século, depois de se terem experimentado todo o tipo de moinhos a vapor e eléctricos, com mais ou menos sucesso, com a criação da moagem, a terrível moagem para os moinhos da ribeira Grande.Uma das formas de entrar no mercado, de competir, terá sido, é necessário aprofundar esta hipótese, o arrendamento ou compra, por parte de gente de Ponta Delgada ou lá a residir, de moinhos aqui.Começando também por estar ligado a uma economia de mercado, acabou por ficar ligado a uma economia familiar de subsistência, o moinho de água decaiu, lado a lado com a velha economia familiar, enquanto a moagem, Moagem, empreendimento industrial capitalista, apesar dos sobressaltos iniciais, prospera com o fim daquele mundo. Não me parece que a luta tenha sido leal e franca. Desde o início. A proximidade física da Moagem com os celeiros da Comissão Reguladora dos Cereais, na prática, segundo alguns, promiscuidade, bem como a protecção legal que conseguiu, não permitiria outra coisa.[91] Eram as contradições de um liberalismo inexistente, de uma economia centralizada.[92] Além do mais, o moinho de água era tido como obsoleto, a farinha não saía tão boa nem em tão boas condições higiénicas. Atente-se ao anúncio da Moagem Micaelense Ltda, vindo a lume no Jornal ‘O Distrito’ de Janeiro de 1934:

 

«Comer o pão da sua fabrica é não só ter a certesa de usar um produto higienicamente manipulado e com todo o asseio mas tambem um produto de primeira qualidade fabricado com boas farinhas. Uma pequena compra para experiencia confirmará o nosso reclamo.»[93]

 

Qual teria sido a resposta dos moinhos? Não tinham peso político,ou muito pouco, pois o seu proprietário exclusivo há muito deixara de ser o Conde e já não o eram, em parte, os pequenos senhores locais. Capricharam mais na limpeza dos moinhos, é certo, mas estavam dependentes do cereal local e não peneiravam as farinhas. Se calhar podiam tê-lo feito. Era a vingança pelo monopólio do século XVI, longe iam os tempos em que o rei precisara da Ribeira Grande.    

Os moinhos, todavia, apesar de tudo, seja por estarem mais próximo das populações, seja por não dependerem de produtos externos, enquanto ligados à agricultura local, sempre medraram, ou sobreviveram, em conjunturas económicas e sociais difíceis. Tanto quanto nos é dado deduzir pelos documentos que possuímos, dir-se-ia que entre e durante as Grandes Guerras (1914-1940), repetimos ao que parece, devido a factores provocados por aqueles conflitos, dificuldade de transportes marítimos, crise financeira, entre outros, os moinhos, ligados a uma economia familiar de subsistência, aumentam a sua capacidade de produção reabrindo ou introduzindo novos casais de mós. O mesmo, presume-se, teria acontecido na difícil conjuntura do último quartel do século passado.[94] Daí as dificuldades da Moagem e das moagens eléctricas.[95] No após guerra, num clima de abertura, vieram as dificuldades.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ainda que, ao que parece, na Ribeira Grande, as moagens a vapor e as eléctricas não tenham tido  relevância. Apesar de tudo os custos de produção nos moinhos de água eram muito menores. Todavia, a emigração, as pastagens e a passagem da agricultura à agro-pecuária, os hábitos alimentares, foram mudando o moinho e o moleiro da ribeira Grande. Modificações de vulto só a introdução do rodízio de ferro na década de oitenta deste século pelo Carlos Moniz da Silva ‘Correia’, precisamente em 1986.[96] Enquanto as moagens a vapor introduzem, em meados do século passado, nova tecnologia, os moinhos da Ribeira Grande continuam com os mesmos processos arcaicos ainda no terceiro quartel daquele século, segundo Francisco Arruda Furtado, mesmo ainda em finais da segunda metade deste século, a seguir processos de produção e de distribuição pouco eficientes. A Hidroeléctrica depois de 1930, ao reter-lhes, temporariamente, a água, marca-lhes o tempo útil de produção e abre caminho às moagens eléctricas, como já o vinha fazendo desde inícios do século. Os proprietários e rendeiros dos moinhos da ribeira Grande, divididos entre os moinhos da ribeira e os da Condessa e estes entre as sete casas principais e as subordinadas, reagem  procurando o apoio das entidades oficiais contra a abertura de moagens eléctricas ou contra a altura da barragem da hidroeléctrica.[97] Como todos os moinhos, da Condessa ou de ribeira, dependem, segundo a óptica dos primeiras, das sete primeiras casas,[98] as demais, sobretudo as da ribeira, lutam aberta ou subrepticiamente contra aquelas. O que é contrariado pela Câmara que move libelos contra o Conde. A Mãe d’Água da Longaia, onde se regula a água, local onde as sete primeiras mantêm um agueiro e onde os moinhos de ribeira tentam obter mais água colocando, em sítios estratégicos, paus, assoreando o poço, ou partindo qualquer elemento da vala, é um local sensível de permanente  e acesa disputa. Em 1841.

 

«A requerimento de varios proprietarios de moinhos colocados na Ribeira Grande, e lavandeiras da mesma Ribeira Grande, em consequencia da falta d’agua da mesma por occazião da uzurpação, que della fazem os Rendeiros dos Moinhos do Conde; deliberou a camara construir hum ladrilho por debaixo do annel estabelecido na levada do referido Conde, a fim d’evitar ali escavações, que possão augmentar as aguas que lhe são devidas.»[99]

 

Ainda em 1857.

 

«Dizem Manoel Soares, João de Paiva Mattos da Ribeira Seca Manoel da Silva Affonço da Ribeirinha, Jacinto Ignacio Ferreira... , como senhores e pussuidores, d’aguas da Ribeira Grande desta Villa que pelo acordão junto mostrão que em 1854, esta Ill.ma Camara determinara se demarcasse a agua no boquete do aqueducto para que os Supp.es nunca sofressem falta alguma d’agua necessaria para uso de seus moinhos, porem; como hoje se acha no boquete um gato de ferro que serve de marco, alterado, e mister que esta... determine o seu reparo... pondo se no boquete alguas pedras para poder entrar a agua necessaria...»[100]

 

O conflito por vezes ultrapassou a mera discussão acalorada, degenerou em Condenação, a multa ou a prisão de vários moleiros da ribeira, zangas nas tabernas  e corte de relações entre famílias, amigos e conhecidos.[101]Prolongou-se até há pouco.

 

« Manuel [omitimos o nome de família], casado, moleiro, residente na freguesia Matriz, desta vila, queixa-se... de que António [idem], moleiro, Jacinto[idem], e António[idem], taleigueiros, todos da freguesia de Nossa Senhora da Conceição, desta mesma vila, por onde se acham, e deante[sic] de toda a gente, tratam de o insultar, ameaçando-o de pancadas, que lhe hão-de quebrar os braços e tirar-lhe os olhos, lançando-lhe o injurioso epiteto de ladrão...”[102]

 

Ainda em 1984, e dada uma conjuntura económica favorável, no contexto da ilha, tanto  no seu lado poente como nascente, os moinhos da Ribeira Grande dominavam o mercado da farinha de milho para o gado, cuja procura dependeu  das flutuações dos preços das rações e da electricidade. Todavia, há alguns anos, alguns criadores de gado vacum, no âmago da crise provocada pela carestia das rações, adquiriram moinhos eléctricos chamados “moinhos a martelo.” Hoje estão quase todos desactivados.[103] A maioria dos criadores, porém, enquanto a Associação não construiu uma fábrica de rações, resolveu a situação adquirindo farinha aos moinhos. Mesmo nesta conjuntura, José Eduardo Correia da Silva ‘Carlota’, proprietário do moinho do Guido, não sendo moleiro, sendo comerciante, já apostava em força na venda de legumes e frutas num espaço cada vez maior. Era vendedor ambulante, o avô foi moleiro, é parente dos Correia da Ribeira Grande, depois comprou o moinho e entrou no mercado da farinha recorrendo a abatimento de preços e percorrendo além das áreas tradicionais, áreas mais vastas.[104] Hoje, exceptuando os velhos, todos o seguiram. Ainda em 1984, concretizado em 1986 e seguido pelos demais, a preocupação, solucionada pelo Carlinhos, era rendibilizar o rodízio. Havia também o Euclides no moinho do Félix, Mãe d’Água, que aos poucos fregueses de farinha aliava uma padaria sua. Faliu por outras razões. O sr. Correia vendeu o moinho e veio moer com o Carlinhos a quem passou parte da vida. O Clemente Silva, parente do Carlota e do Correia, do moinho da Areia, morreu. Em menor escala, é esta a sua ténue esperança, no fundo gostam do moinho, mas com tendência para crescer, ainda que lentamente, penetram na  panificação. E eu bem gostaria! Não pagam quaisquer taxas da água que consomem. O mercado da farinha de trigo, exceptuando uma pequena quantia moída, até há pouco para o Hospital de Ponta Delgada, no moinho da Palha, está todo dependente da Moagem.[105]

 

«A moagem no tempo em que estive a estudar em Ponta Delgada, no princípio, comprava milhos e trigos para moer, não fabricava pão. Depois veio a Comissão Reguladora dos Cereais, antes da Guerra, a quem a moagem comprava o trigo. [Não percebo porque não o fizeram os moinhos de água]talvez fosse monopólio e além disso não dava fiado era preciso dinheiro para comprar o trigo.[Mas para sobreviverem, já que moíam também trigo, poderiam pedir dinheiro emprestado]Quem é que conseguia obter crédito? Era preciso teres 10 vezes mais do que pedias emprestado. Além do mais, a cidade sendo cidade, sempre havia mais dinheiro da parte dos fregueses, aqui não, as coisas estavam ligadas à economia familiar. Ao teu milho, ao teu pouco de trigo que mandavas moer para cozer em ocasiões especiais. A moagem não foi sempre do mesmo proprietário. Não sei se foi primeiro do dr. Augusto Ataíde se dos Sousa Lima. Era fraca no tempo do dr Ataíde.»[106]

 

Tempos houve, até à metade deste século, em que  se moía quase tanto trigo como milho. Para tal disponibilizavam uma pedra. Muita gente pobre, em anos de crise, moía carolo nos moinhos de mão.

 

2.2.4.1 Façamos um resumo às razões da queda da ligação do lar ao moinho

 

Mais tarde do que em outros sítios de Portugal, mais cedo do que em outros, a Ribeira Grande parece seguir, no essencial, a tendência nacional.[107]

É certo que a produção familiar de milho diminui drasticamente a partir de meados da década de sessenta também porque o mercado de leite em pó para o Ultramar exige uma maior produção leiteira. A emigração, o cereal importado, encareceram a agricultura. Era mais rendível a conversão para a pecuária. Os mais velhos em regra resistiram, os mais novos transformaram-se. Para o pasto é preciso mão-de-obra  menos qualificada. As vacas  quase tomam conta de si próprias.

Mas existem outros sinais. A mulher libertou-se do lar, através de um emprego, já não só de lavadeira e mulher-a-dias, e o homem ambiciona um emprego limpo e seguro. Vejamos. Mais gente, em grande parte por vontade dos pais, vai estudar e a escolaridade obrigatória, para além do 1º ciclo, ocorre com a reforma Veiga Simão. A introdução da Universidade dos Açores, dada a proximidade ao lar paterno, convenceu muitos pais a deixarem as filhas, por serem mulheres, e poderem continuar a vigiar a sua honestidade, aos filhos, por lhes sair mais em conta, estudar perto de casa. É  prestigiante ter um filho doutor, e ‘ser doutor do governo’ é o sonho de muitos pais, outrora mestres ou simples amanuenses de manga de alpaca, incluído o meu pai que não se resigna ao facto de eu ser só doutor de calças de ganga e de fato de treino. Sortes!

Há empregos nos C.T.T.,[108] na enfermagem, no ensino, nas Câmaras e, na segunda metade da década de setenta, nos órgãos do Governo Regional. Na Ribeira Grande, e por toda a ilha, acentua-se a migração para a «Cidade», local onde se instalam os inúmeros serviços públicos. A lavoura não precisava de muita gente mas as novas secretarias, disso e daquilo, um ror delas, precisavam de contínuos, condutores, tal como as firmas de construção civil. É a elite trabalhadora. A suja, além da ‘fábrica do leite’, como aqui é conhecida, a do ‘linho’ que davam emprego, no segundo caso já não, tal como outrora o Lameiro à Ribeirinha inteira, é absorvida pelo ciclo do betão, para a  construção civil. O Ti António Gouveia, o saudoso Ti António Gajo, moleiro, o António Alberto, também, passam aos blocos e à construção civil. O pai do Gilberto Pinheiro, o Gilberto, o Eduino, em suma, uns por opção, como o segundo que detestava o trabalho do moinho, o último porque não teve outro remédio, lá  vão para a construção, obras públicas ou civis. O segundo não descansou enquanto não chegou a condutor.

As lojas de ferragem fecham os ferreiros, os blocos destroem o negócio dos homens da pedra, os carros e furgonetas, os segeiros e carroceiros, é, com  a queda do milho, o ruir do velho mundo rural. A mão de obra excedentária vai para a emigração, para o governo ou para as obras. Não se pense que a sociedade enriqueceu, apesar de haver mais dinheiro a circular.

 

«A guerra colonial, bem vistas as coisas, fez com que os jovens deixassem cá as pensões, as chamadas subvenções de campanha, para os mais carenciados, os outros, mais remediados, poderiam enviar até 2/3 do pré. Alguns mais orientados enviavam dinheiro e aconselhavam os futuros sogros e pais, por exemplo, a fazer melhorias nas casas. Fazer uma casa de banho decente, melhorar a cozinha era o que mais se fazia. Ou mesmo fazer mais um quarto ou outro. Antes dormiam famílias inteiras no mesmo quarto, ou na cozinha, ou na falsa, ia-se para lá por uma escada de mão.[porquê as melhorias]A vida mudara. Víamos coisas novas e os emigrantes em férias, ou por fotografias, mostravam-nos coisas novas. Penso que também por isso. Os de fora, vendo maneiras de viver diferentes e gostando, queriam o melhor para os seus.»[109]

 

Porquê tanta mudança na cozinha?

 

«Porque era duro. Não havia outro remédio. Não deixava tempo para mais nada. A princípio era tudo a lenha, depois veio o petróleo e o trabalho da cozinha já  aliviado um bocadinho. Ainda se fazia a lenha e a petróleo. A seguir foi o gás, era muito melhor, não havia que andar à volta do fogão, espevita aqui, espevita ali, deitando mau cheiro. Sempre era melhor do que cozer a lenha. Às vezes vinha toda encharcada, em más condições, havia que secá-la, abanar o lume, a cozinha enchia-se de fumo, mal se podia respirar, era um nunca acabar de trabalhos.

Hoje é mais limpeza de pós, antes havia mais trabalho no lume, acartar lenha da rua para a casa, um cento ou qualquer coisa de achas de lenha, e molhos de lenha galhada, a gente tinha alguma de casa, julgo que a galhada era queiró. Era uma vez por mês, dependia, um cento de achas e todas as semanas lenha de galhada, para cozer à quarta e ao sábado. Fazer lume era duro, depois era todo o trabalho da casa que levava todo o santo dia, toda a semana, todo o ano, sai mês entra mês.

O fogão a petróleo veio facilitar a vida. O de gás veio melhorar ainda mais. Os fornos eléctricos também. E o frigorífico! Era tudo em banha!» [110]

 

Algum dinheiro vem das Américas, as famosas ‘dolas’, dinheiro que encheu as contas de poupança, que comprou casas a preços nunca dantes vistos, inflacionando o mercado imobiliário local, que electrificou casas, comprou pão da loja, rádios, em suma, que foi apetrechando as casas daqui, um pouco como as casas dos filhos, irmãos e amigos na América e Canadá. Vinha de lá o termo de comparação. Quem não se recorda das fotografias com frigoríficos abertos, mostrando a fartura e carros à porta? Depois foram as idas a férias à América. Minha mãe vai para lá mas a gente tem que lhe arranjar a casa, fazer um quarto de banho, uma cozinha. [111] Haveria, antes da televisão, outro modelo naquilo que os remediados e abastados da terra faziam nas suas casas. Portanto, é também uma questão mental.

Outra fonte, já no período do Governo regional, foi o apoio à habitação. Todos os dias saem da Ribeira Grande dezenas de camiões em direcção às obras públicas e privadas. Primeiro, entre as pessoas de poucas posses, foi, como já vimos, o dinheiro que a tropa e os emigrantes enviavam às famílias. Estas aproveitavam para fazerem casas de banho, em seguida, como dissemos, foi a auto-construção e o apoio à habitação degradada.

A Ribeira Grande, desde sempre famosa pela mestrança, mantendo esta característica, reconverteu-se, igualmente, numa terra de pequenos empreiteiros. Toda a gente quer casa, há que construir estradas, pontes, aeroportos, avenidas. Depois de um período de crise, as cheias da Povoação de Dezembro último voltam a mobilizar a construção pública. A «mestrança» não chega ao prestígio do contínuo e do condutor. Muitos mestres, ainda que ganhem menos, consideram uma ascensão conseguirem um trabalho de contínuo ou de condutor.

Na cidade, sobretudo Ponta Delgada, não havia, como não há, com tanta facilidade casas com quintal, onde se criassem galinhas, porcos e cozesse pão. Não havia tempo, os dois trabalham, nem sequer era de bom tom, afinal a freguesia tinha ficado para trás. Além de ser proibido criar animais, porcos, na cidade e, na Ribeira Grande. Só os velhos continuam.[112]

Ter galinhas, milho e porcos em casa, era vital na economia de troca, de subsistência, já não era, todavia, numa economia de casais assalariados. O casal, num primeiro momento, até ao controle das rendas e defesa do rendeiro, porque havia muita casa de emigrantes para arrendar, numa segunda, porque não convinha arrendá-las, porque o rendeiro quando lá entra nunca mais de lá sai, pretende construir casa própria, autonomizou-se, assim, da alçada do lar paternal.

As raparigas que vão para o estudo e depois se empregam e possuem casa autónoma dos pais não têm o tempo de que as mães e as avós dispunham ou tinham disposto para se dedicarem ao governo do lar. Ainda que o quisessem, nunca, ou dificilmente o conseguiriam. Depois vieram os electrodomésticos que revolucionaram o trabalho no lar. Muitas mães, inclusive, saudaram esta libertação e aderiram. Era um sinal de ascensão social comer pão de trigo, ter electrodomésticos em casa e não cozer pão. Afinal as melhores casas da terra já o tinham feito.

Questões de higiene pública explicam a proibição da criação de porcos na Ribeira Grande mas também explicam a construção de quartos de banho. Estes, por falta de espaço, por inutilidade do forno, são construídos sobre os fornos «esborralhados». Até porque saía mais barato comprar pão feito.

Os aviários, construídos na década de setenta, pela firma Nicolau de Sousa Lima e pela família ribeiragrandense Teixeira, vieram abastecer o mercado com ovos e galinhas, em alguns casos mais em conta do que a produção caseira. Ainda aqui só os velhos resistem. Até aqui, apesar «de se ter emprego»,  criar galinhas e porcos era poupar algo, porém, a abertura dos hipermercados, colocando no mercado estes produtos a preços muito baixos, veio dar o golpe de misericórdia naquela economia do lar. Entretanto, a tendência, primeiro ocorrida em Ponta Delgada e nas vilas circunvizinhas, alastrou-se às demais vilas e freguesias da ilha. Nelas, entre os mais velhos, e entre as classes médias cultas das cidades e vilas e os novos ricos da lavoura, acendeu-se o gosto pelo pão de milho.

 

«O pão de milho é como o pão de trigo há algum tempo. »[113]  

 

Ainda hoje, como as casas clientes do moleiro ou no seu trajecto, grosso modo, por dar trabalho, por não dar conta, ou outra razão, têm cada vez menos hortas, o moleiro cultiva ou compra  cada vez mais legumes e fruta, para os vender pelas portas.

 

2.2.4.2 Queda da ligação do moinho ao pasto

 

Foi fugaz e conjuntural enquanto fornecimento de farinhas de milho amarelo e alternativa económica para alguns antigos moleiros. É já coisa do passado. A preferência dos produtores de gado pela ração não é só uma questão de preço mas de qualidade. As campanhas levadas a cabo pelos serviços oficiais e pela Associação Agrícola promoveram o apuramento genético do tipo de vaca específico para carne, para reprodução e leite. Para cada uma destas modalidades, além do tipo genético, há a ração adequada. A fábrica de ração da Associação, produzindo rações a preços de custo, obrigou as duas fábricas, até então existentes, a diminuirem os seus preços.

 

2.2.4.3 E a padeira?

 

Parece não existir quebra significativa na procura de pão de milho da padeira. Há também padarias eléctricas que o fazem. Começam a chegar pão de milho, bolos com torresmo e farinha torrada ao mercado, sobretudo aos mini e hipermercados. Há padeiras que organizam a comercialização destes produtos.[114]

É o pão dos nostálgicos, dos novos-ricos e dos que buscam a qualidade dos produtos e a autenticidade, bem ou mal, das nossas coisas.

 

«É  tudo saúde, sem produtos! Além do mais o peixe não vai bem sem pão de milho. Apesar das lapas já terem ido..»[115]

 

2.2.5  Futuro dos moinhos de água de rodízio da Ribeira Grande. Ténue  esperança do produto nosso e de qualidade.

 

Dos cinco moinhos sobreviventes, dois estão, tanto quanto nos é dado saber, bem alicerçados na economia familiar. Todavia, exceptuando-se alguma panificação, a má conjuntura do mercado local, talvez também a própria estrutura económica actual, aponta para a transformação do moleiro/ empresário em vendedor ambulante de produtos que nada têm a ver com o moinho. Há quem queira experimentar o seu aproveitamento hidroeléctrico ou ensaiar o turismo rural de habitação. As entidades regionais e autárquicas desenvolvem esforços para a sua classificação como imóveis de interesse público.[116]  A maioria dos que contactei, porém, está apreensiva quanto ao futuro.

O ecomuseu da Ribeira Grande há muito vem estudando, inventariando e expondo a relação dos moinhos e dos moleiros com o resto da comunidade.[117] Os moleiros/ proprietários são colaboradores entusiastas deste projecto. Este consta de um Centro de Interpretação temático de moinhos no Paraíso (Posto 6), bem como da musealização, naquele local, de dois moinhos de ribeira adquiridos pela autarquia, onde se poderá participar nas tarefas inerentes a um moinho.

A este propósito, regista-se e aplaude-se com agrado, a postura da Câmara Municipal da Ribeira Grande que, em acta de 23 de Fevereiro de 1977, trava a construção de um ‘night club’, primeiro, depois ou antes, travaria a construção de uma residência, alegando, leia-se:

 

« possibilidade de instalação futura no citado moinho de um pequeno museu[mais à frente : museu de âmbito concelhio]»[118]

 

Já em 1971 havia adquirido o outro moinho. Outras vereações, lamentavelmente, viriam a permitir a sua utilização para, ainda assim nada mal, loja de artesanato, ou pior, ‘Boite’. Além do uso inadequado, tais decisões vieram contrariar outra no sentido de se dar início à musealização. Será desta vez?[119]

Já na década de oitenta, Rui de Sousa Martins, membro da Comissão Instaladora da Casa da Cultura propõe um museu dos moinhos, da cerealicultura aos moinhos, pela mesma altura, o vereador Fernando Monteiro faz passar uma proposta de levantamento fotográfico dos moinhos do concelho tendente a orientar processo de apoio aos mesmos. As fotografias foram tiradas, todavia o museu não foi criado, nem tão-pouco o apoio pretendido. Em 1986, pouco depois de assumir as funções de Director da Casa de Cultura, com a incumbência de montar o museu e a Biblioteca, organizei um colóquio sobre os moinhos de água. Daí saiu o projecto de aprofundar o seu estudo e a musealização. Já em 1983, aproveitando um programa de verão, da OTL iniciara aquele levantamento.[120] Nos últimos dias do anterior executivo regional, últimos e derradeiros, á pressa, foi-nos pedida proposta de classificação de moinhos. Envíamos proposta dos dois do Paraíso. Ainda aguardamos resposta.

Onde se proporcionará a aquisição de farinhas, incluindo a de milho torrado e de carolo. Propor a venda de elementos dessa culinária. No Centro de Interpretação, que gostaríamos de ver situado à entrada do Paraíso, no antigo Açougue Municipal, explicar-se-ia, sob uma perspectiva de história antropológica ou social, os moinhos, os moleiros e todos os intervenientes da moagem à panificação e ao alimento do gado, sem descurar a utilização dos mesmos para moer outro tipo de géneros (favas, pimenta etc...) desde o início até à actualidade não só desta área como da ilha e das ilhas. Insistir-se-á nos últimos sessenta a setenta anos porque neste período ocorreram mudanças decisivas, porque temos testemunhos directos dos seus intervenientes e porque interessa ao presente e, em nosso entender, a um conceito de desenvolvimento integrado. Todavia, o período entre a perda do monopólio do Conde e a construção de moinhos particulares será também um período importante a estudar. Promover-se-ão exposições temporárias, a par e passo com a constituição permanente de um banco de dados sobre molinologia, sobre diversa temática onde se problematizará o passado, o presente e o futuro dos moinhos e dos moleiros. Este local, por ser acessível, permitirá observar comodamente todo o sistema operatório de um moinho de ribeira. A partir dele far-se-á o circuito “a cidade dos moleiros.” Nele tentaremos explicar vários aspectos, entre outros:

1-  Mãe d’Água : controlo estratégico da fonte de energia. As disputas entre os moinhos de ribeira e da Condessa. A hidroeléctrica, a pastagem e a diminuição do caudal de água. 2- Sistema de condução e de segurança das valas. 3- Sistema operatório do moinho.4- Organização social do moinho, rendeiro, quarteiro, farinheiro, moleiros e sua relação com o meio em que está inserido.

Deve ser sempre um circuito aberto, dependendo do interesse de quem o faz e de quem o guia. Aconselha-se, para o optimizar, a usar este guia escrito, tão só como um ponto de partida para o diálogo com a terra e seus habitantes, em suma,  diálogo com o museu como nós o entendemos. Este percurso, para além de ser, forçosamente, a minha visão, tentará ser a visão de espaços significantes de todo o processo. Assim, iremos ver as fábricas de blocos de cimento e as tufeiras e cascalheiras ao longo do caminho da Tondela, veremos os pastos, até há pouco quintas de fruta, vinhedos e campos de trigo, milho e legumes. Veremos o exterior das casas, os locais onde as pessoas se encontravam para negociar, orar, divertir, curar, em suma, viver. Se este roteiro ajudar a Ribeira Grande a perder o medo, a orgulhar-se e assumir a sua ribeira, já me sentiria recompensado. Seria salutar, na minha opinião, desenvolver percursos ao longo das margens da ribeira. Trata-se de ampliar a tendência. Para montante, prolongar a rua do Barracão Velho até à Ponte Nova, daí a Trás-os-Mosteiros, à Mãe d’Água, à Longaia. Para jusante, do Paraíso à foz da ribeira. É uma opção urbanística alicerçada na nossa história e no nosso melhor futuro. Estou em crer. O mar da Ribeira Grande é a ribeira. A cidade não pode continuar a voltar as costas a si própria. Corta-me o coração ver o melhor moinho da Condessa não ser incorporado no ecomuseu da Ribeira Grande. Corta-me ainda o coração ver os moinhos transformados em armazéns, pocilgas, garagens, ‘night clubs’; as suas valas entulhadas ou transformadas em esgotos. Será isso desenvolvimento? Quanto a mim, não existe progresso sem desenvolvimento e desenvolvimento sem a nossa melhor história. É também uma opção pela qualidade de vida.

Consulte-se, antes de mais, o mapa da implantação dos moinhos. Nunca esquecer que os melhores guias são os moleiros. Aceitamos, de bom grado, sugestões.

 

 

III

 

3 As pessoas dos moinhos

 

São muitos, para além dos consumidores, os que participam directa ou indirectamente na actividade da moagem. Primeiro, os homens das terras, só depois os do moinho, as padeiras e as padarias.[121]Casos houve em que um moleiro/rendeiro ou proprietário reuniu inteligentemente todo o circuito desde a produção do cereal à panificação. É bom ter presente que cada moleiro, rendeiro, farinheiro, quarteiro, proprietário, ou outro, desenvolveu relações e estratégias diferentes. Nos primeiros tempos, houve o proprietário único, monopolista, o Conde, capitão-do-donatário da ilha de São Miguel, que manteve, em teoria, o privilégio dos moinhos até inícios da segunda metade do século XVIII, na prática, até meados do seguinte,[122] os rendeiros, os moleiros e seus ajudantes e os almocreves que transportavam as moendas para fora da vila. Esta estrutura ir-se-á manter,  presumivelmente as figuras do quarteiro, e  farinheiro, homens que não tinham moinho seu ou de renda mas que alugavam, num ou noutro moinho, a moega, derivam daí.[123] Alguns destes profissionais associaram-se a irmãos, ou outros elementos familiares, transformando-se em moleiros rendeiros, como foi o caso dos irmãos Correia. Em ocasiões de pouco vento, por exemplo, a estes últimos naturais da vila e seus arredores imediatos, somavam-se os moleiros dos moinhos de vento da costa norte do concelho de Ponta Delgada, sobretudo das Capelas e Santo António Além Capelas. Faziam-se filas de carroças e de mulas à espera de vez, prolongando-se noite dentro, dias úteis ou não. Entretanto, jogava-se cartas, contavam-se estórias, ia-se à taberna ou dava-se um salto ao cinema.

O moleiro, por mais honesto que seja, não se livra, na opinião pública, sobretudo na literatura popular, da fama de ladrão.[124] É uma actividade intimamente ligada ao campo, mas mais leve, mais limpa, mais bem paga e mais segura do que a do hortelão.[125] Muitos proprietários de moinhos faziam terras ou tinham feito terras de pão. Porém, enquanto o hortelão trabalhava de sol a sol, o moleiro tinha que andar pelo moinho dia e noite, dias úteis, santos ou santificados. Dependia da quantidade de cereal e da água disponível. Os donos ou rendeiros mais empreendedores que exploravam directamente o moinho ambicionaram dominar todo o circuito desde a produção à distribuição, aproveitando a distribuição para fazerem outros negócios. Nalguns casos isso foi conseguido.

Há e houve na Ribeira Grande famílias ligadas há várias gerações aos moinhos tais como os Moniz, os Tachinha, os Correia ou Silva, os Vieira, os Gouveia, os Batacão, Maquia, Salé, Pascoal, os Vitória, etc. ...[126]Alguns  membros destas, por exemplo as seis primeiras, ligaram-se pelo casamento.[127] Estratégia familiar para “aumentar a vida do moinho”, como nos disseram alguns moleiros.

