Agora volto-me para a interrogação
inicial – III
Interrogava-me
se os irmãos João Caetano e José Teodoro Arruda Botelho haviam viajado juntos
para o Brasil. A resposta que agora encontrei é clara: Não, José Teodoro
Botelho já lá estava em 1766. Desde quando? Não sei ao certo, o que sei é que
José Teodoro ainda estava na ilha a 5 de Junho de 1757, data em que foi
padrinho de baptismo de uma sobrinha de Água de Pau.[1]
Portanto, terá saído da ilha entre 5 de Junho de 1757 e 1766. Qual a razão da
sua ida? José Teodoro pode ter feito parte de uma das várias vagas de
incorporações de soldados das Ilhas em direcção ao Brasil. Mas pode ter ido por
outros motivos. Uma consulta ao mesmo Arquivo (2.ª Série), mostra-nos que
alguns foram chamados por pais, tios ou irmãos que já se encontravam no Brasil:
‘(…) Manuel Tavares vem para esta cidade
para passar ao Brasil para seu pai que o mandou chamar e mostrou passaporte
corrente. João da Ponte que vem para ir para o Brasil a ter com seus tios que o
mandaram buscar e mostrou passaporte corrente. (…) António Botelho vem a esta
corte para passar as Minas de Ouro Preto a ter com o seu irmão João de Frias
que o tem mandado chamar e mostrou passaporte corrente. José Vieira vem a esta
corte para passar a Pernambuco de onde veio a dita ilha a certo negócio e
mostrou passaporte corrente. [2] E ia-se após a obtenção de
autorização e mediante a concessão de um passaporte. Em 1759, quem detinha o
poder de conceder a autorização era António Borges Bettencourt, parente de José
Teodoro: ‘(…) Também pus na presença de vossa Excelência
estava passando passaportes aos viajantes justificadas as causas diante do
Provedor da Real fazenda e como este é falecido se fazem as tais justificações
diante do Juiz Contador, ficando me a sentença das tais justificações mas
ignoro se as hei-de remeter ao ministro que vai a bordo examinar os
passaportes. Vossa Excelência determinará o que achar mais acertado.’[3]
José e João nasceram ambos na
Conceição, na Ribeira Grande, sendo José (n. 18.02.1738) dois anos mais velho
do que João (7.08.1740). O pai havia falecido em Abril de 1763.
Pus-me a tentar chegar às
respostas, mas a verdade é que por mais hipóteses ignorava a data da partida, o
tipo e o nome da embarcação que havia levado um dos irmãos ao Brasil. Ou o que
o levara lá. De João Caetano já sei: ‘Por
ordem de Sua Majestade Fidelíssima,’ El-Rei D. José I, foi enviado à Ilha
de São Miguel um ‘navio de três mastros, de grande porão, destinado ao transporte de tropas,
víveres, munições, etc.,’[4]
a ‘charrua’ Nossa Senhora da
Conceição. Sábado, dia 24 de Maio de 1766, chegou à ilha de São Miguel. A Ponta
Delgada. Era dirigida pelo 1.º Piloto e comandante, Capitão Félix de Oliveira. Os
novos fortes construídos ou os velhos fortes reformados do Rio de Janeiro
precisavam de mais tropas. Através do seu Secretário de Estado, Francisco
Xavier de Mendonça, o Rei pedia até ao final do mês de Março do ano de 1766,
200 novos recrutas que fossem voluntários e não obrigados, de ‘homens de melhor estatura, robustez e saúde.’
Ganhariam desde o momento de assentarem praça ‘dezanove mil e duzentos reis para se prepararem, e por conta do soldo
até chegarem ao Rio de Janeiro, e sessenta reis por dia,’ não era ‘necessário que se fardem porque o serão logo
que chegarem ao Rio de Janeiro.’[5] O
navio ‘dando fundo no dito dia e no
seguinte com o tempo rijo que cresceu largou a amarra que perdeu e também a
âncora.’ Esperando que a tempestade acalmasse, só pôde regressar ‘ao porto
no dia 27 de noite.’ Para ‘logo no dia 28
[de Maio] se embarcaram os 200 homens.’
António Borges de Bettencourt,
Sargento-mor e comandante geral da Ilha de São Miguel, é quem ‘relata a partida de 200 soldados recrutados’
em São Miguel ‘para reforçar a guarnição
do Rio de Janeiro.’ João Caetano Botelho era um destes 200. O relato tem
data de 5 de Agosto e foi confirmado legalmente por Joã8o Inácio de
Vasconcelos, ‘tabelião público de notas e
escrivão do judicial nesta cidade de Ponta Delgada por sua Majestade Fidelíssima.’
João Inácio de Vasconcelos casou uma primeira vez na Matriz de Ponta Delgada a
23 de Maio de 1751 com Margarida Inácia Joaquina, filha de Francisco Xavier e
Margarida Rosa; e uma segunda na mesma Matriz a 28 de Janeiro de 1756 com
Catarina Benedicta da Madre de Deus, filha de José da Costa Pavão e Francisca
da Trindade. Era de uma família oriunda de Santo António, na costa Norte da
Ilha.[6]
O poderoso Sargento-mor António
Borges de Bettencourt era provavelmente natural da Ribeira Grande, terra da
mãe, era aparentado a João Caetano Botelho e tinha ligações estreitas ao
Brasil. O pai nascera no Brasil e casou na Matriz da Ribeira Grande. Foi
Capitão, comandante e sargento-mor de Ponta Delgada.[7]
Além do mais, o avô era Francisco de Arruda e Sá, Capitão-mor da Ribeira
Grande, senhor do Solar de São Vicente Ferreira, na Ribeira Grande, e do de
Nossa Senhora dos Prazeres, no Pico da Pedra.
