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Santa Iria - X

A Alfândega na Ribeira Grande e o grande João Albino Peixoto

(Porto de Santa Iria – X)

 

Além do primeiro livro referido, existe um segundo denominado da ‘Receita classificada das Delegações da Ribeira Grande e Santa Maria 1865-1874.[1] Na folha de abertura, Read Cabral escreveu: ‘Servirá este livro para escriturar a receita geral classificada da Delegação da 2.ª Ordem de Santa Iria na Vila da Ribeira Grande no ano económico de 1865-1866. Vai por mim numerado e rubricado com o meu cognome Read Cabral. Alfândega de Ponta Delgada, 27 de Junho de 1865. O Director/ Guilherme Read Cabral.’ Na última folha, a de encerramento: ‘Tem este livro 24 folhas. Alfândega de Ponta Delgada, 27 de Junho de 1865. Director/ Read Cabral.’

 

Read foi inspecionar Santa Iria em 1874 e de novo em 1875, conforme se lê no mesmo livro. Diz Read da sua visita de 1874: ‘Na minha visita de inspecção a este Posto Fiscal notei a folhas 19 v. deste Livro a falta de separação na escrituração dos meses de Julho e Agosto e sem que se transportasse da folha 19 para a folha 19 verso a totalidade de Julho compreendida na primeira destas folhas devendo o Senhor Chefe de Posto advertir esta falta ao empregado e escriturário para que não se repita. Posto Fiscal da Ribeira Grande, 13 de Agosto de 1874. Read Cabral.’ Na visita de 1875: ‘Visitei este Posto Fiscal nesta data. Ribeira Grande, 8 de Agosto de 1875. O Director Guilherme Read Cabral.Este segundo livro oficial, o último de que dispomos, começa as suas entradas em 1868 e termina em 1874. Em 1868, 69 e 1870 dá conta do imposto sobre o pescado, o lucro dos pescadores e exportação. A partir de 1870 a 1874, já não regista qualquer exportação, mantendo, porém, o imposto sobre o pescado e o lucro dos pescadores.

 

É provável que tenham existido outros livros antes e depois das datas constantes nos livros sobreviventes, ou que fossem registados em Ponta Delgada, pois, como vimos, há notícia de embarque de fruta antes de 1863. De facto, e repetimo-lo mais uma vez, o primeiro carregamento conhecido de fruta no Porto de Santa Iria ocorreu no dia 25 de Janeiro de 1862.[2] O que bate certo com a notícia vinda em o Açoriano Oriental do mês de Outubro do ano anterior: ‘A Vila da Ribeira Grande vai este ano carregar a sua laranja no porto de Santa Iria.[3] O segundo carregamento, chega-nos num jornal de 15 de Fevereiro: ‘Já largou de Santa Iria o segundo navio com laranja.’[4] A edição do mês de Março do mesmo jornal dava conta de terem sido ‘já três navios que tem carregado em Santa Iria e o último parece que em boa monção saiu dali para Inglaterra.’[5] No final de 1862, vemos que ‘a 19 do corrente [mês de Dezembro] saiu do Porto de Santa Iria o primeiro navio carregado de laranja.’[6] Porém, a primeira embarcação a dar entrada no Porto de Santa Iria registada no Livro competente, entrou no dia 10 de Novembro de 1863. Percebe-se que tenha sido assim, já que a proposta de criação de um Posto Fiscal em Santa Iria pelo deputado do círculo Oriental é claramente posterior. Diz-nos assim o jornal: ‘O Excelentíssnimo deputado pelo círculo do oriente obteve do ministério respectivo a criação dum posto fiscal no porto de Santa Iria.’ E adianta o argumento: ‘assim como trabalha para que os navios que ali se destinarem para carga e descarga, sejam isentos de dar entrada na Alfândega da cidade [Ponta Delgada].’[7] A notícia do jornal é de 14 de Fevereiro de 1863.

Desde quando  é Albino Chefe de Posto Fiscal? João Albino Peixoto, que era há escassos meses Director de A Estrela Oriental, numa nota e num Edital escritos a 20 e a 21 de Novembro, e publicados dois dias depois naquele jornal, anuncia: ‘Ocupamos hoje o lugar de Chefe de Posto Fiscal.’[8] É possível que Albino tenha ido ocupar o seu posto numa data próxima do dia 10 de Novembro, dia em que faz o primeiro registo de entrada, já que aproveita o jornal do dia 22 de Novembro para esclarecer que iria ‘dirigir três guardas,’ cujos últimos nomes nos dá: ‘Câmara, Sodré e Costa.’ De acordo com o Regulamento, competia-lhe ‘Fiscalizar os embarques de laranja, e cereais, e as descargas, e as descargas daqueles géneros procedentes dos portos nacionais,’ incluindo a ‘repressão do contrabando.’ Bem como ‘fiscalizar os objectos, que transitam por terra, quer na Vila, quer nos caminhos públicos.’ A sua área de jurisdição  ia além da Vila ‘quando as circunstâncias assim o exigi(ss)em.’ Também lhe competia ‘tomar conhecimento de todos os objectos que o mar lançar sobre as margens do litoral, que diz respeito ao Concelho desta Vila, devendo disso darem-me parte as autoridades locais, e os achadores.’ Contava com  colaboração das autoridades locais e oferecia, em troca a sua.

