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Santa Iria - IV

Porto de Santa Iria – 4

 

Voltemos ao porto de Santa Iria: ‘Mais encarecia a necessidade de um porto com que a navegação pudesse contar no lado Norte da Ilha, o estabelecimento de comunicações com o continente por navios a vapor, prestes a dar-se. A Companhia União Mercantil, primeira que teve a empresa daquela navegação, interessou-se pela construção de um porto naquela costa onde pudessem os seus barcos refugiar-se a brigar-se dos levantes a que os obrigavam as borrascas do sul.’[1]

Ponderando a necessidade, ‘O governo autorizou a construção, proporcionou meios para isso e incumbiu a Direcção dos trabalhos ao engenheiro J. Luís Lopes, autor dos planos superiormente aprovados.[2]

E foi assim que, em 1854, quatro anos apenas do lançamento da primeira pedra do novo cais do Porto de Santa Iria, o capitão de engenharia João Luís Lopes, primeiro Director das Obras Públicas Distritais, foi ‘incumbido de traçar projecto e orçamento da conclusão ou aperfeiçoamento das obras encetadas.’[3]

A 12 de Agosto de 1851, o Governador Félix Borges de Medeiros[4] nomeou uma Comissão de Obras Públicas destinada a fixar prioridades e estratégias em matéria de fomento, com destaque para a questão das vias de comunicação. A 12 de Novembro de 1851, o mesmo Governador dissolve a Câmara Municipal das Capelas. O mesmo Governador Félix em Abril de 1855 pede ‘oficialmente’ ‘ao engenheiro militar’ ‘Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do (…) Districto, João Luiz Lopes,’ que avalie as potencialidades das baías de Capelas e de Santa Iria. A 30 de Novembro daquele mesmo ano de 1855, João Luís Lopes tem o relatório completo.[5]

Em Dezembro, a Câmara da Ribeira Grande, toma nota destes trabalhos: ‘Constando à Câmara que a Junta Geral deste Districto existe um Mapa ou plano da Construcção de uma Doca no Porto de Santa Iria com seu competente orçamento de Despeza, feito pelo Engenheiro José Luiz Lopez Director d’Obras Públicas n’este Districto (...).[6]

E a conclusão do engenheiro foi um equilíbrio entre a técnica e a política: ‘Pelas vantagens e inconvenientes, que acabamos de expor em referência aos dois Portos acima mencionados, vê-se que a opinião mais razoável, e que ofereceria maior número de vantagens seria a de aproveitar ambos os portos para o mesmo fim, construindo em ambos eles as necessárias obras de arte, e os caminhos de comunicação para os embarcadouros; desta forma poderiam todos os navios, que demandam Ponta Delgada na época comercial refugiar-se na Costa do Norte em ocasiões de levantes, e continuarem a carregação, que seria feita nos ditos dois Portos, com boas estradas e bons cais de embarcadouro.[7]

No entanto, o técnico propõe que ‘não sendo por outro lado compatível com a situação financeira do país, o executar estes dois trabalhos simultaneamente; por isso julgo ser preferível começar pelo melhoramento do Porto de Santa Iria.’ Tanto mais que era urgente: ‘porque, desta forma, conseguiríamos em menos tempo, e com menor despesa o remédio de um mal, que tanto se faz sentir nesta Ilha, e com especialidade com os Vapores, cuja carreira, segundo se presume, terá de começar dentro em poucos meses.’ Antes de concluir, acrescenta, para contentamento dos preteridos: ‘e oxalá que depois dele fosse igualmente levado à execução e aprovado um igual melhoramento para o Porto das Capelas!!![8]

Supico acha que a opção pelas Capelas ficou comprometida: ‘Prejudicaram-na a questão de meios, mesquinhamente calculados como fica visto, e a questão de localidade.’[9]

Esqueceu-se Supico ou mudara de opinião? Sucede que, sendo Director de A Estrela Oriental, o jornal escrevera: Existem todas as probabilidades de começar mui próximo a carreira de navegação a vapor entre a capital e estas ilhas, e todavia coisa alguma tem o governo ainda resolvida acerca do Porto de Santa Iria, não obstante a bem elaborada memória do Sr. Director de Obras Públicas neste Distrito o hábil engenheiro o Sr. João Luís Lopes. É preciso pois que não afrouxem as diligências, e que constantemente se faça lembrar aos nossos deputados e necessidade e mesmo urgência de uma obra reclamada por todos que tem em consideração a perda de vida e de fazendas que ocorrem anualmente por falta de um porto de abrigo às muitas embarcações que demandam às nossas águas na estação invernosa. Havemos de tratar deste objecto com mais amplitude, limitando-nos por agora somente a lembrar, que devem continuar as instâncias enquanto se não conseguir definitivamente uma resolução favorável.’[10]