‘Nos
últimos dias de Fevereiro,’ o Sargento-Mor recebera ‘as ordens’ datadas de
11 de Dezembro do Conde da Cunha. D. António Álvares da
Cunha era
vice-Rei do Brasil desde 27 de Junho de 1763. Esta data dirá respeito à sua
chegada ou à sua nomeação? Não sei. Em Janeiro de 1763 o Brasil fora elevado a
‘vice-reino; a capital é transferida de
S. Salvador da Baía para o Rio de Janeiro.’[8] Em
Julho do ano anterior, tropas espanholas comandadas por Pedro de Cevallos
haviam posto cerco à colónia portuguesa do Sacramento, actual Uruguai, que se
rendera em Outubro.[9]
A colónia seria ainda restituída em Fevereiro de 1763. Devemos perceber as
levas de recrutas para o Brasil, integrando-as no plano do vice-rei, aliás
bem-sucedido, de opor-se à conquista pelos espanhóis do Rio Grande do Sul.
Construiu e reformou fortes da cidade do Rio de Janeiro. Fundou em finais do
mês de Dezembro de 1763, o Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro. Outro dado
importante, nos Açores um Decreto de 2 de Agosto de 1766 acabava com as
capitanias e criava um Governo central em Angra.
O Conde da Cunha, sobrinho do
famoso diplomata D. Luís da Cunha, permaneceria como vice-rei até 31 de Agosto
de 1767. Fora ‘Capitão-de-mar-e-guerra
da Armada Real, governador e capitão general de Mazagão
em Marrocos
(1745-1752) e governador de Angola
(1753-1758).’[10] As
ordens não podiam ser mais claras: ‘por
prontas o número de duzentas recrutas para o Rio de Janeiro.’ Mal tomou
conhecimento destas, António Borges de Bettencourt, conforme nos relata, passou
de imediato à acção: ‘logo mandei deitar
bando assim na cidade como nas vilas e pôr editais para quem se quisesse
alistar.’ A situação económica e demográfica na ilha era precária, a
família de João Caetano vivia com bastante aperto, ao contrário de outras
ocasiões, a adesão foi espontânea: ‘foram
concorrendo voluntariamente até se prefazer o número que se maior fora mais
gente havia voluntária, desta escolhi a melhor e todos os rapazes que poucos
excediam a idade de 24 anos.’ João Caetano estava um pouco acima da média,
faria 26 anos em Agosto. Segundo o capitão Félix de Oliveira, todos 200 ‘sãos e sem doença.’ Comprometia-se a ir
directo ao Rio de Janeiro. A rota, perguntei ao Professor Teodoro de Matos,
seria: ‘Quanto à viagem dos Açores ao Rio de Janeiro os Navios
teriam de aproveitar os alíseos de Nordeste, seguindo avistando a Madeira e as
Canárias ate Cabo Verde. A partir daqui faziam por apanhar os ventos de sudeste
inclinando-se para a costa Brasileira, avistando quase sempre o Cabo de Santo
Agostinho e desciam costa abaixo na direcção do Rio de Janeiro, podendo ou não
tocar em S. Salvador da Baia se necessário fosse./Abraço grato e
disponha.’[11]
Mário
Moura
Lugar
das Areias – Rabo de Peixe
[1] BPARPD, Baptismo de Jacinta, 5 de Junho de 1757,
Baptismos, Água de Pau, 1753-1762, L.8, fl.61
[2] Carlos António
da Silva Franco, desembargador, dá informação da visita que fez à galera Nossa
senhora da Piedade e Santo Cristo, vinda da ilha de São Miguel, de que é
capitão José António de Veneza. Inclui os autos de visita, AHU, Açores, caixa
4, n.º 27, 6 folhas, in Arquivo dos Açores, Volume IV, 2.ª Série, Ponta
Delgada, 2007, 6 de Dezembro de 1759, pp. 150, 152.
[3] António Borges
Bettencourt dá notícia da correspondência recebida do Governador de Minas
Gerais e Rio de Janeiro e do seu trânsito para a corte. Refere-se ainda ao
estado das fortificações da Ilha de São Miguel e à passagem de passaportes.
AHU, Açores, caixa 4, n.º 20, 2 folhas, in Arquivo dos Açores, Volume IV, 2.ª
Série, Ponta Delgada, 2007, 14 de Julho de 1759, p. 137.
[4]
https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/charrua
[5] Cópia da ordem da Secretaria de Estado
para a leva de duzentas recrutas para o regimento da guarnição do Rio de
Janeiro, Lisboa, A António Borges de Bettencourt, São Miguel, AHU,
Açores, caixa 6, n.º 7, 5 folhas, in Arquivo dos Açores, Volume V, 2.ª Série,
Ponta Delgada, 2012, 11 de Dezembro de 1765, 30-31.
[6]Rodrigo
Rodrigues, Genealogias de São Miguel e Santa Maria
[7] Idem
[8] António Simões
Rodrigues (coordenador), História de
Portugal em datas, Círculo de Leitores, 1994, p. 171
[9] Idem
[11] Teodoro de Matos
a Mário Moura, 30 de Janeiro de 2022.
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