 

A primeira embarcação registada oficialmente no Porto de Santa Iria, foi o Iate português São José II Capitão António Ferreira trazendo pedra de cal de Ponta Delgada. Foi de 10 de Novembro de 1863. O que nos leva a admitir que antes dessa data, os navios que foram a Santa Iria terão sido apenas registados em Ponta Delgada. A última de que há registo, deu entrada no porto de Santa Iria a 25 de Julho de 1869 e de lá zarpou a 30. Foi o Iate Lealdade do Mestre José de Oliveira da Velha (?) Júnior, que veio de Aveiro por Ponta Delgada, de onde trouxe pedra de cal e regressou a Ponta Delgada. No entanto, chegou aos jornais a notícia de um carregamento em Outubro de 1869: Vapor – Chegou no dia 23 do passado o primeiro vapor inglês para carregar laranja.[9] Será que carregou?

 

Para perceber o que foi o movimento no porto de Santa Iria, talvez haja alguma utilidade em proceder a um exercício de comparação. Vamos comparar a afluência de embarcações ao Porto de Santa Iria com a do porto de Ponta Delgada. No que concerne ao de Ponta Delgada, Supico diz-nos que era ‘vulgar contarem-se ali 50 a 70 ancorados.[10] Entre Novembro de 1863 e Julho de 1868, entraram oficialmente no Porto de Santa Iria, seis Escunas, uma Chalupa e um Iate. Excepto o Iate, que trouxe pedra de cal de Ponta Delgada, as restantes embarcações carregaram laranja. De novo repete-se para balizar cronologicamente o movimento do porto de Santa Iria, o primeiro carregamento (não oficial) de fruta no Porto de Santa Iria ocorreu no dia 25 de Janeiro de 1862.[11] A Companhia dedicada à exportação da laranja aparecera em 1861, antes do mês de Junho.[12] Em finais de 1865, extinguir-se-ia.[13] Porquê? Porque deixou de se utilizar aquele porto? A 22 de Fevereiro de 1864 houve um incidente, devido à forte maresia, mas tudo acabou em bem. O que seria comum em qualquer porto. Na noite do dia 12 de Novembro de 1867, porém, ocorreu um naufrágio com consequências.[14] Seria este que marcaria o fim do porto? Não creio.

 

A julgar pelo que ficou registado nos livros da Alfândega, os que existiram ou os dois únicos sobreviventes, Santa Iria foi um completo fracasso. Sem condições, ficou aquém das expectativas optimistas da Vila que queria ser Cidade e queria ser autónoma. Décadas depois, no ano de 1901, Supico sentenciou a actividade daquele porto: ‘Efémeras utilidades que este porto chegou a prestar.[15]

Em 1868, com as obras do molhe artificial de Ponta Delgada a avançar aos solavancos, com sucessivas derrapagens, Francisco Maria Supico, alertava o Director das Obras Públicas e o Deputado pelo Círculo da Ribeira Grande (havia isso, então), para o facto de o porto de Santa Iria estar ‘danificado a precisar obras urgentes,’ pois, aquele ‘porto (era imprescindível) para a Ribeira Grande.’[16] Obras? Só em sonhos?

 

Mário Moura

Lugar das Areias – Rabo

 



[1] BPARPD/ACD/ALFPDL-DSIR/0048, 1865-07-31 a 1875-07-01, Receita classificada das Delegações da Ribeira Grande e Santa Maria 1865-1874.

[2] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 703.

[3] Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 12 de Outubro de 1861.

[4] Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 15 Fevereiro de 1862.

[5] Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 1 de Março de 1862.

[6] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, 30 de Dezembro de 1862, fls. 1-3.

[7] Açoriano Oriental, Ponta Delgada, 14 de Fevereiro de 1863.

[8] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, 22 de Novembro de 1863, fls. 1-2.

[9] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, N.º 7, 4 de Novembro de 1869.

[10] Navegação, Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, pp. 471-472. In Persuasão, Ponta Delgada, 31 de Maio de 1899.

[11] Supico, Francisco Maria, Escavações, Volume II, ICPD, 1995, p. 703.

[12] A Estrela Oriental, Ribeira Grande, 2 de Junho de 1861.

[13] A Persuasão, Ponta Delgada, 6 de Janeiro de 1866.

[14] BPARPD/ACD/ALFPDL-DSIR, Cargas e descargas da Delegação da Ribeira Grande, 1863-1868.

[15] A Persuasão, Ponta Delgada, 9 de Outubro de 1901.

[16] A Persuasão, Ponta Delgada, 22 de Janeiro de 1868, p. 3.

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