Há
baleia, golfinhos, furnas, ondas!
O
Norte também é!
(Porto de Santa Iria – XVI)
‘Saem
à costa desta ilha, algumas vezes, baleias, mais da banda do norte que do sul,
principalmente na costa do lugar de Rabo de Peixe, onde se acham muitas favas
do mar, que dizem ser-lhe agradável ou natural manjar. E, posto que muitas
saíssem somente se aproveita o azeite delas, sem nunca se achar ambre (sic).’
Frutuoso, Gaspar,
Saudades da Terra Livro IV, ICPDL
Indaguei
junto de empresários das áreas de turismo e dos desportos náuticos, se um porto
de Santa Iria reabilitado interessaria à tão propalada nova economia do mar. Apesar de ainda pairar o ‘fantasma do
mar da costa norte da Ilha,’ recolhi respostas encorajadoras. Ei-las: mediante
certas condições, asseguraram-me, haverá interesse. Porquê? É complementar o
que se oferece a Sul com o potencial do Norte. O Norte sempre foi terra de
avistamento de cetáceos. A costa norte é mais interessante do que a do sul. A que
condições aludiam? Como achavam que se pudesse melhorar a oferta daquele
porto?
Resposta: Sem envolver grandes investimentos adicionais aos que se
pretendem agora para estancar a ruína daquele porto e tornar seguras as arribas
que ladeiam o acesso ao porto, concilie-se a zona balnear com uma área de actividades
náuticas. O quê em concreto? Uma rampa de varagem adequada aos serviços de
diversos desportos e um cais de acostagem para empresas de turismo náutico. E
uma marina? Uns: já temos marinas que cheguem na ilha. Outros: mas não temos na
costa Norte. Acrescentando estes últimos: Não te esqueças que antes da marina
de Ponta Delgada se dizia para quê construir uma aqui se já há uma na Horta.
Pois é, na Ilha só existe Ponta Delgada e a costa Sul. Remataram outros. Com
narina ou apenas com um bom varadouro e cais acostável, seria para quê?
Adiantaram-me, no caso de alguns conhecidos surfistas, ‘ir à onda das Prainhas.’ Ou alguns das quatro pequenas empresas que
fazem percursos junto à costa: ver as furnas da costa (a do Calhau do Cabo, uma enorme cavidade, a da Pataca, a da Sanita, a
do Sol). Sem bairrismos, disseram-me, a costa mais bonita de toda a ilha, vai
das Capelas ao Fenais da Ajuda. No barco, passando pela ponta do Cintrão, a
caminho do porto de Rabo de Peixe, respondeu-me, claro, o mar é tanto salgado a
Norte como a Sul. Desligamos. Espera aí, então, se as primeiras campanhas e
fábricas da baleia foram aqui no Norte, eureka, aqui há baleia!! Onde,
telefonei de novo ao Alexandre: mais para fora. Então porque não há empresas
aqui a fazer observação de golfinhos e de baleias? Sem mencionar nomes, diz-me
que houve quem aqui apresentasse um projecto nesse sentido mas que a resposta
fora algo no género: já há empresas suficientes na Ilha. Leia-se: no Sul. Não
acredito! É bem verdade.
Recentemente,
a propósito da ‘Feira Mar com Vida! um evento organizado pela Câmara Municipal
da Ribera,’ chegou-nos uma boa notícia. Juntou ‘associações, empresas e diversos profissionais para promover os
produtos piscícolas locais e os produtos turísticos ligados ao mar existentes
no concelho.’ Neste encontro, segundo nos informa o jornal, ‘foram apresentados vários projectos de
empresas e entidades públicas para a
promoção de iniciativas ligadas à economia do mar na Ribeira Grande.’[1]
Fui rever leituras e vi: acabada a pesca da
baleia, a primeira empresa de observação de cetáceos apareceu nas Lajes do
Pico. Em 1987, ‘Serge Viallelle,
navegador francês, fez escala nos Açores e rapidamente se apaixonou pelas ilhas
onde conheceu Alexandra Teles. Em 1989, ambos constituíram a empresa Espaço
Talassa, que se dedicava inicialmente ao aluguer do seu iate para viagens pelas
ilhas do arquipélago.’ Entretanto, abra-se
um parêntesis, em 1987, numa altura em que a caça comercial estava proibida
pela Comissão Baleeira Internacional, foi apanhado no Pico o último cachalote. Daí a ideia da observação de cetáceos: ‘durante um encontro com o antigo baleeiro
João Vigia, Serge Viallelle teve a ideia de ir observar os cachalotes no seu
habitat natural. Assim, em 1991, o
Espaço Talassa abriu a sua base para a observação de cetáceos nas Lajes do
Pico. Foi o primeiro projecto do género no arquipélago dos Açores. A partir
daí, foram surgindo mais empresas dedicadas à observação de cetáceos, primeiro na Ilha do Faial, e mais tarde em
São Miguel. Hoje encontramo-las em quase todas as Ilhas. Actualmente, é
possível, além da observação de cetáceos, mergulhar com golfinhos e, mais
recentemente, com tubarões.’[2]
Em S. Miguel, em 1994, três anos
depois das Lajes do Pico, a empresa Futurismo iniciou ‘os passeios de
observação de baleias e golfinhos, na altura, apenas na costa norte da ilha de
São Miguel.’[3]
Repare-se como evolui e como: ‘Em 1999, o
Governo Regional dos Açores apoiou projetos turísticos e começámos a receber
muitos viajantes de diversos países. Conseguimos fazer novas aquisições e
alargar a nossa atividade para o sul da ilha de São Miguel e chegar a outra
ilha - o Pico. Assim, em 2004, conseguimos criar diferentes tipos de passeios
turísticos em terra, para compensar os momentos em que não podíamos ir ver
baleias e golfinhos devido às más condições do mar. Entre passeios de jipe, caminhadas, passeios de carrinha,
e mais tarde, passeios de
bicicleta, ficámos e continuamos muito
felizes em mostrar as maravilhosas paisagens das nossas ilhas a todos os
viajantes.’[4]
Ou seja, começou no norte. E para não ficar dependente do estado do mar (tanto
a sul como a norte), diversificou a oferta.
