Resgate da ribeira Seca – XIV
Tal como a ribeira Grande, a ribeira Seca desagua
no areal do Monte Verde.[1]
Distingue-se (porém) daquela outra, por ser mais pequena, não ter caudal
permanente (por isso não lhe fazem análises à qualidade das suas águas) e por pertencer
a uma (espécie de) sub-bacia hidrográfica da bacia hidrográfica da Ribeira
Grande.[2]
E por ter ainda (alguma) vida própria. Uma semana antes e duas depois da cheia
de três de Junho último que inundou o centro da Cidade, a ribeira Seca inundou
o Monte Verde com milhares de canas, toneladas de pedra-pomes, plásticos, lama e
o que só o laboratório poderá identificar. Enquanto isso, a ribeira Grande corria
mansa.[3]
Apesar das diferenças, ambas são vítimas de descargas ilegais provenientes de
meia dúzia de agro-industriais e de um número assinalável de efluentes
domésticos. Não custa (assim) perceber que, sem o seu resgate (mais o da vala dos
moinhos da Condessa) não haverá resgate ambiental possível do Areal do Monte
Verde. Nem se obterá qualquer melhoria (sensível) na qualidade de vida dos
residentes da Cidade da Ribeira Grande. Foi (como tem sido uso) na sua foz que
se realizou (de 8 a 10 de Agosto de 2024) a 10ª edição do Festival do Monte Verde. Não fora uma nova contaminação, e em Junho
aquela praia teria sido palco de mais uma etapa do Nacional de Surf.
Terá
sido a ribeira Seca sempre (assim tão) seca? [4]
Frutuoso que chegou à Ribeira Grande em 1565 e começou a trabalhar na escrita
de as Saudades da Terra (ao que dizem
os especialistas) duas décadas depois, apresenta duas versões (que apesar de aparentarem
diferenças, não se excluem). Numa diz que só tem água ‘de enchente no Inverno.’ Noutra que ‘por não chegar a
água que por ela desce abaixo ao mar e secar de todo no Verão, ainda que
algumas vezes traga enchente no Inverno.’ Acho que se pode concluir que apesar de nem
sempre chegar água à foz e a ribeira secar no verão, a segunda versão prova a
existência de água naquela ribeira além da que chega nas enchentes de Inverno. Essa
é a única maneira de se entender que em tempos tenha havido
um moinho de água naquela ribeira. E é (também) Frutuoso quem o diz. Tendo os moradores
da Vila da Ribeira Grande sido forçados a abandonar as suas casas por causa da peste de 1526/7,
‘os que se acolheram para a banda do
poente fizeram [um moinho] na Ribeira
Seca.’ Ora, para que um moinho de água funcione, necessita de dispor de água
na medida certa: nem torrencial, que arruinaria os seus mecanismos, nem uma
pinguinha, que não faria andar as suas mós.[5]
Certo?[6]
Com
a crise de 1563/4, a geografia da ribeira Seca (e a da ribeira Grande) sofreu consideráveis
alterações.[7]
Vejamos: ‘correram por ambas estas
ribeiras [Seca e Grande] muitas
pedras e areia que tomaram por grande espaço posse do mar e o afastaram da vila
(…).’ Resulta daí que ‘(…) se fez um
areal tão comprido que, começando da dita vila, vai passando pela Ribeira Seca (…)
até se acabar no Morro (…).’ Foram
as nascentes alteradas com a catástrofe? ‘(…) Com o terramoto (…) abriram comissuras e veias de pedra hume e enxofre,