 

«Naquele tempo os lavradores casavam com as filhas dos lavradores e os moleiros entre si. O farinheiro era um senhor. Ganhava bem e trabalhava menos do que o moleiro. O moleiro tinha era o ordenado certo.[Porque  era assim?]O moleiro já não era um campónio! Era bom ter vários filhos. Vê lá, o meu sogro foi moleiro até ter os filhos já grandinhos, depois foi farinheiro que dava mais. Um ficava no moinho, os outros iam ao negócio dos milhos e das farinhas. Se as filhas casassem com alguém da profissão era meio caminho andado. Em vez de eu dar a maquia a outro ele fica com ela. Depois o moinho, ainda que de renda ficava entre a família. E a freguesia.»[128]

 

 Muitas das esposas e mulheres da família eram também padeiras.[129] Aliás a tendência foi a de que cada agregado cozesse o seu pão. João Vieira, sendo filho e irmão de moleiros, teve primeiro uma padaria, depois, enquanto a mantinha, em complementaridade, trabalhou um moinho. Já recentemente, em 1995, salvo erro, durante um período de carestia da ração para o gado, reabriu temporariamente um moinho que alugou para moer milho para o seu gado. 

A partir, sensivelmente, de finais dos anos quarenta, início dos cinquenta, primeiro Alfredo Vieira, após ter  ganho uma demanda judicial ao sr. Ezequiel Moreira da Silva,[130] depois João Moniz Gouveia, a seguir  João Vieira e  Aurino Furtado Tachinha, lançam-se, num primeiro momento, no lucrativo fabrico de blocos de cimento, aqui iniciado pelo sr. Ezequiel Moreira da Silva, bem como na extracção do tufo e do cascalho de que necessitavam. Num segundo momento,  ainda mantendo o moinho, dominam todo o circuito, desde a extracção, passando pela colocação e aventurando-se na construção civil.

 

«A gente estava sempre atenta. Eu não era já moleiro. Andava fora do moinho. Depois vimos que com os blocos havia futuro e, ainda com o moinho, lá me meti. Pedi emprestado. Se não fosse não podia.»[131]

 

Os que permanecem ligados aos moinhos, ou seja os que não emigraram ou mudaram de ramo, conseguem, também pela diminuição de moinhos activos no resto da ilha, alargar a sua área de acção. São várias as estratégias dos moleiros dos moinhos de mais sucesso. Uns juntam-se para adquirirem furgonetas que lhes permitam penetrar em áreas mais afastadas do moinho. João Pascoal, um merceeiro de sucesso, adquire e explora directamente três moinhos, além da moagem que tem no Pico da Pedra, conseguindo vender na sua loja, a dois passos de dois deles, o cereal que mói neles.  João Vieira introduz uma azenha, João Gouveia Moniz adquire moagens eléctricas, Aurino Tachinha introduz um moinho eléctrico no seu moinho de água, mantendo, porém, um ou dois casais movidos a água. João Gouveia Moniz monta a moagem[132] em Rabo de Peixe, a mais populosa freguesia do concelho, no local da sua ‘freguesia.’ Estes transformam-se em empresários. Pagam a moleiros para trabalhar no moinho, enquanto se concentram no negócio e na gestão de outras iniciativas. Aos poucos, à medida que os outros empreendimentos aumentam, vão deixando os moinhos.

 

«Foi a melhor coisa que fiz. O moinho não dava nada. Começaram a montar moagens quando passou para lá a luz eléctrica [Para os lados de Santo António, Capelas...]. Aqui quebrou tudo, a maior parte. O meu cunhado João que vendia 400 a 600 alqueires por semana fez uma moagem em Rabo de Peixe, deixou de vir para cá. O sr. João Pascoal montou uma moagem no Pico da Pedra, defronte da igreja. Em Rabo de Peixe havia mais uma que o Mariano Gouveia comprou. Nos Fenais da Luz outra, não sei o nome do homem. Em São Vicente na Atafona outra. Nas Capelas, no Largo, outra. Depois, mais para lá, no caminho para Santo António, ainda outra. João Bom  fizeram mais uma. Nos Remédios da Bretanha. Nos Arrifes havia duas. Na Fajã de Cima uma. Não sei mais. Para o lado sul havia mais. As moagens por causa da Moaçor estão todas fechadas. Moía-se muito milho para o gado mas agora há os moinhos eléctricos que moem numa hora uns 20 alqueires enquanto os de água moem 3! Foi faltando de fazer nos moinhos. Além disso as padarias vendiam cada vez mais pão de trigo. E havia a moagem Micaelense que moía o trigo para esta ilha toda. Agora são contadas as casas que fazem pão em casa ou comem pão de milho. Quando o milho era a 5$00 o alqueire o trigo era a 10$00 e o amarelo era menos um escudo, quase sempre. O pão de milho agora é especial por causa da mão-de-obra.Cheguei a vender um alqueire de milho a 2000$00, comparado com a farinha de trigo dá muita quebra. »[133]

 

Porém a maioria emigra e fecha a porta do moinho: ‘ aquilo dava mas não dava para todos, por isso embarquei.’ [134]Alguns regressam mais tarde.[135]

A partir de inícios deste século, a ambição do moleiro era de passar de assalariado a rendeiro e a dono do moinho.[136] Hoje, a maioria assim é, encontrando-se plenamente integrada em todas as estruturas sociais, políticas e económicas da cidade. Alguns ocuparam cargos autárquicos; outros têm filhos vereadores, deputados, membros do governo ou encabeçando indústrias próprias, têm licenciaturas, são irmãos das diversas confrarias e sócios dos clubes desportivos, têm bons carros e casas.

O antigo moleiro, hoje industrial de construção civil, constituindo o grosso dos pequenos e médios empresários da ilha, mandou educar os filhos. Hoje em dia o moinho não trabalha à noite nem aos Domingos, até tem horário afixado, como no caso do moinho do sr. Óscar, tudo por causa do rodízio de ferro.

 

3.1 Área da «freguesia» do moinho

 

Onde vendiam?

 

É preciso ter presente que até à década de sessenta, sensivelmente, o moinho servia  directamente uma clientela local, residindo não muito longe dele. Não será tanto assim porque alguns moinhos têm carroças por sua conta. Todavia, o farinheiro, durante todo o ano, os moleiros dos moinhos de vento, em épocas de calmaria, ou  até mesmo os moleiros da Ribeirinha e  Porto Formoso, nos verões mais secos, alargavam indirectamente a área de acção do moinho. Ou caso curioso, em alturas de pouca água ou de muita moenda,  outros moinhos da ribeira Grande.

 

«Vinham da Bretanha, Capelas, Santo António, São Brás, perto do porto havia um moinho de pouca força, da Maia também mais alguns, a partir da Lomba da Maia por diante iam moer para outros lados mais à frente. Mas o grosso era desse lado [Santo António Além Capelas][137]

 

Os próprios moinhos tinham os seus farinheiros, ou seja os filhos ou cunhados. Cada moleiro tinha o seu giro determinado. Por exemplo a ‘freguesia’ do moinho da Ponte Nova, até meados da década de sessenta, exceptuando o que exportava para a ilha de Santa Maria, situava-se ao longo das ruas das Freiras, Santa Luzia, Santo André, Praça, grosso modo e, de novo, Ponte Nova. O moleiro percorria a freguesia na sua carroça, na qual instalara um  pequeno sino, cujo som se distinguia do de outro moleiro, recolhendo ou devolvendo a taleiga. Cada taleiga (saca), sendo à primeira vista igual às demais, distinguia-se por pequenos sinais ou marcas que cada freguês fazia. Como o moleiro se pagasse por ir e levar a taleiga, algumas pessoas iam levá-la ao moinho, sobretudo as que moravam junto a ele.

 

«O meu irmão Hermano não sabia uma letra. Mesmo assim sabia a quem tinha dado fiado. Em Rabo de Peixe sabia que,  fazia lá as suas marcações num caderninho, só ele é que percebia, a mulher ao lado de baixo da fonte levara 5 quartas. A mulher ao lado da mulher ao lado da fonte 4 quartas e sempre assim... [risos][138]

 

O farinheiro, não tendo, regra geral, freguesia junto ao moinho, ia procurá-la onde houvesse, sobretudo longe dele.

‘ O melhor que havia era ser farinheiro. Andava-se por fora, trabalhava-se menos do que o moleiro e ganhava-se muito mais. Eu já não disse que ser farinheiro era ser um senhor?’[139]

 Este profissional era muitas vezes um dos inúmeros filhos de famílias de moleiros, ou ainda alguém do local da própria freguesia. Casos houve de farinheiros que tinham tido pais moleiros, tendo conservado a freguesia no interior das freguesias junto aos moinhos. [140]

 

«José Batacão, Ti José da Estrela, meu cunhado João e pai iam para Rabo de Peixe iam de carroça. Vinha das Capelas o António Homem, Manuel Homem e o Artur Chapa Larga. O José Pedro de São Vicente, o João de São Vicente e mais! O Manuel  da rua do Espirito Santo chegava ao moinho às 5 da manhã, o Ti Jacinto Raposo da canada do Estevão, o Manuel Canário, ali de cima, diante do Passal, vinha moer às costas.»[141]

 

Mais tarde, os moleiros actuais, trocando a carroça pela furgoneta, vieram a ficar com o que restou das freguesias. A Ribeira Grande, por ter mais água, por se situar no fértil planalto da Lagoa e Ponta Delgada, sempre dispôs de um excelente mercado, do maior. Estava bem situado para participar na economia de mercado para exportação e para abastecer o mercado local. É preciso ter em conta que os mercados não se mantiveram, às vezes aumentavam outras vezes diminuíam, conforme diversas conjunturas e estruturas, como já vimos. Segundo os documentos, Ponta Delgada é o maior, não só para abastecimento local mas como ponto de escoamento para o exterior. Segundo os testemunhos orais, Arrifes, Ponta delgada e Rabo de Peixe. Para Ponta Delgada:

 

«Chegamos a ir duas vezes, ao Sábado e aos Domingos, ficávamos a dormir, em cima de sacas, numa loja perto do mercado. A caminho deixávamos milho e farinha em lojas e barracas e fazíamos as contas. Havia lá várias caixas. A segunda, depois passou para a primeira quando a moagem desistiu, era do Hermano Tachinha. Era um bom mercado. Vinha gente com carroças de toda a parte. Só lá vi, durante pouco tempo, um moleiro de Vila Franca. De resto era tudo daqui.»[142]

 

Ou ainda o que diz José Vieira:

 

«Não havia dia em que não visse mais de uma dúzia de carroças dos lados de Rabo de Peixe para os moinhos de cá. Vinham também de Santo António e daquelas bandas. Dúzias de carroças por aí fora. Para a cidade. Eh fulano! Onde está sicrano? Está a três carroças à tua frente. »[143]

 

Ou para Santa Maria:

 

«O meu irmão mandou farinha de milho para Santa Maria e eu também depois de ele ir para a América. Foi pouco depois da guerra. O sr. Duarte Borges, não me lembro bem do nome, é Toste, mandava farinha de trigo para lá e o que tomava conta do depósito lá pediu-lhe também farinha de milho. O meu irmão como vendia farinha na praça ele pediu-lhe.  Eram 20 sacas a 70 quilos cada uma quase todos os meses. Era um bom negócio. Grande negócio! Quando era milho novo, no inverno, se o mar estava bravo, muitas vezes tinhamos que o descarregar de novo. Às vezes, já na Calheta, pelo mexer do mar já víamos, nem o carregávamos. Lá o trazíamos de novo para a Ribeira Grande. De outra maneira poderia apodrecer. Foi por causa de Santa Maria que fiz a moagem eléctrica no meu moinho. Antes de eu fechar o meu moinho deixei de mandar para lá porque, tal como aqui, as pessoas deixaram de comer pão de milho.»[144] 

 

Onde compravam grão?

 

Se a área de venda era, essencialmente o lado poente da ilha, o lado nascente, era o local onde mais se compravam milhos. Pelo menos era daqui o famoso milho do Faial da Terra. Exceptuando aquele só o Pico da Pedra rivalizava com ele. Era mais pesado e cheio. Os que compravam preferiam comprá-lo à medida, ao passo que os que o vendiam preferiam, sem sucesso, ao peso.

 

«O pior era o da Povoação só o comprava quando não havia mesmo mais nenhum. Tinha de ser!»[145]

 

Desde sempre o mercado dos cereais, no início trigo, a partir do século XVII, também milho,  estava regulado pelas Câmaras e, já na década de quarenta, pela Comissão Reguladora dos Cereais. Havia que, por um lado, prevenir o abastecimento das populações locais, por outro, evitar o excessivo encarecimento daquele produto. Porque a exportação do trigo era rentável, para o fazer em maior escala, conseguiu-se aos poucos ir impondo o milho como cereal de panificação. O que veio a suceder a partir da segunda metade do século XVIII. A partir do século seguinte, começou-se a importar trigo e milho para abastecer o mercado local, sobretudo em épocas de crise. Até mesmo farinha. O estado procedia a importações para evitar especulações desmedidas. É neste quadro, ainda válido para este século, que poderemos compreender o negócio de milho e trigo no interior da ilha. Negócio que sempre ultrapassou os limites de cada concelho. Isto além dos cereais das redondezas do moinho, do cereal da maquia.

 

«A gente fazia terras e ficava com o milho da maquia, mas precisava de mais. Precisava para vender farinha na praça, em Rabo de Peixe, ali no Caranguejo era pecado a mulher ter menos do que uma dúzia de filhos, aquela gente era do mar não fazia terras e para Santa Maria. Os melhores milhos eram do Pico da Pedra e do Faial da Terra. O milho era pesado, cheio de farinha, bom milho! Andava sempre por aí a ver como estavam os milhos, por isso os meus filhos não são moleiros. Meu pai tinha medo, ficava mais pelo moinho e por isso não avançou. Via quando o milho ia a subir e comprava tudo o que podia. Aí é que estava o ganho. Tinha granel, onde hoje mora a minha filha Catarina. Davam-me dinheiro a crédito na caixa. Era bom cliente. Sempre vivi de crédito, só não dormi na primeira noite, para o resto habituei-me. Era certo. Cheguei a comprar milho, por exemplo, a 10 e a vender a 20. Mas era preciso ter o olho bem aberto. Um dia um fulano da Povoação, não vale a pena dizer o nome, levou o seu milho para o Faial da Terra para passar por milho melhor. Desconfiei, vi o milho, tornei a ver e disse fica com ele! E ficou. Um outro que deve estar no inferno, se ele não estiver mais ninguém estará,  tinha o costume de vazar as sacas mal cheias, a seu favor, para o monte. Comigo não amanhou nada. Pesava tudo antes.»[146]

 

Mas às vezes os negócios davam para o torto:

 

«Na madrugada d’hontem faleceu no nosso hospital, onde ha dias veiu submetter-se a tratamento, um individuo da Ribeira Quente, que na Povoação fôra aggredido com um fueiro na cabeça, por um outro da Ribeira Grande, que ainda chegou a maltratar mais dois, tudo por causa d’um negócio.»[147]

 

Transportes

 

No início foram as mulas, depois os carros e as carroças. Segundo Alfredo Vieira o dr. José Tavares dono do moinho da Rua, dissera ao pai que tinha sido o seu avó quem primeiro usou carroça. Era um tal Gerista, natural da Lagoa e proprietário do moinho da Rua.[148] Isto teria sido à volta de 1890, mais ano menos ano.

 

«Eu mais duas ou três carroças fomos ao norte, para os lados de Santo António comprar milhos. Tivemos de dormir lá de qualquer maneira. Quando comprei o meu camião dava-me tempo para tudo. Ia e vinha num pulo.»[149]

 

 Já depois da guerra, ou mesmo durante, quando iam comprar ou vender cereal, alguns alugavam camiões.

 

«O sr. Pontes, pai do Manuel Pontes, alugava um  camião. A gente ia de porta em porta à procura de quem tinha milho para vender. Várias vezes o depósito ficou vazio e o condutor teve que vir na camioneta comprar gasolina.»[150]

 

Pouco depois, vendo as vantagens, compram carros. [151] Tal veio permitir, entre outras coisas, uma maior mobilidade e poupança de tempo. Podia ter mais tempo para negociar e regressar a tempo ao moinho. Com a subida dos salários, dos encargos sociais, da obrigatoriedade de horário de trabalho regular, a tendência é para a dispensa de moleiros assalariados. Tudo isso conjugado conduz ao perfil do moleiro comerciante/actual.

 

3.1.1 Tipo de «freguês» do moinho

 

Os rendeiros ou qualquer outro comerciante de grão e farinhas adquiriam freguesias , essencialmente, de três modos: compra, herança ou troca. Uma quarta foi a de ocupar o espaço vazio deixado por alguém que emigrou ou pelo descontentamento pelo serviço prestado. Os filhos que tomavam conta do pai, em regra, ficavam com a sua freguesia. Moinhos com maus moleiros, onde a farinha se quebrava exageradamente, perdiam clientela.  Casos houve, entre os que abusavam da bebida, de terem igualmente perdido freguesia.

Havia, pelo menos, três tipos de freguês do moinho. O «freguês do fiado», da «taleiga», directamente ligado ao moleiro do moinho, e todos os que alugavam o moinho, ou seja, entre outros, os moleiros dos moinhos de vento e os farinheiros. Exceptuando os que iam lá esmolar.

 

«Um frade foi ao moinho

com meia quarta

tanto andou

que levou quarta e meia.»[152]

 

Estabelecia-se, por exemplo, entre o rendeiro do moinho e um casal recentemente constituído, ou outro que explorava directamente o moinho, um acordo verbal, mediante o qual  a este último o primeiro adiantava, por exemplo, duas vezes por semana, dependendo do número de pessoas do agregado familiar, meio alqueire, pagando este invariavelmente todas as semanas, excepto em alturas de crise, em que o moleiro “entendendo a situação” estendia o prazo.[153] Normalmente estes novos clientes eram admitidos por os pais serem clientes e, tal como eles, em circunstâncias normais, mantinham-se pela vida fora seus clientes. Havia uma relação de gratidão por parte dos clientes. Eram geralmente pessoas que não faziam terras, sendo sobretudo mestres de outras profissões, como pedreiros, caiadores, etc. O cliente da taleiga era o que tinha o grão, que o levava ao moinho, ou que o entregava a um moleiro ou ao farinheiro. Fazia terra ou recebia rendas de terras. Com a diminuição da área de cultivo, com a emigração, ou por velhice, os clientes tenderam a tornar-se clientes “de fiado,” ou a pronto. O terceiro grupo de clientes subdivide-se em dois. Os primeiros não tinham moinho,  vindo moer  a taleiga que recolhiam, mediante uma renda que pagavam ao moinho.[154] Por conseguinte, os fregueses daqueles pagavam mais um tanto.[155] Havia um contrato verbal entre estes, o moleiro e os fregueses. Estes tinham geralmente a sua freguesia longe do moinho.[156] Os segundos eram formados por moleiros cujos moinhos de vento, ou de água, estavam, temporariamente, por falta de vento ou água, parados, ou cuja moenda excedesse a sua capacidade de resposta. Ou os do Porto Formoso, São Brás, Maia, em tempos e da Ribeirinha no verão.[157] Poucos eram os que iam comprar directamente a farinha aos moinhos. [158] A farinha destinava-se, então, quase toda para a panificação. Muita para  farinha torrada, bolos de carolo e de sertã. Pouca para a engorda de animais.

 

3.1.2 Porque se preferia um moinho a outro

 

Cada qual teria os seus. Todavia, algumas das razões podem ser traduzidas na confiança, na higiene, na amizade, no «já no tempo do meu pai era assim»,  na proximidade física e familiar e nos tratos que se faziam.

Normalmente continuava-se freguês de um moinho, melhor de um moleiro, apesar de se vender o moinho com a freguesia. Esta última, no caso de mudança de moleiro, poderia mudar de moinho. Não havia, grosso modo, sobretudo no tempo das farturas, intromissões em territórios alheios. Em tempo de crise, valia quase tudo. Apesar de tudo, segundo os próprios, havia mais respeito do que agora. Respeitava-se, mais ou menos, os territórios de cada um. Porém

 

«Havia muitas arengas. Eh! porque é que mudaste para fulano? Dá-me o mesmo por menos.»[159]

 

Normalmente estava estabelecido, entre todos, tacitamente, por uso e costume, o preço que cada qual deveria levar por cada tipo de farinha e a cada freguesia, de acordo com a qualidade da farinha, da distância da freguesia e de quem tinha transportado a taleiga para o moinho. Nem sempre porém:

 

«Se eu ganhava um escudo, outro por detrás oferecia menos e a gente baixava para não perder o freguês. Às vezes elas mudavam-se, por exemplo, o milho da Povoação dava menos pão. Tem a medida mas não tem o peso. A farinha não bebe água suficiente. O milho do Pico da Pedra sempre dava mais um ou dois pães do que o milho da Povoação. Elas diziam essa farinha não rende nada. Uma padeira que faz 20 alqueires, se apanha aquele desgraçado milho da Povoação, tinha menos quatro ou cinco pães!»[160]

 

 Às vezes era somente porque ‘naquele se roubava menos’, disse-me malicioso um velho moleiro.

O caso da Praça de Ponta Delgada era diferente. Vários farinheiros indo lá vender farinha, concertavam os preços, sempre que fosse conveniente, de modo a que todos ganhassem. Não eram, porém, sempre honrados os acordos.

 

«A gente na praça de Ponta Delgada combinava um preço entre todos, mas havia sempre algum que em voz baixa, mesmo ali ao lado, ou à frente da gente, querendo ser mais esperto, oferecia por menos. Era preciso ter o olho bem aberto!»[161]

 

E outras estratégias pessoais:

 

«O Manelinho Florêncio para ficar com a freguesia da saca de roda do moinho dava a cada rapaz  que a ribeira sacas um cigarro. Dava resultado! No moinho ao lado quiseram fazer o mesmo mas o dono dava os cigarros e o moleiro dava a quem queria e fumava os outros.» [162]

 

Ou dos moinhos da ribeira Grande, no seu todo, não cruzaram os braços à concorrência das moagens: ‘ Levávamos menos pela sacada grada.’[163] E, segundo os das Capelas ‘Os moinhos da Ribeira Grande levavam  menos do que os nossas moagens levavam aos moleiros e farinheiros de Santo António e daqui perto.’[164]

 

Geralmente procurava-se, no caso de querer alugar uma moega, um moinho bom e que tivesse vez disponível:

 

«O  moinho da Rua era um mau moinho para a freguesia da Ribeira Grande porque as pessoas que tinham algum dinheiro ou eram remediadas não queriam ir para a Rua Direita com uma carroça nas mãos, tinham vergonha, era destas coisas! para fora era bom. Tinha vários moleiros de fora. Vinham ter connosco a perguntar se havia vez e quando. Tínhamos que respeitar a ordem. Se, por acaso o que estava em segundo chegava primeiro moía até chegar o primeiro.»[165]

 

O melhor cliente.

 

«Era o que comprava a farinha. A pronto. Se desse para o torto tínhamos que compensar com a venda do dobro. Caloteiros não nos faltavam. O cliente da saca cheia era seguro mas ganhava-se pouco. O melhor era o da farinha. O da saca vazia com dinheiro lá ia, conforme a seriedade.»’[166] João Alberto corrobora  «dava um escudo por alqueire. Comprava a 24 e vendia a 25. Quando se ganhava 100 escudos era bastante [tem 76 anos e deixou os moinhos aos 35 anos] 100 alqueires dava para isso. Quando 5 alqueires rendia mais uma Quarta, com milho bom e com um bom moleiro. Eu vendia 120 alqueires por dia de farinha. Tinha muita família e padeira. Naquele tempo o pão de trigo servia de conduto!»[167]

 

3.1.3 Ambiente no moinho

 

O ambiente descrito numa acta da Câmara  de 1901 não corresponde aos ambientes que conheci. Aos poucos muito se foi modificando. Desde o início, desde o século XVI, encontramos queixas semelhantes. Não se julgue que eram só os moinhos. Mas vejamos:

 

«Incorre na pena de vinte mil reis de multa: - Primeiro - O que expuzer [sic] ao publico casas de moinhos, cujo pavimento não seja lageado [sic] ou assoalhado e cujas paredes internas não sejam guarnecidas a argamassa e devidamente caiadas; - Segundo - O que não tiver saccos [sic]  ou caixas de madeira, devidamente collocadas [sic] para recolherem toda a farinha que fôr [sic] saindo das mós evitando assim que alguma caia no chão, ainda que esteja bem limpo; - Terceiro - O que conservar cama de dormir, dentro da casa dos moinhos, sem que esteja separada por qualquer enchamel [sic]  ou parede; - Quarto - O que deixar entrar, ou de qualquer modo, conservar dentro da casa dos moinhos qualquer ave, ainda mesmo em gaiola ou qualquer animal irracional, ainda que seja para carregar, ou abrigar-se do sol ou chuva; - Quinto - O que na própria casa dos moinhos fizer lume para cozinhar alimentos; Sexto - O que não tiver os utensílios indispensáveis a estas casas. Paragrapho [sic]  único - O dono, rendeiro ou moleiro, que não trouxer sempre em bom estado de limpeza e conservação todos os utensílios, instrumentos, paredes, tectos e pavimento do moinho, incorre na multa de dois mil e quinhentos reis...»’ [168]  

 

 

O ambiente do moinho dependia do proprietário e do local da sua implantação. Em todo o caso, mais em uns do que em outros, mais em algumas alturas do que noutras,[169] o moinho era um local de sociabilização.

 

«Passei serões e serões a jogar às cartas no moinho. Viravam uma caixa vazia da farinha e as pessoas que vinham com a taleiga moer ao moinho jogavam com a gente à espera que o moinho moesse.»[170]

 

Comparado com  a maioria das casas de então, frias, de chão térreo, espaços apertados, o interior do moinho era confortável e repousante. Pela saudade, ainda o é para mim. Enquanto no exterior faz frio, no interior a temperatura é acolhedora, o cheiro da farinha quente é suave e o barulho da água e do cachorro[171] é relaxante. Além do mais, exceptuando o período em que o moleiro sai para recolher a taleiga, o moleiro está sempre disponível, dia e noite. Às vezes não era bem assim:

 

«Moía de noite a sacada grande, carregava e dormia de dia sobre as sacas. Um homem queria era dormir! E quando os rapazes iam tomar banho para a vala! Uma vez roubei a roupa deles. Aquilo era sempre a entupir e faziam mal às portas.» [172]

 

Se calhar foi ele que nos roubou uma vez a roupa. Os moinhos da Ribeira Grande estão distribuídos, de montante a jusante, por quatro áreas de características diferentes. Comecemos pelos dois da Longaia e Areeiro, duas áreas fora do centro da então vila. Até às cheias de 1919, existiram dois de ribeira que se situavam a montante da Mãe d’Água dos da Condessa.[173] Estiveram implantados numa pequena comunidade residente constituída por gente de quintas e de terras de cultivo. Aí presume-se que o moinho tenha constituído um local de atracção para a área adjacente. A comunidade já seria reduzida, a julgar pelos Róis Quaresmais, muito antes de 1919. Este e o espaço seguinte, contíguo, era submetido a apertada vigilância.

Os da Mãe d’Água constituíam um grupo de moinhos de ribeira e da Condessa, arredados ainda do centro da então vila, não permitiriam um convívio de vizinhança muito numerosa. Talvez durante a ceifa e a vindima o ambiente se modificasse. Tanto na Longaia, como na Mãe d’Água, os moinhos constituíram uma unidade complexa. As famílias moravam juntas, criando porcos e animais domésticos e cultivando pequenas nesgas de terra ou apascentando pequenos rebanhos de cabras. Muitos destes moleiros eram também cabreiros e percebiam como ninguém de ervas e mezinhas.[174] Eram temidos e respeitados pela população. Aliás tal como todo aquele local. Este e o local anterior eram os locais, incluindo as terras dos Foros, ligadas a este espaço, privilegiados das terras dos moradores do grupo seguinte.

Os que ficavam à volta de Trás-os-Mosteiros, Canada da Palha, Foros, rua do Vale e Ponte Nova, estavam inseridos na área residencial dos que «amanhavam», de renda, por conta própria, ou assalariados, nas áreas anteriores. Incluíam-se neste grupo pequenos merceeiros, mestrança e mangas-de-alpaca. É o tipo de pessoa ao qual eu pertenço, ainda que indirectamente, ligado à terra e à ribeira.

A ribeira e área circunvizinha, para nós funcionou como o mar e o calhau para os que ficam lá perto. Retirávamos dela tudo ao longo do ano: as amoras, as groselhas, os cascalhos, os fetos, as serralhas, os eirós, as canas, o agrião, o inhame, os legumes, os milhos, as frutas. Lá aprendemos a nadar.

 

«Lembras-te do Guiterra que morreu afogado no Poço da Mãe? Não estavas lá quando isso aconteceu?

Ele tava lá, mais o Carlinhos Frigideira, o Arturinho, penso que estes dois lá estavam, o pobre quase que não via nada. Morreu. Havia lá as golas. Não sabes o que é uma gola? Puxa para dentro. A gente finava-se de medo! Lembras-te que a malta ficava lá, na água durante horas e horas. A água, cheia de limos, era quente. Depois íamos para a pedra secar e fumar uns cigarrros. Aquilo era até pelar os lábios. Na vala do moinho do sr. Aurino chegamos a ficar sem a roupa que o moleiro arrumou. A gente não media o perigo. Era sempre nestes poços e valas, em risco de cair nos cumes do moinho! »[175]

 

O moinho da Ponte Nova, para um filho de um pequeno funcionário de manga-de- alpaca, ficava deliciosamente a meio caminho deste mundo anterior e dos seguintes, ou seja da área elitista da rua Direita e a Areia, área dos pobres. Até porque jogar futebol estabelecia a ponte. Jogávamos à bola no Adro das Freiras, serviamo-nos, invariavelmente da Loja de mestre António «Fona»[176] e tínhamos padeira na rua da Ribeira ou na rua do Sabão.

A área da rua Direita ficava ligada ao moinho da Rua. Nesta rua moravam as principais famílias da vila. Era a zona do poder e do dinheiro, dos ‘casacas’, segundo o povo, das repartições, das lojas principais, etc.

 

«O meu pai não queria que eu fosse para a rua Direita porque se o senhorio me visse podia pensar que a gente tinha dinheiro e a gente tinha que pagar mais!»[177] Ou: ‘ O dr. Virgínio mandava o criado moer ao nosso moinho e mais gente grada.»[178]

 

A ela, todavia, afluíam  de todas as demais áreas, sobretudo à noite e aos fins de semana. Frequentavam-se as tendas de barbeiro, de sapateiro e o Águia e o Ideal. A gente mais fina ia à Recreativa, aos dois cafés e às farmácias. Havia lugar para todos, cada qual em seu poiso.

Finalmente uma área muito ligada ao mar, no caso dos moinhos junto ao areal, ou mais ligada, no caso dos da Cova do Milho. Por toda a orla marítima residiam, é certo, camponeses, todavia, o grosso era constituído por calhauzeiros, pescadores e calceteiros. Eram estes os principais clientes dos moinhos daquela área. Tinham menos recursos e não faziam terras. Os filhos dos manga-de-alpaca encontravam-se nas Poças,   na Igreja, na Escola e no Futebol, com esta última área. Este encontro não era sempre fácil nem isento de acidentes. Muitas brigas houve. «Não andes com aquele pé descalço!» diziam-nos com frequência.

