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Ribeira Grande: Limites - IV

Ribeira Grande: Nascimento de uma Vila

(Biografia)

O limite a poente era? – IV

Até onde chegam os 6.200 metros a Poente do pelourinho da Ribeira Grande? Será à Travessa do cemitério de Rabo de Peixe? Ou será à canada da Misericórdia, hoje rua da Misericórdia? Antes canada de São Sebastião? Ou seria, antes, por aquela área?

A manhã convidava. Deixei o carro, desci ao adro da igreja de Nossa Senhora do Rosário. Por que razão o limite terá terminado por ali? Nota-se apenas uma ligeiríssima descida no terreno. Nada mais. Vou chegar-me mais perto. Meti pela rua da beira-mar, entrei na rua de São Sebastião. Parei à entrada da Travessa do Cemitério, após uma curta vista de olhos, subi para a rua de Toronto, atravessando a estrada. Olhei e voltei a olhar. Não encontrei no terreno descontinuidades claras, tais como, colinas, grotas, matas, que tivessem servido de limites óbvios. Ainda assim, verifiquei pequenas descontinuidades no terreno. Seria assim em 1507? Será o que resta actualmente do primeiro biscoito de Rabo de Peixe de que nos fala Frutuoso já para a década de oitenta? Voltei em direcção à ermida de São Sebastião, a uns meros cinquenta a cem metros, à minha direita, dei com a rua da Misericórdia. Subi a rua. Vai subindo, subindo até encontrar a variante. Após esta interrupção, continuando a subir, retoma o percurso na rua Gonçalo Velho, que a partir da canada da Baldaia, passa a Rua dos Calços e a partir da canada da Tronqueira, passa a Caminho da Tronqueira. Chega até à estrada da Ribeira Grande, defronte da Empresa Tecnovia, que interrompe um possível/provável caminho anterior à estrada e aos arruamentos da pedreira. Para poente destas ruas e caminho, o terreno desce: algumas quintas (biscoito) e algumas boas pastagens. A Nascente, a uma cota sempre ligeiramente (mas visível) mais alta do que a cota das ruas e caminho, deparamos (na sua grande maioria) com quintas (biscoitos). Os terrenos aqui são fracos, ali (para depois da rua de Toronto) são as melhores terras, dizia-me o meu tio. Disse-me Emanuel Pimentel. Pensei: eram aqui os limites. Antes, o biscoito estaria coberto por mato. Ali, mais a poente ou a nascente do círculo (descrito pela légua inicial), o biscoito e o declive no terreno, apontam para a demarcação inicial a poente do Concelho da Ribeira Grande. Voltei no dia 1 de Abril de 2022. Quis inspecionar de novo o local. De novo em frente ao meu computador, fui confrontar os dados observados no terreno com os dados cartográficos implantados nas plantas que examinei no Sistema de Informação Geográfica da Câmara da Ribeira Grande SIG.[1] De acesso público. A hipótese pareceu-me poder ser confirmada: seria por ali. No entanto, pensei que talvez fosse ainda mais longe na confirmação da minha hipótese se conseguisse distinguir os terrenos daquela área que se mediam pela vara pequena e os que se mediam pela vara grande. Os medidos pela vara pequena pertenceriam à área (inicial) do Concelho. Porque não avancei por aí? Proteção de dados. E falta de pachorra para furar a bur(r)ocracia.[2] No entanto, encorajo quem o possa fazer. Força! Força! E muito obrigado.

Quanto a esta medição ser diferenciadora de duas áreas, Frei Agostinho de Monte Alverne, deixou-nos dito ‘e somente hoje [parte substancial da escrita termina em 1695, mas existem notas posteriores, indo ao século seguinte] as terras desta vila e a légua, que tem de distrito, para uma e outra parte, se medem por vara pequena.[3] Uma chamada de atenção: quando Frutuoso e Monte Alverne escrevem, o limite do Concelho a poente já ia até às Calhetas. Mas, dão-nos a prova de que existiu um limite na área de São Sebastião entre a Ribeira Grande (Rabo de Peixe) e Calhetas. E esse seria o limite inicial de 1507? Muito provavelmente.