que infeccionaram e corromperam a dita água, que agora é grossa e cheira a lodo
(…).’ Terá a mesma alterado o trajecto
da ribeira?[8] ‘Começou (…) a correr (…) uma ribeira de
fogo pela Ribeira Seca[9]
abaixo até chegar ao mar (…) fazendo grande estrondo quando entrou no
mar, onde fez um grande cais ou ilhéu de penedia, ficando, ali, e por toda a ribeira acima um bravo biscoutal (…).’[10] Não
teriam (por isso) as agora ruas dos Lagos e do Biscoito (no enfiamento actual do
percurso daquela ribeira) sido outrora parte do curso pré 1563/64 da ribeira?[11]
Apesar da profunda destruição de
1563/4, em 1576, uns meros treze
anos depois, a ermida de São Pedro que havia sido – diz
Frutuoso -, totalmente arrasada, foi feita paróquia independente da paróquia a
que até então pertencera: Nossa Senhora da Estrela.[12]
Um século após essa elevação, em 1667 sobreveio uma nova cheia. Poderosa,
causou pesados danos ao coração da Vila e ao seu termo da Ribeira Seca.[13]
O Vigário da paroquial igreja de São Pedro (da Ribeira Seca) João de Sousa
Freire é quem fez a crónica do acontecimento (ao pormenor).[14]
Vou (por ser inédito) alongar-me (um nadinha) nas transcrições: ‘Em os nove dias do mês de Setembro de 1667 às 9 horas [da manhã,
di-lo mais à frente] do dia sucedeu
chover nesta Ilha, e principalmente nesta Ribeira Grande e Seca por espaço de
duas horas para três horas com tempestade do Norte, e daí correndo a outros
ventos em o dito espaço, pouco mais ou menos tanta quantidade de água que fez a
cheia maior das duas ribeiras (…).[15]
De sorte que as duas ribeira Grande e Seca encheram de tal sorte as
concavidades de seu costumado curso e caminho, que vencendo as muralhas das
alcantiladas rochas, que prendiam a furiosa corrente de suas águas para não
serem nocivas, redundaram de tal maneira que alagaram muitas ruas de casas, que
se lhes avizinhavam mais (que um mau vizinho nunca foi de utilidade) foi tanto
o dano que padeceram os vizinhos destas sobreditas ribeiras, que não só se
perderam muitas casas, umas quase totalmente levaram ao mar com a fúria e
abundância de sua corrente como foram nesta freguesia quatro, em uma das quais
pereceram o pai e mãe com quatro filhos que todos foram ao mar e se acharam na
praia mortos excepto o pai que nem
vivo nem morto até hoje apareceu (…).’[16] Será
que o curso da ribeira mudou (pouco ou muito)? E as nascentes? Em 1848: ‘Estragos causados por chuvas torrenciais no
concelho da Ribeira Grande. Na Ribeira Seca desabaram pontes, ficaram
arruinadas quintas, muitas casas e quintais.’[17]
Em 1919, a tremenda cheia de 9 de Agosto que provocou danos imensos na
Vila, ainda que em menor escala, fez alguns estragos na Ribeira Seca, onde ‘(…) foram destruídos muitos terrenos e quintas,
situadas nas margens da ribeira e desmoronadas três casas. A água destruiu em
grande parte a ponte da canada Nova, arrebatando os lavadouros públicos que
junta dela existiam, bem como as escadas que davam para a ribeira. Os
parapeitos da ponte que fica junto da casa do Sr. Gabriel da Silva Melo, foram
também derrubados.’[18] Fiquemos
(por ora) por aqui.