O moinho da Ponte Nova, o meu moinho, o moinho do compadre Aurino, constituía, até inícios da década de setenta, uma unidade fabril e comercial já elaborada. Ficava a dois passos de tudo. Para falarmos dele temos que nos desdobrar em cinco tipos de pessoas. A malta nova, os que estavam no activo, os velhos, as raparigas e as mulheres.

Porque os filhos do moleiro tinham bola e uma equipa de futebol, a malta caía lá em peso. O avô estando lá presente, figura vigilante, atraía outros, mantinha o respeito e encantava a malta nova com os seus casos. Era uma festa quando recebia outros velhotes. Os que estavam no activo iam lá para negociar rações, farinha, terras, em suma ‘terminarem’ as suas vidas. Estes grupos permaneciam lá, não havia nenhuma norma semelhante àquela que recomendava às mulheres e raparigas lá irem só o tempo necessário para tratarem da moenda. De todos os grupos citados, de inverno, a malta nova era cliente assídua. De verão era raro lá parar.

As pessoas iam não só atrás da farinha, como da farinha torrada e do carolo. As varreduras do moinho e o que se tirava das picagens ou da mudança de cereal nas pedras servia para alimentar os porcos e as galinhas do moleiro assalariado.[179] O moinho da Ponte Nova, considerado limpo, era varrido várias vezes ao dia. Até se apanhavam enormes enguias no cabouco do moinho.

Hoje o moinho mudou. É um local de trabalho que fecha à noite e aos Domingos. Antes as pessoas iam para lá fazer serão, depois de cearem, ou antes ou depois da «Esplanada ou do Teatro.» Aos Domingos de manhã e à noite. À tarde e de manhã ia muita gente ao futebol, pois nos anos sessenta a maioria dos jogadores, juniores e seniores, do Ideal vinham desta área. O Adro das Freiras tinha sido o «estádio de grandes desafios.» Hoje, o moleiro mói rapidamente o seu grão e mete-se em casa. O Óscar, como  toca em duas orquestras, não falha um ensaio ou festa. O Carlos Correia, que adora mecânica, fica-se pela sua oficina.

 

3.1.4 Trabalho no Moinho

 

Além das tarefas da recolha da taleiga, de moer a taleiga e de distribuir a taleiga, o moleiro tinha muitas outras incumbências.

 

«O dono falava-me, eu estava lá a sustento. Picava, carregava as carroças, furgonetas, carregava moinhos... E era moer. E quando quebrava arranjava. E quando entupia ia desentupir para avançar a moenda a ganhar 150$00 por semana. Para que é trinta contos para uma reforma e por doença! Não dá para uma homem viver.»[180] Ou . «Naquele tempo eu acho que não chagava a 100 escudos, era menos. O meu cunhado foi ganhar bom dinheiro quando o pai lhe deu 150.»[181]

 

Condições de trabalho.

 

«O moleiro ia para a rua de um dia para o outro. Se é hoje ia para o Tribunal do Trabalho. E não é para menos trabalhando dia e noite. Saía de lá um poucochinho e era só. O moleiro não precisa de farinha, traz a que quer além do ordenado.»[182]

 

Ou ainda:

 

«O patrão só me pagou o tratamento não me pagou os dias que estive parado. Não havia horas nem nada.[O que é que me acontecia se deixasse de poder trabalhar?]Alguns que eu conheci andavam, por exemplo o meu pai, quase sem poder, à lenha, outros à esmola. Eu e o meu irmão depois do meu irmão mais velho ter casado, trabalhámos para o meu pai. Era assim em toda à parte. Os bons filhos. Pedi mais 2$00 para comprar 1 quartilho de leite. Ele disse-me: se eu te der a ti tenho que dar aos outros.»[183]

 

As famílias, antes da Segurança Social, auxiliavam-se, mesmo os bons patrões sempre ajudavam. Os transportes, por um lado, dando maior mobilidade ao dono do moinho, por outro o aumento salarial e a obrigatoriedade de ter em conta questões sociais, transformaram o moinho e o moleiro. A tendência foi a de que cada dono se transformasse em moleiro comerciante. Tal começou em finais de sessenta e acentuar-se-ia à volta do 25 de Abril. Não era rentável de outro modo. Portanto há a distinguir o moleiro assalariado do moleiro patrão. O rendeiro do moinho até aos aumentos salariais pós-25 de Abril, até à introdução de veículos motorizados, tinha um moleiro por sua conta e uma ou duas carroças. Concentrava-se no negócio dos trigos, no seu cultivo e na venda de farinhas. Além da renda que pagava, renda que variava de moinho para moinho, de acordo com a sua qualidade, além do salário dos assalariados, tinha poucas despesas.

 

«Veja lá, eu pagava 300$00 por mês de renda pelo moinho da Praça, era fraco, e 2000$00 pelo da Praia. Recebia a renda dos moleiros de fora e a maquia dos fregueses.»[184]

 

 Mobilidade

 

Os moleiros com quem contactei conheceram muitos moinhos e todos começaram a trabalhar muito novos, à volta da idade escolar. Mudaram porque se incompatibilizaram com os rendeiros, nalguns casos acusados de negligência, noutros por suspeita de roubo. Ou porque tomavam, eles próprios, moinhos. Os melhores eram cobiçados e podiam receber mais qualquer coisa.

 

«O Eugénio! O irmão do António Fernandes. Já o pai tinha só fama. O Ti  Guilherme Batacão era mais garganta, mas corria muita gente para o moinho dele.»[185]

 

 Mas outros discordaram e adiantaram-me outros nomes. Parte substancial das suas conversas incidiu sobre a sua competência técnico-profissional e a incompetência de outros.

 

«O meu cunhado Aurino era fino, muito certinho era um bom moleiro, um grande moleiro. O Guilherme Batacão também, o Manelinho Florêncio. Duas sacas de milho, ambas iguais, com o mesmo peso, moía uma neste moinho, outra em outro, uma delas dava sempre mais uma quarta de farinha. Sabes porquê? Devido à picadeira. Dá o peso mas não dá a medida se não for bem farinado. Eu sofri grandes prejuízos. Dei 10 sacas ao Batacão e moí outras tantas. Na dele cresceu uma quarta e no meu queria faltar. O Aurino não havia como ele! A maior parte não percebia nada disso. Aprendia-se a ser moleiro porque o pai era ou o irmão. O mesmo se diz para o farinheiro.»[186] 

 

O sr. Aurino é um perfeccionista, aos setenta e tantos ainda o é,  subiu de farinheiro a moleiro, de rendeiro a proprietário: «Não me caía  nada bem o que os outros faziam. Eu experimentava até dar certo. Pergunta por aí e tiras a prova dos nove.»[187] E é mesmo. O sobrinho Carlos é outro, é o melhor moleiro actual.

Todos foram muito reticentes em adiantarem salários e outros ganhos, bem como rendas. Os rendeiros também mudaram algumas vezes de moinho. Procuravam melhor moinho. Mas :

 

«Era raríssimo mudar de moinho. No moinho do sr. Cabral da Ribeirinha meu pai esteve toda a vida, 30, 40 anos, até poder. Depois fui eu que fiquei. Eu e os meus irmãos nascemos lá. O Manelinho também. Mas quando aparecia um melhor a gente mudava-se. Eu pagava 2000$00 por mês tudo incluído. Os outros neste género, mais ou menos. Conforme a força, 1000, 1500. De dois contos para cima não conheci. Deixei aos trinta e cinco anos. Até cheguei a pagar 24 contos adiantados. Os de ribeira que moíam com os restos chegavam a ser 200 escudos. Era preciso dar uma boa freguesia e vender muita farinha para dar certo. Os donos eram gente de posses, os rendeiros eram menos, mas também tinham algum. Não era qualquer um que tinha um moinho. O Jacinto Pascoal tinha, o Alfredo Vieira outro, o meu pai, O Florêncio... era uma pessoa que já se governava mais ou menos. Veja lá o que é que um homem do campo ganhava, ou mesmo um mestre ou um funcionário! Mal um moinho vagava ia logo um ou outro ter com o dono.»[188]

 

 Antes do dono pegar no moinho, era costume, avisá-los com a antecedência necessária para encontrar outro. No caso do sogro do sr. Aurino, saiu porque não quis comprar o moinho, apesar de estar em primeiro lugar. Preferiu ir para o moinho da Velha que era um mau moinho. Quanto custava um moinho?

 

«O do Alfredo Vieira foi 180 contos, mais ou menos, o do meu irmão José, o moinho do Vale, o melhor de todos,  naquela altura já não estava cá, estava embarcado, 280, 270 contos. O sr. Manuel Carlos, ao tempo, tinha-o comprado por 65 contos; as coisas valorizaram muito. Eu era rapaz, devia ter sido na época da guerra. Tinha muito valor. Quem tinha um moinho daqueles, era a sua vida garantida. Meu pai, meus irmãos e o meu avó já eram desta vida.»[189]

 

O preço variava conforme a qualidade do moinho e a época em que se comprou:

 

«Houve uma altura em que não havia dinheiro. Quem é que tinha dinheiro? O meu custou-me 40 contos, tinha eu saído da tropa. Quando eu era pequeno já o do vale rendia 1000$00 por mês! O Ti Guilherme foi primeiro moleiro do sr. Manuel Carlos e depois foi rendeiro. Quem tinha um moinho de renda era um senhor, o que não dizer do dono!»[190] 

 

Organização do trabalho no moinho

 

Dependia do agregado familiar do rendeiro ou proprietário que o explorava directamente.  A maioria dos que contactei viviam em casa anexa ao moinho ou em local muito próximo. A maioria nasceu mesmo no moinho. É o caso, entre outros, do casal Tachinha, ele no moinho do Barracão Velho, ela no da Palha. O mesmo já não sucedeu, exceptuando um ou outro, com os filhos deles. Era, na maioria, uma questão de afirmação e de promoção social afastar os filhos do moinho.

Antes, as famílias com vários filhos, o que era normal e necessário, distribuíam-nos pelas diversas tarefas do agregado. Uns iam às taleigas, outros vender farinha à praça, outros ficavam no moinho. Casos houve em que a esposa ou a filha ficava no moinho. Ainda houve casos em que a viúva, enquanto os filhos eram pequenos, continuou o trabalho do marido.  Era importante controlar a entrada das rendas, da maquia, bem como organizar a vez das moegas. Havia em cada moinho a caixa da maquiação. Em alguns esta era feita de maneira a evitar que o grão que entrasse pudesse ser retirado.

 

«Primeiro moía-se noite e dia. Primeiro moía quem estava à vez. Os de fora faziam um trato para isso e ficava para sempre até haver arengas. Quando havia ele procurava outro moinho. Era a palavra. Moía-se para no outro dia entregar às mulheres para cozerem o pão. Quanto mais o moinho moer mais ele ganha. Antes se o dono era um senhor o moleiro vivia bem. Se tivesse cabeça podia ser mais do que remediado. Havia, pelo menos sempre pão e aquilo que o pão comprava.»[191]

 

Ao moinho competia trazer as pedras picadas, limpas e a seitia regulada, em suma manter o moinho funcional, ao moleiro, farinheiro e outro de fora que alugava a moega competia moer as suas taleigas e demais grão. Antes de moer, o rendeiro ou dono do moinho ou seu assalariado, retirava a maquia acordada. A falta de confiança levou a várias discussões e a desfechos de toda a ordem. Às vezes o moleiro do moinho dava, se queria, uma mão ao moleiro de fora. Esperava que o outro lhe desse qualquer mimo, nem que fosse um cigarro. Era bom estar-se nas graças do moleiro, pois favores com favores se pagam.

O que variava de moinho para moinho. Havia alguns que tinham mais jeito para estarem no moinho do que para andarem a correr a freguesia.[192]

 

«Ora aí está, o meu irmão Manuel, que era mais abrutalhado, não servia para andar na carroça, ficava no moinho, ia o meu irmão João. Este tinha jeito que bastava.»

 

Também pesava ou media o cereal, media a farinha, varria sistematicamente o chão do moinho, mudava a água nas valas, aumentando ou diminuindo a porta e a meia porta, desobstruía a levada, tratava dos animais e do macho. Tinha que ter uma boa memória visual para distinguir as taleigas de cada um dos clientes. Havia uma maneira de arrumar o carro ou carroça com as moendas.

 

«Dependia do giro que se dava. Se se saísse tarde, primeiro iam as sacas para as padeiras. As sacas gradas ficavam atrás. As sacas não podiam estar caldeadas, primeiro a da primeira casa, a seguir a outra e depois a outra, sempre assim para não confundir. Também se distribuía o peso pela furgoneta para não desequilibrar. Depois eram as outras. Ia-se despejando, à medida que se ia entregando e enchendo, noutro lado, com a taleiga que se ia recebendo.»[193]

 

Havia até que distinguir sons:

 

«A gente conhece as coisas pelo barulho que faz. O cachorro quando começa a bater de uma maneira é porque quer comer, quer milho, a campainha, mesmo a água na seitia, o rodice a andar bem é sereno, sereno, consola a ouvir. O mecânico não conhece as coisas pelo barulho do carro? A gente também.»[194]

 

 Na Ponte Nova era o sr. Aurino (assim designado por respeito) que fazia os rasgos da pedra, tarefa sensível, e que alinhava o rodízio e afinava a seitia, o ponto da água. O moleiro assalariado picava o resto da pedra e resolvia uma emergência, já que o sr. Aurino se tinha transformado num empresário e tinha de andar por fora. Os contactos que estabelecia valeram-lhe bons contratos, sobretudo em alturas de racionamento do cereal.[195] Naquele moinho, no seguinte, também dele, na fábrica de blocos, na empresa de transportes, na criação de porcos, nas terras que mandou fazer, na construção civil e na venda de adubos, foi alicerçando a sua vida. Já não era a rotina de subsistência. O moinho era olhado como um elemento capitalista. Recorria-se sistematicamente ao empréstimo.  

 

O agueiro

 

Era um elemento muito importante no sistema dos moinhos da Condessa. Era ele que se ocupava da vala, da Mãe d’Água e do anel. O senhor Manuel Pereira Dâmaso, conhecido por Manuel ‘Agueiro’, foi o último.

 

«Não tinha horas de trabalho. Antes de mim houve o Ti Baganha e outros. Vim para aqui porque já não trabalhava nas pedreiras. Ainda sou da família dos Alberto. Arranjava homens para limpar as valas, desareá-la, tirar canas e outras coisas. Uns davam-me meia quarta todos os sábados. Avisava quando cortava a água e dava água para a derrega. Cheguei a trabalhar à parte para o Manuel Correia. Tomava conta da parte de cima do moinho. Aquilo é um moinho perigoso. Dava-me 140$00 por semana.»[196] 

 

3.1.5 Avarias do moinho

 

A vala é o elemento mais complicado. Em 1919, mesmo os moinhos  da Vala da Condessa pararam, porque um troço de vala, na extensão de algumas centenas de metros, junto à  Mãe d’Água, na Longaia, foi destruído pela cheia. Por isso é preciso ter sempre a vala desassoreada, as grades limpas e o quebradouro e as portas a funcionarem. Depois é necessário, vital, ter cuidado com o entupimento das seitias. Frequentemente, raízes de conteira, animais mortos, restos de vestuário, canas, tapam a seitia. É necessário acudir logo. O mesmo pode acontecer entre o penado, ou no aguilhão. Neste último, vimos rodilhas, barbantes e plásticos.[197]Ou outros tipos de acidente.

 

«Sucedeu uma vez, com um filho do Guilherme Batacão, no moinho do Vale. A pedra saiu fora do segural e partiu. Não se pisou porque se desviou a tempo. A pedra estava partida. Eu não vi, eles é que me disseram. O buraco do segural tem que ser fundo, se não sai!»[198]

 

Ou uma outra que sucedeu ao António Alberto:

 

«Estou-me a lembrar de uma vez que botei uma pedra para o chão. Botei a palanca ao lado do rolão e caiu no chão, felizmente nem eu nem a pedra sofreu nada. Foi sorte.»[199]

 

Vi mós gastas, a deitar fumo, queimadas, porque trabalharam sem milho. Outra vez vi os estragos na mó provocados por um prego que veio misturado no milho. A pedra ficou riscada, quase inutilizada. Contou-me, aqui há anos o Ti António Vieira de noventa e tantos anos.

 

 

«Estava por conta do meu irmão no moinho Novo, trabalhei em outros, ia pelo Monte Frade à Longaia, nos da Ribeirinha, tinha posto milho na moega e encostei-me, estava cheio de sono. Fechei a porta do moinho, estirei-me numa saca, peguei no sono. Brum, brum, brum, catrapum, pum, que barulho do Diabo, acordei atarentado, vi fumo, aquilo tava cheio de fumo negro, isto é mesmo o Inferno. Levantei-me depressa, abri a porta para arejar e fugir dali para fora. Vim logo de seguida para dentro. Isto é a pedra! Parei o moinho. Era um prego, um raio de um prego, que se metera no milho! Fogo te abrase!»[200]

 

 A não ser o levantar de novo a vala, ainda assim alguns moleiros também o faziam, contratava-se um pedreiro. As afinações e as picagens eram feitas por moleiros jeitosos. Alguns mais habilidosos iam de moinho em moinho picar pedras. Havia-os especializados:

 

«O Florêncio tinha de renda o moinho do Félix, na Mãe d’Água, um moinho que tinha uma seitia de mandar peso! Falou ao António Fernandes, conheces? E o António Fernandes estava ali e nada de novo. Meu pai que era um grande moleiro mas que tinha aquela cabeça ruim que só dava para a bebida, mas um moleiro fino como há poucos, vinha de cima com um  molho de lenha, ele ia à lenha, e o Florêncio chama-lhe. Eh, António Alberto anda aqui, o meu pai é que me contava isso. Eu estou quente lavado em suores não me posso botar à água. Não ia,  não ia,  mas sempre lá foi. O meu pai disse, bota assim, bota assado. Foi num instante e o moinho começou a trabalhar. Quanto é? Não é nada. Quando a gente chama o doutor a casa a gente paga, toma lá 20$00. Tem que ter a água certa no meio das penas. Nem todos os moleiros sabiam fazer isso e outras coisas. Uns mais com experiência e outros menos. Chamavam uns aos outros para ajudar.»[201]

 

O moinho dependia não só da quantidade de água como da altura e do feitio da seitia mas também do acerto do rodízio e da picagem das pedras. Um bom moleiro conseguia atrair mais clientes ao moinho. As mós vinham de Ponta Delgada, vieram da Ribeira Grande,[202] sendo, porventura, a peça mais cara de todo o moinho. O rodízio de madeira era feito por carpinteiros, o de ferro é feito por alguns dos moleiros ou por torneiros mecânicos. A caiação do interior e exterior do moinho, incluindo traves e forro, de cal por questões de higiene, era feita pelos caiadores. A pintura das portas e janelas era feita por pintores. Nenhum do aparelho de madeira ao redor das mós, também por questão de higiene, era pintado, ficava na cor da madeira ou era caiado por fora.[203] O chão dos moinhos, depois de muita luta, acabou por ser ladrilhado.

 

«Dependia do trato. No moinho da Rua, por dentro eramos nós, por fora era o dono o dr. José Tavares.» ‘[204] Ou, de acordo com o Óscar Vitória: «Rodízios, pedras, caiações, madeiras, era tudo por conta do dono. Isto no Moinho da Praia.»[205] No século XVII, por exemplo, como vimos, havia dúvidas sobre o que competia a cada um.

 

3.1.6 Como se divertiam os moleiros

 

‘ Quando não tinham água, bebiam água. Quando tinham água, bebiam vinho!’[206]

 

Os moleiros, rendeiros e proprietários dos moinhos da ribeira Grande, tanto quanto sabemos, ao contrário dos seus congéneres viseenses não têm Cavalhadas, ou procissões como a que os baleeiros das Lajes do Pico organizam em honra de Nossa Senhora. Porque, presumivelmente, pertencendo ou aspirando a pertencer à classe média local, se integrem nas mesmas instituições da classe média local, ou seja nas confrarias e clubes. Segundo o sr. Alfredo Vieira, há muito tempo, os moleiros mudaram as suas roupas em estamenha normal para uma outra fazenda, cujo nome não se recorda. Os moinhos, moleiros e outros ligados à actividade eram alvo frequente das quadras populares e de temas de carros alegóricos.[207]

Como o trabalho no moinho dependia  (como depende) da água que chegava ao moinho e da quantidade de taleiga, ou moenda a moer para o dia seguinte, e da hora em que o patrão chegava, o moleiro, exceptuando o que se transformara em empresário, ficava, regra geral, de manhã à noite no moinho. O farinheiro dispunha de mais algum tempo.

Os moinhos da Condessa tinham ao longo do ano, mais água, pois captavam-na antes dos demais. Os moleiros da Condessa, teoricamente, despachavam-se antes dos da ribeira. Teoricamente, porque sendo os melhores, exceptuando-se quatro das segundas sete casas, também tinham mais taleiga. No verão, mais seco, havia menos água. Também aqui chegavam os moleiros dos moinhos de vento e os do Porto Formoso e da Ribeirinha. Trabalhava-se mais tempo, porque a água não dava, às vezes para mais do que uma pedra. Durante o ano inteiro esperava-se  pela descarga da água das barragens a montante. Só a meio da manhã vinha a água com força.

 

«Muita vez a água vinha mansa, mansa, não dava para nada, os moinhos paravam, ainda se passava a água para um cubo só,  mas nada. É preciso vir água suficiente, os cubos têm que estar cheios.»[208]

 

Por isso se aproveitava toda a água, enquanto houvesse, de manhã, à tarde ou à noite.

Então como se divertia o moleiro? Nos mesmos locais e do mesmo modo que todos os demais da vila, porém, sempre às fugidas. Para além da sociabilidade no interior do moinho e ao longo do giro da moenda, podia dar um pulo ao cinema, ao ensaio da banda ou aos treinos e aos jogos de futebol de duas maneiras. Se o moinho ficasse perto do cinema, por exemplo, metia a moega cheia de grão, pendurava na trave, uma ou duas sacas, e lá ia até ao intervalo.

 

«Eu cá nunca fiz isso desde que uma vez me distraí na hora, ou porque o milho correu mais depressa, ou por outra razão, a farinha ficou toda negra, queimada, nem os porcos a quiseram comer, viravam o focinho! Sabes lá o prejuízo que deu! Trabalho do corisco!»[209]

 

Fazia o mesmo se ficava perto do futebol, ou da banda de música. O António Alberto Moniz, músico na banda Triunfo (a minha banda porque já era do meu avó e dos avós da minha mulher), enquanto era moleiro no moinho da Cova, utilizava os dois processos. O Eduino Maquia, jogador de futebol do Ideal, hoje no Canadá, dava um pulo do seu moinho da Praia, ao lado, ao campo do Mercado. O «Barbita», moleiro no moinho da Rua, por baixo do clube do Ideal, sempre que podia, ia lá jogar às cartas, ou dava um pulo ao Teatro. O da Ponte Nova aproveitava a proximidade da loja do Faial e da Esplanada do sr. Peixoto, na rua da Ribeira, e da loja do mestre António, mais acima do moinho. Cada moleiro tinha «o seu poiso» perto ou a caminho do seu moinho. Até mesmo os que iam à freguesia para longe .

 

«O sr.Artur Correia, meu padrinho, saía tarde e entrava tarde, gostava de ir parando, nesta, naquela e mais naquela loja. Ao depois é que eram elas, enquanto o sr. Manuel e o sr. Gilberto estavam despachados eu ficava lá a noite toda para ter farinha no outro dia de manhã. Tempos duros que não deixam grandes recordações.» [210]

 

Os piores moinhos, por estarem mais distantes, eram os da Mãe d’Água. Quem podia fugia deles. Para os jogos ou para ir atrás das procissões, o moleiro dispunha dos Domingos à tarde. À noite, em dias de festa, lá se saía com a família. Nos fins de semana normais e na ida e no regresso das refeições, para quem ia comer a casa, matava-se o bicho e tomava-se um copo na loja. Gastava, como quase toda a gente, fiado. Para ficar descansado, deixava o rapaz, quase sempre o filho, ou alguém conhecido. Aos Domingos e dias de festa, trabalhava de manhã, caso fosse necessário, e ia depois divertir-se. Não sei se é coincidência ou não, mas quase todos os moleiros que conheço são do Ideal e da banda Triunfo. Se calhar por serem naturais ou residentes na Matriz. Poucos ou nenhuns tiraram mais do que a quarta classe, muitos nem isso. 

 

3.1.6.1 A loja de mestre António Fona e os moinhos

 

Esta loja, melhor as lojas, quer a mercearia, quer a de bebidas, defronte, ambas na confluência das ruas de São Vicente e de Gonçalo Bezerra, abasteciam toda a população de Trás-os-Mosteiros, passando pela Canada da Palha, Adro das Freiras, Botelho, Vale e Gonçalo Bezerra. Área onde havia um maior número de moinhos e de moleiros. Antes existira a loja do Furtado em Trás-os-Mosteiros, situada estrategicamente no canto entre a rua e a travessa daquele nome, a caminho dos moinhos da Mãe d’Água e o da Velha, mas fechara.

 

«O meu pai iniciou-se aqui em Fevereiro de 1928. Antes já havia aqui um sr. António Andrade, depois deste ainda esteve nas mãos de um tal Pinheiro. Este morou aqui por cima. Só então é que meu pai, que era canteiro, comprou-a. Até 28 foi canteiro, trabalho mais limpo que o trabalho de pedreiro que era o trabalho do pai e dos irmãos. Nasci na rua do Estrela, no nº 15, só mais tarde vim morar para a rua Gonçalo Bezerra.

Era aqui que se serviam os moleiros daqui e de fora que vinham moer aos moinhos desta zona. Estavam moendo, ficavam de um dia para o outro, vinham aqui beber. Se não me apanhavam aqui, apanhavam-me na loja defronte. Ficava das sete às vezes até às dez. Tinha um radiozinho e estava-se para ali  entretido, sempre se ia vendendo uns ‘meiozinhos.’

Aqui dentro, enquanto bebiam e petiscavam, ou defronte ou no quartinho atrás, combinavam negócios, falavam da vida, de futebol, até combinavam caçadas. Quando alguém procurava fulano e sicrano era certo que a tal hora o ia encontrar aqui. Os Correia, o João Alberto, o sr. Aurino juntavam-se com outros caçadores danados como os Berquó de Aguiar, o sr. Temudo e outros.

Aqui gastava-se fiado à semana, à quinzena ou, algum empregado como o teu pai, que recebia ao mês, ao mês. Alguns vinham comprar coisas com ovos ou milho. Olha uma estória engraçada que aconteceu aqui! Um rapaz, como era costume e que tinha o vício de fumar, logo mal a gente abria às sete da manhã, comprou-me um ovo de tabaco. Vendi mais tarde o ovo. Pouco depois a mulher que queria estrelar o ovo viu que ele estava cozido. Era tal o vício que ele comprou cigarros com o ovo que levava para comer na terra! Foi o cabo dos trabalhos.  A gente a dizer que não vendia ovos cozidos e a mulherzinha a dizer que não. Mas este veio cozido! Sim senhora, tivemos que dar razão à mulherzinha. O José da Ponte, o José Polícia, que está agora reformado, disse-me, eu acho que sei quem foi. E sabia! Deixe lá que eu trato dele. No outro dia da manhã lá estava o mesmo a querer comprar um ovo de cigarros. Vira-se o José da Ponte. Hás-de querer vender agora um ovo choco. Um ovo choco? Então já vendeste um cozido, já agora vendes um choco e para ser melhor até já vendias frango e tudo! A gente agora é que se ri. »[211]

 

E sobre o consumo de pão disse-me que muita gente pobre nem pão de milho comia, comia bolo feito na sertã. Quase toda a gente tinha forno. Mas já havia, no Outeiro, o pão da Tia Narcisa, e em Trás-os Mosteiros, o pão da Marota. Era pão de trigo pequeno que se vendia aos quartos e às metades. À medida que foi havendo mais dinheiro as pessoas iam preferindo o de trigo.

 

3.1.6.2 Os moinhos e o Adro das Freiras

 

É o local onde os moleiros e filhos de moleiros de Trás-os-Mosteiros, ribeira de Baixo, Ponte Nova, Gonçalo Bezerra, Vale e Botelho, aprenderam a jogar à bola. Por onde passavam as carroças e os burros com taleiga e moenda para os moinhos da Mãe d’Água e de Trás-os-Mosteiros. Toda esta área está para o Ideal, como a Areia e a Praça estão para o Águia.

 

«Moro aqui no Adro desde que casei. A minha filha Susana  que casou com o mestre Manuel da Costa sapateiro, tem 73 anos e eu estou aqui há 74. A minha família era toda moleira, eu sou dos “Albertos”, mas não respondo por esse nome nem por “Faia.”  Nasci  na Canada das Gibas, a minha mãe é que era dos “Albertos.” O meu pai era carroceiro e gente para trabalhar com ele.

O Adro tinha uma araucária no meio e à volta eram duas filas de árvores iguais às da Cascata [a filha: «a minha irmã Susana casou em 1949, em 48 tiraram-na. Hoje sinto o desgosto que não senti na época. No tempo em que o dr. Lucindo que morava no Outeiro foi presidente. Nunca o deviam ter feito!].

As pessoas criavam no Adro os seus pintos e galinhas. Cada qual chamava pelos seus, piu-piu-piu, e cada ninhada reconhecia o chamar da dona. Era bonito de se ver. Quando ficavam frangos levavam os frangos para casa para não os roubarem.

A bola, então, muito me apoquentou, entrava-me pela porta dentro, partia vidros a essas vizinhas todas e até na Assistência. Era cada susto! Principalmente aos Sábados e aos Domingos, homens. Durante a semana, rapazes da escola. Até o meu irmão jogava, o Aurino Tachinha, o José Maroto, os Correia, o João Alberto e depois foram os filhos deles. Tu também jogavas aí? Era um desassosssego!

Ali para cima[Trás-os-Mosteiros] era tudo Alberto. Antes era tudo burriqueiro e carroceiro, agora é tudo bancário e estudante. E cada casa tem carros para cada um. Come-se melhor agora mas estão mais fracos.» [212]

 

3.1.7 Os moinhos e as casas

 

«O primeiro moleiro que me lembre era os Tachinha, o Hermano e o Manuel, acho que se chamavam assim. Depois tivemos, esse Hermano foi para a América, o outro com a idade acabou, tivemos um Genipa da Ribeirinha, irmão de uma criada do Crispim, chamava-se Serafim. E,  por último, o Salé, pai do Maquia que jogava no Ideal. Acho que só são esses.