A Picos de Aventura, criada depois em Ponta Delgada, é de 2003. Segundo
a sua página web, ‘é uma empresa de Animação Turística que lhe permite
desfrutar do que os Açores têm de melhor para oferecer. As suas actividades,
quer em mar quer em terra, permitem-lhe conhecer os recantos da ilha de São
Miguel, envolvendo-o numa interacção constante com a natureza, e tudo o que
esta representa, bem como a cultura e gastronomia locais.’[5]
Também diversifica e beneficia dos apoios do Governo Regional desfrutando das
infraestruturas por ele criadas em Ponta Delgada. Vejamos um caso em Vila
Franca do Campo: Azores
Whale Watching TERRA AZUL. Aparece em
2001 e está sediada na marina de Vila Franca do Campo. A construção das marinas de Vila Franca e de Ponta Delgada (com
áreas de apoio) levou à criação destas empresas e de outras iniciativas:
restaurantes, hotéis, casas de apetrechos, de mergulho, etc..
Qual
é a minha opinião? Não sou nem empresário nem arquitecto, apenas alguém que
pratica a História e gosta da sua Ilha, da sua Cidade e dos Açores. Com essa
advertência aqui vai ela: Qualquer intervenção que pretenda dar nova vida ao
porto de Santa Iria, tem de partir de alguns pressupostos básicos. Antes de
mais, como declarou Artur Martins duas décadas depois da elevação da Vila a
Cidade o Presidente que conduziu com prudência a Vila da Ribeira Grande a
Cidade: ‘As cidades não se fazem em
décadas, levam séculos.’[6]Ou
como dizia o saudoso Padre Edmundo Pacheco, as cidades não nascem cidades,
fazem-se cidades. Com bastante carga irónica, vai ao mesmo o que disse o Daniel
e escreveu o Onésimo: ‘a Ribeira Grande
foi promovida a cidade, falta agora promover a ribeira a rio.’[7]
Goste-se
ou não, a Ribeirinha é tão Cidade da Ribeira Grande como o são a Matriz, a
Conceição, Santa Bárbara e Ribeira Seca. Deriva deste pressuposto que a orla
marítima da cidade da Ribeira Grande, da qual a Ribeirinha é a porta de entrada
Nascente, começa no Porto de Santa Iria e termina no Areal de Santa Bárbara.
Segue-se uma constatação elementar: tudo o que aí se faça tem de ser feito a
pensar na Cidade da Ribeira Grande. Aliás, no género do que se pretende fazer
com o Passeio Atlântico, que, a meu ver, deveria ir do porto de Rabo de Peixe
ao Porto de Santa Iria. Ou, vem a talhe de foice, o que já se fez com a
variante a Sul. Ou o que se deverá fazer com as três ribeiras no interior da
cidade. Ou o Parque Urbano que a Cidade deve ter. Para o caso do Porto de Santa
Iria, além da História daquele porto é elementar estudar as razões do
retumbante sucesso social, económico e cultural da intervenção no Areal de
Santa (muito se deve ao activismo de um ‘surfista
local,’ que contra ventos e marés, defendeu aquele areal), porta de entrada
Poente da Cidade, que transformou um Inferno do Garimpo e um bairro ostracizado
em Meca de eventos nacionais e internacionais de surf e escola de desportos
náuticos. Ou o caso do sucesso das Poças (a ilha conhece-as por piscinas), no
centro da Cidade, que foi transformando uma chaga social na atracção actual. Em
ambos os casos, o sucesso deveu-se a três princípios simples: definição da
vocação, ocupação do local ao longo do ano e a facultação de alguns apoios. E,
‘puxo a brasa à minha sardinha,’
motivo de visita, um centro de interpretação, como idealizei na década de
noventa no meu projecto de Museu de Comunidade da Ribeira Grande: ‘8.11 - O porto de Santa Iria, o dos
Carneiros e a proeminência de Ponta Delgada; 8.1.2 – Os portos de pesca da
costa norte e os transportes.’ [8]
Eis chegada a altura
de recorrer à minha costela de Museologia e de Património. Impõe-se desde já
uma acção de salvaguarda e de divulgação de Santa Iria. Assim, à luz dos dados
históricos que aqui fui partilhando, dever-se-ia pedir a classificação
patrimonial do porto Santa Iria. Temos a considerar duas opções: Interesse
Municipal ou Regional. Se me pedissem opinião, sugeria tentar o Regional.