Assim, quem vir hoje a ribeira Seca, assim tão seca, andará bem longe de imaginar o mal que tem causado (e poderá vir de futuro a causar, caso não se ponha cobro a gravíssimos problemas ambientais). Em 1997, a água dos poços geotérmicos até então simplesmente despejada (sem mais contemplações) na ribeira da Cruz (daí chegando à ribeira Seca) e desaguando no Monte Verde, segundo fonte oficial da empresa, passa a ser reinjectada.[19] Menos um problema. Logo outro se seguiu. Em 1998, nova cheia. Com efeitos graves para a Ribeira Seca (que era já parte da Cidade desde 1981): ‘onde uma ponte demasiado baixa em conjunto com dezenas de troncos de árvores acabou por formar uma autêntica barragem.’ ‘O nível das águas subiu dois metros destruindo o rés-do-chão de dezenas habitações e elevados danos materiais (…).’[20] Em 2004, mais outra (e como sempre tanto na ribeira Seca como na Grande): ‘(…) Três casas da freguesia da Ribeira Seca, foram afectadas pela ribeira, que transbordou e, na rua da Ribeira, Matriz, quatro casas ficaram inundadas. Também a zona envolvente à Câmara Municipal (…) ficou inundada (…).’[21] Em 2013, ‘(…) inundação de 15 habitações.’[22] Segundo o jornal Açoriano Oriental, ‘o caudal da Ribeira do Vilão assumiu proporções dantescas, ampliadas pela quantidade de entulho e troncos de madeira que ficaram presos na guarda da ponte da Rua do Mourato, formando um autêntico dique. A situação só foi resolvida com a destruição das guardas pelos moradores e bombeiros.’[23] José Gabriel, antigo comandante dos Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande, ‘não poupou criticas à falta de limpeza da ribeira,’ declarando haver denunciado ‘o caso às várias autoridades, desde a Junta de Freguesia até ao Governo Regional, mas que nunca obteve uma resposta satisfatória.’ Segundo o jornal Diário dos Açores, o Director Regional do Ambiente [o PS governava a Região – claramente para serenar os ânimos] já dera ‘instruções para avançar de imediato o processo de construção de uma bacia de retenção.’ A reunião do dia 5 de Março da vereação da Ribeira Grande foi rica e agitada. Rui Maré, vereador da minoria eleito pelo PSD, natural da Ribeira Seca, quis saber quem deveria ‘assumir a responsabilidade da limpeza das ribeiras?’ Fernando Sousa, vereador da maioria PS, sendo engenheiro agrónomo de profissão, esclareceu os colegas: ‘a responsabilidade [é] dos municípios [nas] linhas de água em aglomerados urbanos, num perímetro que julga (…) ser de 50 metros.’ Quanto a ele, porém, ‘o verdadeiro [e mais] importante cuidado reside a montante das ribeiras, ou seja, a limpeza de todos os materiais que possam ser arrastados pela água, tornando um fluxo de lama e restos de madeiras (por exemplo), que devido à sua fluidez atingem velocidades e uma força demolidora, impossível de controlar a jusante.’ Portanto, responsabilidade da Região. Filomeno Gouveia, outro vereador da minoria PSD, que fora vice-Presidente na anterior vereação PSD, afirmou que vinha alertando ‘depois das cheias que houve em 1998’ para ‘a necessidade de se executar um poço absorvente na zona da Mãe de Deus, cuja obra [repare-se] ficara de ser feita pelo Governo Regional [do PS que agora se apressava a anunciar a sua realização].’ ‘Disse ainda que, há anos atrás, havia um programa sazonal, de Outubro a Março, com uma equipa de 150 trabalhadores rurais que, em coordenação com as juntas de freguesia, faziam a limpeza de taludes e dos leitos das ribeiras, e que se deveria continuar com programas deste género.’ Isso na área da responsabilidade dos municípios. Apesar da falta civismo de madeireiros e de lavradores, como corria e corre, ainda assim fora possível ‘evitar males maiores.’[24] Coisa rara, foi a decisão final unânime tomada pela vereação (PS e PSD). Decidiram solicitar medidas ao Governo Regional. Quais? ‘promover a execução do poço absorvente na zona da Mãe de Deus e criar a montante das Scut´s condições para evitar cheias; fiscalização mais assídua e rigorosa a montante das ribeiras, sobre os trabalhos de limpeza e de desobstrução que possam criar obstáculos ao escoamento normal dos cursos de água; criação de um Gabinete vocacionado para resolver, no imediato, todos os problemas relacionados com este tipo de estragos.’ O que foi feito? Para além do habitual teatro político, pouco ou nada. Por que será que se tarda em atacar a origem do problema? A primeira dificuldade reside no facto de os potenciais parceiros na solução dos problemas em vez de dialogarem estão de costas voltadas e daí ‘vão empurrando a responsabilidade para cima uns dos outros.’[25] O que facilita abusos. E a não resolução do problema. Que conheça, não há prova, não há condenação, mas há muito fumo, pelo que haverá fogo. Como compreender que se tenha autorizasse (e que essa se mantenha apesar das consequências) a instalação de explorações agro-pecuárias em locais sensíveis junto (ou próximo) às linhas de água das ribeiras Grande e Seca (e suas bacias), sem que tenha havido negligência ou dolo público? Há medo. Muito. De atacar interesses instalados. Cheira a cumplicidade entre privados e entidades públicas. Trocas (e baldrocas) eleitorais.[26] Para não falar de incompetência (deliberada ou não). E a continuação de descargas ilegais de moradias? Um pouco pelas mesmas razões. Hoje a questão vai muito para além de se manter a ribeira livre de obstáculos físicos, vai à própria qualidade da água (das ribeiras e levadas) que condiciona a qualidade da água balnear (e da água da torneira). Para orientar as decisões a tomar, são necessárias análises regulares, partilhando os seus resultados com o público e a comunidade científica:[27] ‘Os cidadãos devem estar informados dia-a-dia, hora-a-hora, segundo a associação ‘Zero.’ E de capital importância: ‘Essa informação deve estar disponibilizada no Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos.’[28] Sucede que, tais dados há mais de um ano não estavam disponíveis. Acusaram os ambientalistas Zero.[29] Denúncia feita e resposta rápida das entidades, já lá estão.[30] Nem levou dois dias, se calhar. Agora, sem pôr de lado as análises, há que dar o passo seguinte. Qual? Com menos engenharia e mais ordenamento do território (a montante e a jusante), pois as ‘alterações climáticas não se combatem com obras de engenharia, mas com ordenamento do território e plantação de árvores.’[31] É o que propõe (e eu aplaudo) Teófilo de Braga. Nada disso (porém) produzirá resultados, se não houver vontade de resolver a questão. Vontade (e entendimento) de quem? Dos directamente interessados: em primeiro lugar, da martirizada população residente, depois, das indústrias, incluindo a turística, da produção, das entidades públicas (Autarquias, Governo Regional) e das associações ambientais.[32] As cheias (apesar de tudo) irão continuar. Controladas são (como sempre foram) uma fonte de riqueza. É a história que o diz. Mas os seus efeitos poderão (como devem) ser atenuados. O que irá desaparecer (ou diminuir) é a contaminação orgânica e química das águas. Antes que seja tarde. A terminar. A foz da ribeira Seca irá ter (se for para a frente) um tratamento especial (zona ajardinada) dentro do Plano destinado em exclusivo ao Monte Verde (Unidade de Execução do Monte Verde). E a montante? Por que não ir da foz à ponte do Mourato? E da ponte da rua do Balcão à ponte da Grota? Por que não pedir ideias a um arquitecto. A Câmara já o fez em Julho de 2021, para ‘a requalificação da ribeira que atravessa a cidade (…).[33]A ribeira Seca, mesmo comparando-a com a ribeira da Ribeirinha (que já tem o lindo troço da avenida), é das três ribeiras da cidade da Ribeira Grande, a mais atrasada (urbanisticamente).
Pedra da água mole em pedra dura tanto bate até que fura - (Cidade da
Ribeira Grande) (continua)
[1] A primeira na Matriz, a segunda, na Conceição. Aliás,
pouco depois da ponte sobre a Avenida das Cavalhadas, a ribeira curva para a
Conceição. Só é ribeira Seca a partir da Grota da Mãe de Deus, onde entra a
ribeira do Vilão. Nas imediações do Parque industrial, já se haviam juntado as
ribeiras do Espigão, da Cruz e do Tio Pedro.