De volta ao carro, de regresso à Ribeira Grande, miudinho com sou, quis confirmar mais uma vez. ‘André [Franco], podes pela centésima vez, voltar a implantar no mapa os 6. 200?’ Vê se chega à rua da Misericórdia? Resposta: ‘em linha recta, de diante da Câmara da Ribeira Grande, até ao arranque da rua da Misericórdia, junto ao mar, em Rabo de Peixe, dá 6.200.’[4]

Frutuoso escreveu: ‘Tem esta freguesia [do Senhor Bom Jesus, Lugar de Rabo de Peixe] duas ermidas: uma de Nossa Senhora, que dantes era a paróquia até que fizeram a que é agora matriz, abaixo, abrigada e acompanhada entre as casas; e outra de São Sebastião, no cabo do lugar, para o ponente.[5] Repare-se bem no destacado em negrito. Com muita probabilidade, aí terminaria a Poente o Concelho em 1507. Em outra passagem, em que Frutuoso distingue claramente Rabo de Peixe das Calhetas, ficamos a conhecer a distância entre ambas: ‘De Rabo de Peixe a um, terço de légua,’ portanto, cerca de 2000 e pico de metros, ‘estão uma Calhetas (…).’[6] Ou seja, o limite só pode ficar na zona da ermida de São Sebastião.

Conversando com antigos funcionários da Repartição de Finanças da Ribeira Grande, soube que a vara pequena, ‘do lado de Rabo de Peixe, vai até próximo do cemitério (…).[7] Portanto naquela área entre a rua do Toronto e a da Misericórdia. Outro testemunho, diz o mesmo por outras palavras: ‘do lado do mar para cima, ao pé do cemitério, começava na canada das Labardas, hoje rua de Toronto, depois ia para a canada de São Sebastião, hoje rua Gonçalo Velho Cabral e ia sair à estrada da Ribeira Grande, ao pé da Bomba de gasolina da estrada.[8] A escolha do local do cemitério, inaugurado em 1835, ali naquele local de fronteira e não mais à frente na canada Grande, cuja área foi posteriormente integrada no espaço concelhio, não poderá apontar para os limites concelhios iniciais que a memória oral preservou e transmitiu? É uma boa hipótese. Em 1507, terá sido naquela área sem grotas nem ribeiros, mas com um biscoito onde terminavam as terras férteis a poente, que se colocou o marco dividindo o novo concelho da Ribeira Grande do de Vila Franca do Campo. Não poderia ter ido mais além a poente do marco, pois aí encostava uma grande propriedade. A instituição do Morgadio do escudeiro Nuno Gonçalo Botelho, data de 1504. Esta ‘grossa fazenda no lugar de Rosto de Cão, que partia da ermida de Santa Maria Madalena e chegava às portas do Biscoutal Grande, que será meia légua todo de terras de pão e vinhas, e cingindo a ilha pelo meio, começando do mar do sul, fenecia da outra parte do norte, até emparelhar com o lugar de Rabo de Peixe (…).[9]

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Não guardei nada na manga, partilhei tudo convosco. Interpretei-o da forma como deixo nas linhas anteriores. Desafia-vos a partilharem comigo a vossa interpretação. Se não tiverem ainda outra, comecem por desmontar o que montei, tentem de seguida ver se se encaixa na tese que vos propus. Podem dizer-me se se encaixa ou não? Como o fazer? Escrevam-me. Abordem-me na rua. Telefonem-me. A Ilha é pequena. Acabando com esta conversa, acrescento: no próximo artigo, tratarei dos outros possíveis limites ao longo da circunferência da légua. Um aviso: são ainda mais difíceis de identificar. Vou tentar, prometo, ver até onde consigo ir.

Lugar das Areias – Rabo de Peixe

Mário Moura

 



[1] https://www.cm-ribeiragrande.pt/viver/urbanismo-e-planeamento/sistema-de-informacao-geografica

[2] Se fosse solicitador ou advogado ou outro técnico, já o poderia fazer, foi assim que entendi (bem) a informação que obtive.

[3] Monte Alverne, Frei Agostinho, Crónicas da Província de São João Evangelista das Ilhas dos Açores, Ponta Delgada, ICPDL, 1961, p. 294.

[4] Conversa entre Mário Moura e André Franco, 24 de Março de 2022.

[5] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, ICPD, 1998, p. 192.

[6] Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, ICPD, Livro IV, Volume II, 1981, p. 1114.

[7] Testemunho de José Amaral, 8 de Abril de 2010. Funcionário reformado das Finanças da Ribeira Grande. Nota nossa: O Porto Formoso, outrora de Vila Franca do Campo, entra no Concelho da Ribeira Grande por volta de 1820. Quanto ao Pico da Pedra e Calhetas? Não sei.

[8] Testemunho de António Gouveia, 8 de Abril de 2010. Funcionário reformado das Finanças da Ribeira Grande.

[9] Frutuoso, Gaspar, Saudades Terra, Livro IV, Vol. I, ICPD, Ponta Delgada, 1977, p.62; Frutuoso, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, ICPD, Ponta Delgada, 1998, p. 25

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