A Câmara da Ribeira Grande, sendo ‘Vila da Ribeira Grande, que é decerto a 2.ª povoação da Ilha em comércio, riqueza e população,’[11] logo a seguir a Ponta Delgada, usa o seu poder para trazer a Santa Iria o porto do Norte ou aproveita o interesse superior? Talvez ambas as coisas. A Ribeira Grande, a sortuda escolhida, através da sua Câmara, financia a publicação do relatório em forma de Folheto.[12] Segundo nota de Ernesto do canto, o Relatório é publicado no jornal Aurora dos Açores n.º 92.[13]

Perceberam na terra que era preciso criar uma associação para estudar, propor e fazer força junto aos poderes. Outro defensor público do Porto de Santa Iria, como veremos, foi José Maria da Câmara Vasconcelos e a uma Associação para o desenvolvimento da Ribeira Grande fundada em 1857 Segundo o jornal da Ribeira Grande, A Estrela Oriental, José Maria da Câmara Vasconcelos era no início de 1857 presidente de uma ‘Associação há pouco fundada neste Concelho’. Destinava-se a ‘(...) promover os melhoramentos materiais e morais do Pais [leia-se Ribeira Grande e não Portugal], tendo em vista fraternizar, e adoçar a sorte das classes operárias que sendo as mais úteis são porventura as mais desgraçadas (...).’ Para cumprir o objectivo traçado, incumbiu-se ‘a alguns dos seus membros formalizar as bases daquele trabalho’. Eram propostas ‘três (...) instituições de Caridade, que com mais ou menos vantagem, se podem estabelecer nesta Vila em utilidade das classes operárias de todo o Concelho, a saber, uma Sociedade de Beneficência, Caixa Económica, e Montepio.[14]

Dito e feito, se A Estrela Oriental do dia 4 o dissera, A União do dia 8, confirmava-o: ‘Reuniu-se a Sociedade Promotora dos melhoramentos deste Concelho no dia 8 [Março] do corrente, como se havia anunciado.[15]

Mário Moura

Lugar das Areias – Rabo de Peixe

 



[1] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, pp. 699-900, Cf. A Persuasão, Ponta delgada, 9 de Outubro de 1901.

[2] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 699, Cf. A Persuasão, Ponta delgada, 9 de Outubro de 1901

[3] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 699, Cf. A Persuasão, Ponta delgada, 9 de Outubro de 1901

[4] Félix Borges de Medeiros (n. 21- Junho de 1819 - Ponta Delgada – f. 14 de Junho de 1872 -Angra). Foi governador de 1851 a 1868. Tomou partido pela Regeneração. O pai era lisboeta, comerciante, que aqui se veio refugiar das invasões francesas, a mãe da costa Norte da ilha de São Miguel. Da Bretanha.

[5] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, p. 10.

[6] AMRG, Acta de Vereação de 6 de Dezembro de1855.

[7] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, p. 7.

[8] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, p. 8.

[9] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume I, ICPD, 1995, p. 97. Cf. O Cartista dos Açores, Ponta Delgada, 11 de Abril de 1846

[10] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, n.º 1, 28 de Maio de 1856, fl. 2.

[11] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, p. 7.

[12] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, 10 de Dezembro de 1856: Na despesa da CMRG, vem incluída a quantia 45$000 réis empregue na impressão de um folheto com a Memória e orçamento do Porto de Santa Iria.

[13] Lopes, J. L., Memoria descriptiva em apoio do Projecto para o melhoramento do Porto de Santa Iria no Concelho da Ribeira Grande, Districto Administrativo de Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel dos Açores pelo Capitão do Corpo de Engenheiros, Director das Obras Publicas do mesmo Districto João Luiz Lopes, [S. l. : s. n.], Ponta Delgada, Typ. A. das Lettras Açorianas, 1856, Folha de rosto: [Livraria Ernesto do Canto. Existe também um exemplar na do irmão José do Canto: A Lápis]

[14] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, 4 de Fevereiro de1857.

[15] A União, Ribeira Grande, n.º5, 19 de Março de 1857.

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