[2] Não sei se os especialistas concordarão com esta minha definição.
[3] Fui disso testemunho presencial.
[4] Segundo vi e me informaram (Hermano
Cordeiro, Fernando Cordeiro, João Luís Silva Melo, João Senica): Ordenha fixa
de Luís Furna nas Cancelas do André; extracção de areia do tufo de José do
Couto – água da rega da Barrosa; vacaria de João Vieira; Insulac (o problema
está aparentemente resolvido); Criação de Porcos de Pedro Almeida; Bairro da
Quietação; da ponte da Grota à da rua do Balcão (quase todas as casas têm tubos
para a ribeira); desta última à da rua do Mourato (idem); da do Mourato à da
Variante (idem); desta à foz (idem). Abrange as ruas da rua Direita de Cima,
Dr. Hermano Mota, Madre Teresa, Balcão, Biscoito, rua do Saco. E muita
atenção ao Areal de Santa Bárbara ali ao lado. Não creio que escape. Falei com
gente que me confessou ter ido fazer queixa mas que nada foi feito; outros não
o fizeram nem irão fazer porque não se querem dar mal com os vizinhos ou com
tal fulano que tem muitos conhecimentos. Outros, até, que o fazem e não vêem
nenhuma mal nisso. Outros indagam-se pela razão de as entidades não
fiscalizaram isso. É esse o estado de cidadania.
[5] Não devo (no
entanto) de pôr (completamente) de parte a hipótese de moer só com a água da
chuva, porque em São Roque do Pico (terra de alguns dos meus antepassados) na
década de noventa garantiram-me que tal seria possível. Será? Não vi. Portanto,
ainda que pouco, corria água. Um único proprietário dispunha de três tipos de
moinhos: Quando havia vento e não chovia, usava o moinho de vento; quando
chovia, usava o moinho de água; quando não havia vento nem chuva, utilizava uma
atafona movida por animais. Os moinhos já não funcionavam, mas um descendente
garantiu-me isso.
[6] O Livro de
Posturas da Vila da Ribeira Grande - 14 de Abril de 1796, numa actualização de
1857, artigo segundo, mantém em aberto a possibilidade de haver (ou de poder
haver) moinhos de água na ribeira Seca: ‘ Os
proprietários dos Engenhos de Moer pela força das aguas do domínio publico, a
cargo desta Câmara, feitos e a fazerem-se neste Concelho, pagarão por cada uma
[sic] Moega (…) dos ditos Engenhos, que trabalham com a água da Ribeira Grande,
que não é a do mencionado encanamento,
situados estes nesta Vila, Ribeira Seca, Longaia e Mãe d’água (…).’
[7] Sucedeu outro tanto (ou pior) à ribeira Grande.
[8] Não serão as
ruas dos Lagos e do Biscoito juntamente com o Largo de São Pedro e o fontanário
bons indícios de que a ribeira Seca corria também por ali?
[9] Inspeccionando o terreno, creio ser
mais provável que tenha corrido pela ribeira do Vilão abaixo antes de se juntar
à ribeira Seca na Grota.
[10] Numa outra parte do texto, Frutuoso repete (acerca das
duas ribeiras de fogo que desceram do pico do Sapateiro): ‘Uma delas desceu pela Ribeira Seca até o mar (…).’
[11] É bem possível
que tenha provocado uma profunda alteração no leito e no curso da ribeira. É
ler o que aconteceu à ribeira Grande – sobretudo na zona da Mãe d’água – em 9
de Agosto de 1919: Cf. [Ezequiel Moreira da Silva?], A catástrofe de sábado, Ecos do Norte, 16 de Agosto de 1916, pp.
1-2.