Vinham dois dias na semana, acho que à segunda, ou quinta ou sexta. Era na véspera, porque a gente cozia às quartas e aos sábados. Ele vinha buscar à segunda. Acho que vinham duas vezes. Dávamos um alqueire de uma vez e um alqueire da outra.

Pão de milho, o trigo era quando vinha novo. O pão que se vendia pelas ruas era vendido pelo José Maroto, cunhado do Aurino Tachinha e pelo Esgalha que ainda é nosso primo. Aqui na rua, a vizinha da banda de cima comprava sempre. A  minha mãe e o resto das vizinhas compravam quando a gente precisava, quando tínhamos falta de pão. Mais nada.»[213] 

 

3.1.8  O moinho e o pasto

 

Até no Rebentão da Tondela fui encontrar um “Alberto” entre os três últimos camponeses daquelas bandas.

 

« Sou parente dos ‘Albertos’, mas nunca fui moleiro, moro na Canada do Rato e fui criado em Trás-os-Mosteiros. Aquilo era gente brava. O Manuel Gil  morava ao lado de baixo, era rápido com ele para armar uma arenga. O Bicho Vivo levava de qualquer maneira. Ali para cima era os Arrifes, sempre foi. A gente jogava à bola no Adro.Havia a loja do Ti António Furtado onde paravam as carroças, conheci de fora o Manuel Santo António, dali [apontou-me para a ponta daquele nome], gente do Farropo, Lagoa e daqui. Eram umas quinze carrroças todos os dias para Trás-os-Mosteiros e Mãe d’Água.

 Em agricultura é eu e o sr Alfredo [Mogango]aqui no Rebentão. Para aquele lado do Pico [das Freiras], onde está uma casinha[apontou-me o dedo]o Manuel Garcia. Para aqui é a gente todos três. Agora para cima, para a Tondela, Monte Frade, Areeiro e Longaia, se tem um bocado é de um lavrador com milho para as vacas. Estou aqui para trinta anos.

Isto aqui é o Rebentão, para ali, desde o princípio do caminho até ali, a Tondela, daqui para cima, na Canada da Ribeira, a Longaia, tinha moinho, dizem os antigos, na do outro lado, a do monte Frade, acima, para o lado da ribeira, do lado do moinho de cima, o Areeiro e mais acima a Magarça. O anel é mesmo aqui. É só espreitar ali abaixo.

Agora tiveram aqui fábricas de blocos, mas primeiro foram no Adro e em Trás-os-Mosteiros. O João Vieira, ao lado de cima da casa onde nasci, meu primo João Alberto, junto à ribeira e o Alfredo Vieira, no Ciclo Preparatório. Não sei se estou bem certo.

As pastagens tomaram conta de tudo. O Alfredo Vieira tem muito pasto para aqui. Desde 15 anos para cá. Acabaram os velhos e pegaram nisso. Eles também querem pegar nessa. Para onde eu hei-de ir? Para a Rua Direita que eu vou?

Era tudo milhos, trigos, favas, feijão... Agora até os quintais de pasto! [Porque é que é assim?]Não tem meios de homens, estão caros e não dá para si. Faço esse bocadinho é para entreter.

Tenho dois gueixos. Não há consumo de milho. 1000$00 é caro por um alqueire? O trabalhador ganha três contos.[Qual o futuro da agricultura?]Nada já mais presta. O futuro é as reses agora. Ofereciam[os lavradores] dinheiro para a gente dar a terra de pasto, agora parece que já não dão. [Ouvi dizer que alguns atiravam o gado para as terras]Ouve-se, ouve-se...

Tinha 30 alqueires mais dois cerrados, era esse e um bocado na Mediana. Tive lá doze anos. Tudo aqui é ruim, só um veiozinho. É tudo de veio, uma covinha ou outra. Aqui na Tondela, no Monte Frade, por aí acima é tudo o mesmo. Esta não é das boas, terra fraca. Tufo branco, preto, tudo caldeado. Terra boa é no Morro, nas Covas e no caminho do  nosso cemitério. Peguei da mão do Mariano Correia este pasto.»[214]

 

3.1.9 O moinho e a padeira

 

Alcuína do Rego Maroto faz 84 anos em 25 de Maio, é viúva de um padeiro cunhado de Aurino Tachinha, filha de uma irmã do pai da esposa do mesmo Aurino Tachinha. Francelina de Jesus Moniz, dos Alberto de Trás-os Mosteiros, sua mãe, antes de ser padeira, tal como ela o seria e ainda é a nora, foi moleira num moinho que a cheia de 1919 levou.

 

«Minha mãe e meu pai contavam. Minha avó, carregou lá os moinhos para a noite e veio para baixo. Chegando a casa, um batuque. Aqui em Trás-os-Mosteiros era tudo primos.O João Alberto casou aqui com uma prima, o José Moniz também e por aí abaixo. De onde em onde um fugia, mas quem se atrevia a vir para aqui, era apedrejado. Eram os Albertos. Chamavam até esse sítio de ‘Arrifes.’ Havia uma loja onde paravam as carroças. Não havia ponte para a banda dos Foros. A ‘Arvorada’ passava por lá. Bebiam um copo lá na loja Francelina!, Francelina! Estás em casa? Estou! O teu moinho foi pela ribeira abaixo. Deixou as pedras e os cumes.»[215]

 

3.1.9.1 Daí para cá passou a ser padeira com alvará da Câmara

 

«Padeira distinta! Ela cozia pão, massa, para casamentos, despensas, não a largavam! Naquele tempo em que a minha mãe cozia, não havia farinha da moagem, era só trigo que ela comprava em grão a pessoas que faziam terra e depois mandava moer ao moinho da Ponte Nova, ao pai do Aurino Tachinha, sogro do meu irmão José Maroto. Meu pai ia moer o trigo. A minha mãe peneirava a farinha e dela tirava três qualidades.  Fazia pão de trigo,  pão de rolão branco e de rolão preto da segunda vez que ela peneirava.

Naquele tempo só os mais ricos comiam pão de trigo. As pessoas mais baixas comiam pão de milho, branco e amarelo, muitas vezes bolo da sertã. Só comia pão de trigo quem podia, os doentes e pelas festas. Meu pai deixava o trigo para o Natal, Coração de Jesus... Uma fornada de pão cheirava! Hoje é tudo rico!

O pão de trigo era todo para a loja. A gente comia, no dia a dia, pão de milho. Hoje é o contrário. O pão de milho é mais caro que o pão de trigo.»[216]

 

3.1.9.2 Porque é que as pessoas deixam de cozer em casa?

 

«A  vida mudou. Mudou muito! Quatro a três quilos de farinha não compensa a aquecer o forno e o trabalho que dá. Não querem. Para evitar o trabalho. Não recompensa. Hoje ninguém coze em casa, desmancharam os fornos para fazer casas de banho. Quem é a rapariga de hoje que sabe cozer pão? Toda a gente fazia coisas em casa, biscoitos, carrilhos, assar carne. Hoje pedem à minha nora para o fazer.»[217]

 

IV

 

4 Moinhos que futuro? A palavra aos que ainda vivem dos moinhos

 

Moleiros, pela definição antiga, aquele que fica no moinho, hoje talvez só o António Alberto. Os que vivem dos moinhos são onze. Quatro reduziram a vida; entre estes, dois venderam ou ofereceram a vida, o terceiro pede ao filho para ir à freguesia. Mantêm-se mais por vício do que por precisão. Estão todos na casa dos setenta. O António Alberto só mói e tem 64 anos. O mais novo tem 19 anos. Quase todos, exceptuando um, pensa que, mais cedo ou mais tarde, se transformarão em vendedores ambulantes de fruta e de hortaliça. Exceptuando-se o José Vieira e a família Óscar, o Carlinhos é aparentado com todos os outros, seja pelo lado dos Alberto, pelos Correia ou Gouveia. Quatro estão entre os trinta e os cinquenta anos, e três abaixo dos trinta anos.

 

4.1 José Rodrigues Batacão, nasceu a 6 Setembro de 1918- Moinho da Palha

 

É o moleiro mais velho ainda com alguma actividade.Tem um filho licenciado que é vereador da Câmara Municipal da Ribeira Grande e deputado regional.

 

«Vendi a minha freguesia ao filho do Pascoal que não aguentou e fechou. Agora só tenho umas coisinhas para ir tenteando. A gente não vende pessoas, vende o conhecimento. Futuro? É tudo para desaparecer! O futuro era se abaixasse o milho da lavoura para moer para a lavoura. Já não é para comer nem para os porcos. Há lavrador que tem moinho eléctrico. Moíamos mais barato para a lavoura. Agora? Para longe há algumas padeiras. Isto é para os mais novos.Tenho a do Luís Pinheiro.»

 

4.1.1 Óscar da Costa Vitória, nasceu a 27 de Abril de 1924- Moinho da Praia

 

Todos os filhos estão casados. Os dois rapazes fazem vida com ele no moinho. As filhas estão casadas e moram perto dele. Sente-se realizado e preferiu a Ribeira Grande à América.

 

«Nasci na Matriz. Trabalho já pouco, mas eu ainda oriento isso aqui[entrevista no moinho]. Tenho já 72 anos, não posso pegar em sacas, já não posso por causa da vista. Tenho ainda freguesia como a Lomba de Santa Bárbara, Ribeira Seca e aqui a Matriz. Vou duas vezes, até o meu filho é que vai, à segunda e à quinta.

Trago taleiga  e vendo farinha branca, amarela, carolo para pintos e é só. [Quantidade?]Agora vende pouco. É mais farinha amarela. Já hoje ninguém quer cozer pão, tirando alguma padeira. [Acha que o moinho tem futuro?]Está muito em baixo. Se não fossem os velhos! As despesas estão caras. Moía aqui de dia e de noite, quando ia para o futebol a minha mulher ficava a moer. Ainda assim este está sempre aberto, corre sempre mais qualquer coisa. O mal é o gado estar para baixo. A fábrica de ração matou esta casa. Cheguei a vender 10 000 quilos de farinha amarela para o gado. Cheguei a ir ao Domingo levar farinha à freguesia. A gente gasta mais porque o moinho está aberto todo o dia. É o único aqui. [Que ajuda precisa?]A ajuda era pelo menos limparem as valas. Há coisa de cinco anos a Câmara deu mestres, a gente pagou o material, isto está tudo areado aí para cima.»[218]

 

4.1.2 Armindo Oliveira Vitória, nascido a 24 de Julho de 1958- Moinho da Praia

 

«Amarela mais ou menos o mesmo da branca é para uma padeira que coze pão, o resto é particulares. O meu pai [Óscar]tem uma em Rabo de Peixe. Corro tudo. Corro, no concelho da Ribeira Grande, a Maia, Porto Formoso e São Brás. Fora, em Vila Franca, corro Ponta Garça e Ribeira das Tainhas. Aqui, Matriz, Ribeira Seca e Lomba [entrevistei-o em casa, na garagem, onde estava a carregar a furgoneta. Batatas, rações, fruta, hortaliça, de tudo]Levo tudo. Se não fosse isso, não dava. Fruta, hortaliça e também moenda. [Vês futuro no moinho?]Vejo, mas não tenho apoio de ninguém para limpeza de ribeiras. Outro dia a mãe foi-se embora, estamos moendo com troncos de acácia e sacas de areia para poder entrar a água para dentro do anel.

Quando eu e o Carlinhos [Correia]deixar isso os moinhos da Ribeira Grande param. Até tenho pena, mas chega a um ponto... Isso não pode acabar. Não há padaria sem moleiro. [E as moagens?]Se o moinho não dá certo a moagem pior.[Quase que levas só batata...]Tenho terras de legumes onde faço repolhos, cenouras, batatas para vender, por isso tenho dois camiões. Agora vou picar a pedra ao moinho e o meu irmão vai mais este apanhar repolhos. Tem que ser assim Eu corro muito para aguentar a moenda. »[219]

 

4.1.3 Óscar Manuel Oliveira Vitória Jr., nasceu em 31 de Dezembro de 1965- Moinho da Praia

 

«Sou  moleiro há uns quinze, dezasseis anos, desde que vim da América para aqui. Como há pouco milho da terra, caldeio o de fora com o nosso. Esse é para uma padeira de Rabo de Peixe. É para amanhã. O nosso é mais grado.

Moo todos os dias milho branco para as padeiras de Rabo de Peixe, Maia, Ponta Garça, aqui também na Ribeira Grande. Mas moo mais o amarelo para os porcos, vacas e galinhas. Água está menos do que antes. Agora, principalmente os lavradores não gastam muito milho amarelo, a ração está barata e têm subsídios do governo.

[Achas que o moinho tem futuro?]Acho que sim, se tiver cabeça neste negócio dá um futuro bom. Somos três casais a viver deste moinho, meu pai e meu irmão pagam-me um ordenado para estar no moinho. O Armindo é que pica e afina o moinho, eu só moo e vou de vez em quando buscar e levar farinha ou à terra aos repolhos, batata e cenouras. Fico aqui toda a semana, às vezes se há muita moenda fico ao sábado de tarde.»[220]

 

4.1.4 José Inácio Vieira,  nasceu a 26 de Agosto de 1926- Moinho do Alfinete

 

«[Qual o futuro?]Estão morrendo por si mesmo. [Porquê?]Deixaram de cozer pão, de criar galinhas, de criar porcos e pega a reduzir. Quer ver. Eu saía por exemplo seis dias por semana e tudo vendia. Hoje são dois e é pouco ou nada. Para não estar parado. Tenho o vício. É uma tradição, já o meu avó era, os meus irmãos foram, o meu sogro José Barbosa. Está cada vez pior.

Ontem de manhã, lembrei-me disso no moinho, esta carga era só para vender aos alqueires e aos meios alqueires e agora uma saquinha aqui e ali. Estou no resto da vida, estou entretido. Agora pôs-lhe [a entrevista foi feita em casa]a moer, daqui a pouco vou lá pará-lo. Lá para o fim da semana, se for preciso, vou lá. Donde que dantes trabalhava de noite e dia, dias santos, dias de festa, tudo. Não tenho empregado nem nada.

[Que é que vende?]Só vendo farinha. Levo duas ou três sacas de ração. Também um bocadinho de batata a mais tenho levado, mas tenho vendido pouco porque a batata está barata. Vem do Norte e vendem barato. Às vezes vai duas três vezes para vender uma saca.

[Onde é que tem a freguesia?]Vou a Rabo de Peixe e aos Fenais da Luz. Já tive padeiras em Rabo de Peixe, três, duas pararam e uma morreu. Isto está mal.

Tive vacas mas fui para o resgate. Moía também para elas. A Associação Agrícola vende mais barato a ração, a um preço que a gente não pode.»[221]

 

4.1.5 António Alberto Moniz, moleiro asssalariado no Moinho do Guido, 64 anos

 

É o único moleiro e é dos “Albertos”.

 

«O meu patrão [José Eduardo “Carlota”]o que vende mais farinha branca aqui. Ele vai para aqui e para acolá. Vou depressa moer 20 alqueires de milho branco. Ele está a chegar, corre tudo, a ilha toda, vou descarregar o milho.»

 

4.1.6 Armindo João Moniz Silva «Jantarinho», 20-10-1962

 

É «Alberto» pelo lado materno, portanto aparentado ao Carlos e ao António Alberto. Serve-se no moinho do Outeiro. O pai deixou-lhe a vida há 7 anos.

 

«À quinta-feira das 6:30, mais ou menos, às 5 da tarde,  moo para toda a semana! Não dá para mais. Peluei se não fosse alguma padeira. Já não há fregueses pelas portas. Agora levo de tudo no camião. Isto está tudo a acabar! Há menos água. Se calhar é porque a vala está entulhada ou quebrada. Já não há moleiro no moinho. O Carlos mói a sua, o pai, o sr. Correia, a sua, e eu, a minha. Pão de milho, só a desejo, é muito pouco.» [222]

 

4.1.7 Manuel Moniz Correia da Silva, 15 de Novembro de1921

 

Tem quatro filhos, dois licenciados, uma enfermeira diplomada e um moleiro/ empresário. Um deles foi eleito deputado regional e vereador da Câmara Municipal da Ribeira Grande. Actualmente é Director Regional da Habitação. O cunhado, João Gouveia Moniz, já fora vereador na década de oitenta.

É pai do Carlos, primo do José Eduardo Correia da Silva «Carlota», proprietário do moinho do Guido. Dos 11 que ainda vivem directamente dos moinhos, seis são aparentados entre si, ficando de fora o José Vieira e a família do Óscar.

 

«[Que futuro para os moinhos?- entrevista em 19-02-1997] É  para acabar. Isto está de uma maneira que é para acabar. Sempre pode ficar algum. Muitos têm a tendência para acabar. Com a falta de milhos e depois não se vende como vendia. Antes fosse para o ar! Vendemos hortaliça, feijão, fruta porque não se vende outras coisas. Se continuar assim o moinho não é preciso!»

 

4.1.8 José Eduardo Correia da Silva, 1-12-1944 - Moinho do Guido

 

« [Que futuro? Entrevistei-o à noite, ao balcão do Café Cervejaria Silva, ao Canto da Cruz, Ribeirinha]É continuar sempre! Não falta trabalho! Eu até mando vir milho da Califórnia. Vendo muita farinha para padeiras e padarias. Vendo toda a qualidade de fruta, cereais, hortaliça. Tenho quatro carros e os meus filhos também trabalham por sua conta.[Como se chamam e idades?] Nuno Alexandre da Silva, 22 anos, o outro, Rúben Câmara da Silva, tem 18 anos. Ambos são solteiros e gostam imenso desta vida.

Comprei a freguesia ao José Manuel Pascoal[Moinho da Vale. Fechou há pouco tempo] que a tinha comprado do José Batacão. Faço, em média, 50 alqueires de terreno para legumes e quinta também.

[Quando começou esta vida?]Em 70/71, mais ou menos, quando vim da tropa, comecei com o moinho, começei a vender tudo além de farinha.O meu pai não era moleiro, vendia milho pelas ruas, era quarteiro, ou coisa assim, mas toda a minha família foi ou é. Os Correia dos moinhos da Ribeira Grande são meus primos, o Carlinhos, o sr. Manuel Correia... Tenho também este Café.» [223]

 

 

4.1.9 Manuel Carlos Moniz da Silva , 22- 09-1949 - Moinho do Outeiro

 

«[Futuro do moleiro? - entrevistei-o no moinho]É ser vendedor ambulante de produtos. Hortícolas, batatas, cenouras e dentro disso. Não quero dizer que isso acabe totalmente [aponta para a farinha que cai na caixa]. Se não for assim a gente já não vive.

Agora moleiro, moleiro, o que faz vida dentro do moinho, só o António Alberto. O meu pai ainda é conhecido na Lagoa como farinheiro.

[Que seria preciso para o moinho aumentar?]Era preciso que as pessoas cozessem em casa pão de milho. As padeiras têm a tendência para aumentar. A população gosta. Tivemos uma época que era tudo a pão de trigo, primeiro foi a época do pão de milho, quem é que queria pão de trigo? Quando meu pai deu autorização para a minha mãe cozer pão de trigo, a gente, eu e os meus irmãos, não queria mais nada. Agora é ao contrário. É uma espécie de saudades.

[Não podiam moer trigo?]Então não pode, mas a  Moaçor consegue fazer melhor. A manutenção. Enquanto moem uma tonelada, a gente mói 5 alqueires e isto com rodízios de ferro. [Mas tem um moinho eléctrico?]E os custos? E a farinha vem limpa[apanha-me farinha da Moaçor e diz]: as mulheres nunca fizeram melhor com as peneiras. Não sei como é que eles a fazem tão fina. Há aqui um na Ribeirinha, dizem-me as mulheres, que leva a farinha peneirada. Não sei como faz. Já pedi ao Albano[engenheiro electrotécnico, também Alberto e Gouveia, filho do tio Aurino Tachinha]para ver em Lisboa se encontra alguma máquina. Não sei se põe um homem a peneirar. Não vejo que a gente pudesse competir.

[E a comercialização directa de produtos tradicionais?]A Madalena Padeira faz isso, mas o que ela faz é o suficiente para abastecer todo o mercado.

[Porque se vende mais legumes?]Esta gente ao pé das cidades compra legumes, as freguesias mais rurais, ainda cultivam, não precisam. Compram muita coisa a preços bons e de qualidade. Mas também há muita coisa de fora que nem o Diabo lhe come! »[224]

 

V

 

5.1 PERCURSO

 

5.1.1  Posto 1- Ecomuseu

 

Caminho: Venha de onde vier, dirija-se à rua de São Vicente Ferrer.

 

Ecomuseu, cuja sede desejaria ver  instalada, por ser também o espaço disponível, num solar de feição seiscentista na rua de São Vicente Ferrer.[225] Tratava-se de uma casa morgadia ligada ao ouro do Brasil e à exploração da laranja com destino à Inglaterra. Nos últimos anos, antes da instalação da Escola Secundária, e do museu e biblioteca municipais, não fugindo à regra do resto da ilha, o seu extenso quintal foi transformado em pasto. Tinha passado das mãos da família Marquês da Praia e Monforte que o adquirira no início desde século, para a família Ataíde Motta, ligada ao cultivo e transformação do chá, à exploração de quintas e à cerealicultura. No quintal havia vinhedos, árvores de fruto, criavam-se porcos e galinhas. No barracão a poente, hoje demolido, guardavam-se as enfardadeiras, a debulhadora e outras máquinas ligadas ao ciclo da cerealicultura. Horário de abertura de segunda a sexta-feira das 8:30 às 12:30 e das 13:30 às 16:30. Encerrado aos feriados e fins-de-semana.

 

O solar de São Vicente, na rua do mesmo nome,  a dois passos da casa onde cresci, sede do pretendido ecomuseu, está situado em pleno coração da “terra dos moinhos e moleiros”, entre a vala da Condessa e a ribeira. Estão aqui quatro dos cinco moinhos sobreviventes, e seis das nove ou dez pessoas  ainda activas ligadas aos moinhos. Já fora do activo, ou que mudaram de profissão, temos outras tantas. Ainda se vêem as suas residências, a loja onde gastavam fiado, as residências dos seus principais fregueses e dos seus ajudantes e das padeiras. Qualquer vizinho conhece a história do moinho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na capela realizava-se, todos os anos a 5 de Abril, a festa de São Vicente Ferrer. E em 25 de Março, dia de Nossa Senhora da Encarnação, tal como todas as demais ermidas da terra, estava aberta e enfeitada. O povo corria-as todas. Eram os vizinhos que enfeitavam a capela e promoviam a festa. Durante anos foi a srª. Estrela Sousa e a esposa do José Grilo. A capela ficava aberta, toda florida e iluminada, durante alguns dias. O pároco da igreja Matriz, a quem ela pertenceu, vinha celebrar a missa da festa.[226] [227]Ainda todos os  25 de Março, festeja-se, na ermida de Nossa Senhora da Salvação, a meio da rua do Botelho, a mesma festa. Todos os anos há  «império» na rua. O troço da rua de São Vicente, a que pertence o solar, faz parte da «coroa» das ruas do Botelho e do Moinho do Vale. São as Domingas que couberam a cada irmão no dia à noite do «império», são as quintas-feiras de «coroação», a distribuição «dos cargos», é a «coroação.» Em tudo isso a vizinhança participa. Por esta rua, ou próximo dela, passam as principais procissões e as «Cavalhadas.»

No (proposto) futuro Centro de Interpretação, oferecer-se-á uma visão global da história geológica passando pela história desde então até hoje de todos os espaços concelhios. O visitante deverá ficar com uma ideia geral do contexto sócio-cultural e económico global dos moinhos e dos moleiros no todo do concelho ao longo dos tempos. Esta exposição aguarda há doze anos o reconhecimento e infraestruturação do museu pela autarquia, sua entidade tutelar. Agora temos uma exposição permanente de arqueologia, de azulejaria e de cerâmica locais desde o século XVI até ao presente. Além das oficinas, ou tendas. São elementos de uma comunidade rural auto-suficiente. Até que se efective[228] a montagem do Centro de Interpretação, sempre que for possível será proporcionado aos visitantes do percurso dos moinhos que o desejem uma introdução ou um complemento no final do mesmo.Iremos proporcionar o visionamento de um vídeo que permita ao visitante ter uma ideia global do que irá encontrar ao longo do trajecto. Aí sugeriremos diversos olhares. Para alguém que deseje aprofundar os seus conhecimentos, dispomos de um embrião de banco de dados sobre moinhos e moleiros e sociedade rural.

Este posto também servirá, desde já, de centro logístico de todo o circuito, local onde se inicia e conclui o percurso, ponto de encontro, onde se poderá deixar e receber recados, refrescar ou aliviar de pesos excessivos.

 

5.1.2  Posto 2 - Ponte Nova

 

Caminho: saia do museu e continue na rua em direcção à Ponte Nova.

 

Observação no exterior: Moinho de ribeira. Construído a partir da segunda metade do século XIX é propriedade do sr. Aurino Furtado Tachinha, seu último moleiro/ empresário. De acordo com livros da Fazenda Pública da Ribeira Grande, foram seus proprietários Ludovina Pimentel de Sousa, de Ponta Delgada, Luís Jacinto de Sousa,  Dinis Correia Travassos, em 1919, passa em 1942 a Manuel da Estrela Cabral e este, em 1955, a Aurino Furtado Tachinha. Ficara, em 1919, tal como muitos outros, arruinado pela cheia.

Terra cortada a meio por uma ribeira, de onde retira a sua fertilidade e a força que faz mover os seus moinhos, a Ribeira Grande é, desde a sua fundação ao presente, uma terra em que as pontes ocupam um lugar de destaque nas preocupações dos responsáveis autárquicos. A ponte Nova ou das Freiras foi primitivamente construída no século XVII, quando só havia a da Praça do Município.[229] Foi danificada por várias cheias, como por exemplo a de 1919. Junto a ela existe, inactivo, ainda funcionava no início da década  de setenta, um moinho de ribeira, o moinho da Ponte Nova. Defronte existiu, até ser transferida para a estrada de Ponta Delgada, uma fábrica de blocos de cimento do mesmo proprietário do moinho. Observe-se, a montante do moinho, a vala. Daí até à foz são ainda visíveis quatro moinhos. A tradição oral refere mais dois, um dos quais junto ao Paraíso, o do “Tio Ernegato”, teria sido uma azenha.[230]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi o lugar de socialização por excelência da rapaziada da rua, mais a “Esplanada do sr. Peixoto”, o Adro das Freiras e o canto da loja do mestre António. No canto do mestre António jogávamos às cartas, ao pateiro, berlinde, quatro cantos, ao ferro quente, às apanhadas, e contávamos anedotas picantes.

 

5.1.3  Posto 3 - Mãe d’Água

 

A caminho: Suba-se ao Adro das Freiras e dirija-se pelo Caminho Velho das Caldeiras, à Tondela e ao Monte Frade. Consideramos este percurso útil à compreensão dos moinhos, todavia, já junto à volta para a ribeira, e ao longo dela, o trajecto torna-se difícil para quem tenha dificuldade em andar. Para estes aconselha-se uma visita directa à Mãe d’Água tomando a rua de Trás-os-Mosteiros. Ou então, tomando, logo no fim da Tondela, pela canada do Rebentão indo espreitar junto a um pasto.

 

Subindo o outeiro, chega-se ao Largo das Freiras,[231] um amplo largo, o «estádio da pequenada desde a década de trinta»,[232]onde existiu um convento de freiras clarissas fundado na primeira metade do século XVI, destruído em 1563 durante a crise sísmico-vulcânica, reconstruído ainda naquele século e extinto pelos liberais, durante a guerra civil, em 1832. Dele ainda se vê a casa dos Confessores, lendo-se no lintel da porta de entrada a data 1666,[233] hoje secretaria da Escola Preparatória Gaspar Frutuoso, vestígios da roda, numa garagem particular, a quinta, ou pomar, em cuja verga  da porta se entrevê mal uma data  que parece ser 1721 e restos da antiga cerca monástica.[234] Todo o largo e envolvente mantém a mesma volumetria. Também aqui se encontra, hoje parcialmente em ruínas, a casa morgadia dos Silveira Estrela, importante família ligada aos destinos desta terra depois da implantação do liberalismo.[235] Todo o espaço do antigo convento, cerca, igreja e pomar, foi adquirido em 1833, em hasta pública, por José Maria da Câmara Vasconcelos, cunhado do irmão da famosa freira do “Arcano Místico”,[236] companheiro de luta de Silveira Estrela. Residiu nele e nele montou temporariamente a tipografia do seu Jornal “A União.” No século XX, aí montou Alfredo Vieira uma fàbrica de blocos. Este órgão de informação serviu de porta voz a um grupo, que incluía o seu vizinho e amigo Silveira Estrela, organizado para defender os interesses da Ribeira Grande. José Maria, mais Silveira Estrela e outros, foi accionista fundador e irmão do primeiro director do Jornal “O Açoriano Oriental.” Também foi presidente da Câmara. Na tradição oral local circula, de pais para filhos, que ele “acabou mal, ficando quase sem bens, porque comprou e esborralhou a igreja.”[237] Sendo liberal e tendo sido possivelmente mação percebe-se, ainda que se discorde, a opinião acima referida. 

As freiras tinham aqueduto privado que poderá ver no regresso da Mãe d’Água. Continue-se pela rua das Freiras, em direcção à Grota e tome-se o Caminho Velho das Caldeiras ou da Tondela, velho caminho de tufo e cascalho batido. Vá admirando os magníficos muros de pedra seca e os abrigos de bâncsia.[238]A nascente, ao lado esquerdo de quem sobe, dominando toda a área, descortina-se o Pico das Freiras, outrora conhecido por Monte do Trigo. Diz o povo que correndo aquele pico sobre a vila, vindo da Serra de Água de Pau,  nada a não ser as preces das freiras e a cruz colocada no seu topo o fizera parar. Daí seria pico das Freiras.[239]

Aí se situavam, junto às tufeiras, desde a década de sessenta até há bem pouco tempo quase todas as fábricas de blocos de cimento. Mal se sai do Largo das Freiras, em casa de João Vieira, terá existido uma fábrica de mosaicos e de telha, que mais tarde transferiu.[240] Logo à entrada  do caminho de terra, à esquerda de quem se dirige à Tondela, a fábrica de blocos de Alfredo Vieira, ainda activa. A seguir, um pouco mais acima, à direita, a de João Alberto Moniz, defronte, a de João Vieira, mais acima, a seguir ao Monte Frade, na Magarça, acima do último moinho, destruído em 1919, a tufeira de Aurino Tachinha.Todavia as primeiras fábricas, para além da do sr. Ezequiel Moreira da Silva, foram instaladas em Trás-os-Mosteiros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As tufeiras foram ocupando o lugar das antigas quintas e vinhedos.[241] Pelo Natal, íamos à Tondela às leivas e ao cascalho para  o presépio. Em Setembro, eram as vindimas, no Outono, em Outubro, a apanha do milho, pelo São João, a ceifa e a debulha do trigo.  As casas da rua do Botelho, onde morei, e onde passo, na ida e na volta do trabalho, duas vezes no dia, onde vou, para matar saudades dos tempos de pequeno, repor os anos em que andei por fora, ao almoço, às sopas dos meus pais, ao nº. 28, faziam terras nesta área. O Ti José Grilo e os Dias. A rua, de manhã à noite fervilhava de vida, carroças atrás de carroças descarregavam milhos, mogangos e abóboras, trigo e outras novidades, o rapazio carregava cestos a troco de abóboras-meninas, de uma ida à terra em cima da carroça, ou de um cálice de abafado. Nos intervalos jogava-se à bola, único desporto que para os miúdos não conhecia época baixa. À noite, a seu tempo, desfolhava-se o milho, mais tarde, depois de seco no cafuão, ajudava-se a esgalhá-lo. O mestre António alugava um pequeno engenho manual.