Porquê? Santa Iria é tão Região Açores como a Calheta do Nesquim, no Pico, o
Porto Pim, na Horta, o porto da Casa, no Corvo, a Baía dos Anjos, em Santa
Maria. [9]
Um investimento de sucesso no
Porto de Santa Iria, tem de copiar os bons exemplos das Poças e de Santa
Bárbara.
A propósito desta visão para a cidade da
Ribeira Grande, poderei eventualmente ter acrescentado um ou outro detalhe,
todavia, pouco ou nada do que disse é original, releiam o que escreveram a este
respeito Jorge Gamboa de Vasconcelos, Manuel Barbosa, D. Lopo de Sousa
Coutinho, o Conde de Caminha, Ezequiel Moreira da Silva, Júnior, Armindo
Moreira da Silva, Padre Edmundo Pacheco. Ou o que têm tentado fazer autarcas
locais. Um exemplo, não foi nada fácil convencer as autoridades marítimas a
permitirem a exploração do areal de Santa Bárbara. Durante anos a recusa
rezava: o mar dali é perigoso e impróprio. Ou o que fizeram deputados regionais
(oriundos da Ribeira Grande) para convencer os responsáveis para a necessidade
do porto actual de Rabo de Peixe. Navegavam na mesma onda: fazer um porto ali é
atirar dinheiro à água. Quer o porto de Rabo de Peixe quer a praia de Santa
Bárbara só foram possíveis graças a uma decisão política corajosa. Espera-se
que outros sigam as pisadas e tomem outra decisão política corajosa. Assim
sendo, teremos um porto de Santa Iria a colaborar na nova economia do mar.
PS: A caminho da escola do meu Daniel,
cruzei-me com um surfista a dirigir-se às ondas do sul. Lembrei-me de que em
1940’s os baleeiros fizeram isso. Lembrei-me também que os pescadores o faziam.
E pensei: por que razão não fazem o mesmo as empresas de observação de
cetáceos? A rádio debitava propostas (sem adiantar quais) de ‘aprofundamento da Autonomia.’ Apesar de
ser assunto tratado em circuito fechado, sei o suficiente para saber que o
grosso paira à volta de arrancar mais poderes ao Terreiro do Paço e de mandar o
Ministro da República para lá das Berlengas. Sem deixar de olhar para tão
longe, ouso propor que se olhe mais para perto de nós: não seria um bom
contributo para se aprofundar a autonomia se víssemos o potencial do norte e do
sul da ilha? Se olhássemos para Santa Iria?
Mário Moura
Lugar das Areias – Rabo de Peixe
[1]
Faustino, Paulo, Ribeira
Grande lança projecto para atrair nómadas digitais, Açoriano Oriental,
Ponta Delgada, 7 de Novembro de 2021, p. 3.
[2] Cymbron, Albano e Márcia Dutra, As baleias nos Açores, da caça ao turismo, Horta-Faial, 2013, p. 84.
[3]
https://www.futurismo.pt/pt-pt/nossa-historia/
[4] https://www.futurismo.pt/pt-pt/nossa-historia/
[5] https://www.tripadvisor.pt/Attraction_Review-g189135-d3179562-Reviews-Picos_de_Aventura-Ponta_Delgada_Sao_Miguel_Azores.html
[6] Entrevista de Nelson Tavares a Artur
Martins, Revista: Ribeira Grande, Junho de 2003, p. 7.
[7] Almeida, Onésimo
Teotónio de, Onde houver um jornal
português, haverá dois, in Estrela Oriental, Ribeira Grande, III Série, N.º
1, Junho de 2001, p. 2; Almeida, Onésimo, O
palco do meu exame, Ribeira Grande Municipal, Edição Especial dos 25 Anos
de Cidade, Revista da Câmara Municipal da Ribeira Grande, N. º 3, Junho de
2006, p. 53.
[8] Moura, Mário, Museu da Ribeira Grande, 2000, p. 32.
[9]
Na Lei 107/2001 deve ver os artigos 15º, 17º, 24º, 25º e 94º
(para construir o processo e justificar a classificação do bem); Deve articular
esta lei geral com o DLR de 2015.
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