[12] Incluindo a Lomba, ia do mar ao
Telhal, daí passava à Mediana e descia novamente ao mar. Integravam-na cento e
sessenta fogos. A segunda, foi o do Senhor Bom Jesus do Lugar de Rabo de
Peixe, em data incerta, mas provavelmente entre meados da década de 10 e da de
vinte do século XVI. APISP, Cópia do Primeiro e Segundo Livro do Tombo da
Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da Vila da Ribeira Grande, Carta da
criação da freguesia do Apóstolo São Pedro, na Ribeira Seca, de 12 de Dezembro
de 1576, fls. 3-4: ‘Se erigisse e criasse
de novo uma paróquia na ermida de São Pedro para do dito Lugar da Ribeira Seca
da qual fossem fregueses os moradores dele e da Lomba que são perto de cento e
sessenta fogos (…) começando da
casa de Mateus Fernandes que mora no dito Lugar da Ribeira Seca junto ao mar
cortando direito à casa de Ana Lopes, viúva, que vive no Telhal ao pé da serra
correndo daí à Mediana até à casa de João Rodrigues e daí outra vez ao mar até
às casas de Manuel Teixeira onde se acha o dito limite (…).’ Em 1563, diz-nos sempre
Frutuoso, que ali caíra ‘uma igreja de S.
Pedro e uma ermida da Madre de Deus e quase todas as casas da Ribeira Seca.’
Repetindo-o mais adiante (e de forma igualmente clara): ‘Caiu a ermida da Madre de Deus, sem ficar pedra sobre pedra, e toda a
igreja de S. Pedro da Ribeira Seca (…) com quantas casas nele havia (…).’
Isso diz Frutuoso que presenciou dois anos depois toda a destruição, [Frei
Agostinho de Monte Alverne, que vivei mais de século depois, oferece outra
versão. Diz que a lava “chegando à Ribeira Seca, à ermida de S. Pedro, que
hoje é freguesia, sem lhe fazer lesão alguma, se foi ao mar”, etc.
(Crónicas da Província de S. João Evangelista das ilhas dos Açores, volume II,
pág. 333). É-me difícil perceber (tanto mais que Frutuoso nada diz a esse
respeito) como foi possível em 1576 a ermida de São Pedro ter sido elevada a
paróquia quando havia sido arrasada (bem como o Lugar) em 63/64.
[13] Sabemos do que se passou através da crónica
de Frei Agostinho de Monte Alverne (debruça-se mais sobre o que ocorreu na
Vila) e da de João de Sousa Freire (vigário de São Pedro, concentra-se no que
sucedeu na Ribeira Seca). São ambos contemporâneos e testemunhas da ocorrência.
[14] É certo que Frei Agostinho também o
faz, porém, por ser uma narrativa (quase) inédita (além de ser
extraordinariamente bem detalhada sobre a Ribeira Seca) opto por esta. Digo
quase inédita porque pelo menos em 1919 foi publicada pelos Ecos do Norte. Freire, Lembrança do dilúvio que houve nesta Vila
no ano de 1667, Ecos do Norte, 23 de Agosto de 1919, pp. 1-2: ‘Há 252 anos. Publicamos em seguida a
descrição de uma cheia aqui ocorrida em 1667, que mais interessante se torna
pelas singulares coincidências com a que teve lugar no dia 9 do corrente. Foi
extraída do Livro do Tombo da igreja de S. Pedro da Ribeira Seca, pelo Sr.
Manuel Pedro de Viveiros, que muito gentilmente nos cedeu, a fim de a
publicarmos no nosso jornal.’
[15] ‘que ninguém se lembra ver jamais nem por
tradição de homens de cem anos, e mais, se achou tal, ouvissem sucedesse jamais
[diz mais acerca da gravidade daquela do que da verdade histórica].