À Tondela ia uma debulhadora de trigos que recebia todos os trigos ceifados da área.[242] João Alberto foi dos primeiros a tê-la. Toda ela  era cultivada. Agora foi transformada em tufeiros e pastos. Há uma diferença enorme entre aquele período, que apanhei até à década de setenta, essencialmente agrícola, e o de agora, ligado à agro-pecuária. Então vivia-se numa economia de subsistência. O agricultor permanecia na sua terra, de sol a sol, o ano inteiro, exceptuando os dias de rija invernia, mesmo assim abrigava-se em furnas escavadas no tufo ou  em casinhotas feitas de costaneiras de criptoméria cobertas de leivas. Ao meio- dia, medido pelo sino da Matriz, filhos, netos ou mulher , às vezes um cão esperto, iam levar-lhes as cestas com o almoço. A ementa era quase sempre um ou dois chicharros de molho de vilão, muito pão de milho, queijo de cabra e uma garrafa de quartilho de café com leite. O cão partilhava do repasto. Como sentia inveja da vida daquelas almas de Deus! Nunca desejei tanto ser camponês como quando as coisas não corriam bem nos estudos, então imaginava-me a dormir livremente nas furnas, com o  cão por ali, beber a água das nascentes e comer aqueles chicharros. Aprendi com eles o respeito pela terra e pelo tempo das coisas. Julgo eu. O camponês tem que olhar só para onde bate o sacho, assim não vê o pouco que fez e o muito que lhe falta fazer. À tardinha, lá vinham eles, cigarro de folha de milho na boca, do tabaco e do milho que faziam, ou de mortalha, os mais finos, cão ao lado, carregados com molhos de lenha. Lavavam os pés, metiam os chinelos e davam alguns um salto à loja ou ao moinho. Não era de bom tom ir muito à loja. [243] Parte trazia terra de renda, rendas altas, podendo ser despejados de um momento para o outro, a maior parte nem de renda tinha. Logo no após 25 de Abril, tentou-se fazer justiça aos rendeiros. A lei que se lhe seguiu, nos seus resultados práticos, segundo uns, foi de oito a oitenta. O senhorio ficou quase sem poder.

Hoje, o lavrador vai aos pastos, a maior parte deles de renda, distantes uns dos outros, apesar das tentativas de emparcelamento, [244] todos os dias, duas vezes por dia, de manhã e às quatro da tarde,  tirar o leite, mudar as estacas e dar de beber ao gado. Tem transporte motorizado, leva as bilhas à fábrica ou ao posto de recepção de leite mais próximo. Trocou o cavalo pela furgoneta ou o tractor. Não ocupa o tempo todo no pasto. Todas as quintas-feiras, entre as 9 e a hora de almoço, vai negociar no mercado que veremos no posto 5. A lavoura constitui a principal actividade económica actual do arquipélago. Estão associados num poderoso sindicato. Atravessam uma crise económica, conjuntural, porém há quem diga estrutural, e social bastante grave. São geralmente filhos de agricultores, velhos agricultores reconvertidos ou até mesmo filhos de antigos lavradores. Alguns vieram de outros ramos, sobretudo na miragem dos fundos comunitários. Até médicos têm lavouras. [245]Os próprios moleiros reconvertidos em industriais da construção civil tentaram-no e tentam-no. Todos os terrenos, de cultivo ou de mata, tendem a ser, dado a necessidade de comida para o gado, transformados em pasto. Para proteger a manada, deixa cães de fila, uns amarrados outros soltos, tornando o passeio, por vezes, uma aventura perigosa. Diz-me um amigo meu que indo passear para os lados da Chã da Marcela, se vira subitamente rodeado por três cães de vacas, animais extremamente ciosos do seu espaço, teve o tino de se deixar ficar quieto, até que, um a um, os cães foram-se embora. Todavia, voltou para trás, o mais depressa que pôde. Há cães vadios que atacam vacas e ovelhas, alguns deles causando estragos consideráveis. O lavrador, hoje dominante, dependia do agricultor. As pastagens confinavam-se, até há pouco, aos matos.

 

«O lavrador só tinha terras a partir dos 250 metros e no mato, nas Lombadas o gado alfeiro. As novilhas em criação e as vacas secas. Comiam a folha cá em baixo e os outonos, mas era só. Começaram a descer nos anos sessenta. Um lavrador velho disse-me que foi um dia de juízo quando pôs vacas cá em baixo. Onde se vira uma coisa dessas!? Em setenta já estava quase tudo em pasto. Dava mais. Era o leite em pó, depois da crise que levou ao 6 de Junho, a carne para o continente, os preços da beterraba não subiram uma porrada de anos. O milho baixou de preço os homens do campo raros e caro. Os das vacas eram poucos e mais baratos. Agora a beterraba subiu e já há mais gente a fazê-la. Eu também faço. A gente faz o que dá. Muita gente agora foi para o resgate e a tendência é para a melhoria do produto pecuário açoriano. A questão da brucelose e das vacas loucas será resolvida, mais cedo ou mais tarde.»[246]

 

Os lavradores (porque lavravam as terras) esperavam pelo corte dos milhos para alimentar os seus poucos animais. Aravam a terra em troco de comer o tremoço ou os troços e as folhas, ou gavelas, de milho. Foi tal a procura de pastos que os corta relva das bermas das estradas eram, ilegalmente suponho, as vacas, tal o frenesim que, estando eu de fresco na Casa de Cultura, ainda organizando a secretária, quando uma vaca e um par de cavalos, talvez para me darem as boas-vindas, assomaram, ainda durante uns meses, à janela e à porta do quintal. Uma vez, o José Teves, camponês a trabalhar para o Asilo Feminino, disse-me:

 

«Eh senhor! Há bocado veio um turista de fora à procura da Casa da Agricultura, queria ver o museu, essas coisas que tem aí para dentro, e eu disse-lhe, é aqui mesmo. Não queria acreditar. Disse-lhe. Não tás vendo, lê a placa, Casa da Agricultura! O homem não queria ver de jeito nenhum.»[247]

 

Pelo que escrevo, torna-se evidente que, tal como a maioria da população que não vive da pecuária,  não sou muito simpático para com a lavoura. Talvez porque vivi ainda o ciclo da agricultura. Já sou mais compreensivo.Percorriam enormes distâncias e mudavam frequentemente de freguesia à procura de alimento para o gado. Possuíam, um, dois, três ou quatro animais, dois deles para puxar a carroça e lavrar a terra.[248]

 

«O aeroporto de Santana era conhecido por Aerovacas. Sabes porquê?[não] Porque os lavradores, não tendo pasto perto, aproveitavam durante a noite para lá irem dar de comer às vacas. Essa contou-me o Sargento Nicolau. Um piloto, o aeroporto estava de fresco na Nordela[transferiu-se à volta de 1969], ainda com a carta antiga, aproximava-se da ilha e diziam da torre de controlo em Ponta Delgada, está vendo o aeroporto, sim senhor estava, estava sobre Santana, pronto para aterrar, sim, também estava, aterre, e aterrou. Onde está o avião, onde foi ele, estavam aflitos na torre de Controlo!O sargento Nicolau pôs-se à procura dele. Teve um pressentimento e foi a Santana. Lá estava o avião. O avião aterrara em Santana e como havia muita bosta de vaca e como os aviões tinha ainda hélices, com a força delas, levantou a bosta, montes dela, o avião ficou todo cagado! Já aí as vacas tomavam conta dele de dia e de noite.»[249]

 

Além dos transportes, de ararem terras, vendiam algum leite de porta em porta. A indústria dos lacticínios, aqui introduzida com mais vigor na década de quarenta, veio dar a volta ao panorama económico da vila.[250] As terras davam pouco mas cada vez mais era preciso leite em pó, manteiga e queijo, não só para o mercado local como, principalmente, para a exportação.

Os inúmeros madeireiros da área (João Alberto e João Vieira também se lançam nesta actividade)[251] aproveitam-se da necessidade de pasto e do mercado das  caixas para exportação de ananás. Também se lançam na lavoura. Junto ao solar de São Vicente existiram duas serragens.[252]Anda-se pouco mais de um quilómetro até encontrar a canada no Monte Frade que conduz à ribeira. É um pouco antes de uma cruz.[253]

No fim da canada surgem, bem visíveis, recobertas por silvas e erva de galinha, as ruínas do moinho da Longaia, a escassos metros a montante da Mãe d’Água, a uma centena de metros mais acima, menos visível e de difícil acesso, as ruínas de um outro, o moinho da Pavinha. Eram moinhos de ribeira, situados no coração de uma outrora pequena comunidade agrícola residente.[254] Ambos conseguiram subtrair-se ao controle dos da Condessa.

A Mãe d’Água na Longaia, onde se regula a água, local onde as sete primeiras mantinham até há pouco um agueiro e onde os moinhos de ribeira  e os da Condessa tentavam obter mais água recorrendo aos mais diversos expedientes, ou pelo menos obtendo o que a Câmara lhes destinara, seja colocando lá paus, assoreando o poço, seja partindo qualquer elemento da vala, foi um local de constante disputa e dissensão. Estava situada, até ao século XIX, uns duzentos metros mais abaixo, na área conhecida por aquele nome. Presumivelmente não só para se proteger da fúria das águas mas para combater os moinhos de ribeira. É propriedade colectiva dos proprietários das sete primeiras casas. Trata-se actualmente de uma represa construída na Longaia.

Vários moleiros da ribeira foram Condenados a multas e a prisão. É daqui que parte toda a água para o abastecimento do sistema. Percebe-se, então, a necessidade de manter um agueiro pago neste local para controle e limpeza a qualquer hora. São inúmeras, repetidas, nas actas da Câmara e demais documentos municipais, as queixas de usos e abusos da água. Daqui parte a vala dos moinhos da Condessa, também conhecida por ribeira dos moinhos que, mais abaixo, a uns duzentos ou trezentos metros, deixa de contornar a ribeira e penetra na terra, indo desaguar no areal a duzentos ou trezentos metros da foz natural da ribeira.

Ao longo das margens, outrora existiu um pequeno carreiro, de terra batida, hoje interrompido e entulhado por lenhas. As lenhas eram aproveitadas pelos lenhadores que as recolhiam e vendiam, de casa em casa, a seus clientes fixos, quando quase todas as casas tinham forno,[255]ou no mercado e cantos das lojas.[256] Muita desta lenha era vendida às padeiras de Trás-os-Mosteiros.

 

5.1.4  Posto 4 - Moinhos da Condessa[257]

 

Propõe-se que observe dois tipos de moinhos da levada da Condessa. A diferença física observável, entre eles, reside no facto das sete primeiras casas possuírem só a vala velha. Dos cinco moinhos em actividade três pertencem às primeiras. Os moleiros sempre preferiram as primeiras casas, não só porque estas mandam nas segundas, mas porque são melhores. São melhores também, regra geral, porque ficavam próximo da «freguesia» e, porque foram as primeiras a ser construídas, estão implantados no melhor troço da vala permitindo-lhes ter as melhores valas e cubos. À partida, exceptuando os da Mãe d’Água, tirando dois da Mãe d’Água, um sofrível, todos os restante quatro das sete segundas casas eram moinhos considerados fracos.[258]


A caminho de um moinho da Condessa, vindos da Mãe d’Água, seguindo a ribeira até encontrar o caminho de terra batida, vemos, na margem do lado deste, um moinho de ribeira, do outro lado da ribeira, dois moinhos da Condessa inactivos pertencentes às sete segundas casas. Mais abaixo, quase no fim do caminho, vislumbra-se o aqueduto das freiras construído no século XVII.

Corta-se na Travessa de Trás-os-Mosteiros (alusão ao mosteiro referido no Posto 2[259] em direcção de novo à ribeira e à rua dos Condes da Ribeira Grande. Atravessa-se a   pequena ponte construída sobre a rocha em inícios da década de sessenta deste século substituindo uma mais pequena de madeira a poucos metros dela. [260] Observando à volta decerto verá restos dos lavadouros que aproveitavam a vala dos moinhos de ribeira, ou o Poço da Mãe, onde várias gerações de miúdos aprenderam  a nadar e a pescar “eirós.” Das moitas de canas que orlavam as margens da ribeira, faziam-se os caniços, as espadas, os varais dos carros a fingir  e os “nunus”, espécie de flauta juvenil. A malta, nessa altura tinha ainda dois modelos, o músico da banda e o jogador de futebol. As lavadeiras estendiam a roupa, em pequenas restingas de areia, segura com seixos da ribeira, a corar ao sol, sobre moitas de junquilhos.

Da vala da Condessa, no lado poente, serviam-se, da água, as quintas para rega dos pomares e as donas de casa para lavar a roupa. Antes da recolha de lixo pelo município, os vizinhos da vala utilizavam-na igualmente como esgoto, o mesmo acontecendo ao Matadouro Municipal. Nos caboucos dos moinhos ainda é costume “meter-se tremoço a curtir.” Era frequente os moinhos ficarem entupidos pelo lixo lançado à vala. As quintas pagavam, ao moleiro das sete primeiras casas responsável naquele ano pela vala,ao «dono da água», uma taxa  anual da água que consumiam, destinando-se esta à manutenção e conserto da mesma. Era uma tarefa rotativa. Hoje os lavradores, apesar dos protestos dos moleiros, servem-se da água,  retirada da vala, junto à nova Ponte de Trás-os-Mosteiros, através de um tubo, sem quaisquer encargos ou contrapartidas. Aliás muitos moleiros culpam os pastos pela diminuição do caudal da ribeira.

Perto desta ponte, subindo o pequeno outeiro, acede-se ao Moinho do Guido, onde sempre que lá estiver o moleiro, poderá visitar um moinho da Condessa das sete segundas casas.[261] Em alternativa tente-se o Moinho do Alfinete,[262] cuja entrada é pela rua dos Foros. Ou ainda o Moinho da Palha, na rua do mesmo nome rebaptizada, na década de sessenta, de rua dos Condes da Ribeira Grande, o último das sete primeiras casas. Pelo exterior, observar-se-á o cabouco com os arcos, no interior dos quais está assente o rodízio. O moinho tem sempre um espaço anexo para o meio de transporte utilizado, antes para o burro, depois para a carroça, e agora para a furgoneta. O piso superior servia de moradia e de arrumo dos cereais. Tanto o moleiro como o moinho não paravam, dia e noite, o moleiro tinha de ficar pelo moinho e dormia sobre as sacas.

Aproveite-se a visita ao interior do moinho para ver como funciona. O moinho do Guido pertence hoje ao Carlota da Ribeirinha que conseguiu, mais os filhos, penetrar em todo o mercado da ilha com farinha para porcos e pão de milho para a panificação.. O moleiro actual pertence à família dos Moniz e Tachinha. Fale com ele. Consulte a planta de um moinho. Suba, em primeiro lugar, aos seus “cumes ou cubos.” Lá verá a vala dividida em três ou quatro derivações, conforme o número de mós que o moinho tem ou teve, que conduzem a tantos ‘cubos’,[263] poços que terminam numa abertura regulável conforme a quantidade de água, chamada “seitia” ou “setilha” por onde a água é projectada em jacto sobre as penas do rodízio fazendo accionar, no fim do mecanismo, as mós. A água em excesso é aliviada por uma abertura da vala, denominada por quebradouro, sendo o seu nível regulado por portas e meias portas. Sobre os ‘cubos’, tapando a sua ‘boca’, estão geralmente colocadas mós gastas. À entrada destas, grades de ferro para evitar entupimentos e acidentes. Houve acidentes mortais com crianças, animais e mesmo adultos. Para pôr cobro a esta situação a autarquia lançou em postura a obrigatoriedade de os manter tapados.

Quando não se quer trabalhar com o rodízio, fecha-se o acesso ao cubo ou deixa-se cair o “paradouro.” Este último é uma tábua que se interpõe entre o jacto da seitia e a pena. Para moer farinha mais ou menos fina, sobe-se ou desce-se a cunha, subindo ou baixando a mó, além de se ter a pedra bem picada. Para parar automaticamente o moinho, sem danificar a pedra, ou avisar o moleiro para por mais cereal, usa-se uma tábua, a ‘lavadeira’,  ligada ao paradouro e à campainha. Dois pequenos mecanismos que pode observar. Sendo o moinho um lugar de muito cereal era necessário protegê-lo dos roedores, assim se percebe a existência de gatos e a estima que estes animais gozavam entre os moleiros. Todos eram tratados por um nome e alguns deles, pelas suas proezas no combate aos ratos, deixaram saudades indeléveis.

O moinho, tal como já ficou escrito, era um lugar social muito frequentado pela vizinhança, exceptuando os da Mãe d’Água, um pouco fora da urbe, sobretudo pelos miúdos da rua, local onde, como já se disse, as mulheres iam sempre acompanhadas buscar farinha, sítio predilecto para se passar os longos serões de inverno, onde se contavam “casos” e “estórias”,  se jogava às cartas a cigarros, a dinheiro ou a brincar, se falava de política, de futebol, dos filmes em cartaz nas casas de cinema, das festas, de namoros e de toda a pequena e grande má língua, ouvia-se relatos  de futebol.       

Depois de a água fazer girar o rodízio segue na vala para o seguinte, assim sucessivamente até à foz.

 

5.1.5  Posto 5 - Moinho da Praia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi seu primeiro proprietário, no século XVI, o Conde da Ribeira Grande. Em 1871, entre as quatro casas foreiras ao Marquês da Ribeira Grande, de acordo com documento da Repartição de Finanças da Ribeira Grande, era a que pagava o foro mais elevado, ou seja 190$000 réis. De 1880 a 1886, pagava por ter três moegas a taxa de 1$050 réis. Na Matriz Predial de 1937, compulsámos, por ordem decrescente de antiguidade, os seguintes proprietários: José Bento da Rocha, José de Melo Machado Simas, em 1955, José de Sousa Machado em 1971, a seguir Luís de Sousa Machado. Óscar Vitória adquiriu-o a este último. Antes de José Bento da Rocha, vemos Luiza da Cunha Menezes, Marqueza da Ribeira Grande, em 1924, por herança, Vicente Zarco da Câmara, em 1926, por arrematação, obtém o domínio directo, Francisco d’Athayde Machado Faria e Maia e, em 1930, domínio útil, José Bento da Rocha. Em 1578 surgem-nos dois moinhos da Praia, num encontra-se como moleiro António Pais, no outro, João Fernandes ‘Bodião.’[264] Em 1769, António Arruda era seu moleiro. Horário - Todos os dias úteis das 8 às 16, excepto ao sábado que fecha  às 12. É o único que está aberto.

Da rua dos Condes da Ribeira Grande, ou Canada da Palha, como ainda é conhecida, até ao moinho da Praia podemos ver mais moinhos e outras coisas mais. Ainda na Canada da Palha, poderá entrar no Moinho do mesmo nome e falar com o velho moleiro proprietário. O conjunto casa de residência e casa de moinho, com entrada simultaneamente pelos Foros e pela Canada, é deveras encantadoramente funcional. Aproveitando a água da vala, à saída deste moinho, existiu uma fábrica de espadana, hoje fábrica dos licores de maracujá da família Ezequiel Moreira da Silva. Ao redor da vala, de ambos os lados, ainda na mesma canada, subsistem algumas das muitas quintas de fruta. No outro lado da canada, ao longo de todo ela, a quinta do solar de São Vicente Ferrer, sede do nosso futuro ecomuseu. A meio dela, no interior da quinta do solar, há pouco foi construída uma Escola Secundária.[265] Defronte, inactiva, uma tenda de bater sacho, aproveitando a água da vala.

Na rua do vale poder-se-á ver o moinho do Outeiro, sempre que a cancela de ferro estiver aberta,[266] moinho em que foi colocado o primeiro rodízio de ferro. Metendo pela rua do Ouvidor, passa-se obrigatoriamente pelo moinho dos Couros, designação derivada da indústria dos curtumes a que o seu último proprietário se dedicou.[267] Servia-se da água tão-só para a sua indústria de curtumes, todavia, tem de dar obrigatoriamente passagem à água para os moinhos seguintes.[268] Junto a ele houve uma serragem, hoje transformado em estaleiro municipal. Contíguo, uma quinta da época da laranja, com abrigos de metrosídero, em cujo portal de entrada se lê 1840.[269]

Se não reparou ainda, veja que a ribeira dos moinhos (Condessa) divide as freguesias da Conceição e Matriz. Em todos os moinhos da Condessa a partir da rua dos Condes existem placas de azulejo com a divisória em questão.

No Largo de Nossa Senhora das Dores repare-se na casa de varanda em ângulo recto, uma das duas sobreviventes na cidade, em cujos lintéis de vergas de janela, existem rombos ou losangos ladeados por sexifólias, elementos típicos do estilo seiscentista local que se prolongou até meados do século XVIII.[270] A cidade da Ribeira Grande possui o maior número de edifícios deste tipo existentes na ilha de São Miguel.

A ermida de Nossa Senhora das Dores, que dá o nome à rua, defronte da casa em apreço, hoje alterada e transformada em capela mortuária, pertence igualmente àquele período. Na base da cruz lê-se 1696. Desça-se a rua, aprecie-se a calçada, em direcção à rua de Nossa Senhora da Conceição, vulgo rua Direita. Aprecie-se aí uma casa datada de finais do século XVIII (1780), cujos lintéis das vergas das janelas são contracurvados, pertencendo à tipologia que se estende desde meados do século XVIII até inícios do seguinte, ou então defronte do famoso ‘Balão,’ dos ‘canarinhos,’ uma outra de três pisos, rara na Ribeira Grande datada de 1788. Esta e mais duas adjacentes são casas da elite proprietária que detinha o poder administrativo da então vila. Na visita ao edifício do museu poderá ver vestígios de um interior destas casas.

Dê-se uma volta pelas imediações antes de retomarmos o nosso trajecto e observemos uma belíssima fachada azulejada do terceiro quartel do século passado, datada de 1874, pertencente a uma brasileiro retornado. Ele e outros, no último quartel de oitocentos, dedicaram-se a actividades alternativas à laranja. Assim, na Avenida Luís de Camões, onde se jogou futebol pela primeira vez na vila em finais do século XIX, encontra-se o que resta de uma fábrica da Chicória, inactiva, e defronte, na estação de autocarros, onde José Peixoto de Oliveira e Tomás Viveiros, tiveram um cine Esplanada, na década de trinta, vestígios de estufas de ananás, duas das várias iniciativas agro-industriais que a vila conheceu em finais do século XIX, numa tentativa de encontrar alternativa à decadência do comércio da laranja. Ao fim desta rua, à direita do observador, o moinho (da Condessa) da Praça,[271] hoje transformado em Tenda de Latoeiro, defronte a Loja do Correia, à esquerda,[272] abrindo-se em ampla avenida, acede-se ao complexo dos mercados agrícola, do peixe, do gado e matadouro municipal que constituem um todo com a ponte dos oito arcos que veremos a caminho do próximo Posto.

A construção de todo este complexo teve início na segunda metade do século passado tendo sido, então, considerado como um dos melhores do país. Tentou-se, numa perspectiva fontista, promover e revitalizar o comércio e a indústria locais.  O mercado de gado continua a realizar-se, como sempre, às quintas-feiras, começa pelas 9 horas terminando pela hora do almoço, quando muitos dos negócios são fechados à mesa das lojas ao seu redor.

Desde o aparecimento de casos de vacas brucélicas e dos problemas das «vacas loucas no continente», o consumidor local e continental prefere consumir peixe, carne de porco e galinha. Segundo um feirante:[273]

 

«Todas as semanas saía umas quinhentas, agora só cem e com um grande jeito da Associação Agrícola. A carne está a 200$00 o quilo, a metade do preço!»

 

Um negociante de gado local, ao contrário da opinião dos lojistas, prefere ver o mercado transferido para Santana:

 

«Nunca se viu uma coisa assim no meio de uma cidade! Toda a gente tem transporte, está aqui gente de todo o lado, Vila Franca, cidade, Arrifes..., quem quiser comer nas lojas daqui, vem cá, não é por isso que o mercado não deve ir para Santana.»[274]

 

Todavia, ainda aqui, apesar do peso das tradições, as coisas estão a mudar. O matadouro municipal passará em breve para Ponta Delgada e já há uma feira aos sábados em moldes modernos na Associação em Santana.

 

«A Associação tem restaurante. Hoje estavam lá umas cem pessoas. Depois têm lá tudo. O lavrador por tradição continua a vir primeiro aqui, mas vai depois a Santana, vai para o apoio jurídico, pelas rações, para lhe preencherem papéis, para tudo. Alguns já vão ao leilão de gado, em moldes modernos, com cartão, registo de pedigree..., aos sábados em Santana. A tendência é para aí. »[275]

 

A partir das 9, 9 e meia, começam a encher a feira furgonetas, camionetas, vindas de toda a ilha, trazendo, na sua maioria, vacas, bezerros, bois, mas também, em menor número, cabras, carneiros, porcos, galinhas, perus, patos, cavalos, até cães de fila. Tudo se vende, existindo dois tipos de negócio, «o decidido e o da balança.» O primeiro é feita à vista, sem ir à balança. Como é feira municipal têm que pagar taxa. Além destes produtos, estão lá à venda, batatas, cebolas, sapatos, arreios e demais apetrechos para o gado e albardas. O latoeiro do moinho da praça coloca a sua furgoneta à entrada da feira. Vendedores de amendoins, tremoço e favas, um deles permanece o resto da semana, exceptuando o futebol, junto à paragem das camionetas, ali a dois passos, também lá vão.   

É o dia dos pratos de polvo guisado com batata, das favas guisadas e do chicharro com molho de vilão acompanhado a vinho de cheiro. Até há pouco, até ao falecimento do seu proprietário, eram famosas  as «favas do Amâncio.» A ela afluem todos os lavradores da ilha, todos os vendedores com produtos que interessam à lavoura, e em época de eleição, tendo a lavoura muito poder e influência, políticos e partidos políticos.

Na última 5ª feira, vi lá alguns gerentes e prospectores bancários, na tentativa de cobrar dívidas, a uns, e emprestar dinheiro a outros, responsáveis pela Associação Agrícola, ex- responsáveis governamentais pelo sector, donos das maiores lavouras, vários talhantes e muita gente que vive de expedientes («garetes»).

Ainda hoje, a 5ª feira é considerada dia de “São Gueixo.” O lavrador aproveita a ocasião para tratar de outros assuntos e divertir-se com os amigos. Vale a pena andar por ali, no meio das pessoas, em dia de feira. As pessoas são, regra geral, simpáticas, afáveis e prestáveis. Dialogue com elas, pois sendo curiosas, já tendo o negócio feito, gostam. Como o moinho da Praia é mesmo ali a dois passos, alguns lavradores abastecem-se de farinha para o gado, outros recebem-na em casa. Não se esqueça que o melhor cliente do moinho já  não é o lavrador.[276]

Todos os Sábados e Domingos  até ao meio dia, realiza-se o mercado dos agricultores das redondezas, dos vendedores ambulantes de fruta e hortaliça, dos talhantes e “enxerqueiros”[277] locais, e dos vendilhões de peixe. Não se aproxima da importância do anterior. Há muito lá vai o esplendor da agricultura local. Além do mais durante toda a semana vão vendedores pelas ruas e existem “barracas de fruta e peixarias” por toda a cidade. O moleiro actual aproveita-se desta oportunidade. Cada vez menos se tem quinta por ser cara e não compensar a sua manutenção, o mesmo se diz das hortas. Poucos são os produtos produzidos localmente. Ainda vêm algumas hortaliças e fruta de Rabo de Peixe, repolho do Morro, melancia das Covas da Ribeirinha e batata de toda a ilha. O mercado outrora, sem as banquetas de cimento fixas, servia de palco a cantorias, a teatro popular, e a outras manifestações. No mercado do gado, onde se realizaram concursos agro-pecuários, touradas à corda, provas de atletismo, jogou-se futebol, com a breve interrupção do «estádio do Rosário», do campo da avenida anteriormente mencionada e do período em que, por motivos de saúde pública, esteve interditado, desde a sua introdução na vila até à inauguração do Campo Municipal em 1951. É o território do Águia, tal como o Adro das Freiras o era para o Ideal. Aí se formaram gerações de jogadores do Águia. Ficaram na memória as partidas de futebol aí realizadas contra as equipas dos destacamentos de continentais da «campanha do ananás», na II Guerra Mundial, ou contra as tripulações dos barcos surtos no porto de Ponta Delgada. Os moleiros que conheço eram e são quase todos do Ideal.

Contorna-se o mercado no seu ângulo poente voltado ao mar, e vira-se em direcção ao areal da Ribeira Grande. Foi, mais a Vila Nova, a Cova do Milho e o Curral, a zona mais pobre da terra. Nestas áreas concentravam-se as pessoas ligadas ao mar. Os pescadores que tinham barco no porto de Santa Iria, na Ribeirinha, os calhauzeiros e os que faziam pedra pelos calhaus. O areal era frequentado, no verão, pelas pessoas que moravam nas vizinhanças, que do mar retiravam todo o seu sustento. O areal à noite, sobretudo em certas alturas, era objecto de várias proibições. Por exemplo, as fantásticas danças das bruxas e das feiticeiras que incendiavam os meus sonhos de infância, tinham ali a sua localização. A vila, até há pouco se sentia isso, dividia-se em duas áreas, separadas pela rua Direita, os da beira-mar e os de cima. Era arriscado aventurar-se sozinho numa área desconhecida. Dentro de cada uma daquelas, ainda se sentia o mesmo em relação a certos grupos de rua, por exemplo, o Rosário, o Adro das Freiras, o Mercado. Só o futebol e a escolaridade obrigatória diluíram, pouco a pouco, estes aspectos. As pessoas de cada área tinham, grosso modo, a sua banda de música, Triunfo («cães») ou Progresso («gatos»), a sua equipa de futebol , Águia, ou Ideal e namoravam as suas. Os namorados de fora da rua tinham que subornar habilidosamente a rapaziada da rua.

Areal que antes de 1563, altura da erupção do Pico do Sapateiro, pequeno morro  rebaptizado, a propósito, de Pico Queimado, ia das Poças, hoje complexo balnear da cidade, a nascente, lá junto ao demolido forte de Nossa Senhora da Estrela, até ao Morro de Santana, a poente, sem  a intromissão, a meio do percurso, do biscoito vulcânico do Bandejo.

