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Santa Iria - VI

Um porto na Ribeira Grande em apoio ao de Ponta Delgada

(Porto de Santa Iria – VI)

 

Para ‘fazer falar’ de forma que se oiça com clareza as peças desenhadas do existente e do projectado para o porto de Santo Iria, há que confrontar a sua informação com alguma da que já usamos no decorrer desta narrativa. Em 1854, quatro anos após o lançamento da primeira pedra do novo cais do Porto de Santa Iria, o capitão de engenharia João Luís Lopes, primeiro Director das Obras Públicas Distritais, foi ‘incumbido de traçar projecto e orçamento da conclusão ou aperfeiçoamento das obras encetadas.’[1] Pretendia-se aumentar a capacidade daquele porto, de modo a receber vapores.

Em Abril de 1855, o Governador Félix pede ‘oficialmente’ ao ‘engenheiro militar’ ‘Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do (…) Districto, João Luiz Lopes,’ que avaliasse as potencialidades das baías de Capelas e de Santa Iria. A 30 de Novembro daquele mesmo ano de 1855, João Luís Lopes tem o relatório pronto.[2]

Em Dezembro, a Câmara da Ribeira Grande, toma nota destes trabalhos: ‘Constando à Câmara que a Junta Geral deste Districto existe um Mapa ou plano da Construcção de uma Doca no Porto de Santa Iria com seu competente orçamento de Despeza, feito pelo Engenheiro José Luiz Lopez Director d’Obras Públicas n’este Districto (...).[3] Esta mesma Câmara patrocina a edição parcial deste relatório que sai em 1856.[4] Porém, o ‘Mapa ou plano da Construcção de uma Doca no Porto de Santa Iria,’ não consta deste opúsculo. Encontrámo-lo numa capilha existente no Arquivo das Obras Públicas.

O que vimos lá? Dentro de uma capilha, vimos duas peças desenhadas sem data nem assinatura do autor. Contudo, há um texto manuscrito na capilha que as identifica como sendo o ‘Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria 1855 por João Luís Lopes, Direcção das Obras Públicas, Districto de Ponta Delgada. Como são estas duas peças? Na primeira, que levanta o existente, a legenda esclarece: ‘Esboço a Planta do Porto de Santa Iria e estrada da Ribeirinha para o Porto no seu estado actual com as letras de referência à legenda explicativa – Ilha de S. Miguel;’ na segunda, que é a proposta do autor, a legenda diz: ‘Esboço da Planta do Porto de Santa Iria com o Projecto para melhoramento do dito Porto e estrada adjacente com as letras de referência à Legenda explicativa.[5] Nesta segunda peça desenhada, o autor produz três perfis (cortes).

Fui de novo junto do meu colega arquitecto. Usando a chave das legendas e da Memória Descritiva, trabalho minucioso e bem feito, é raro hoje encontrar-se com tal qualidade, fomos de novo ler as duas peças desenhadas. O que ficamos a saber? Comparando a planta da obra proposta por Lopes e o que vemos hoje, vemos que, afinal, além de um cais/rampa de varagem a Norte (que não constava do projecto) e de umas obras na estrada de acesso, as de reconstrução de umas arcadas, nada mais se terá feito. O projecto proposto por Lopes, que ele preferiria ter feito, veja-se bem, com uma passagem junto ao flanco sul que daria acesso a um paredão longitudinal e um molhe de embarque feito com a junção do ilhéu, não foi executado: ‘(…) construção de um molhe de abrigo, e de um embarcadouro sobre as duas restingas denominadas Rochedo Preto, e baixa de fora; e como a escarpa da elevada montanha, que fica à direita e do lado de leste, pode com facilidade fornecer a pedra e os aterros para um paredão longitudinal, que ligue o dito molhe com a calçada do Porto, por isso projectámos o dito paredão sobre o qual correrá o pavimento da estrada até ao encoradouro.’[6]

Quis a opinião do colega arquitecto. Foi isso que se passou? Sim, é o que aponta a leitura destas duas plantas e as legendas.

 

[Colocar aqui as duas Plantas]

 

Como prova, vejamos o que se escreveu no jornal A União, da Ribeira Grande. Em 1860 José Maria da Câmara Vasconcelos, proprietário e editor do jornal, era bastante preciso acerca do que fora ou não feito em Santa Iria: ‘É certo que o Sr. João Luís Lopes construiu ali algumas obras na estrada, e um cais, o que tudo foi ultimado no tempo do sr. Tomás de Aquino; mas aquele senhor tendo à sua disposição 14 contos de reis para as obras do Porto, e esta verba é que quiséramos ver ali bem aproveitada, gastou grande parte em trabalhos inúteis, por um plano que depois desprezou, e de que nem vestígios restam (…).’ Também se percebe que a planta do existente levantada a que nos referimos, ilustra uma campanha de obras anterior: ‘conforme haviam sido talhadas antigamente pelo Sr. Montano, e começadas por uma comissão; nestes mesmos trabalhos houveram desperdícios porque alguns foram feitos às duas e às três vezes. O cais está feito; mas as suas escadas de serviço marítimo necessitam mudadas para se prestarem a esse mesmo serviço; ou, o que será mais fácil, mas nunca equivalente, limpada a bacia junto a elas; (…) e ali está o porto há meses em marasmo.’[7] A explicação que Lopes dá no folheto publicado pela Câmara da Ribeira Grande em 1856, não convenceu o jornal A União, da Ribeira Grande. Lopes há muito que faleceu, mas deixou-nos a sua versão dos factos. Ele teria preferido executar o plano que traçara, mas teria sido forçado a construir um novo cais e a remendar uns estragos. Assim, Lopes seria antes (parcialmente) o bode expiatório da má decisão tomada pelo Governador e pelos responsáveis da Ribeira Grande.[8] Não sabemos o valor real da verba votada para as obras nem o custo das executadas nem sequer se foram todos empregues naquele porto, o que se tem por certo é que o Porto de Santa Iria projectado por Lopes (insistimos, que ele teria desejado executar) não foi o que acabou por ser construído, terá sido um remendo às obras do Sr. Montano e da comissão de ilustres cavalheiros da Ribeira Grande. Perante o que, não deixo de pensar no porto que teríamos se as obras tivessem sido executadas. Não estaríamos, por certo, hoje a discutir o que fazer ao estado de degradação actual.

Mário Moura

Lugar das Areias – Rabo de Peixe

 



[1] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 699, Cf. A Persuasão, Ponta delgada, 9 de Outubro de 1901

[2] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, p. 10.

[3] AMRG, Acta de Vereação de 6 de Dezembro de1855.

[4] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856. As peças desenhadas não constam do exemplar existente na Biblioteca. Será que não foram incluídas na brochura?

[5] Arquivo CID, Secretaria Regional das Obras Públicas e Comunicações, Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria 1855 por João Luís Lopes, Direcção das Obras Públicas, Districto de Ponta Delgada, 439 C-43

[6] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, pp. 7, 9.

 

[7] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 702, Cf. A União, Ribeira Grande, 1860.

[8] Lopes, Ob. Cit, 1856, p. 9.

 

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