[16]APISP, Cópia do
Primeiro e Segundo Livro do Tombo da Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da
Vila da Ribeira Grande, O vigário João de Sousa Freire, Lembrança do dilúvio
que houve nesta Vila o ano de 1667, 23 de Janeiro de 1668, fls. 14-15 v: ‘Na Ribeira Grande foram ao mar algumas
casas totalmente mas de pouca consideração de que não sei número certo, mas não morreu pessoa alguma de que
eu tenha notícia e na rua que do Corpo Santo vai para o mar com a redundação
das águas que (h)ouve na Praça de meia
rua para o mar fez uma grota tão funda de altura de uma boa lança pouco mais,
ou menos com que arruinou todas as casas que e uma e outra parte da dita
rua havia das quais foram em parte para
o mar, e uma parte de um granel em que perderam 10 moios de trigo pouco mais ou
menos e nesta grota aparecerão edifícios
antigos de casas, que ali estavam soterradas, sinal de que em tempos de que não
temos lembrança, ouve semelhante ou maior cheia, que soterrou aquelas casas
e edifícios dos quais estão as paredes, e por tais ao nível com as que hoje
estavam, em cima quase como se a prumo os fizeram. (…) e finalmente na Ribeira Grande levou o muro da água das freiras, que
havia custado muitos cruzados, e uma ponte muito formoso que há poucos anos se
havia feito (p.15) com muito
dispêndio a que chamavam a ponte das Freiras, porque dos Foros se ia por ela
para as Freiras e lhe ficava vizinha, levou mais as ameias da ponte grande da
Praça, e uma casa da guarda que abaixo dela ficava, e parte dos açougues, e
abaixo dos açougues junto à Câmara no baixo da dita ribeira, descobriu o
fundamento de uma ponte pequena que ali houve antigamente da qual só se sabia
por tradição. Isto é em suma o que danificou este dilúvio, e quebrou as águas dos moinhos que
custarão muito se porem outra vez em caminho para o moerem porque avariou muito
a ribeira: o que fez grande confusão e opressão nesta Ilha por falta que se não
moía. Isto quanto ao que passou nesta Vila.’
[17]Açoriano
Oriental, 7 de Outubro de 1848.
[18]
[Ezequiel
Moreira da Silva?], A catástrofe de sábado, Ecos do Norte, 16 de Agosto de
1916, p. 1.
[19] Testemunho de
Carlos Bicudo, 27 de Maio de 2024 Pelas análises, deverá ser a causa maior do
estado da água do mar. Até então, o foco principal de poluição da Areia (Monte
Verde) localizava-se dentro da própria Ribeira Grande (o matadouro Municipal
vazava para o Monte Verde, a Fábrica de Lacticínios (antecessora da Bel) vazava
para a Rochinha Preta, a própria Câmara vazava para a Rochinha Preta). Passou
para as pastagens. As matas hoje desleixadas e as margens da ribeira
descuidadas então eram – pela necessidade das gentes -, limpas a pente fino.
[20] Açoriano
Oriental 2 de Outubro de 1998.
[21] Correio dos
Açores, 3 de Fevereiro de 2004.
[22] Diário dos
Açores, 1 de Março de 2013.
Açoriano Oriental, 1 de Março de 2013. ‘Das quatro famílias desalojadas (duas na Ribeira Seca, uma na Ribeira Grande [Persiste a confusão: a Ribeira Seca é
Cidade tanto como a Matriz] (…) só na
Ribeira Grande não foi alojada em casa de familiares.’
[23] Açoriano Oriental, 1 de Março de 2013.
[24] ‘O presidente da
Câmara, Ricardo Silva, eleito pelo PS, da mesma cor do Governo da Região, sem
responder à questão, informa que tinha estado reunido com o Director Regional
da Habitação e que ficara decidido uma solução para ‘o desalojamento dos agregados familiares da Rua Nova e da Rua da Mãe de
Deus. O IDSA – Instituto para Desenvolvimento Social dos Açores – iria
articular com as famílias a concessão dos equipamentos mais necessários às
famílias que tudo perderam no seguimento das cheias.’