Veja-se, então, onde desagua a água que alimenta os moinhos da ribeira, a uns duzentos metros a nascente, e a foz dos moinhos da Condessa, ali mesmo, depois de passar pelo moinho da Areia. Debaixo dos seus pés, num largo de cascalho, hoje transformado em parque de estacionamento, estão os alicerces do moinho destruído pelas ondas, moinho da Areia II, um dos sete últimos da vala da Condessa. Na vala, infelizmente, ainda desaguam todos os resíduos líquidos das casas circunvizinhas. Perto, ainda em actividade, vêem-se lavadouros utilizados pelas donas de casa da rua, no areal defronte, a roupa a secar ao sol. Aqui e junto à ribeira, na rua de Trás-dos-Mosteiros, antes da introdução das máquinas de lavar eléctricas, havia lavadeiras que serviam casas da rua Direita, Hospital, Asilos e demais instituições. 

Entremos no moinho da Praia, ou do sr. Óscar, conversemos com o seu proprietário, já reformado, ou com algum dos seus  dois filhos, antigos emigrantes nos Estados Unidos da América do Norte, que poderão inclusivamente, em caso de necessidade, falar em inglês. Trata-se de um moinho das primeiras casas da Condessa. Aí poderá ver todo o sistema operatório do moinho e ouvir testemunhos do trabalho do moleiro e do moinho. E ver-se-á como funciona uma unidade familiar de moleiros. Têm depósito dos seus cereais. Vendem em toda a ilha, aos criadores e, também de algum tempo a esta parte, a padeiras. Até poderá adquirir farinha.

 

5.1.6  Posto 6 - Cova do Milho

 

Assim conhecido pelo povo. Hoje Parque Infantil, possui dois moinhos adquiridos pela autarquia para neles ser instalada parte do ecomuseu, na área dos moinhos de rodízio.[278] Outrora bairro de gente pobre, situado arreliadoramente ao lado da Câmara que, fazendo-se porta-voz das boas consciências da vila, alguns clientes do bairro, preferiu escondê-la no Palheiro, a tentar resolver a situação.

 

«Aos Domingos de manhã, a caminho da missa, forçava a minha avó para ir ao mainel ver as guerreias entre as mulheres da Cova do Milho. Lavavam-se na vala... Aquilo era uma porcaria!»[279]

 

Aqui existiram, além dos moinhos, algumas tendas de galocheiro, muitas de sacho, o açougue, muitos lenhadores, homens de fazer pedra nas pedreiras e lavadeiras.

No primeiro quartel do século XVI, segundo Gaspar Frutuoso, só aí existiriam duas casas. Era considerado mato. O mesmo cronista refere-se-lhe como Paraíso por aí existir uma lagoa deste nome.

Foi progressivamente, ao longo de vários vereações a partir de finais da primeira parte deste século, demolido e transformado, primeiro, no topo junto à praça, no local de tendas de sacho, em jardim e, em baixo, junto à margem poente da ribeira,  em Parque Infantil.


 

A ponte dos oito arcos foi aqui implantada em finais do século passado, a fim de ligar a Matriz, a mais populosa freguesia da vila, a nascente, ao novo complexo dos mercados, a poente. A Câmara precisava de controlar a actividade económica. A obra foi executada pela mestrança local, que tinha já construído a do Nordeste, bem como outras, dentro de uma tipologia que tendo o seu início um pouco antes se prolongaria por quase todo o Estado Novo. Existem muitas mais na ilha e nas ilhas, mas esta é a maior de todas, sendo tão importante para a terra que figura no seu brasão. Por ela, lamentavelmente, circula todo o trânsito pesado de nascente para poente da ilha. A rua de Sousa e Silva tomou o nome daquele que foi considerado pela autarquia como responsável pela sua existência, António Augusto de Sousa e Silva.

Poder-se-á (regressemos à Cova do Milho) visitar dois moinhos e examinar, no exterior, com toda a comodidade e minúcia os detalhes de uma vala, dos quebradouros, de uma mãe de água, tudo do sistema dos moinhos de ribeira, com mães individuais, o cabouco e os cumes.[280] O primeiro, ao fim da rua do Açougue, data de meados do século XIX, pertenceu ao Marquês da Ribeira Grande que o visitou em 31 de Maio de 1867, sendo então rendeiro Martiniano Ferreira Cabido:

 

«Notou, neste estabelecimento, que se accumulasse ali tanta porcaria onde só devisa haver limpeza por ser destinado à preparação da primeira e indispensável alimentação do homem..»[281]

 

A água da ribeira, nesta área, além do aproveitamento feito pelos moinhos, pelas donas de casa, pelas lavadeiras, pelos animais, servia de tempero aos batedores de sacho, aos peixeiros e talhantes. A Mãe d’Água vê-se da ponte do Paraíso, a vala segue por debaixo desta e atravessa um pequeno jardim público até aos cubos. Se se quiser ver as fases de ampliação daquela ponte (Paraíso), espreite-se por baixo dela, junto ao edifício do antigo açougue, onde gostaria de ver funcionar, após a resolução de problemas de impermeabilização, o Centro de Interpretação dos Moinhos. A primitiva, hoje destruída pela ribeira, foi construída na primeira metade do século XVI, reconstruída em finais daquele século, ampliada na segunda metade do século XIX, pouco antes da construção da ponte dos oito arcos, e finalmente em 1957. 

Da ponte do Paraíso, que deve ser vista depois de se sair da Cova do Milho, passe a circular pela área do jardim Municipal.

 

«O poço grande era bom para os irós. Aquilo era uma data de rapazes com canas a pescar com caracóis. Iam comprar seda e anzóis ao João Pascoal. Quando vinha camionetas com turistas havia sempre um gado de rapazes incoiros a pedir que atirassem mónim para a água e era um tal mergulharem. Havia alguns que atiravam ali daquela pedra. Tás vendo?[entrevistei-o na Cova do Milho, onde hoje trabalha e onde nasceu e se criou]Mónim para o cinema e para cigarros. Aquilo é que era uma raça excomungada. A polícia não queria e andava sempre atrás deles, mas não amanhava nada, não sabes o que são rapazes. Tu também andavas na festa! [eu?][282]

 

Toda esta área foi, até meados do século XIX, Praça Municipal, local de feira, perto do açougue (na Cova do Milho)[283] e do barracão de peixe (na rua do mesmo nome) e do poder administrativo. O edifício da Câmara Municipal conserva vestígios do século XVII, acrescentos dos séculos XIX e XX, porém, o grosso da estrutura, ou seja torre, arco e escadas exteriores, pertence  a finais do século XVIII.Lá esteve instalada até pouco antes de 1974, a cadeia municipal. Local frequentado pelo miudagem que trocava as maçarocas roubadas às carroças pelos carros de madeira que os presos faziam. Duas de milho branco valiam o dobro das amarelas. Estávamos a par do mundo dos adultos. Nesta área e na adjacente da Cascata, pulsou e ainda pulsa o coração político-administrativo, económico, cultural e religioso da comunidade. Por conseguinte, se percebe a razão da imponência dos edifícios da Câmara, da igreja da Misericórdia, ou até dos vestígios quinhentistas de janelas, nomeadamente a janela manuelina e friso renascença colocada (recolocada?) no edifício da biblioteca. Veja-se o imponente edifício do Teatro Ribeiragrandense, obra de mestre local do primeiro quartel deste século, onde, a par com a Recreativa, da Cascata, do Jardim público, das Poças, das lojas e tendas, das farmácias e do salão paroquial, inexplicavelmente demolido recentemente, constituíam os locais de divertimento  e de lazer da população. Aqui se encontravam e encontram amigos e se fazem e desfazem negócios.

 

«[Como era o jardim no seu tempo?]A gente ia para lá, havia eu de ter 10 anos, os senhores e senhoras no Tabuleiro, ou Secadouro, porque se secavam aí os trigos, a gente a brincar  no jardim. Não havia namoros como há agora, as mamãs vigiavam. Havia, sempre, um ou outro grupo de rapazes e raparigas. Namorar era em outros sítios mais escondidos! »[284]

 

Por esta Praça passam todas as procissões mais importantes e o Rei das Cavalhadas, há alguns anos e para agradecer os parcos subsídios municipais, profere o seu discurso. Era e é, sem dúvida, o local mais importante. Foi praça, ou mercado, até esta ser transferida, primeiro para a Cascata, depois para onde se encontra hoje. Aqui e perto desta Praça decorreram as primeiras sessões públicas de cinema, no início deste século e desde o início foi instalado uma praça de carros de aluguer. O edifício da Biblioteca  da Fundação Calouste Gulbenkian, serviu de cinema. A polícia esteve instalada aqui, bem como as tropas e a Guarda Nacional Republicana.

O moleiro, o farinheiro e o proprietário do moinho mantêm íntimas relações com todo este espaço de poder e de lazer. O moinho  e a sua actividade é regulada pelas posturas e pelos fiscais municipais, o moleiro baptiza-se e baptiza os filhos, casa, frequenta a igreja e assiste às manifestações que à volta dela ocorrem. A elite frequentava os seus cafés. O povo sempre sentiu pouco à vontade neste local temido, odiado e, paradoxalmente, apetecível, sedutor. O povo desforrava-se no Carnaval e nas Cavalhadas,[285] através das cantorias, com os ditos sobre os poderosos, ou ‘casacas,’ como eles chamavam, mordazes e azedos,  à elite.

Por ficar na Praça, detenha-se a observar a magnífica fachada tardo-barroca, com elementos rocócó,  ainda da segunda metade do século XVIII. Toda a teatralidade dos elementos da fachada, poderá plausivelmente ser explicada pela função dos Passos que lhe era, como ainda é, cometida. Dois Passos da Paixão desenrolavam-se na sua fachada e, outros dois ali na praça. Repare na linguagem simbólica dos elementos da fachada. É uma fachada falante, pois o facho, a concha com a água transbordante, a cruz, as espigas, o cacho de uvas, não são simples elementos decorativos, referem-se às obras da misericórdia, aludem à salvação dos que têm fé através das águas  baptismais e do sacrifício redentor de Cristo na Cruz. Os «reposteiros», ladeando as portas e os fogaréus, remetem-nos para a teatralidade do cenário. Presumivelmente remeter-nos-ão para a arte efémera que lhe antecedeu. A dois passos dela, duas pequenas ermidas, ou Passos Quaresmais, pertencem ao percurso da procissão dos Passos. A igreja estava anexa ao hospital e botica da Santa Casa. Estes últimos transferiram-se por troca pública com a Fazenda nacional para o extinto Convento de Frades Franciscanos a poente da então vila, na primeira metade do século XIX.

Subamos a magnífica escadaria, já deste século, em direcção à igreja Matriz, templo reconstruído no primeiro quartel do século XVIII, conservando alguns vestígios do período anterior e, quanto a pinturas, altares e demais bens móveis, muito do período posterior. Foi obra de mestres açorianos. Aproveite-se para visitar a sala de Arte Sacra e o Arcano Místico de Madre Margarida Isabel do Apocalipse. 

Siga-se para o fecho do circuito para a sede do ecomuseu na rua de São Vicente Ferreira.

Horário: Todos os dias úteis das 8:30 às 12:30 e das 13:30 às 16:30.

Já viu, de relance, como os moinhos se movem, onde habita e vive o moleiro, na sua casa e na sua comunidade, onde ora, se diverte e arrelia, ou seja rodeado de todos os demais membros da comunidade, se não viu bem à entrada, aconselha-se a rever o solar que serve (servirá) de sede ao ecomuseu. Reveja-se a casa, em si mesma, visite-se a exposição, caso já esteja montada, fale-se com as pessoas que lá trabalham, estabeleça-se contactos se quiser saber mais sobre a cidade dos moinhos. Gostaríamos que nos deixassem as suas sugestões  e comentários. Este é, convém repeti-lo, um roteiro aberto feito por alguém que pela primeira vez passa ao papel percursos orais.

Antes, não deixe de reparar no que vai vendo, entre o Posto 6 e o 1. Suba a rua Gonçalo Bezerra, um dos pais fundadores da vila da Ribeira Grande, antes tome um refresco em qualquer dos estabelecimentos da Praça, se precisar de se fornecer desde a levantar dinheiro, película para a máquina, de jornais, ou outros, encontrará nas imediações. Se quiser visitar uma fábrica de licor de maracujá encontra uma, logo no início da rua.

Volte para a rua do Botelho em direcção ao ecomuseu e observe, na confluência desta rua com a da Salvação, o que resta do solar de Nossa Senhora da Salvação, em cuja fachada da ermida do mesmo nome, se poderá ver uma pedra de brasão de armas em traquite. No lintel de losangos vazios lê-se a data de 1651, no interior tem uma pedra tumular com inscrição.

Na rua do Botelho, vê-se um grupo de quatro casas, estilo colonial, construídas na década de trinta pelo industrial de blocos, Sr. Ezequiel Moreira da Silva e pelo Sr. José Pereira do Rego Lima, igualmente autor do projecto e construtor do Teatro Ribeiragrandense, sobre uma casa de pontas de diamante, segundo a tradição oral, mandada demolir pelo próprio proprietário, tresloucado,  por não conseguir livrar-se das manchas no soalho do sangue de um ente querido, assassinado, segundo o povo, por ciúmes. Antes, hoje nº9, houve uma garagem de camionetas e oficina de mecânica de João Teixeira de Medeiros, «Calca-Sacos», onde igualmente houve, no princípio deste século, um Animatógrafo, chegando-se lá a realizar espectáculos de circo.

Ao lado das casas em estilo colonial, um magnífico exemplar de pontas de diamante, mais um acrescento do século seguinte e duas casas de lintéis contracurvados. Foi até ao presente um Asilo Feminino e, já na década de oitenta, salvo erro, nos baixos, outrora graneis, Jardim de Infância.

A seguir às cheias do inverno de 1563/64, as casas principais transferiram-se, como já escrevemos, das margens da ribeira para estas áreas, ao abrigo das águas.

 

5.1.7  Posto 7 - Da nascente à foz da ribeira

 

Inicie o percurso, pedestre ou não, como desejar, de montante a jusante ou vice-versa. Aqui, só porque temos de começar por algum lado, optamos pelas nascentes. São várias, desde o início até à foz, as nascentes e pequenos caudais subsidiários  da ribeira da Ribeira Grande. O povo diz que a ribeira  só começa, junto à fábrica de águas das Lombadas, na junção de dois caudais. Para ver algumas nascentes, suba a ribeira. As águas das Lombadas começaram a ser comercializadas na última década do século passado. Foi mais uma das actividades alternativas à laranja. A estrada que conduz às Lombadas foi construída em inícios da segunda metade deste século. Pode beber e encher toda a água que desejar numa casa destelhada, no outro lado da ribeira. Pode igualmente visitar a pequena fábrica hoje propriedade de uma companhia de águas sediada no continente português. Infelizmente, destina-se quase só ao mercado local.

Quase toda a vegetação envolvente pertence à flora endémica primitiva. Desta, a urze e a queiró eram utilizadas para aquecer os fornos de pão e para vassouras. O louro, muito abundante no local, era utilizado na culinária. Muitas destas plantas também faziam parte das mezinhas medicinais e de outras usadas pelos curadores.[286]As leivas ainda são ilegalmente retiradas para utilização das estufas de ananás de Ponta Delgada e Vila Franca do Campo.

De regresso, já nas Caldeiras, local de veraneio e de banhos termais, florescente até à primeira metade deste século, visite todo o complexo de uma hidroeléctrica. Aos fins-de-semana, acorre a este local muita gente de fora e da Ribeira Grande. O 15 de Agosto é o da festa do local. Durante o verão, os circuitos turísticos passam por aqui. A central hidroeléctrica foi construída na década de trinta pela Câmara Municipal de Ponta Delgada. O sistema é semelhante ao do moinho de água. Quando a barragem se construía, os moleiros da Ribeira Grande protestaram junto das entidades públicas, tendo conseguido impedir que o paredão da mesma subisse mais. A barragem equivale à Mãe d’Água do moinho, e a vala, com suas portas e tubo, à vala, às portas, quebadrouro e cubo dos moinhos. Só que, em vez do rodízio, a hidroeléctrica tem a turbina. Junto à barragem, destruída por ela e pelo desbaste de matas, existiu durante séculos «as lágrimas». Era uma concavidade na rocha de onde pingavam gotas de água de modo a sugerir lágrimas. Ouve-se, deste local, o barulho do vapor da central geotérmica.[287] Aqui e mais abaixo na ribeira, existem várias pequenas centrais geotérmicas que poderá visitar a caminho da lagoa do Fogo. Dado o enorme investimento inicial e exigido de futuro, só uma central está a debitar, na rede, energia eléctrica. Pensam os mais optimistas que a ilha, no futuro, e no que toca à energia eléctrica, será independente. Há quem pense em dar aproveitamento à agua quente, nomeadamente já existem algumas experiências agro-industriais em estufas. Ou em empreendimentos de lazer. O que já se passa com as Caldeiras Velhas? Ainda na área das Caldeiras, procedeu-se, pela primeira vez no nosso país, com sucesso, à prospecção geotérmica.

Visite o interior da Central nova e converse com os trabalhadores. Se quiser ver a “Luz Velha”, ou melhor ir à central do Cordeiro, a segunda feita na ilha, e no país, siga as instruções dos trabalhadores. Para esta última, propusemos debalde há anos, vai para doze, a sua musealização. O modo como as duas retinham por algum período a água afectava o andamento dos moinhos a jusante.

A partir daqui, tudo o que verá já viu nos outros postos deste percurso

 

VI

 

6. Glossário de termos recolhidos entre os moleiros da ribeira Grande

 

Porque tem havido alterações substanciais nas funções dos intervenientes dos moinhos, as definições que lhes dizem respeito são aproximações. O mesmo se dirá da taleiga, sacada grande e moenda. O nome das peças do moinho, todavia, tem-se aguentado mais. Não temos outra pretensão que não seja a de dar um contributo para o estudo do jargão profissional do moinho. Devemos dizer ainda que, não obstante vivermos em pleno território dos moinhos, desconhecíamos a maioria destes termos.

 

Abraçadeira - Aros metálicos para apertar os elementos do rodízio, segurelha, lobete, etc.

Afinar a farinha - Levantar ou baixar a pedra com as cunhas.

Água mansa - É aquela por ser pouca faz com que o moinha deixe de funcionar.

Águas passadas não movem moinhos - Que o passado não interfira no presente.

Agueiro - Homem assalariado das sete primeiras casas da Condessa que em troca de tomar conta e manter operacional a Mãe d’Água da Longaia bem como toda a levada recebe uma certa quantia de farinha. As sete segundas casas podem pagar-lhe algo. Tal como o moleiro não conhece horário fixo, pois o moinho não pode parar.

Aguilhão - Pedra calcária, madeira ou esporão em ferro cravado na parte inferior do rodízio que desliza na rela ou sopeira. Tem que girar suavemente, não podendo estar “empinado,” ou inclinado em relação a todo o eixo. Desta afinação depende o rendimento do moinho.

Amassaria - Mesa onde está colocado o assento.

Anel - Local, na Mãe d’Água, que controla a entrada da água na levada.

Arco do cabouco - Parte da frente do moinho.

Arcos - Do rodízio, passando pelo lobete e pela, o sistema é todo seguro por arcos de ferro reforçados por pequenas cunhas de madeiras. A  boa afinação do rodízio passa igualmente por aqui.

Areeiro - Área igualmente vaga onde se situaria o último moinho de ribeira.

Atafona - Moinho movido a força animal. Ponta Delgada só tinha uma pequena ribeira, a ribeira do Valverde. Mais tarde recupera o direito de ter atafonas e muito mais tarde tem moinhos de vento.

 

Boca dos cumes - Entrada para o cume.

Botas - Botas  impermeáveis de cano alto para se ir ao cabouco.

 

Cabouco - Espaço inferior do moinho onde está colocado o rodízio e por onde sai a água para o tanque que leva a água para, no sistema da Condessa, o moinho seguinte. 

Cachorro ou boneca - Pau ligado à quelha ou calha, à campainha, por um lado, frequentemente com motivos esculpidos na cabeça, por outro lado, na sua parte inferior, tocando na andadeira e que faz accionar a campainha e cair o grão no olho da pedra.

Caixa de farinha e Guarda - Recipiente para receber a farinha quando sai da mó. O primeiro em forma quadrangular, o segundo, em forma quadrangular irregular protegida à frente por um pano. O segundo foi utilizado no passado. Ambos foram introduzidos graças aos esforços higiénicos da autarquia, pois até então a farinha corria para o chão, nem sempre lajeado.

Caixa da maquiação - Caixa, por vezes provida com um sistema que não permitia ao moleiro, depois de lá ter introduzido a renda, retirá-la.

Calha ou quelha - Calha ligada à parte inferior da moega por onde o grão cai, pela trepidação da boneca ou cachorro, no olho da pedra.

Cambeiro - Protecção exterior em madeira das mós. Em cima, tem um tampo, chamado por sobrado, abrindo a meio. Tem um orifício no meio, onde cai o grão,  e uma portinhola, à frente, que serve tanto para observar o andamento da pedra  como para o seu arrefecimento. São amovíveis.

Campainha - Campainha colocada no interior da moega e ligada ao cachorro ou b

oneca que quando descoberta pelo cereal avisa o moleiro de que a moega está quase vazia.

Casa - Não se refere só à casa onde está instalado o moinho mas a  todo o seu recheio. 

Casal - Conjunto de mós formado pela andadeira e fêmea.

Chanfradura - Baixar ou levantar a cunha do moinho. Está grossa, abaixa-se, se está fina, levanta-se.

Chanfrar - Pôr o rego da pedra deitado.

Chapéu com palheta - Cilindro oco em alumínio ao qual se juntaram abas que colocado no olho da pedra ajuda, simultaneamente, a arrefecer a pedra, para evitar quebras na farinha e evitar que o grão caia na pedra.

Castralho - Umas orelhas, ao lado da seitia, que aguentam a ponte.

Comprar uma vida -Comprar a alguém os instrumentos de trabalho, ou seja, transporte, mais a freguesia que vinha com eles. Uma espécie de trespasse da chave.

Cubo/ Cumes - Queda de água onde termina a levada que conduz a água à seitia. A altura do cubo, segundo os moleiros, explica a sua eficácia. Também assim se designa  toda a área envolvente.

Cunha - Sistema ligado à ponte do moinho fazendo subir ou descer a andadeira. Destina-se a moer mais grosso ou mais fino. O seu controle encontra-se colocado sobre a mesa.

 

Dar o aviso - O agueiro, em caso de falta de água ou outra ocorrência, avisava somente as sete casas grandes.

Dono da água  - O moinho das sete casas grandes que ficava um ano encarregado de tratar a limpeza das ribeiras e de receber a renda das regas dos prédios.

Duas pedras ásperas não fazem farinha - Duas pessoas com o mesmo feitio não se dão bem.

 

Escada - Escada de acesso ao assento a fim de o moleiro poder carregar confortavelmente o cereal na moega ou no estrado.

Esfera - rolamento colocado na bucha dentro do veio.

Estar a sustento - Ser empregado.

Estrado - Superfície em madeira, ao lado das moegas, onde os moleiros guardam o cereal que vai para a moega.

 

Farinha cansada - Aquela que tendo sido moída depressa aqueceu demasiado.

Farinha de carolo - farinha de milho mais grossa.

Farinheiro - Alguém que, tendo freguesia, podendo não ter  moinho de renda ou seu, vende farinha nos mercados e ruas. A sua freguesia é quase sempre longe do moinho. Aluga  uma moega, normalmente, num moinho com cujo moleiro se dá bem. Enquanto for bem servido, ou seja, enquanto a farinha sair bem. Não tem outro vínculo com o moinho a não ser a qualidade e a quantidade de farinha. Alguns farinheiros também foram moleiros. Fazia terras ou comprava milho e oferecia-o já moído. Dependia das conjunturas.

Freguês da taleiga - Aquele que dá o grão a moer. Paga em grão.

Freguês do fiado/ saca vazia- O que comprava a farinha fiado. Havia quem combinasse pagar à semana, à quinzena ou ao mês.

Freguesia - Grupo de clientes de um quarteiro, rendeiro, etc. Normalmente era objecto de trespasse. Nem sempre havia respeito pela freguesia de cada um.

 

Gancho -Instrumento para ajudar a desobstruir a vala e as grades.  

Gato- Felino que livra o moinho de ratos.

Grade - Estrutura quadrangular feita de barrotes de madeira que serve para descansar a pedra durante a picagem.

Grades - Gradeamento à entrada dos cubos para impedir a queda de objectos, animais ou pessoas.

Guarda - Caixa de farinha com formato diferente.

 

Lavadeira ou tábua - Dispositivo do paradouro para parar o moinho.

Lei de boca - As casas grandes fizeram uma lei com as sete pequenas proibindo regas até uma certa distância. Já não é assim há muito tempo.

Levada - Canal de conduta da água.

Levar água ao seu moinho - Ser ambicioso, tendencioso.

Lobete - Peça em madeira que encaixa, em baixo, no topo do rodízio e, em cima, na pela.

Longaia - Área genérica onde houve um moinho. Local onde se encontram actualmente o Anel e a Mãe d’Água.

 

Mãe de Água ou Mão da Água - represa (na Povoação chamam-lhe forte) para reter a água que através do anel se introduz na levada e cubos ou cumes. Também se designa assim a área geográfica onde  se encontrava a primitiva. Não consigo distinguir a pronuncia exacta, parece-me, no entanto, distinguir Mão. Daí  o termo anel, para se referirem à entrada da água na levada?

Magarça - Zona acima desta última.

Maquia - Renda que o moleiro tirava por moer o cereal.

Medidas - Todas, desde a maquia ao litro. Foram substituídas pela balança decimal por ser mais fácil o controle do cereal.

Mesa - Estrutura oca por baixo onde está montado o rodízio e onde assenta a mó fixa. Nela estão colocados todos os mais sistemas da moagem.

Milho estraçoado - Milho picado destinado aos pintos.

- Pedra  (hoje) vulcânica, extraída da pedreira do foral de Santa Catarina, em Ponta Delgada. Muitos dos que lá trabalhavam eram oriundos da Ribeira Grande. A duração de cada uma depende do seu uso. Dura anos a fio. Existem dois tipos de mós, a “andadeira ou macha” (mó superior que se move) e a “fêmea” (mó inferior fixa na mesa). As pedras não podem ser da mesma dureza, pois “duas pedras duras não fazem farinha.”

Moagem - Moinho eléctrico, a lenha ou a gasóleo.

Moega - Caixa piramidal invertida com uma abertura no exterior comunicando com a calha ou quelha onde se introduz o cereal.

Moenda - Sacas grandes.  Quantidades a partir de 5 alqueires. 

Moinho - Pode referir-se ao conjunto formado pelas mós até ao rodízio como em geral a toda a casa.

Moinho a berrar-  Barulho que o moinho faz quando tem falta de grão. Som que o cachorro faz.

Moinho a martelo - Moinho eléctrico introduzido na Ribeira Grande pelos Serviços Agrícolas que mói e tritura a folha, o grão e o carrilho. Destina-se à alimentação do gado.

Moinho da Condessa - Moinho abastecido pela água da Mãe d’Água da Longaia, situado ao longo da levada da Condessa ou ribeira dos moinhos. Tem a sua origem no título nobiliárquico da sua proprietária, a Condessa da Ribeira Grande.

Moinho de ribeira - Na Ribeira Grande é o moinho fora da levada dos moinhos da Condessa ou ribeira dos moinhos.

Moleiro - Essencialmente o que toma conta do moinho. Aquele que trabalha no moinho ou como assalariado, como rendeiro ou proprietário. Um bom moleiro não só afina todo o aparelho do moinho como o traz sempre livre de ratos e varrido. Também saía a recolher a taleiga. Recebia de cada farinheiro ou moleiro de outro moinho, meia maquia por cada alqueire. Do cliente da taleiga recebia uma maquia e meia, enquanto aos que iam ao moinho, retirava só uma maquia. Alguns informadores discordam e adiantam tão só uma maquia. O moleiro assalariado recebia um salário e um complemento semanal em farinha, variável de moinho para moinho.  

 

Netos e bisnetos - Variações dos regos ou rasgos nas pedras do moinho. Dá muito trabalho.

 

Padeira - Mulher que tem alvará da Câmara para cozer pão de trigo para as lojas.

Palanca - Pau afeiçoado na ponta que serve para manobrar a rola e descansar a mó enquanto é picada.

Paradouro - Sistema de que o moinho dispõe formado por uma tábua (lavadeira) existente no cabouco do moinho, ligada por um atilho ou corrente a outra  no interior da moega, que faz parar o rodízio entrepondo-se entre a seitia e a pena do rodízio. Acontece quando o cereal deixa de fazer pressão sobre a tábua no interior da moega. Este sistema era utilizado pelos moleiros que tinham que sair do moinho ou que queriam dormir, sendo frequentemente combinado com a campainha. Há, contudo, um sistema manual, mais utilizado, envolvendo a acção directa do moleiro. Consiste em baixar a corrente. É o sistema mais usual para parar ou pôr a trabalhar o moinho.

Pau da rasoura ou do litro - Pau que serve para nivelar o cereal ou a farinha no litro.

Pau de manter a saca aberta/ gancho de ferro ou de madeira - Não tem designação específica. Tem três encaves que se destinam a abrir ou a fechar a saca que recebe a farinha moída. Antes a farinha corria para a guarda.

Pé de cabra - Outro instrumento utilizado para tirar a pedra.

Pela - Peça metálica, em forma de pá, encaixa em baixo no lobete, encaixando, em cima, na segurelha.

Picão - Martelo de vários feitios para se picar a pedra.

Ponte - Girão de madeira colocado no cabouco do moinho onde está colocada a rela ou sopeira, onde por seu turno gira o aguilhão. Este último está na parte inferior do rodízio, seguindo-se-lhe o lobete, a relha ou ré e finalmente a segurelha que encaixando no olho da andadeira a faz mover.

Ponto da água - É a seitia do moinho.

Porta e meia porta - Portas de madeira que regulam a altura do quebradouro.

Proprietário - Dono do moinho que pode ou não viver do moinho que arrenda.  Há casos em que tem moleiro, em outros, é ele próprio quem explora e trabalha o moinho.

 

Quarteiro - Aquele que vende cereal e farinha às quartas. Outros disseram-me que era aquele que juntava a moenda e moía no moinho. Desconheço qual a grande distinção entre quarteiro e o farinheiro, pois, segundo alguns moleiros actuais, seriam «quase a mesma coisa.»

Quebra - Perda no rendimento durante a moagem devido à falta de afinação ou sobreaquecimento da pedra.

Quebradouro - Abertura ao longo da levada que serve para regular a água.

Rasgos - Incisões nas mós que tomam vários nomes, por exemplo netos e bisnetos, para ajudar a moer melhor o grão. Não era qualquer um que fazia rasgos, teria de ser alguém com muita experiência.