[25] Testemunho de
José Gouveia, 9 de Agosto de 2024: Assim se compreende os meios dados a quem
quisesse (não sei se ainda é assim) fazer cumprir a lei (lei para inglês ver!):
‘mais para fazer um penso rápido ao mal
causado (nessas alturas chegava a haver mais de duzentos homens) e menos à sua
prevenção (normalmente uns 20 homens.’
[26] O Ministério
Público que investigue, terão feito um favor a dois ou três: ‘como é que teriam autorização para terem
vacas ali se não fosse por um grande jeito de cima?’ Ou ‘porque é que as
descargas domésticas continuam? Alguém fecha os olhos.’
[27] Desde 2003, os
Recursos Hídricos, garantiu-me hoje Raquel Cymbron, são feitas análises em três
pontos da ribeira Grande: 1 - Na zona Rosário/Lombadas; 2- Confluência Pernada
– Ribeira do Teixeira; 3 – Zona urbana. Na 2, produtos das vacarias, a que se
junta na 3 o dos afluentes domésticos. Não são feitas análises à ribeira Seca.
[28] João Paz, Já se pode ir a
banhos na baia do porto da Maia porque as águas estão dentro dos parâmetros
normais, Correio dos Açores, 8 de Agosto, p. 4.
[29] João Paz, Já se pode ir a
banhos na baia do porto da Maia porque as águas estão dentro dos parâmetros
normais, Correio dos Açores, 8 de Agosto, p. 4. Se ‘alguém for ao SNIR, não tem
quaisquer dados relativos aos Açores. Mesmo indo aos sítios da internet do
próprio Governo Regional dos Açores diz-se que deve ser consultado o Sistema
Nacional, ou então, estão presentes análises do ano passado”, disse Francisco
Ferreira, da Associação Zero, à Antena 1 Açores.’
[30] Testemunho de
Raquel Cymbron, 12 de Agosto de 2024.
[31] Ana Carvalho de
Melo, A Figura: entrevista a Teófilo de
Braga, Açores, Magazine, 28 de Julho de 2024, pp. 4-5. Açoriano Oriental,
30 de Julho de 2024, p. 5: ‘Novo POOC de São Miguel mais rigoroso na definição
do risco. Está em discussão pública até 3 de Setembro. Documento é mais
rigoroso na definição das zonas de risco onde se pode ou não construir. [Que
plano diz onde e não fazer pasto ou a cultura que se adequa? Não é o POOC].
Discussão pública dia 19 de Agosto, RGE, Escola Básica Integrada da RG 18
horas. Estive a estudar a proposta colocada on-line, a minha opinião é uma
pergunta: como controlar os riscos costeiros não controlando os riscos das
ribeiras? A solução seria o POOC alargar-se às bacias hidrográficas. A
plantação de árvores é assunto velho de mais de três séculos. Veja-se vereação
da Câmara da Ribeira Grande de 1604: Arquivo Municipal da Ribeira Grande,
Acordans de 1604 a 1605, [30/06/1604]: ‘(…) as
pessoas que fizessem terras ao longo da ribeira e plantassem certas arvores
(…).’ Em 1619, de novo: ‘Termo de
como se mandaram e plantaram as faias ao longo da r.ª Gramde na forma da
corejsam (…).’ Cf. Arquivo da Câmara Municipal da Ribeira Grande, Acordãos
de
[32] Intriga-me que as associações ambientais locais não se mexam!!
[33] Um projecto do
qual eu faço parte como consultor de História. https://www.cm-ribeiragrande.pt/camara-da-ribeira-grande-apresenta-projeto-para-requalificar-a-ribeira
1 de Julho de 2021. O Presidente (recandidato) havia pedido ideias ao
arquitecto Nuno Malato (arquitecto residente na Cidade da Ribeira Grande). Que,
em Junho, a Região passou para as mãos da Câmara. Cf. Correio dos Açores, 14 de
Junho de 2024:
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