Rela (sopeira) - Objecto hoje em ferro com uma cavidade no meio e pregado no meio da ponte. Antes utilizavam-se pedras calcárias, designadas na Povoação de sopeiras, por se assemelharem a recipientes para sopa. Encontravam-nas nas praias ou recebiam-nas da ilha de Santa Maria.

Rendeiro - Aquele que arrenda um moinho no qual pode ou não trabalhar directamente.

Ribeira de Baixo- Troço da ribeira Grande à volta da Ponte Nova

Ribeira do Escarola- Será o troço da ribeira Grande à volta das canadas da Velha e de Trás-os-Mosteiros?

Ribeira dos moinhos- O mesmo que vala da Condessa ou dos moinhos

Ribeira do Paraíso- Troço da mesma ribeira à volta da Cova do Milho.

Rola e Rolão -Objectos cilíndricos em madeira, de dimensões diferentes, que utilizados com o pé de cabra e a palanca, auxiliam o moleiro a retirar a mó.

Rodilha - Parte do rodízio onde se encaixam as penas contra a péla.

Rodízio/ Rodice - Aqui há quem lhe chame de penado. Trata-se de um eixo ao qual foram introduzidos, em toda a volta,  pás, ou penas, antes em madeira, hoje em ferro, que ao girar faz mover as mós. Da sua regulação e afinação com o jacto da seitia depende o grau do aproveitamento da força motriz.

 

Sacada grande - Há quem se refira à moenda como sacada grande.

Segurelha/segural - Placa metálica que encaixa no olho da pedra e a faz mover.

Seitia - Ou setilha, é uma abertura no fundo do cubo, por onde a água é projectada sobre as penas do rodízio. Regula-se a sua abertura, conforme existe mais ou menos água,  sobretudo no verão e no inverno, colocando uma língua (pequena tábua) na boca da mesma.

Sêmea e farelo - Parte remanescente do grão não utilizada na panificação.A proporção entre o farelo e grão, dependia da qualidade do grão, do moinho e do moleiro.

Sete primeiras casas/Sete grandes - Segundo o uso dos moleiros correspondem às sete casas iniciais, ou às sete que têm direitos sobre as segundas. Têm o direito de água e podem fechá-la para aquelas. Não será bem assim. As primeiras que foram buscar água à Mãe d’Água.

Sete segundas/Sete pequenas - Segundo a mesma fonte, estão dependentes das primeiras. 

 

Taleiga - Quer dizer saca pequena (1 alqueire,1quarta, meia quarta).Usa-se actualmente quase de modo indistinto este termo e moenda. Antes dizia respeito a sacas pequenas. 

Tondela - Área desde o princípio do caminho velho até ao outeiro ou Rebentão.

Torno - Manípulo colocado ao exterior da moega e ligado à quelha que regula a inclinação desta. Da regulação deste e da cunha, depende a qualidade da farinha.   

Trincho - Parte de cima onde está a moega e se colocam as sacas.

 

Vala Nova - Vala da Condessa, ao lado da velha, que serve as sete segundas casas.

Vala Velha - Vala  inicial da Condessa que serve as sete primeiras casas.

Varredoura - A farinha, sêmea e farelo que o moleiro varre do chão. Destina-se à engorda de porcos e galinhas. Todos os que exploram directamente o moinho engordaram porcos para venda.

Veio - Onde a segurelha encaixa contra a pela.

Índice

 

Memórias dos Moinhos da ribeira Grande

 

Um percurso pedestre à terra dos moinhos de rodízio

 

 

I

 

1.         Introdução

1.2       Motivos e motivações que nos levaram à elaboração deste roteiro

1.2.1    Qual tem sido o método seguido neste estudo?   

1.2.2    Objectivos deste roteiro

1.2.3    Em aberto

II

 

2.0       Ribeira Grande, sua localização

2.0.1    Sua importância ao longo dos tempos

2.1       A ribeira

2.2.1    Que é um moinho de rodízio ou de penado?

2.2.1.1 Esboço da história dos moinhos

2.2.1.2 Pessoas dos moinhos: moleiros, farinheiros, rendeiros, quarteiros e donos.

2.2.2    Relevo dos  moinhos de água no contexto da Ribeira Grande

2.2.2.1 Moinhos da Condessa e de ribeira

2.2.3 Alterações nos moinhos provocadas por alteração tecnológica e sócio-          económica 

2.2.4    Porque diminuem os moinhos de água

2.2.4.1 Façamos um resumo às razões da queda da ligação do lar ao moinho

2.2.4.2 Queda da ligação do moinho ao pasto

2.2.4.3 E a padeira?

2.2.5  Futuro dos moinhos de água de rodízio da Ribeira Grande. Ténue esperança do  produto nosso e de qualidade

 

III

 

3.        As pessoas dos moinhos

3.1      Área da «freguesia» do moinho

3.1.1   Tipo de «freguês» do moinho

3.1.2    Porque se preferia um moinho a outro

3.1.3    Ambiente no moinho

3.1.4    Trabalho no Moinho

3.1.5    Avarias do moinho

3.1.6    Como se divertiam os moleiros

3.1.6.1 A loja de mestre António Fona e os moinhos

3.1.6.2 Os moinhos e o Adro das Freiras

3.1.7    Os moinhos e as casas

3.1.8    O moinho e o pasto

3.1.9    O moinho e a padeira

3.1.9.1 Daí para cá passou a ser padeira com alvará da Câmara.

3.1.9.2 Porque é que as pessoas deixam de cozer em casa?

 

IV

 

4.        Moinhos que futuro? A palavra aos que ainda vivem dos moinhos

4.1      José Rodrigues Batacão, nasceu a 6 Setembro de 1918- Moinho da Palha

4.1.1   Oscar da Costa Vitória, nasceu a 27 de Abril de 1924- Moinho da Praia

4.1.2   Armindo Oliveira Vitória, nascido a 24 de Julho de 1958- Moinho da Praia

4.1.3   Óscar Manuel Oliveira Vitória Jr., nasceu em 31 de Dezembro de 1965 - Moinho da Praia

4.1.4   José Inácio Vieira, nasceu a 26 de Agosto de 1926- Moinho do Alfinete

4.1.5  António Alberto Moniz, moleiro assalariado no Moinho do Guido, 64 anos

4.1.6  Armindo João Moniz da Silva «Jantarinho», 20-10-1962

4.1.7  Manuel Moniz Correia da Silva, 15 de  Novembro de 1921

4.1.8. José Eduardo Correia da Silva, 1-12-1944 - Moinho do Guido

4.1.9  Manuel Carlos Moniz da Silva , 22- 09-1949 - Moinho do Outeiro

 

 

V

 

5.1     PERCURSO

5.1.1  Posto 1- Ecomuseu

5.1.2  Posto 2 - Ponte Nova

5.1.3  Posto 3 - Mãe d’Água

5.1.4  Posto 4- Moinhos da Condessa

5.1.5  Posto 5 - Moinho da Praia

5.1.6  Posto 6 - Cova do Milho

5.1.7  Posto 7 - Da nascente à foz da ribeira

 

VI

 

6. Glossário de termos recolhidos entre os moleiros da ribeira Grande

 

 

Rua das Pedras, 5 de Abril de 1997

 



[1] Francisco Arruda Furtado,  Materiaes para o estudo anthropologico dos povos açorianos. Observações sobre o povo Michaelense , Ponta Delgada, Tipografia Popular, 1884

[2] Devido aos temporais do Natal de 1996, um está a moer no moinho que a autarquia adquiriu na Achadinha, o outro, na moagem da vila. Além destes moinhos ainda vimos em actividade, em Março de 1997, um no Faial da Terra, outro na vila da Povoação, outro na Lomba do Loução e dois em Água d’Alto. Penso, numa segunda fase, pôr  no papel  os resultados da investigação que efectuei a outros moinhos desta ilha, de Santa Maria, área de Portalegre, Seixal, Vals d’Àneu e Mértola. Será de estudar, por exemplo, a apetência de moleiros oriundos da Ribeirinha, como é o caso dos irmãos e toda a família Vieira  e Carlota, pelos moinhos da ribeira Grande. E relações familiares. É importante para estes e para os demais o estudo das suas genealogias. Alguns farinheiros de longe, por exemplo o António Homem, de Santo António aqui casou e aqui se fixou.

[3] Será objecto do estudo que temos planeado publicar posteriormente a este.

[4] Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra , Instituto Cultural, Ponta Delgada, liv. 4, vol. 2, p.335;

A.M.R.G, Acordãos de 1853-1856 , v. 88.

[5] Se tiver tempo, demore-se na Ribeirinha.

[6] Testemunho de Cisaltina da Conceição Vieira, 18 de Fevereiro de 1997.

[7] José Mattoso, História de Portugal , Lisboa, Círculo dos Amigos, vol. 8, 1993, p.182[artigo de José Medeiros Ferreira].

[8] Em 1848, a 7 de Outubro, no ‘Açoriano Oriental’, refere-se que os moinhos de Felix José Ferreira, tinham sido danificados. Será este Félix e estará naquele moinho? Segundo a mesma notícia, já existiriam moinhos na Longaia.

[9] Desconhecem quem seja. A maioria refere-se aos moinhos como os da Condessa.

[10] Como sabem que ando a estudar os moinhos vinham ter comigo para saberem coisas acerca dos seus direitos à vala dos moinhos.

[11] Começamos em 1984 com um inquérito sobre o ciclo agrícola na Ribeira Grande.

[12] Testemunho de José Estrela Rego, Março de 1997.

[13] Testemunho de José Rodrigues, Março de 1997.

[14] APMRG, Róis , 1926; os de 1934, para a mesma área, dão-nos 18 moleiros, 13 farinheiros e 3 quarteiros.

APC, Róis , 1923; 24.

 

[15] Já consultámos a documentação camarária sobre o assunto e iremos, em breve, partir para o Tabelionato.

[16] Pelo que me é dado conhecer descura-se este aspecto essencial.Temos uma biblioteca e um museu ilegais, pretende-se um Centro Cultural, estão a desenvolver esforços para um Museu do Emigrante, existe uma Divisão Sócio-Cultural, mas não existe um projecto global que gira tudo isso, que gira o Parque Cultural.

[17] Entrevistámos, neste mês de Março, gente de toda a ilha.

[18] D. José da Câmara, Marquês actual, deu-nos, pelo telefone, em resposta a pedido nosso escrito, autorização para o consultarmos.

[19] É preciso ter a paciência chinesa de minha bisavó Fortunata China...

[20] As sete primeiras são, de jusante a montante: Moinho da Areia, Praia, Novo, Rua, Vale, Vale II, Palha. As sete segundas, seguindo o mesmo critério são: Areia II ( abaixo do Areia I ), Praça ( entre o da Praia e o Novo), Couros ( entre o Vale II e o da Palha), Alfinete, Guido, Félix e Correia. Os seguintes estão todos a montante dos sete primeiros. Documentos do século XIX  referem-se a sete moinhos. Um de 1841 refere-se a oito moinhos do Conde. Trata-se  do moinho de ribeira do Açougue. 

[21] Testemunho de João Alberto Moniz, 29 de Março de 1997

[22] Francisco Carreiro da Costa, A respeito de moinhos e de moleiros , ‘A Ilha’, Ponta Delgada, 17 de Julho de 1954, p.1.

[23]Frei Diogo das Chagas, Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores ,, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 1989, p.169.

[24] Francisco Carreiro da Costa, Ainda a respeito de moleiros, fl.4.

[25] Ventura Rodrigues Pereira, A Ribeira Grande , 3. ed., 1996, p. 214.

[26] João Marinho dos Santos, Os Açores nos séculos XV e XVI, Fontes para a História dos Açores, Angra do Heroísmo, 1984, vol. 1, p. 216.

[27] Testemunho de José Barbosa, 4 de Abril de 1997

‘ Minha irmã casou com o José Vieira que tinha o pai no moinho da Rua. Eu criei-me no moinho da Mãe d’Água que foi dos Correia. Numa ocasião tinha aqui moinho, moía lá em baixo quando havia pouca água  num moinho que tivesse lugar. Agora estou eu aqui e o meu irmão Romão no de baixo. Corro só a freguesia da Ribeirinha, meu irmão também, dá para mim. Vendo isso que está vendo. [cenouras, repolhos, feijão, etc, arrumados como se fosse uma barraca de fruta. Ao lado ração.] Os Barboza aqui eram todos ligados aos moinhos.[moinhos na ribeirinha?]10.: 2  nas Gramas, um nas de cima outro, nas de Baixo, um na fábrica do linho, o meu, o do meu irmão, o do sr. Fulgêncio que deixaram destruir, era o moinho mais bonito daqui, o da Condessa [Jácome Correia], um outro defronte, um outro mais abaixo e o último , sobre a rocha, o do Genipa que trabalhou, no fim da vida, aqui comigo.[sabe que o moinho do Vale serve de armazém de pneus e vai ser vendido?]Era o melhor moinho da Ribeira Grrande, oxalá que não acabe mal’

[28] Francisco Carreiro da Costa, Ainda a respeito de moleiros,  fl. 4.

[29] Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal , Livraria Figueirinhas, Porto, vol. 4, p. 325.

[30] Idem, p.325.

[31] Testemunho de António Alberto Moniz, 1986-1997.

[32] Testemunho de Plínio Maria da Ponte, 23 de Fevereiro de 1997.

[33] Testemunho de António Vieira, 1986.

[34] Idem.

[35] Testemunho de Óscar Vitória, 6 de Fevereiro de 1997.

[36] Colecção de Documentos Relativos ao Descobrimento dos Açores . Ensaio crítico de Manuel Monteiro Velho Arruda, Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1977, p.169.

«[Carta da Donatária, D.Beatriz, de 10 de Março de 1474, doando e confirmando a capitania da ilha de S.Miguel a Rui Gonçalves da Câmara e da sua compra a João Soares de Albergaria]Outro sy me praz que ho dito Rui glz aja para sy todolos moinhos que ouuer em a dita Ilha de que lhe asy dou careguo e q ninguem não faça hy moinhos senão elle ou a quem elle prouuer e isto se não etemda moo de braço q. a faça quem quizer não moendo outrem em ella e não fação hy atafonas..»

[37] Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra , Ponta Delgada, Instituto Cultural, liv.4, vol.3, 1987, p. 55.

«[1563]E, por a cidade estar desapercebida de atafonas, pelo Capitão Manuel da Câmara alcançar sentença que se quebrassem e o povo fosse moer à Ribeira Grande, foi tanta a necessidade que causou a falta das ribeiras...»

Gaspar Frutuoso, liv.4,  vol. 2, p.281.

« Mandou este Capitão[Rui Gonçalves da Câmara, 5º e 2º de nome]em seu tempo fazer muitas atafonas na vila de Ponta Delgada, junto do mosteiro de S.Francisco e abaixo da igreja paroquial de S.Pedro, por aliviar a pressão que o povo padecia em mandar fazer as farinhas aos moinhos da vila da Ribeira Grande, que estavam longe.»

[38] Frei Diogo das Chagas, Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores , Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1989, p.170.

«[Porto dos Carneiros na Lagoa].. o qual he tambem desta Villa[Ribeira Grande], pera suas carrecaçõis e descarregaçõis, sem dependencia da outra, por prouisão del Rey Dom João 3º e sentença que contra a // Camara de Alagoa ouuerão em tempo do mesmo Rey, pollos quererem obrigar ... [debalde]..»

[39] Vara grande     = (200  x 2,64 x 2,64 ) m2 = 1 393,92 m2

   Vara pequena  =  ( 200   x 2,20 x 2,20) m2 =   968 m2

O último é 384 m2 mais pequeno do que o primeiro.

[40] Alberto Vieira, A Questão Cerealífera nos Açores nos séculos XV-XVII - Elementos para o seu estudo, [manuscrito, todavia creio que já foi publicado].

[41] O que corresponderia, segundo Gaspar Frutuoso, à maioria das casas de então.

[42] Frutuoso, liv. 4, vol. 2, p. 105.

«... e moinhos ao longo da ribeira, que faziam a vila mui fresca e bem servida.»

[43] Frutuoso, liv.4. vol. 2, p.108.

«Também poucas vilas haverá de tão boa serventia de água e moendas, porque leva dentro em si seis moinhos, cada um de duas pedras, melhores e que melhor moem que todos os da ilha e Portugal, nos quais o Capitão tem de renda perto de trezentos moios de trigo cada ano...»

Frei Agostinho Monte Alverne, Crónicas da Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores, Instituto Cultural, Ponta Delgada, liv. II,  p. 334.

«... até levou os moinhos que nela[ribeira] naquele tempo [1563]estavam, e por esta razão os mudaram para onde hoje se vêem.»

[44]Frei Diogo das Chagas, Ob. cit. , Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1989, p.169.

«Pollo meio da outra parte da Villa, que fica pera a parte do nosso conuento, que he pera o Poente corre a leuada dos moinhos que se toma no alto e principio do Serro, que uai para o certão da mesma ribeira...»

[45] AMRG, Actas 23 de Março de 1619.

[46] AMRG, Actas 19 de Fevereiro de 1770.

[47] AMRG, Actas , 15 de Dezembro de 172.

[48] AMRG, Actas , 28 de Outubro de 1754.

[49] Testemunho de Avelino de Meneses, Março de 1997.

[50] Fátima Sequeira Dias, Uma Estratégia de Sucesso numa Economia Periférica , Jornal de Cultura, Ponta Delgada, 1996, p.37.

[51] BPAPD, FTPD, Livros de notas de: José Francisco de Medeiros e Sousa , lv. 409, fls 72-73.

[52] BPAPD, FTPD, Livros de notas de: José Francisco de Medeiros e Sousa , lv. 409, fls 72-73; 52-54; 59-60.

[53] Annuncios: moinhos, ‘O Açoriano Oriental’,  29 de Maio de 1841.

[54] AMRG, Actas , 19 de Abril de 1834.

[55] AMRG, Posturas de 1857[reforma das de Abril de 1796].

[56] O Códice 529 - Açores,  Introd. e fixação do texto por José Guilherme Reis Leite, Secretaria Regional da Educação e Cultura, Angra do Heroísmo, 1988, p.177.

«... e a Liberdade, em que ficavam os mesmos Moradores de uzarem dos seus fornos, engenhos de bestas nas suas cazas, e fazendas, e de se servirem das suas agoas particulares para os moinhos que com ellas lhe parecesse levantar...»

[57] AMRG, Actas , liv. 9, fl.84 v.[finais do século XVII até 1714].

«Até o rendeiro dos moinhos era notificado para que não de[sic] trigo dos dittos moinhos pera fora da villa e termo...»

[58] AMRG, Actas , 14 de Maio de 1834, fl.191.

[59] Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal ,  Livraria Figueirinhas,  Porto , vol. 2,  pp. 379-383.

[60] Tentarei aprofundar este ponto consultando o arquivo privado do Marquês, o Tabelionato e estudando as leis de então. Em qualquer caso, o Conde mantém vínculo com os moinhos até ao primeiro quartel deste século.

[61] ARFRG, Mappa de arrolamento, 1871.

[62] [Cheias de 1919]’Açoriano Oriental’, 16 de Agosto de 1919.

[63] AMRG, Actas , 9 de Dezembro de 1769, fl. 119.

[64] Espécie de inspector económico do município.

[65] AMRG, Actas, 12-02-1605,  fl. 187.

[66] AMRG,Actas , 29 de Janeiro de 1619.

[67] Irrigação , ‘A Ilha’, Ponta Delgada, 26 de Junho de 1939, p.1.

[68] António dos Santos Pereira, O Concelho da Ribeira Grande (S.Miguel): Aspectos económicos e sociais no século XVI , in ‘Boletim do instituto Histórico da Ilha Terceira’, Angra do Heroísmo, vol. 45, 1987, p.1130.

Pelo menos em 1578 já existem estes moinhos. Como interpretar, porém, a acta da Câmara da Ribeira Grande de 30 de Junho de 1604? ’não acharão arvores por  não cheguar [sic] a Ribeira e  Ser  via [...] que se servem p.a o moinho.’ Confirmação da nova localização?

[69] Da Condessa por ser esta a última proprietária que a tradição recorda. As sete primeiras dizem respeito à ordem cronológica da sua construção. As sete terão sido construídas num período e em circunstâncias que não pude ainda apurar. Terá sido depois da quebra do monopólio em 1760’s ? Seriam ainda da Condessa? O certo é que estes têm, ao lado da vala nova, uma vala velha. Com este dispositivo as sete primeiras casas podem cortar a água às segundas.

[70] Testemunho de José Rodrigues,  Março de 1997.

[71]  Tiveram, todavia,  mãe d’água individual.

[72] AMRG, Actas , 23 de Fevereiro de 1977, fl.25.

Aí já se fala da possibilidade de se montar um pequeno museu.

AMRG, Actas , 9 de Fevereiro de 1983, fl. 167.

O Engº Fernando Monteiro propõe o levantamento fotográfico dos moinhos, levantamento de encargos para recuperação dos moinhos de água da cidade. Em 1984 iniciei o estudo.

[73] Testemunho de Gilberta Rocha, Março de 1997.

Por exemplo: de 1900 a 1920 houve uma baixa na população, a partir de então sobe. Em 1950’s havia uma população excessiva que não emigrara porque os países de destino se retraíram.

[74]  Farinha torrada, de carolo, etc, o primeiro utilizado na dieta dos mais idosos e mais novos, o segundo usado nas saborosas papas de carolo. 

[75] Testemunho de José Rodrigues, Fevereiro de 1997.

[76] Testemunho de Artur Viveiros, 4 de Abril de 1997

‘ O Raimundo Vitória não está certo, é um rapaz novo, nunca houve moinho defronte da Esplanada do Peixoto. Houve 2 na Canada da Velha, 2 na Longaia, mais quatro de ribeira com o da Cova que foi do João Vieira na Mãe d’ Água. 2 na Ponte Nova, 1 no Barracão Velho e três no Paraíso. Faz as contas! 28, não é? Foi os que conheci. ’ Confirmei a inexistência deste moinho junto ao primo Óscar Vitória no dia 4 de Abril.

[77]  A azenha é um moinho de água movido por uma roda vertical exterior contendo calhas. Precisa de menos água para moer.

[78] Testemunho de Plínio Maria da Ponte, 23 de Fevereiro de 1997.

[79] M.I. de Melo, Vendilhões da Ribeira Grande , “A Vila”, Vila Franca do Campo, 10 de Agosto de 1974, p. 2.

[80] M.I. de Melo, Santos Tempos. Água, Luz, Moinho e Muro , “A Vila”, Vila Franca do Campo, 9 de Janeiro de 1963.

[81] Testemunho de Álvaro dos Santos Raposo Moura, 24 de Fevereiro de 1997.

[82] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 24 de Fevereiro de 1997.

[83] Consumir pão de trigo comprado ao padeiro é, para eles, a prova de que a vida melhorou. «Acabou o tempo da miséria», dizem. Antes era o pão de milho, pois o milho era muito mais barato.

[84] [Teotónio Machado de Andrade], «A Vila» visita uma indústria local , in «A Vila», Vila Franca do Campo, 1 de Novembro de 1957.

[85] Segundo Albano Moniz Furtado, filho do sr Aurino. « Porquê a decadência? - minifúndio, inadequação de sementes, produtividade baixa, impossibilidade de mecanização em larga escala, transportes mais frequentes e baratos. Em suma: industrialização.» Até então era a uma economia de subsistência, quase auto-suficiente.

[86] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 1984-1997.

Segundo pesquisa na Repartição de Finanças registamos, em 1870, falta confirmar, 9 moinhos, de 1880 a 1887, no Arquivo da Câmara Municipal da Ribeira Grande, subiu de 23 para 27, com alguma variação, de novo na Repartição de Finanças, de 1918-1935,  28 e no Registo iniciado em 1937, 21.

[87] De acordo com um Almanaque de 1864, publicado por Francisco Maria Supico, em 1848 foi introduzida nos Açores, no Distrito de Ponta Delgada, uma máquina a vapor de 18 cv. destinada a moer cereais e a serrar madeira.Em 1851, de acordo com “Revista dos Açores”, já existe uma em Ponta Delgada em plena laboração. Pouco tempo durou. Em 1852 aparece-nos outra, no Distrito da Horta.

Carlos Cordeiro, Insularidade e Continentalidade. Os Açores e as contradições da Regeneração (1851-1870) , Minerva, Coimbra, 1992.

[88] Diário dos Açores, 23 de Outubro de 1905, p. 2.

 «Por um individuo das Capellas, foi tomada de arrendamento uma porção de terreno na rua da Victoria, para a montagem de moinhos para cereaes, por meio de electricidade.»

[89] AMRG, Actas , 9 Abril de 1936, fl.74 v.

[90] Moinhos de Vento, ‘A Tribuna’, Ponta Delgada, 1 de Fevereiro de 1904, fl.1.

Deve ser a sua reintrodução, pois, em épocas anteriores, segundo João Adriano Ribeiro, teriam existido muito anteriormente outros. Porque teriam fechado? O dr. Hugo Moreira já o havia corrigido para inícios do século XVII. João Adriano Ribeiro, em conversa de há dias atrás, referiu-nos ainda uma data anterior.

[91] Carlos Enes, A Economia Açoriana entre as duas Guerras Mundiais , Salamandra, Lisboa, 1994, p. 124

[92] Idem.

[93] Moagem Micaelense Ltda. ‘O Distrito’, Ponta Delgada, 31 de Janeiro de 1934.

[94] É o que se pode deduzir pelo confronto entre o número de mós registado na Fazenda Pública e os que nós registámos em 1984.

[95] Um ponto que queremos desenvolver em outro trabalho.

[96] Assisti à construção e à colocação do primeiro.

[97] A primeira, feita pelo “Cordeiro da luz,” em inícios deste século não prejudicou os moinhos, porém a segunda, em 1930, (à volta de) por iniciativa da Câmara de Ponta Delgada, muito maior, veio a concitar os receios dos moleiros.

[98]  As sete segundas casas têm uma vala nova ao lado de uma vala velha. Caso as sete primeiras o desejem cortam a água àquelas. Recentemente a firma  Evaristo Lima tapou o troço da vala velha pertencente ao moinho da Praça. As sete casas são donas da  vala  velha da Condessa. Pelo que sabemos será, desde o terceiro quartel do século XVIII,  mais uma pretensão do que uma realidade.

[99] AMRG, Actas, 30 de Outubro de 1841, fl. 144 v.

[100] AMRG, Disputa de águas, 30 de Julho de 1857.

[101] Testemunho de Domingos Oliveira, verão de 1996.

Teria havido um moinho de azenha nos moinhos de ribeira. Tentativa inovadora de suprir a desvantagem face aos da Condessa e face às ameaças de moinhos eléctricos e a vapor? 

[102] AMRG, Documentos avulsos , 4-04-1935

[103] Três tipos de reacção à carestia das rações: 1- comprar farinha aos moinhos tradicionais; 2- alugar um moinho para fazer farinha para o gado, como foi o caso do João Vieira, Pai, que alugou o moinho da Areia; 3- Comprar um Moinho a Martelo, como foi o caso do João Vieira, Filho ou da Gorreana, proprietários de duas grandes manadas. Segundo o sr. Aurino Tachinha moem numa hora aquilo que o moinho d’água levaria toda a noite e dia.

[104] Alguns moleiros sussurram que levou a concorrência ao ponto de se intrometer nas freguesias antigas.

[105] Grande unidade industrial situada em Ponta Delgada construída na primeira metade deste século estrategicamente  colocada ao lado dos celeiros da Comissão Reguladora dos Cereais. Era temida pelos moleiros.

A Inauguração da Fábrica de Moagem , ‘Correio dos Açores,’ 1 de Janeiro de 1924, p. 2.

[106] Testemunho de Plínio Maria da Ponte, 23 de Fevereiro de 1997.

[107] Veja-se a este respeito o excelente trabalho do sociologo António Barreto, publicado pelo jornal ‘Público’ em 1996.

[108] Ganha pão de minha mãe. A que me pôs o pão na mesa e que me deu, e a meus irmãos, apoio nos primeiros anos de estudo.Tinha um bom programa de assistência médica e medicamentosa, ofertas e cabaz pelo Natal e subsídio para os filhos dos funcionários que estudassem.

[109] Testemunho de José Virgílio da Rocha Borges, 24 de Fevereiro de 1997.

[110] Testemunho de Maria Angelina Meneses, 24 de Fevereiro de 1997.

[111] Está por fazer o estudo da influência da cultura do emigrante na terra de origem.

[112] Testemunho de Daniel de Sá, Março de 1997.

‘É proibido, sim senhor. Mas a Câmara fecha os olhos se não há queixas. A proibição é geral, freguesias rurais incluídas.’

[113] Testemunho de Álvaro dos Santos Raposo Moura, 15 de Fevereiro de 1997.

[114] Por exemplo a padaria Madalena na Ribeira Grande. Em termos caseiros, mais reduzidos, também o faz a senhora do Luís Pinheiro.

[115] Todavia, o milho americano tem produtos químicos.

[116] Fomos consultor do processo de classificação dos moinhos de água da ilha de São Miguel. Pensamos que se deve oferecer uma visão de conjunto dos moinhos da ilha e das ilhas.

[117] Não está legalmente constituído pela tutela.

[118] AMRG, Actas , liv. 96, 23 de Fevereiro de 1977. fl.1.

Daniel de Sá : ‘Curiosidade: Nesta votação participei eu- ficou 4-3, com 2 votos PSD, o meu e o do Eng. Armindo M. Silva.’

[119] Pelos vistos não. Pretende-se criar no antigo açougue, pasme-se, um salão de chá! Que lugar para a exposição interpretativa dos moinhos?

[120] Entre 1984 e 1986, salvo erro,  Ricardo Correia fizera um trabalho ( não conheço) para  Rui Martins, bem como outros alunos o vieram a fazer (o que também desconheço).

[121] Estas últimas, apesar de já na década de trinta o sr. Fábio Moniz de Vasconcelos ter aberto uma padaria na vila, só  conseguem dominar o mercado local em inícios da década de setenta. Até então, existia um ou outro padeiro que, por conta própria ou não, vendia o pão pelas ruas. Ou então, deixava-o nas lojas para ser vendido, daí o ser ainda conhecido por pão da loja. O outro pão ainda é conhecido por pão de casa por ter sido feito, num primeiro tempo, quase só em cada unidade familiar e, numa segunda fase, também em padeiras que coziam em casa. A diminuição e o paulatino desaparecimento do cultivo do cereal  por cada unidade familiar, por um lado, a emigração e a entrada no mercado do trabalho de mais mulheres, por outro, entre mais razões, são as razões frequentemente apontadas para tal mudança. Padeiro pode ser aquele que tem seu ou de renda um forno tendo porta aberta e distribuindo pão, ou aquele que lá trabalha, ou ainda o que distribui o pão pelas lojas e ruas. Às vezes, como no caso do sr. Pedro Fontes, a mesma pessoa fazia todas estas tarefas.

[122]   Apesar de ser plausível supor que as sete segundas casas possam corresponder a este período.

[123]   Ainda não foi possível esclarecer a razão dos termos taleigueiro, farinheiro e quarteiro.Taleigueiro será aquele que recolhe a taleiga (saca com moenda) e que a leva ao moinho podendo ser só aquele que faz o transporte como também aquele que deixa a moer o cereal que recolhe. Farinheiro será aquele que, não tendo tal como o taleigueiro, moinho próprio, recolhe e mói ele próprio em moega alugada a taleiga que recolhe. Quarteiro será qualquer um de ambos os anteriores que retira uma renda de quarta do cereal que recolhe. Estamos contudo a trabalhar nestes termos,  porque hoje, com a evolução dos transportes, por um lado, e com o acesso à propriedade dos moinhos por parte de muitos, por outro, sobretudo fruto da emigração,  deixou de existir esta especialização. Os moleiros foram rareando, por um lado, por outro, o preço da mão-de-obra subiu, assim o profissional do moinho tendeu a reunir todas estas funções. Com um ajudante e uma furgoneta ele poderia fazer tudo por si só.

[124]  Sendo a medição da farinha um processo que envolvia, regra geral, só o moleiro e dependendo o rendimento do grão em farinha da sua qualidade e da do moleiro, as pessoas desconfiavam, do mesmo modo que desconfiavam do leiteiro, do padeiro, etc. A passagem das medidas de volume para as de peso veio diminuir esta desconfiança. Todavia, tal desconfiança era multissecular. Em 1921, por exemplo, houve um ajuntamento de povo esfomeado que arrombou moinhos e lojas (outro acusado de ladrão) numa altura em que os moinhos ainda não teriam tido tempo para se recomporem da destruição da cheia de 1919. Esta cheia destruíra vários moinhos da ribeira e danificara temporariamente o troço mais vulnerável da levada dos da Condessa. O moleiro, tal como o lojista, pertence à pequena burguesia local remediada. O moleiro tem o pão e tudo aquilo que o pão compra. 

[125] Termo ao qual ainda não encontrei significado preciso. Qual a diferença entre este e campónio, ou camponês.

[126] Há por exemplo, desde o século XVIII, Silva e Alfinete.

[127] Isto só é válido para este século e para o período de vida das nossas testemunhas, sendo necessário fazer um levantamento de famílias.

[128] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 2 de Abril de 1997.

[129]   Testemunho de Albano Moniz Furtado, 25 de Janeiro de 1997.

[130] Pequenas indústrias- grandes fontes de riqueza , ‘A Ilha’, 30-08-1939.

«Os blocos de cimento, que fabrica[Ezequiel Moreira da Silva]há mais de quinze anos...»

[131] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 24 de Fevereiro de 1997.

[132] Segundo os moleiros locais, um moinho movido a gasóleo ou a electricidade. Numa altura em que o preço da luz era acessível saía mais em conta moer nestes moinhos. Todavia, os preços subiram em flecha sobretudo depois da crise petrolífera de inícios dos anos setenta.

[133] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Janeiro de 1997.

[134] Testemunho de Eduardo Pascoal, 1 de Abril de 1997.

[135] Emigram Eduíno Maquia, António Fernandes, Óscar Vitória, Artur e Gilberto Correia, José Vieira, Eduardo Pascoal,  entre outros. Regressam Óscar Vitória, Eduardo Pascoal e José Vieira.

[136] Falta confirmá-lo para um período maior.

[137] Testemunho de João Alberto Gouveia Moniz, 29 de Março de 1997.

[138] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[139] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 2 de Abril de 1997

[140] Só um levantamento, caso a caso, seguindo os parentescos, poderá fornecer dados sobre a geografia das freguesias dos moleiros e farinheiros.

[141] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[142] Testemunho de Óscar Vitória, Março de 1997.

[143] Testemunho de José Vieira, Março de 1997.

[144] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[145] Testemunho de João Alberto Gouveia Moniz, 29 de Março de 1997.

[146] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[147] ‘O Autonómico’, Vila Franca do Campo, 23 de Maio de 1931, fl.3.

[148] Testemunho de Alfredo Vieira, Março de 1997.

[149] Testemunho de José Vieira, Março de 1997.

[150] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[151] «[Valor da carroça ]Se fosse hoje era coisa para 25 a 30 contos. Vê lá tu naquela altura era todos os dias folha e milho para o animal.. Tinha um gueixo e um empregado que andava com a carroça e outro que ficava no moinho. Ganhavam o mesmo. O da carroça dava sempre uma mão no moinho. [ Porque é que comprou furgoneta?]É mais económico. Não gasta no milho, o tratamento do animal, limpá-lo, lavá-lo. É mais barato do que ter um homem permanente. A furgoneta leva mais e faz as mesmas coisas em menos tempo, vá-se mais longe. Uma furgoneta faz o serviço de 4 ou 5 carroças. Quando levava farinha para o mercado [Ponta Delgada]saía à meia noite, ia devagarinho, chegava lá às 5 da manhã. Agora leva-se uns vinte minutos. Com a furgoneta ia eu mais um rapazinho. Eu conduzia e o rapazinho distribuia a moenda. Alguma conversa, negócio era comigo. Não andava aqui na freguesia. [Era também uma questão de estatuto ter trocado a carroça pela furgoneta. Ainda hoje se diz ‘Eu conheci fulano a andar de carroça com gueixo!’ querendo significar quem se julga ele que é?].» Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[152] Testemunho de António Vieira, 1986.

[153] Estando o moleiro inserido no meio, deveria conhecer bem o perfil de cada um dos seus clientes. Socialmente, um moleiro bom, sabia ajuizar as pessoas. O costume e a religião esperavam que ele não abusasse. Era Condenado o facto de ele não “ter dó de uma família” cujo marido, filho ou outro, estivesse parado por doença ou acidente. Ainda se esperava que ele tivesse dó, mesmo se o marido fosse bêbado, se porventura tivesse filhos pequenos,  sem corpo para trabalhar, para sustentar. Esperava-se que ele não abusasse da mulher do cliente «do fiado», como alguns faziam, empregasse o filho mais velho e entendido de uma família com problemas. Frequentemente, era padrinho de algum filho. Numa altura em que não havia assistência social era ao moleiro, tal como ao mestre ou ao lojista, ou outros no mesmo caso, que desse emprego, estendesse o prazo das dívidas e até emprestasse dinheiro para acudir a alguma necessidade premente. Muitos foram fianças de gente que quis comprar passagem para ir para a América e o Canadá, ou para dotar as filhas para casar. O moleiro pertencendo, à pequena burguesia local, situava-se entre dois mundos: por um lado, era tratado respeitosamente por «senhor fulano e sicrano» pelos socialmente abaixo dele, ou seja lavradores e camponeses, que dele esperavam um comportamento, dir-se-ia, paternal, por outro, tratava respeitosamente os manga-de-alpaca e os senhores da rua Direita, que lhe ficavam  socialmente acima, esperando destes o mesmo que os primeiros esperavam dele. Arranjava padrinhos entre aqueles, pedia-lhes apoio para contraírem empréstimo, e  pautavam por aqueles as suas expectativas de vida: tipo de casa, filhos a estudar, etc... Atingindo estas metas consideravam-se realizados. Muitos dos seus filhos conseguiram atingir estes objectivos. Estes últimos, na sua maioria, ligados a outras actividades, têm ultimamente uma enorme curiosidade sobre as actividades dos pais, chegando inclusive alguns a fazerem estudos ou a colaborarem em estudos sobre os mesmos. Também decorrendo do efeito do estudo e do interesse pelos moinhos, os velhos moleiros sentem um enorme orgulho na sua actividade, já não pesando o labéu de «ladrão», como outrora. Alguns moleiros, ou filhos de moleiros, querem encontrar uma forma de preservar os seus moinhos, ainda que não moendo. É importante encontrar uma solução. Julgamos que o ecomuseu poderá vir a ajudá-los nesta pretensão. A própria comunidade também se reconhece no moinho, sobretudo a classe média.

[154] Que correspondia à maquia devida à quantidade de cereal moído.

[155] Dependia de farinheiro para farinheiro, mas àquilo que eles pagavam ao moinho acrescentavam mais meia ou uma maquia por cada alqueire.

[156] Foi-me dito em Santa Bárbara, Ribeira Grande, que havendo dois farinheiros da terra, algumas pessoas, por dó, ainda que mantendo fidelidade ao seu, ao  que se serviam», enquanto fossem bem servidas, davam algo ao outro «ao pobre homem para poder sobreviver. Todos somos filhos de Deus. Não é  verdade?»

[157] A captação da água dos moinhos do Porto Formoso para abastecimento de água ao domicílio, nos anos sessenta, veio acentuar esta tendência e conduziu, segundo alguns moleiros daquela área, para o fim do moinho.

[158] Gente como os meus pais. Ambos eram funcionários. Só comprávamos farinha para a engorda dos porcos. Comprávamos «pão de casa» à mãe do mestre Abílio e pão da loja ao «José Maroto da ribeira, cunhado do sr. Aurino.» Ambos vinham trazê-lo à nossa porta. Eram pagos ao mês, tal como pagávamos na loja do «mestre António..»

[159] Testemunho de Conceição Gouveia Moniz, 17 de Fevereiro de 1997.

[160] Testemunho de João Alberto Gouveia Moniz, 29 de Março de 1997.

[161] Testemunho de Manuel Correia da Silva, 24 de Fevereiro de 1997.

[162] Testemunho de Óscar Vitória, Março de 1997.

[163] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[164] Testemunho de José Ferreira Vieira, Março de 1997.

[165] Testemunho de Alfredo Vieira, Março de 1997.

[166] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[167] Testemunho de João Alberto Gouveia Moniz, 29 de Março de 1997.

[168] AMRG , Actas , 18 de Dezembro de 1901, fl. 97 v- 98.

[169] Por exemplo, o apogeu da socialização do moinho da Ponte Nova durou enquanto o Albano e o Labieno por lá andaram. Havia moleiros antipáticos que «enxotavam» a rapaziada, outros não tinham jeito nenhum para contar «estórias», etc...

[170] Testemunho de Manuel Carlos Moniz da Silva, 20 de Fevereiro de 1997.

[171] Porque o barulho que faz, segundo o António Alberto, parece-se com um cachorro.

[172] Testemunho de António Alberto Moniz, 24 de Fevereiro de 1997.

[173] No Registo Predial que começa em 1918 e termina em 1935, vê-se que em 1930 foi adquirido por Dinis Correia Travassos , todavia,  nas observações,  diz que está em ruínas.

[174] Caso do Ti Viveiros.

[175] Testemunho de Carlos Alberto Rocha Sousa, Fevereiro de 1997.

[176] Toda a gente, na Ribeira Grande, tem alcunha. Por exemplo, o Angelo, por ser louro e sardento, chamaram-lhe de «Diabo Escarrado». Escarrado, quer dizer, tal qual. A um outro que frequentemente expelia gases, passámos a chamar-lhe «Peidoco». Eu, por ser Moura, era o «Moura da Pimenta.»

[177] Testemunho de Eduíno ‘Maquia’, verão de 1996.

[178] Testemunho de Alfredo Vieira, Março de 1997.

[179] Era conforme o trato.

[180] Testemunho de António Alberto Moniz, 24 de Fevereiro de 1997.

[181] Testemunho de João Alberto Gouveia Moniz, 29 de Março de 1997.

[182] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 19978.

[183] Testemunho identificado.

[184] Testemunho de Óscar Vitória, Março de 1997.

[185] Testemunha identificada, Março de 1997.

[186] Testemunho de João Alberto Gouveia Moniz, 29 de Março de 1997.

[187] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 31 de Março de 1997.

[188] Testemunho de João Alberto Moniz, 29 de Março de 1997.

[189] Testemunho de Eduardo Pascoal, 31 de Março de 1997.

[190] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 31 de Março de 1997.

Para fazer uma ideia do que valia um moinho, a sua renda e aquilo que tirava o rendeiro e o moleiro vejamos preços da época: «A casa que é hoje do Ildeberto Piques foi vendida há quarenta e tal anos por 33 contos. Há 48 anos, mais ou menos, pagava  numa casa já boa, 250, 200 escudos de renda, na casa que é do padre António Cardão. Dali foi para defronte do Coelho, na rua das Pedras pagar 200 escudos. Um homem na Boavista, vinham de Rabo de Peixe, os de Rabo de Peixe ganhavam 10$00 por dia, ao passo que os daqui levavam a 15$00, salvo erro. Muita gente da Ribeira Grande falava a homens de Rabo de Peixe. Aquilo era um quarto de pão de milho com um chicharro e café. Quando me casei ganhava 1000$00 por  mês, mas não te podes regular por mim, pois era filho do dono. Muitos era a 500, outros, mais novos, 300, outros a 600. Conforme a idade e o cargo. Isto no comércio..» [Luís Gamboa, 31 de Março de 1997].

Para os mestres: «Aos dez anos ganhava 2$50.  Um mestre ganhava 50 patacas, antes do 25 de Abril. O trabalhador do campo era 10 patacas.[100 patacas por dia?] Este homem era rico!» Testemunho de Artur Fona, 31 de Março de 1997.

[191] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, Março de 1997.

[192] Testemunho de Maria da Conceição Moniz, Fevereiro de 1997.

[193] Testemunho de Gilberto Duarte Pinheiro, 12 de Fevereiro de 1997.

[194] Testemunho de António Alberto Moniz, 24 de Fevereiro de 1997.

[195] Estava,  mais o cunhado, bem relacionado com a família do Dr. Lucindo Rebelo Machado que foi presidente da Câmara quando a tropa do continente aqui esteve, na altura do racionamento. Foram escolhidos os moleiros considerados mais capazes e de confiança. Era o Conservador do Registo Civil onde meu pai trabalhava e dava-me chorudas gorjetas que me despachava rapidamente a trocar em  «bilhetes da bola.»

[196] Testemunho de Manuel Pereira Dâmaso, Março de 1997.

[197] Ainda ontem, dia 4 de Abril de 1997, o lobete de um dos rodízios do moinho do Óscar partiu por causa de plásticos enrolados no aguilhão.

[198] Testemunho de António Alberto Moniz, 24 de Fevereiro de 1997.

[199] Idem.

[200] Testemunho de António Vieira, 1986.

[201] Testemunho de António Alberto Moniz, 24 de Fevereiro de 1997.

[202] Documento do século XVIII. Há indícios de mós fora da ilha.

[203] A cal foi sempre aqui utilizada como um preventivo contra doenças infecto-contagiosas.

[204] Testemunho de Alfredo Vieira, Março de 1997.

[205] Testemunho de Óscar Vitória, Março de 1997.

[206] Testemunho de Aurino Furtado Tachinha, 2 de Abril de 1997.

[207] Seria interessante fazer um estudo nesta área.

[208] Testemunho de António Alberto Moniz, 24 de Fevereiro de 1997.

[209] Testemunho de Manuel Correia da Silva, 1986.

[210] Testemunho de Gilberto Duarte Pinheiro, 12 de Fevereiro de 1997.

[211]Testemunho de José Morgado Teves, 17 de Fevereiro de 1997.

[212] Testemunho de Cisaltina da Conceição Vieira, 18 de Fevereiro de 1997.

[213] Testemunho de Angelina Meneses, 16 de Fevereiro de 1997.

[214] Testemunho de José Moniz Morais “Massa”, 18 de Fevereiro de 1997.

[215] Testemunho de Manuel Pinheiro, 17 de Fevereiro de 1997.

[216] Testemunho de Alcuína do Rego Maroto, 17 de Fevereiro de 1997.

[217] Idem.

[218] Testemunho de Oscar da Costa Vitória, 18 de Fevereiro de 1997.

[219] Testemunho de Armindo Oliveira Vitória, 18 de Setembro de 1997.

[220] Testemunho de Óscar Manuel de Oliveira Vitória Jr. , 18 de Fevereiro de 1997.

[221] Testemunho de José Inácio Vieira, 18 de Fevereiro de 1997.

[222] Testemunho de Armindo Moniz da Silva, 16 de Fevereiro de 1997.

[223] Testemunho de José Eduardo Correia da Silva, 19 de Fevereiro de 1997.

[224] Testemunho de Manuel Carlos Moniz da Silva, 20 de Fevereiro de 1997.

[225] Seria mais conveniente, em termos museológicos, neste caso concreto, construir um centro de interpretação de raiz.

[226] Hoje dia 5 de Abril realizou-se após um interregno de décadas a festa de São Vicente. Foi celebrante o P.e Edmundo Pacheco e participaram, como era costume, os vizinhos. A ermida encontra-se enfeitada, iluminada e aberta ao público. O museu tem de se abrir à vizinhança. Uma idosa disse-me  no fim da missa que as grávidas  das ruas circunvizinhas, São Vicente, Botelho, Salvação, Ponte Nova, Canada da Palha, Trás-os-Mosteiros, vinham encomendar-se a São Vicente. Em casos difíceis atavam uma fita à imagem.

[227] Sobre  São Vicente, um amigo meu, há anos fez-me chegar às mãos  trechos do cronista hebraico do século XVI, Josef Ha-Kohen, nada lisonjeiros sobre o patrono daquele solar:

«El número de víctimas en la matanza fue de unas ciento cincuenta mil almas; y los que se descarriaron, unos quince mil. Muchos escaparon a Portugal y se quedaron allí. Intentó aquel malvado monje, marchar también allá para darles dentera, pero habiendo preguntado entonces al rey Duarte de Portugal, le dijo este: ‘ven con alborozo, sólo te has de poner una corona [recién]retirada del fuego, sobre tu cabeza’ y retrocedió con oprobio.»

E eu que julgava que tinha só sido um grande orador sacro. Esqueceram-se de contar o resto da história. A intolerância e a parcialidade são assim mesmo.

[228] Conhecendo como são as coisas, dir-se-ia, se...

[229] Aqui parece-me que, dada a leitura de um novo documento, deve duvidar. Vejamos, João de Sousa Freire, em 23 de Janeiro de 1668, escreveu que ‘huma ponte muito fremoza que a poucos annos com muito dispendio a que chamavão a ponte das freiras por que dos foros se hia por ella para as freiras e lhe ficava vezinha; levou mais as ameias da ponte grande da praça... abaixo dos assougues junto a Camara no baixo da dita Ribeira descubrio o fundamento de huma ponte pequena que ali ouve antigamente da qual só se sabia por tradição.’ Tal vem, em primeiro lugar, encorsajar a repreciação de parte do que escrevi no trabalho “ Memórias da ponte dos oito arcos da Ribeira Grande”, por outro, para este, vem pôr em duvida a identidade da ponte Nova e das Freiras. Rua dos Foros, seria a de Trás-os-Mosteiros.

[230] Testemunho de Domingos Oliveira, verão de 1996;

ARFRG, Matriz Predial Urbana , nº 140

Foi adquirido em 1925 (?) pela Câmara. Tinha dois casais de mós e confrontava a norte a travessa da rua das Espigas, sul e nascente Câmara Municipal e poente ribeira Grande. Será este?

[231] Foi efemeramente conhecido por Largo Rainha D. Amélia, esteve ajardinado. No principio deste século houve quem propusesse a construção de um parque desportivo naquele local. Hoje  pensa-se o seu ajardinamento, todavia, para nossa mágoa, tanto quanto o pouco que nos deram a conhecer, o projecto não contempla a fortíssima memória daquele local. Não alude ao mosteiro, a Pedro Rodrigues da Câmara, seu fundador e pai fundador da vila da Ribeira Grande, nem aos “alardes” que aqui se realizavam, nem ao «estádio da pequenada» desde os anos trinta, nem à maternidade que aqui existiu desde os anos sessenta. O jornal ‘ O Forum’ de 1 de Junho de 1867, folhas 3,  diz que o marquês da Ribeira Grande tinha ido no dia anterior ‘ ao campo das Freiras ver a casa do sr. José de Medeiros Bettencourt e Rego, que se acha em construção.’ Um local sem memória?

[232] Não há moleiro ou antigo moleiro da zona que não tenha dado os seus pontapés aqui. Nos anos trinta, segundo uns, tinha uma araucária no meio e era orlada, em toda a volta por dois renques de árvores. A araucária foi tirada quando o dr. Lucindo, que nasceu numa casa do outeiro, foi presidente da Câmara na década de quarenta.

[233] As datas, nestas circunstâncias, veremos algumas mais ao longo deste percurso, poderão aludir à data daquela construção ou melhoramento. Por si sós, sem documento escrito, ou outro, poderão servir para conjecturar plausivelmente o que acima se aventou.

[234] O progresso, ainda que sobre os ossos de um dos fundadores da vila e de muita gente dela, pretende nele implantar um bairro de classe média com posses e o Palácio de Justiça. Deligenciei, debalde, junto da autarquia, DRAC e Santa Casa. Com essa intenção, refresquei os meus conhecimentos de arqueologia, escavei, contactei colegas, debalde. Propus, seguindo o que vi, por exemplo em Mértola, depois de se efectuarem pesquisas arqueológicas e , caso houvesse interesse, musealizar os baixos do Palácio de Justiça.

[235] Segundo informações vindas a lume na imprensa local, um grupo de cidadãos ligados à autarquia pretende  aí instalar um museu de emigração. Desconhece-se os pormenores do seu projecto museológico. Certamente terá uma exposição explicativa dos factores históricos, antropológicos e sociais, entre outros aspectos relevantes, da emigração e da imigração desde a vinda de povoadores para as ilhas e a ida de ilhéus para as quatro partidas do mundo, inclusive, no século XVIII, de novo para certas áreas de Portugal Continental, ou no século XX para Angola. Não se percebe bem a extensão da sua alegada vocação de centro de estudos genealógicos, nem tão-pouco como se enquadrará neste projecto a colecção de objectos díspares oferecidos ao anterior presidente do Executivo Regional nas suas deslocações pela diáspora. Aguarda-se, com expectativa, proposta especializada sobre o assunto.

[236] Poderá visitá-lo no Posto 6.

[237] Há quem diga que vendeu a pedra da igreja.Uma nota do Tombo da igreja Matriz, de 1858, refere que a fachada da igreja de São Pedro veio da igreja das Freiras.Vê-se que a fachada actual não  é a primitiva. O que foi corroborado por achados de superfície.

[238] Mestre Canário, falecido recentemente, era considerado um dos especialistas dos muros de pedra seca.

[239] Ou porque lhes pertencia?

Teve uma fábrica de blocos junto ao moinho da Cova, moinho que experimentou a azenha. Foi do irmão, segundo o próprio. Antes Alfredo Vieira fizera blocos numa pequena loja na rua do Marquês Jácome Correia.Transferiu a fábrica para o Rosário enquanto tinha outra na Tondela. Enquanto teve o moinho explorou uma padaria. Repare-se nesta estratégia de diversificação.

[240] Testemunho de Eduardo Vieira, 9 de Janeiro de 1997

[241] Compravam o terreno, montavam um telheiro ou dois, e iam escavando o tufo até esgotarem o local. Quando acabava, mudavam-se. As covas estão a ser, ou foram enchidas com os lixos domésticos, pelo que no verão não é muito agradável fazer este trajecto. E foram enchidas para serem depois recobertas com uma camada de terra arável.

[242] Máquina debulhadora , ‘Estrella Oriental’, Ribeira Grande, 30 de Agosto de 1913, fl.2.

[243] Circula na minha família que o meu bisavô Couto Taveira às vezes, para comer o seu pão, regressava à terra para ir buscar mais lenha.

[244] O lavrador para o fazer e para se candidatar a certas ajudas comunitárias teria de ter a terra em seu nome.

[245] Duas das maiores lavouras situam-se na Chã das Furnas,uma das duas  maiores bacias leiteiras da ilha, a do Altiprado, propriedade da família Marquês da Praia, antigo proprietário do solar de São Vicente, e os Motta, seus últimos proprietários.

[246] Testemunho de Paulo Teves, 13 de Fevereiro de 1997.

[247] Testemunho de José Teves, 1986.

[248] Um antigo lavrador disse-me que ia passar temporadas às Furnas.

[249] Testemunho de Luís Martins Gamboa,  Fevereiro de 1997.

[250] Está situada a caminho da Ribeirinha.

[251] Aliam o bloco à madeira e lançam-se na construção civil.

[252] Da família Tavares de Melo. Confinava com o quintal de meus pais.

[253] A cruz, a exemplo de todas as demais por estas ilhas fora, em cima de um muro significa que alguém morreu naquele local.

[254] Os Róis Quaresmais registam alguns fogos na Longaia. 

[255] O lenhador era, socialmente, o calhauzeiro do campo. Muitos  lenhadores aproveitavam a ida ao mato para recolher, junto às margens da ribeira, agrião e erva de galinha. Também vendiam groselhas, aqui conhecidas por camarinhas ou camarotas e amoras.

[256] As lojas, além de serem um local de distracção, são ainda locais onde se acertam contas ou contratam mestres. O canto era o local onde, até ao 25 de Abril, se ia contratar camponeses. Havia um no Rosário, outro no canto dos Foros, entre outros.

[257] Leia  Joseph e Henry Bullar, Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas , Instituto Cultural, Ponta Delgada, 1949, pp. 137-138, e tome contacto com o interior de um moinho em 1838.

[258] Começando pelo moinho do Alfinete, passando pelo dos Couros, continuando no da Praça acabando no da Areia II. O do Guido era mais ou menos. O do Félix e do Correia, por estarem próximos da Mãe d’Água, puderam esacolher  melhor sítio para os cubos, eram bons. Só que estavam arredados da vila. O sr. Oscar de setenta e poucos anos, em pequeno, vinha de lá comprar petróleo para iluminar o moinho. Os nomes dos moinhos, regra geral, seguem o nome do último proprietário, ou rendeiro, ou ainda tomam o nome da rua ou local. No primeiro caso mudam mais do que no segundo.

[259] Todo o terreno adjacente pertenceu à cerca do Mosteiro. Muitas das famílias que moram à volta destas ruas tiveram algo a ver com os moinhos e com a panificação. Aliás, dado à necessidade de permanecer todo o tempo no moinho ou perto dele, os moleiros  moravam nos moinhos ou perto deles. O mesmo se diz dos rendeiros ou dos proprietários que exploravam directamente os moinhos, pois além do mais tinham que controlar e vigiar os seus moleiros.

[260] Foi seu mestre de obras que me falou dele, estando lá registado a data seguinte: «20-05-1962.» Um jornal de Ponta Delgada refere-se-lhe e à inauguração do alargamento da Canada da Palha rebaptizada por rua dos Condes da Ribeira Grande. Também foi conhecida por Canada do Conde.

[261] O António Alberto Moniz.

[262] Em 10 de Maio de 1855, Manuel da Silva Peixoto e António Pacheco Alfinete, da Conceição, pedem à Câmara licença para moerem com os seus moinhos. Data do seu início?

[263] Em forma de prisma quadrangular.

[264] António dos Santos Perira, O Concelho da Ribeira Grande (S.Miguel): Aspectos económicos e sociais no Século XVI , Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, vol. 45, 1987, p. 1130.

[265] E será construído um Parque Desportivo.

[266] Colocaram-nas em finais da década de oitenta e inícios da de noventa para proteger o moinho já que não ficava moleiro no moinho. Nessa altura os moinhos ficam sem moleiro assalariado, e começam a construir garagens, perto ou na casas dos donos, para armazenar os produtos a levar às freguesias.

[267] É uma das sete casas pequenas da vala da Condessa: « Os antigos diziam. Fizeram-nos nos sítios que calhava. Pertenciam a casas boas daqui e dos arredores. As sete primeiras foram as que primeiro foram buscar água à Longaia. 1ª- Pimentel, fez no seu terreno, a água da levada passava pelo seu prédio. A água entra e sai na vala; 2ª- A do Pedro Bicudo da Maia, lembrou-se de fazer um moinho e pegou na água do mesmo modo; 3ª- o do Guido, o mesmo, não se servia com a vala velha; 4ª- o do Alfinete; 5ª- o do sr. Morgado [Estrela Rego], fez o que foi comprado pelo dos couros, na sua quinta, parte dela, é hoje o armazém da Câmara; 6ª- o do sr. Humbertinho que era também do sr. Pimentel; 7ª- João Pascoal.» Testemunho de José Rodrigues.

[268] Era de António Manuel da Silveira Estrela

[269] Os abrigos das quintas são sebes vivas normalmente de incenso ou bâncsia. A laranja foi uma actividade importante sobretudo entre o terceiro quartel do século XVIII e o início da segunda metade do século XIX.

[270] De acordo com a tipologia proposta pelo dr. Bernardo Leite de Ataíde.

[271] Pertence às segundas casas dos moinhos da Condessa. Portanto, a ribeira dos moinhos atravessa a rua em direcção aos moinhos da Praia e Areia. Até à década de sessenta, salvo erro, havia um outro mais abaixo, destruído pelas marés.

[272] Tal como os moinhos, as lojas também acabam por tomar o nome do seu último proprietário. Isto antes do registo oficial do nome da firma. Ainda assim, muitas continuam com o nome popular.

[273] Testemunho de Leonel Melo, 6 de Fevereiro de 1997.

[274] Testemunho de Manuel Ventura , 6 de Fevereiro de 1997.

[275] Testemunho de Paulo Teves,13 de Fevereiro de 1997.

[276] Ainda que os moleiros se queixem, dada a crise da lavoura, «pagam tarde e a más horas.»

[277] Enxerqueiro é todo aquele que mata porcos e vende morcela, chouriço, torresmo, costeleta, ou seja  os produtos derivados. Aquele que enche e faz enchidos. Antes era aquele que picava e secava carne para vender.

[278] Já uma acta de 9 de Fevereiro de 1976 refere que no  «Moinho do Jardim do Paraíso...  poderia admitir-se a possibilidade de instalação futura de um pequeno museu de âmbito concelhio.» Já lá vão 20 anos! 

[279] Testemunho de Zélia Terceira, 28 de Fevereiro de 1997.

[280] Sugere-se a leitura de um dos contos do «Enquanto o Galo Canta» do dr. Manuel Barbosa que trata do moinho do Paraíso, junto à ponte grande.

[281] Novidades: Os marqueses da Ribeira Grande visitaram o Arcano , ‘ O Forum’, nº 11, 1 de Junho de 1867, fl.3

[282] Testemunho de Manuel Cândido, Junho de 1996.

[283] Tal como o Alto das Covas em Angra local onde se guardava milho?

[284] Testemunho de Luís Martins Gamboa, 28 de Fevereiro de 1997.

[285] Constituída até há pouco por elementos carnavalescos.

[286] Curador aqui é a designação que o povo dá aos populares com “dom especial” que curam doenças com mezinhas e orações. Distinguem-se dos que têm pacto com o demónio, pois invocam Deus e seus intercessores. Não sei se significa o mesmo que curandeiro. Quem recolhia muitas destas plantas eram os cabreiros que para aí iam apascentar os rebanhos.

[287] Geotermia- Um passo de gigante ,’Correio dos Açores’, 28 de Abril de 1977, p.4.


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